mercredi 12 octobre 2022

A religião é o ópio do povo


O ser humano é um ser cheio de espiritualidade, e essa espiritualidade pode se expressar de várias formas, sem precisar de um lugar definido. E a religião ocupa um espaço privilegiado nessa espiritualidade, que nada mais é do que a dimensão da profundidade do espírito humano. Por isso existe a busca humana que nos direciona à espiritualidade, à fé e à religião. Ou seja, o homem é um ser religioso.


Que a religião está presente em todas as ações do espírito humano: na ética, na estética, no conhecimento. Por isso, quando alguém rejeita a religião em nome da ética, da estética, ou da busca do conhecimento, está rejeitando a religião em nome da própria religião, porque ela constitui a substância, o fundamento e a profundidade da vida espiritual do ser humano.

Podemos dizer que espiritualidade é aquela relação da pessoa com a transcendência. Nesse sentido, a espiritualidade é a totalidade da vida. A religião, por sua vez, traduz uma dimensão dessa espiritualidade. Por exemplo, quando multidões assistem a um filme como A paixão de Cristo, de Mel Gibson, e as pessoas são despertadas, cada qual à sua maneira, para sua miserabilidade humana, vemos aí uma expressão da espiritualidade. As experiências humanas com o que é sagrado envolvem escolha, disciplina e prática, e levam o ser humano às experiências religiosas, porque a religião traduz o que é sagrado para a vida do crente. Dessa forma, a espiritualidade sempre será traduzida em religiosidade.

Em relação à realidade brasileira, percebemos mais diversidade confessional do que religiosa. Oitenta e nove por cento dos brasileiros confessam ser cristãos, cuja fé está presente no desejo de justiça social e solidariedade. Diante dessa religiosidade cristã invisível, cientificamente podemos dizer que quase todos os brasileiros são cristãos em alguma medida. Tomemos, como exemplo, a igreja católica, que não pode ser analisada como una, pois abriga diferentes manifestações de religiosidade. Além dessa pluralidade católica, há centenas de igrejas evangélicas que incluem as históricas, as pentecostais, as neopentecostais e as importações mais recentes, produtos da globalização.

A religião é um fator de agregação e de desagregação social. Ou seja, pode ser as duas coisas. Talvez seja melhor trabalharmos com um exemplo recente: a posição de setores da igreja evangélica durante os anos da ditadura militar no Brasil. Algumas igrejas, e até denominações, apoiaram o governo militar, a repressão, e tivemos até casos de torturadores evangélicos, membros de igrejas importantes. Desagregamos quando nos ligamos à corrupção, ao clientelismo e às benesses. Agregamos quando defendemos a vida humana, seja ela evangélica ou não. Com isso, constatamos que podemos ser uma coisa ou outra.

Seria um erro uniformizar a atuação de evangélicos nesse período, crentes também foram torturados. Mas o certo é que muitos irmãos, em nome da agregação, do fanatismo e de conceitos bíblicos errados, foram cúmplices de torturas e mortes.

Muitas vezes nos perguntamos: em que a fé cristã ajudou a melhorar o mundo?Para entendermos o papel do cristianismo, é necessário, antes, compreendermos que Deus é o Deus do tempo e da história. Isso significa, em primeiro lugar, que Ele é o Deus que atua na história visando uma meta final. Com o cristianismo monoteísta e a sua mensagem o círculo trágico da sucessão dos deuses do politeísmo, com poderes ilimitados e injustos sobre os povos, foi superado. Em Cristo, salva-se o Universo. Vivemos a plenitude da história e a história alcançará, no reino universal de Deus, o reinado da justiça e da paz. Esta é a mensagem cristã para as nações.

Mas, é bom não esquecer, a religião sempre teve, e continuará tendo, um papel político: a defesa da justiça. Todas as pessoas compreendem a necessidade de justiça e a política, com base no poder, cumpre uma função legítima quando serve às reivindicações da justiça. Às vezes, infelizmente, as religiões se perdem, caem na espiritualidade negativa, ao negarem a diferença, e se tornam instrumentos da guerra e da morte. Não estamos isentos disso. Ao contrário, vemos isso no fundamentalismo islâmico e no fundamentalismo evangélico.

Para entendermos a relação entre religião e Estado, vale a pena nos reportarmos a uma entrevista do filósofo Hans Georg Gadamer, concedida em 1999, às vésperas de completar cem anos de idade. Na ocasião, ele disse que “o respeito pelas outras religiões é um bem que pode nos salvar da catástrofe, mas o caminho para a salvação tem inimigos dentro e fora da Igreja...”. Em outras palavras, estava querendo dizer que devido a muitos países possuírem tecnologias capazes de destruir a vida sobre o planeta, o diálogo franco entre as religiões é indispensável. Ainda segundo esse filósofo luterano, o problema para isso é que as confissões religiosas são muito diferentes e é difícil encontrar uma linguagem comum. Até para os diferentes ramos do cristianismo é difícil o entendimento.

Talvez devessem partir daquilo que todas as culturas e religiões têm em comum. E segundo Gadamer, esse tema unificador são os direitos humanos. Neste sentido, a questão não é tanto a discussão sobre a possibilidade de manutenção de Estados laicos, mas a construção de um diálogo inter-religioso que possibilite a construção da paz mundial. E isso só será possível quando os líderes religiosos de diferentes pontos de vista e credos não impedirem a construção de princípios comuns de defesa da vida humana.


Assim, não é possível falar de pluralismo religioso sem falar de poder, fica uma questão: amor e poder são compatíveis? As igrejas, como qualquer outra ordem social instituída, têm uma existência objetiva que remete à prática do serviço ao próximo. Para isso, não podemos deixar as igrejas (confissões e denominações), se tornem totalitárias, ou seja, mesmo como Igreja de Cristo não podemos negar os limites de nosso poder. E esse limite é o amor. Dessa forma poderemos conviver pacificamente com outras religiões e seguir o caminho da justiça.






Karl Barth negava a necessidade da apologética. Dizia que Deus não tem necessidade de que o defendam. Já Paul Tillich entendia a teologia com apologética. Concordo com Tillich, mas defendo uma apologética do amor. Entendo que a apologética só tem sentido se antes houver testemunho. Por isso, quando falo de apologética do amor estou resgatando Karl Barth, que só entendia vida cristã na plenitude do Espírito. Aí está a chave da questão: sem plenitude do Espírito não há vida cristã, nem testemunho, e, logicamente, a apologética que sair daí não terá amor. Antes, será uma arma de guerra: conduzirá à morte.


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