lundi 27 décembre 2010

O tempo das cerejas

Ou, para que não sejamos covardes!

Já em São Paulo, cometi um crime. Não, não foi um crime, foi uma dilaceração. Peguei todas as notas de compras da viagem, cada papelito e rasguei e joguei no lixo. E por que foi um ato tresloucado? Porque a minha memória é construída de emoções, sensações, racionalizações e muitos, mas muitos pequenos papéis de viagens. E talvez porque uma tragédia nunca se faça sozinha, peguei todos os meus cartazes e notas e papéis de minha viagem a Cuba e também joguei fora. Foram-se passando as horas e uma angústia foi me dominando. Um sentimento de ausência, de perda, uma tristeza louca por estar jogando fora um pedaço de mim. Na verdade um pedaço de minhas memórias. Sou um escritor de pedaços: cada notinha, ainda que seja de compra num free shop tem um valor enorme, maior do que o preço do produto, que certamente já foi consumido. Para minha alegria, a lata de lixo, que não é de lata mas de plástico, fica da área de serviço da casa. E agora, hoje, eu tenho uma preciosidade, um montão de papel picado e cartazes rasgados, não sujos, mas empoeirados, meio amassados, que vou guardar e pesquisar como um cientista louco por palavras sem sentido.

É isso mesmo, gosto de palavras, mas não gosto da palavra dada, entregue, pronunciada. Gosto da palavra destruída de sentido, desmantelada, que apresenta novos significados, que se torna signo desconhecido, apontando realidades que só existem depois, ao final. É por isso que sofro com aquele revisor, que indevidamente conserta palavras que desejo desconsertadas.

Escrevi: “em Santiago fixo irado”. E disse para a Naira, minha mulher, algum maledetto vai reescrever “em Santiago fico irado”. E fazer isso será um absurdo porque “fico” é do verbo ficar e “fixo” é do verbo fixar. Escrevo “em Santiago fixo irado” porque na minha época houve um guerrilheiro que se chamava Tiro-fijo, em espanhol, e que traduzido quer dizer “tiro certeiro”, mas que eu sempre li e entendi como “tiro-fixo”, porque debruçado na mira, como amante sobre sua amada, era mortal. Só quem sofreu com os papéis lançados na lata de plástico do lixo pode dizer se eu em Santiago fico irado. Não fico irado não, fixo irado.

Desmontei a palavra, depois, remontei-a conforme a minha estética precária exige. É isso mesmo, a estética exige, tem jeitos que ela mesma define, é uma senhora brava, uma matrona cheia de manias. Mas a minha é precária, pois no diálogo com essa matrona, ela entra com sua autoridade e eu com minha fragilidade de escritor. E, então, se dirá: mas, e o leitor?

Bem, o leitor é o grande construtor da realidade estética do texto. E repare por quê! O autor é o momento da luta com o caos, ele criou seu texto a partir de emoções, sensações, racionalizações e muitos, mas muitos pequenos papéis de viagens. E da dilaceração permanente, contínua, de cada palavra, de cada sentença, tirou delas o sentido esperado. Fez do esperado, desespero. Criou sentidos que só pertencem a ele, como o exemplo do fixo irado. Mas, o leitor é o ato de liberdade que possibilita a todos os sentidos e a qualquer sentido ter de fato sentido. Por isso quando eu digo em Santiago fixo irado, você vai convidar a matrona para a cama, vai dormir com ela, nem que seja só para se aquecer. De todas as maneiras, ela vai se adocicar diante da sua ternura e abrir possibilidades novas que o autor nunca, jamais, tinha pensado. E o leitor tem esse direito, porque ao possuir o texto vai fazê-lo dele, é quem de fato lhe dá vida.

Mas vamos falar agora, um pouco de minha viagem a Santiago, que posso traduzir como uma volta ao local do crime. Crime meu e crime cometido contra milhares e eu aí incluído. Crime contra a democracia, a liberdade e o pensamento.

Naira comprou cerejas numa banca de frutas em frente à Universidade do Chile. É tempo de cerejas no Chile e elas são tão doces que doem na garganta. Tinha ido visitar a minha antiga universidade e cultivar lembranças. Geralmente se cultiva lembranças como frutas, é preciso terra. Donde a necessidade de voltar ao local do crime, de sentir os pés sobre a terra, respirar o cheiro do lugar, ouvir sons que estão adormecidos na memória. Por isso, caminhamos degustando cada cereja, porque as frutas já não eram frutas apenas, mas o açúcar do tempo das cerejas.

Veja como é estranho. “O tempo das cerejas” é uma canção de dois franceses, Jean Baptist Clément e Antoine Renard. Foi escrita e musicada em 1866, antes de explodir a Comuna de Paris, uma pequena, mas grande revolução que durou apenas três meses, de 26 de março a 28 de maio de 1871. Mudou a maneira de se pensar o socialismo. Marx, por exemplo, ficou extasiado diante daquela experiência do proletariado. O tempo das cerejas não é uma canção revolucionária, mas de amor. A última estrofe foi agregada posteriormente e dedicada a uma enfermeira morta em defesa da Comuna. Essa estrofe foi escrita debaixo do fogo da semana sangrenta, quando milhares de combatentes da Comuna foram massacrados. “Le temps des cerises”, que você pode ouvir e baixar na internet, me lembra o Hotel Residencial Londres, que fica na calle Londres, em Santiago. O prédio foi construído entre 1923 e 1929, e em 1964 transformado em hotel por Ilic e Adela Dumand. E deu um charme especial ao bairro Paris-Londres no centro da cidade. Na calle Londres, no Hotel Residencial Londres fui preso em setembro de 1973, no terceiro dia do golpe militar.

