Princípios de interpretação
Textos do antigo do cânon judaico
Jorge Pinheiro, a partir de L. Byron Harbin, PhD.
Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
1. Distinguir a natureza da literatura do trecho.
1.1. Jó 38.7 -- É poesia ou prosa ?
1.2. Êxodo 20.8 -- É lei ou evangelho; Mc. 1.1; Mt. 4.23; Ef. 2.8-10? Provérbio (axioma), Pv. 13.20? ou canção de amor, Ct. 1.2? ou drama poético, Jó 2.16? ou hino, Sl.42.1?
1.3. Gênesis 1.27 -- É narrativa religiosa ou tratado científico moderno? Predição, Is.2.2? ou ensaio biográfico, Ec.1.12? Cântico profético, Is.45.12, 18; 43.6-7? ou poesia dramática, Jó 10.8-9?
1.4. II Timóteo 3.16 nos mostra a finalidade principalmente religiosa e moral dos textos do cânon judaico antigo.
2. Estabelecer a posição histórica do autor e do trecho.
2.1. Salmo 137.8-9 comparado com Mateus 5.43-48.
2.2. Jó 7.9-10 e 10.21-22 comparado com Jó 19.25-26.
2.3. Salmo 6.5 e Eclesiastes 9.5 comparados com Lucas 23.43 e II Timóteo 1.10.
3. Levar em conta o contexto do trecho.
3.1. Isaías 14.12 à luz dos versículos 4 e 16.
3.2. Gênesis 1.3 e 5 à luz de 1.14 e 19.
3.3. Gênesis 1.26-27 e 31 à luz de 2.4b-7.
4. Notar as relações existentes entre o trecho profético e o seu futuro cumprimento ou cumprimentos.
4.1. Gênesis 13.15 comparado com Jeremias 29.10; 32.36-41; Esdras 1.1-5; Hebreus 11.8-10; 12.22-24; Apocalipse 21.2,10.
4.2. Jeremias 31.31-34 comparado com Hebreus 8.6-7,13; 9.11-15.
4.3. Isaías 53.7-8 comparado com Atos 8.32-33.
4.4. Malaquias 4.5-6 comparado com Mateus 11.14.
4.5. Amós 9.11-21 comparado com Atos 15.16-18.
5. Procurar entender a linguagem original em que o autor escreveu.
5.1. Êxodo 6.3 - “O Senhor” quer dizer Jeová, ou Javé, ou Iaweh, o nome de Deus revelado em relação à aliança feita com Israel, Ex. 19.3,5 ; 34.5-7; Mt. 1.21-22; Lc. 1.31-33. É o Deus que, se identificando em relação à aliança, posteriormente se encarnou em Jesus, “Salvação de Jah” ou “Javé”, a fim de cumprir o seu propósito maior em fazer a aliança com Israel.
5.2. “Criar” (bara) em Gênesis 1.1, 21,27 e 2:4 não é a mesma palavra traduzida como “fez” em Gn.1.7,16 e 25.
5.3. Salmo 6.5 - “no sepulcro” quer dizer mais do que o simples túmulo, a palavra original sheol indica a região dos mortos.
ESQUEMA HISTÓRICO
Criação ......................................................... de 8 a 25 bilhões de anos a. Cristo.
Os patriarcas ...................................................... cerca de 2000 a 1600 a. Cristo.
Moisés e o Êxodo ........................................... cerca do século 13 a. de Cristo.
Samuel (último juiz e primeiro profeta)............. cerca de 1075 a 1035 a. Cristo.
Saul ....................................................... reinou de 1050/45 a 1010 a. de Cristo.
Davi ................................................................... reinou de 1010 a 970 a. Cristo.
Salomão ................................................................ reinou de 970 a 931 a. Cristo.
A divisão do reino nos dias de Roboão ........................... cerca de 931 a. Cristo.
A destruição do reino do norte (Israel, Efraim) ..................... 722/721 a. Cristo.
A destruição do reino do sul (Judá) ...................................... 587/586 a. Cristo.
A primeira volta dos judeus da Babilônia sob Zorobabel ............. 537 a. Cristo.
A obra de Esdras ............................................................. cerca de 458 a. Cristo.
A obra de Neemias .......................................................... cerca de 432 a. Cristo.
OS GÊNEROS LITERÁRIOS
Textos do antigo cânon judaico
1. Os escritores foram inspirados por Deus? II Timóteo 3.16.
2. Ao inspirar, Deus falava por pessoas escolhidas, II Pedro 1.20-21. No seu escrever e editar, essas pessoas eram inspiradas (sob a influência especial do Espírito de Deus) para registrar a revelação que lhes fora dada de várias maneiras. Assim, os seus escritos são inspirados. Pelo mesmo Espírito esses escritos tornam-se iluminados a nós que temos fé e assim também nos inspiram. Atualmente se usa “inspirar” no sentido de emoção, mas o termo correto seria iluminação, no sentido de instrução proveniente do Espírito da Bíblia.
3. A palavra (mensagem) de Deus escrita, é um compêndio de literatura proveniente do antigo Oriente Médio. É assim que devemos iniciar a nossa caracterização do aspecto humano da Bíblia, sempre levando em consideração também o seu aspecto divino (inspiração).
