O jardim perfumado
Jorge Pinheiro (*)
“Quem faz amor por si mesmo e para satisfazer seus desejos experimenta um prazer mais intenso e duradouro", é que, se o homem, quando se sente pronto para o prazer, entrega ao exercício do coito com mais ou menos ardor, de acordo com o desejo que sente por ele e no momento que mais lhe convém, e se o seu prazer é provocado e regulado pela única necessidade de se aproximar da esposa , ele não precisa ter medo de ficar desamparado.
Mas quem faz amor pelos outros, ou seja, que apenas tem em vista a satisfação dos desejos de sua amante e tende todos os seus esforços para esse objetivo impossível, negligencia a conservação de sua própria saúde e se compromete com os prazeres que ele deseja trazer aos outros”.
Graças sejam dadas a Deus que situou nas partes naturais da mulher os maiores prazeres do homem, assim como localizou nas partes naturais do homem o maior deleite da mulher. Deus não dotou as partes da mulher de nenhum sentimento de prazer ou satisfação, senão quando penetradas pelo instrumento do macho; e, da mesma forma, os órgãos sexuais do homem não conhecem repouso nem tranquilidade até haverem entrado nos da fêmea". Xeque Nefzaui, O Jardim Perfumado.
Os textos antigos árabes, palestinos e mediterrâneos quando descreviam o corpo da mulher quase sempre recorriam a imagens e símbolos, utilizando na maioria dos casos a forma de poesia. É o caso do Cântico dos cânticos, que a tradição judaica apresentou o sábio Salomão como seu autor. E nele podemos ler:
"Os teus dois peitos são como duas crias gêmeas de uma gazela, que se apascentam entre as açucenas. Antes que refresque o dia e fujam as sombras, irei à fonte da mirra e ao monte do incenso".
Só um detalhe, tudo que acabamos de ler é simbólico, inclusive a fonte de mirra e o monte do incenso. Celebrar a sensualidade feminina fazia parte da cultura: as danças, o som dos pandeiros, as palmas e movimentos traduziam a alegria dos povos palestinos e seu encantamento diante da mulher. Assim, Jesus ben Sirac, no Eclesiástico, uma meditação sobre a fidelidade religiosa dos hebreus, nos diz que "a beleza de uma mulher alegra o olhar e excede a todos os desejos do homem. Se a bondade e a doçura estão nos seus lábios, o seu marido é o mais feliz dos homens".
Mas, voltemos à cultura árabe. As mulheres árabes, com as danças, os véus e os coloridos de suas vestes sempre inspiraram à sensualidade. Mas nas mãos da religiosidade cristã ocidental, que viu a sensualidade como inimiga, os textos que falavam do prazer foram mantidos, mas relidos e interpretados a partir de uma espiritualidade que negou e vetou a materialidade humana, levando a leituras que confrontavam a sabedoria oriental.
Na África islâmica medieval, um sábio se interessou em descobrir como dar prazer a uma mulher. Conhecedor do poder feminino, disse que a mulher é como um fruto, que só entrega sua doçura depois que o amante faz por merecer. Este sábio foi o xeque Omar Ibn Muhammad Nefzaui, que escreveu O Jardim Perfumado.
"Se não a animares com carícias preliminares, beijos, pequenas mordidas e toques, não obterás dela o que desejas; não sentirás prazer quando estiveres em teu leito, e não despertarás nela inclinação, afeto ou amor por ti; todas as tuas qualidades permanecerão ocultas".
O xeque Nefzaui, que governou a região da atual Tunísia, no século XVI, nos leva a um mergulho na cultura e na compreensão do Eros no mundo árabe da época. Alguns considerarão os textos pouco sutis ou machistas, mas se entendermos que foram escritos há quinhentos anos e mantêm a força da tradição oriental, poderemos nos aproximar com maior profundidade da beleza da literatura erótica árabe.
Ele nos apresentou um retrato dos costumes reinantes entre as quatro paredes daquela civilização. Dividido em capítulos, traz ensinamentos direcionados ao homem, principalmente de como agradar uma mulher na cama. Há também trechos curiosos, como listas de nomes atribuídos aos órgãos sexuais, e receitas para superar “problemas” relacionados direta ou indiretamente ao sexo – da impotência e esterilidade a técnicas para aumentar o tamanho do pênis. Tudo descrito sem meandros, mas também sem deixar de lado a literatura e a poesia.
Traduzido em 1886, do francês, por Sir Richard Burton, o mesmo explorador que nos trouxe as histórias de Sherazade, o Jardim Perfumado é datado do início do século XVI e, provavelmente, foi escrito em Túnis, capital da Tunísia, onde o xeque Nefzaui viveu e desenvolveu conhecimentos de direito e medicina.
Ao morrer, em 1890, Burton trabalhava em uma nova tradução do livro, a partir do original árabe, que continha inclusive um capítulo inédito sobre homossexuadade, cortado da edição francesa. Mas, sua esposa, por pudor, queimou os manuscritos após sua morte e o trabalho foi para sempre perdido.