O tempo das cerejas entregou a cabeça da mulher
serviu o sangue da virgem num cálice
cada gole tem o sabor da vida derramada
mochileiros franceses, macho, fêmea e filhote, dizem à demain para as cerejeiras
a rua está perfumada
a alameda é atravessada.

Para quem gosta de palavras é muito difícil deixar Gabriela Mistral e Pablo Neruda de lado. São monstros sagrados da literatura universal. Neruda tinha uma mania que eu também tenho, gostava de casas. Casa para ele não era abrigo ou lugar de morar. Era navio, lugar de memórias e casulo para amar. Por isso, mandou construir La Chascona, a desgrenhada, que foi a casa dele com a terceira companheira, Matilde Urrutia. É bom lembrar que Matilde tinha cabelos vermelhos. E eu, numa homenagem transversal ao poeta, também cheguei lá de cabelos vermelhos. E me senti muito bem, ruivo, a papear com Paloma no jardim. Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto foi um homem de muitas faces, mas a que mais admiro, além daquela de poeta, foi a de militante comunista. Estudou pedagogia, foi diplomata, senador, prêmio Nobel de literatura, mas nós nos lembramos dele como Neruda, o poeta comunista.

De 1953 até 1973, viveu em La Chascona. Morreu aí, junto com a democracia, a liberdade e o pensamento. La Chascona, que agora é história, está ao lado do Cerro San Cristóbal e foi construída em níveis. Um jardim serpenteia a casa e cria hoje paisagens propícias ao cultivo de memórias. Nesse jardim, eu e Paloma descansamos, olhando para a sombra das pequenas árvores, quietos, silentes, vendo turistas passantes e Naira desaparecida a fotografar.

O tempo das cerejas fugirá para outras bandas
Miró mia nas minhas lembranças
rabisco no La Chascona ao poeta
bardo brado
por onde anda a ode?
flagelo e sal
sangue e semente
formigas desfilam sobre o açúcar derramado
você e eu descarrilados
por poemar instantes
beleza é água na garganta seca.

Você já prestou atenção no caminhar? É diferente caminhar em terra batida, em terra molhada, na grama. São apenas duas ruas de paralelepípedos e mansões dos anos 1920, uma se chama Paris, como aquela da Comuna, e a outra Londres, como aquela de Cromwell e seus republicanos. De manhã, caminhar em ruas de paralelepípedos nos dá a sensação de segurança e desequilíbrio. Você sai do asfalto, do cimento e vai devagar a pisar paralelepípedos. Sinta com atenção. Veja a diferença. Sentiu, Naira? Veja como é gostoso, Paloma? Aqui as ruas não são apenas belas, estão paradas no tempo, frescas, sombreadas. Aqui não há lojas. Há pequenos hotéis, escolas e esse café maneiro ao lado do hotel. Com uma praça e tudo, à moda antiga, um pedaço da Europa no meio de Santiago.

Mas como sonho e pesadelo são estados do adormecido, em frente ao meu Hotel Residencial Londres há um prédio pichado “aqui torturaram e assassinaram”. E quando meio dormindo, meio acordado, tentava descobrir o que estava lendo, um cicerone não convidado se aproximou e disse: “Esta era uma das muitas casas onde a ditadura torturava e assassinava pessoas”. Conversamos poucas frases sobre violência e crimes políticos, e tráfico de drogas no Brasil, mas rapidamente meu interlocutor escafedeu-se.

Essas ruas de Santiago, manchadas de sangue, me remetem a um militante, homem de fé, Martin Luther King Jr, herói dos trezentos milhões de negros espalhados pelo mundo e do novo presidente estadunidense. Mas tudo começou com Rosa Parks. Ou como contou o jornal Versus:

1955. Uma costureira negra, dirigindo-se do trabalho para casa em Montgomery, Alabama, recebeu ordens de um motorista branco para que se transferisse para a parte de trás do ônibus. Rosa Parks estava sentada, em um dos bancos da frente, e simplesmente recusou-se a mudar de lugar. Foi presa por violação às leis de segregação do Alabama. A comunidade negra enfureceu-se. Os negros disseram que já vinham sendo insultados há demasiado tempo por motoristas de ônibus brancos, e declararam que não tomariam mais qualquer ônibus até que a segregação fosse eliminada e certo número de motoristas negros fosse admitido.