3.1. O texto clássico consta de 39 livros e é uma coleção literária (aspecto humano).
3.2. Foi escrito em duas línguas semitas antigas (Gênesis 10.21 e 26), o hebraico e o aramaico. Somente Daniel 2.4-7.28, Esdras 4.8-6.18 e Jeremias 10.11 foram escritos em aramaico (sírio antigo, cf. Dt.26.5 ; Gn. 25.20), o resto em hebraico, língua irmã, a língua de Canaã, Is. 19.18.
3.3. Portanto, é uma coleção de literatura proveniente do Antigo Oriente Próximo (de cerca de 1400 a 200 antes de Cristo).
3.4. Se não fosse assim, seria necessário a Deus repetir toda esta obra para cada nova geração e língua.
3.5. Ao descobrirmos o sentido do relato para o antigo povo de Israel, em face da sua língua e ambiente cultural e histórico, é que sentiremos de maneira mais tocante, sob a iluminação do Espírito, a sua mensagem vital e autêntica para nós.
3.6. Deve-se salientar ainda que as porções mais antigas do conteúdo do AT, antes de serem colocadas na sua forma final, eram transmitidas oralmente e depois fixadas em escrito. As narrativas de Gênesis parecem-nos um caso em questão. Um exemplo claro está em Jeremias 36.2. Todas as mensagens do profeta da época de 627 a 605 antes de Cristo são referidas. Ele teria gravado na memória suas mensagens, muitas encontrando-se em forma poética.
3.7. Os dez mandamentos foram esculpidos em tábuas de pedra, Ex 31.18. Moisés teria preservado “O Livro da Aliança” em alguma forma de “livro”, Ex 24.4,7. Também a conservação do “Livro da Lei” encontrado no templo em 621 antes de Cristo, II Reis 22-23, é exemplo adicional da tendência de formar “livros”, possivelmente rolos de pergaminhos como no caso de Jeremias 36. A arqueologia nos mostra que blocos de barro foram usados mais comumente na antiguidade remota.
3.8. Assim a tradição oral e a escrita teriam coexistido lado a lado por séculos, sendo que no período do exílio babilônico (após 586 a.C.), e especialmente no período de Esdras (c.458 aC) em relação à Lei, teriam sido as duas empregadas para produzir a forma original final dos livros. A evidência, contudo, leva a crer que as porções centrais do conteúdo fossem conservadas o quanto possível em forma escrita através dos séculos desde a época de Moisés em diante, cf. Ex 17.14 ; 24.7 ; Nm 33.2 ; Dt 27.3 ; 31.9 , 24-26 ; Js 1.8 ; 23.6 ; 24.26 ; I Rs 2.3 ; II Rs 22.8 ; 23.25 ; Ed 3.2 ; Ne 8.1-3 ; 11.13.
4. A pré-história oral e escrita teria relação principalmente com os livros do AT que tratam do período pré-exílico -- o Pentateuco, os livros históricos, os profetas pré-exílicos, e porções de livros como, por exemplo, Salmos e Provérbios .
4.1. A pré-história escrita. Moisés, segundo Ex 24.4,7, escreveu o “Livro da Aliança”, o qual teria existido em separado até tornar-se uma das formas empregadas pelo autor do Livro de Êxodo. Josué 10.13 refere-se a outro antigo livro-fonte, “O livro dos justos”, em que o autor teria se baseado em parte. I Reis 11.41 menciona uma das fontes escritas do seu autor, “O Livro da História de Salomão”. II Reis 1.18 refere-se ao “Livro da História dos Reis de Israel”. A crítica literária referida abaixo era a primeira das disciplinas do alto criticismo a surgir nos tempos modernos (séc.18 d.C.) e se preocupa principalmente com a investigação das fontes literárias refletidas no atual texto.
4.2. A pré-história oral. É interessante notar que Ex 15 relata “O Cântico de Moisés”, o qual ele e o povo entoaram ao Senhor. O assunto celebrado é o livramento de Israel do exército de Faraó. Ex 14 contém um relato prosaico do mesmo acontecimento. É lógico, na base das dicas do texto, que o cântico fosse preservado tanto em forma oral como escrita, e também que fosse preservado por grupos de sacerdotes ligados a um ou mais dos santuários em Israel.
4.3. A pré-história do texto dos livros mais antigos do AT, portanto, tem ocupado o interesse dos estudiosos no século 20. Assim se desenvolvia o estudo das formas típicas de fala que jazem atrás do texto e servem de dicas para entender algo da origem e do uso na comunidade de Israel do bloco do conteúdo. Na vida de uma comunidade existiam determinadas situações típicas que se repetiam com regularidade, sendo muitas vezes ligadas a certo lugar e determinada época. Tais situações (Sitz im lebem, ou “contexto vital”) teriam incluído o julgamento, o culto divino, festas religiosas, etc. em certos lugares como Siquém e Jerusalém. A forma de expressão era determinada pelo correspondente Sitz im lebem e ela se realizava mediante fórmulas e gêneros literários fixos. Esta disciplina, não muito prática é chamada de a crítica das formas e desenvolveu-se depois da crítica literária. Ela tem dado seus melhores resultados no estudo dos Salmos. Dois nomes importam quanto à sua origem : Hermann Gunkel e Sigmund Mowinckel .