Vejamos alguns trechos d’O jardim perfumado.
"Foi Deus quem embelezou o colo da mulher com seios, quem a proveu com um queixo duplo e deu brilhantes cores às suas faces. Também a presenteou com pestanas que parecem lâminas polidas. Deus dotou-a de um ventre arredondado e um belo umbigo, e de ancas majestosas; e todas essas maravilhas são sustentadas pelas coxas. Foi entre estas últimas que Deus localizou a arena de combate; quando dispõe de carne abundante assemelha-se à cabeça de um leão. Chama-se vulva. Oh, quantas mortes de homens jazem às suas portas? E entre eles, quantos heróis? Deus proveu esse objeto com uma boca, uma língua, dois lábios; é como a marca da pata de uma gazela deixada nas areias do deserto.
O Senhor do Universo conferiu-lhes o poder da sedução; todos os homens, fracos ou fortes, estão sujeitos à fraqueza pelo amor da mulher. Por intermédio da mulher, temos sociedade ou dispersão, permanência num lugar ou dispersão".
"Sabei que o mais aprazível coito nem sempre ocorre com o emprego das posições descritas. Às vezes, o coito mais delicioso tem lugar entre amantes que, não muito perfeitos nas suas proporções, encontram os seus próprios meios para uma mútua satisfação.»
"Por conseguinte, experimentai formas diversas, pois cada mulher gosta mais de uma que das outras para seu gozo. A maioria delas, entretanto, tem uma predileção pela Dok el arz..."
1- "Sabei que o homem, operando numa mulher mais jovem, adquire novo vigor; se da sua idade, tirará vantagem disso; e, finalmente, se mais velha que ele, absorverá toda a sua força para si".
2- "A manutenção do membro dentro da vulva de uma mulher, seja por longo ou curto espaço de tempo, após a ejaculação, enfraquece o órgão e torna-o menos apto ao coito".
3- "Sabei que há coisas que dão força e favorecem a ejaculação: saúde física, ausência de cuidados e preocupações, mente desembaraçada, jovialidade de espírito, boa nutrição, riqueza, a variedade dos rostos femininos e suas cores".
4- "Um homem que se sente fraco para o coito deve beber, antes de ir para a cama, um copo cheio de mel grosso e comer vinte amêndoas e cem pinhões. Pode, igualmente, derreter a gordura da corcova de um camelo e untar o seu membro com ela exatamente antes do ato; com isso realizará maravilhas e a mulher o louvará. Finalmente, o membro viril, untado com leite de jumenta, torna-se incomumente forte e vigoroso".
5- "Sabei que as más exalações da vulva e das axilas são, como também a vagina grande, os maiores males. Se a mulher deseja fazer desaparecer esse mau odor, deve pisar mirra vermelha, peneirá-la e misturá-la com água de mirta e lavar as partes sexuais com tal poção. Qualquer emanação desagradável desaparecerá. Outro remédio é obtido macerando alfazema e misturando-a depois com água de rosas e almíscares. Embebe-se um pedaço de material lanoso com a composição e esfrega-se com ele a vulva, até a aquecer. O mau cheiro será removido".
6- Se a mulher deseja contrair a vagina, tem apenas de dissolver alume em água e lavar as partes sexuais com a solução, que poderá tornar-se mais eficaz com o acréscimo de um pouco de casca de nogueira, sendo esta solução muito adstringente».
Espero que leitores e leitoras entendam que a preocupação deste sábio árabe era apresentar a magia da sensualidade feminina. Mas para a época ele vai além disso, acaba por apresentar um curso de educação sexual.
Fonte
Xeque Omar Ibn Muhammad Nefzaui, O Jardim perfumado, Tunis, século XVI, Ed. Record, 1996.
Muhammad ibn Umar al-NafzawiMohamed Lasly
Note moyenne : 5 (sur 10 notes)
Note moyenne : 5 (sur 10 notes)
Le jardin parfumé, c'est le corps féminin, sorte de paradis terrestre où des voluptés inouïes sont possibles. Encore faut-il être initié à ses mystères et c'est semble-t-il la vocation didactique de ce livre du cheikh Nefzaoui dont les origines sont obscures mais le succès universel. Il s'agit d'un manuel d'érotologie arabe où tout ce qui concerne l'acte sexuel est répertorié : diversité des postures et des plaisirs, traité de physionomie, préceptes d'hygiène, préparations aromatiques, recettes aphrodisiaques, remèdes contre toutes les déficiences... Le tout enrichi d'anecdotes singulières et réjouissantes. Un certain nombre de gravures et de lithographies particulièrement licencieuses accompagnent les textes ; celles-ci ont vivement intéressé Guy de Maupassant qui les a commentées lors de la première traduction française à la fin du XIXe siècle. À la lecture de cet ouvrage, on pénètre donc dans un univers orientaliste où le désir est évoqué sans pudeur, de façon à la fois technique et poétique et n'offrant aucune limite à la sensualité. --Claire Mazurel
/(*) Jorge Pinheiro é Doutor em Ciências da Religião, com especialização em política e religião.
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