4.4. A crítica literária do AT tem suas raízes no humanismo da Renascença e da Reforma Protestante, embora surgisse historicamente no racionalismo europeu do século 19. A preocupação principal da disciplina é situar o autor na sua época à luz da marcha da história .
4.4.1. Esta disciplina tem servido para desafiar a tese tradicional de Moisés como autor do Pentateuco em si, por exemplo, achando o Pentateuco composto no período do exílio babilônico na base de quatro extratos (documentos) surgidos em diferentes grupos em Israel e em épocas diferentes.
4.4.2. A crítica literária também tem procurado elucidar os documentos ou extratos usados pelos autores dos outros livros do AT, como por exemplo, no caso dos livros de Samuel, Salmos, Eclesiastes, Cânticos, Jonas, Isaías, Daniel e Zacarias.
5. Perante o fato do surgimento arqueológico de textos variados provenientes tanto em Israel como dos povos vizinhos, os estudiosos têm se preocupado em comparar a literatura clássica com aquela das descobertas. O resultado tem sido promissor.
1. Os gêneros literários dos textos arqueológicos se dividem, semelhante ao AT, em duas categorias principais: prosa e poesia.
6.1. As subcategorias da prosa (a forma natural de falar, por oposição ao verso) são geralmente entendidas como incluindo: 1) narrativa, 2) parábola, 3) fábula, 4) alegoria, 5) sermão, 6) história curta, 7) discurso, 8) oráculo e 9) ensaio.
6.1.1. O debate entre os estudiosos relaciona-se principalmente à subcategoria de narrativa. As descobertas arqueológicas mostram historiografia, mito, conto-folclórico, lenda, saga e material jurídico. Será que no AT contamos com mito, conto, lenda e saga? Têm-se dito que sim, mas a maioria dos eruditos têm chegado à seguinte conclusão típica exemplificada por Bentzen: “No Antigo Testamento só encontram-se restos e adaptações de material mitológico”, porque o mito não teve condições favoráveis em Israel devido à sua ligação com o politeísmo (cf. Is 27.1 , 51.9; Ez 29.3; Jr 51.34; Sl 74.13,14; 104.26; Is 14.12-15; Ez 28.12-15; Gn 1-2).
6.2. As subcategorias da poesia (a arte de se expressar em verso que emprega linguagem figurada e expressiva para descrever a beleza ou o sentido da coisa).
6.2.1. Pelo menos uma terça parte do AT é de poesia.
6.2.2. Foi somente em 1753 d. C. que essa poesia foi examinada e descrita.
6.3. As principais categorias da poesia são:
6.3.1. Canções
6.3.1.1. Nupciais - Cantares de Salomão.
6.3.1.2. Fúnebres - lamentações.
6.3.1.3. Hinos - Os Salmos 42-46 , 92 , 124, 147.
6.3.1.4. Populares - I Samuel 18.7 (resumo da canção popular).
6.3.2. Bênçãos e Maldições (“palavras patriarcais’) - Gn 12.1-3; 14.19-20; 22.16-18 48.15-16; 49.2-27 cf. Gn 3.14-19; 4.23-24; 9.25-27.
6.3.1. A sentença - uma só linha poética, Gn 10.9; I Samuel 10.12.
6.3.2. O Enigma - Jz 14.14.
6.3.3. O Provérbio - O livro de Provérbios, cf. Jr 18.18.
6.3.4. Poemas diversos - Os Salmos, a maior parte de Jó é poesia dramática.
6.3.5. Segundo Robert Lowth (o estudo é de 1753 d. C.) e estudiosos posteriores, a poesia hebraica tem duas características básicas que se mostram grande variedade por todo o AT:
6.3.7.1. paralelismo , ou “rima”, de pensamento.
6.3.7.2. várias sequências de sílabas tônicas e átonas (ritmo).
7. Tem-se desenvolvido outras disciplinas além da crítica literária e das formas.
7.1. A crítica da história das tradições ocupa-se dessas duas a fim de traçar a história pré-canônica dos vários blocos homogêneos de material (tradições) para entender melhor a história religiosa e teológica que teriam produzido a tradição.
7.2. A crítica canônica visa entender os livros à luz da história da sua canonização e lugar no cânon como sendo Escritura Sagrada para o judaísmo e a Igreja. Quais os valores que os antigos judeus, por exemplo, teriam achado ao livro de Jonas para incluí-lo no cânon entre os profetas? Salienta-se a necessidade de olhar para a totalidade de um livro bíblico ao invés de somente analisar as tradições separadas refletidas nele. O livro todo, na forma em que se encontra e na divisão canônica da qual faz parte, importa como palavra de Deus para a Igreja. Esta disciplina é mais promissora do que algumas outras da alta crítica e foi motivada por uma reação contra a esterilidade espiritual e prática de muita coisa na alta crítica.
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