Liderados pelo jovem ministro batista Martin Luther King, os negros de Montgomery simplesmente boicotaram os ônibus até que a empresa, quase à bancarrota, submeteu-se às exigências. Em breve, os negros de muitas cidades do Sul recorreram à técnica do boicote para conseguir melhor tratamento nas lojas e outras casas comerciais, e para assegurar melhor emprego para sua gente. Se os autores do boicote usavam a não-violência, eram ao mesmo tempo militantes e obstinados. Certamente, tiveram importância na obtenção de certas mudanças que o Sul dos Estados Unidos, com sua veemente resistência a toda e qualquer transformação, consideraria revolucionária.

Também foi em 1955 que King finalizou sua tese A Comparison of the Conceptions of God in the Thinking of Paul Tillich and Henry Nelson Wieman. King conhecia o pensamento do teólogo teuto-estadunidense e, por isso, sua ação militante repousou em parte sobre o pensamento socialista de Tillich.

Tanto para King como para Tillich, o poder autêntico era a verdade. Entretanto, esta verdade não seria norma abstrata que se impõe à realidade. Seria, sobretudo, a expressão concreta da tendência última do real. A verdade só teria poder se fosse uma tendência de vida, de uma sociedade, a verdade de um grupo que detém, interiormente, na sociedade, o poder.

Teoria e prática se fizeram carne e sangue na vida de King e, no dia 4 de abril de 1968, quando preparava uma marcha dos negros na cidade de Memphis, Tennessee, foi atingido por tiros. Anos depois, o jornal Versus orou pelo companheiro abatido:

"Desde a época em que chefiou o boicote dos ônibus em Montgomery, inúmeras foram as ameaças à sua vida. Foi publicamente denunciado e alvo de abjetos epítetos. O próprio clima tornou-se tão carregado que, considerando-se agora as coisas, percebe-se que um fim violento para o grande líder negro era inevitável. Todavia, a América branca não podia antecipar a reação da América negra ao assassinato a sangue frio de um de seus líderes mais poderosos. Vários dias de desordens, incêndios e pilhagens em muitas cidades foram a louca manifestação de um amargo desespero e frustração. Mesmo os que prantearam a morte de Martin Luther King sem qualquer mostra exterior de emoção revelaram-se tão sensíveis no apreço de seu significado quanto aqueles cuja reação foi violenta. Descanse em paz, Dr. Martin Luther King!"

Tanto para Tillich como para King, a conquista violenta dos instrumentos de poder social não decidia a vitória de uma revolução. Isso só aconteceria quando se estabelecesse uma nova estrutura de poder, amplamente reconhecida. Seria um erro pensar, afirmava Tillich, que amparar a revolução no aparelho do poder garantiria a vitória. O aparelho do poder deveria ser renovado constantemente a partir das forças da sociedade, forças pessoais, materiais e ideais. Caso contrário, a revolução ruiria, mesmo quando os meios técnicos permitissem que se impusesse por tempo maior àquele de épocas não desenvolvidas.

Mas do que palavras, a militância política de King traduziu a compreensão de que há uma dialética de ferro entre verdade e poder. E que o poder verdadeiro nasce da verdade última, aquela que transcende o momento presente e permanece no coração e mente dos excluídos. Essa compreensão, mesmo quando não é corretamente traduzida pelo grupo que chega ao poder, continua a marcar o horizonte último da ética socialista.

Londres-fixo
aranhas sopradas pelo vento norte
lugar de sonhos desperdiçados
picadas na carne nova
matinais de 11 de setembro
o azul cede ao cinza
morcegos desconstroem flores
palavras duras decretam o fim da esperança
olhos mareados
a porta esmurrada
a fronte torturada
o corpo desfilado
olho perdido na esquina.

Deixo para trás Paris-Londres, olho a igreja de San Francisco, a construção mais antiga da cidade. Caminho algumas quadras na sequidão sob um sol de trinta e poucos graus pela principal avenida da cidade, que a corta de leste a oeste, e se chama Libertador Bernardo O’Higgins, mas é conhecida como Alameda apenas. Ali perto, a poucas quadras, há um palácio, o La Moneda.

E me lembro de um político, Salvador Allende, que depois de três derrotas, veio a vencer as eleições presidenciais em 1970. Governou com uma frente popular capitaneada por socialistas e comunistas. Acreditava que poderia levar o Chile ao socialismo através do processo democrático, sem enfrentamentos violentos. Mas isso não aconteceu. E como a direita e os Estados Unidos viam Allende como o príncipe das trevas, todos os setores de oposição, inclusive os democratas cristãos, se organizaram e com apoio dos militares, se lançaram ao golpe. Allende foi derrubado. O Palácio La Moneda e fábricas, onde trabalhadores organizavam a resistência, foram bombardeados. Foi um tempo de chacina.

Londres-fixo
nem Caetano
nem Gil
é ilha no nada
lagartos da inexistência
tristeza, espanto, perplexidade
Tiago não tem salvador
coturnos abundam!

Os demônios estão mortos. Curto a cidade limpa, com metrô e prédios modernos. Metrópole neoliberal, segundo o modelo dos Chicago Boys, liderados pelo economista Milton Friedman. Mas, permanece a sensação de que caminhamos sobre cadáveres que não foram sepultados com dignidade. Ignavi ne simus.




Jorge Pinheiro, "Tempo de cerejas", capítulo do livro Teologia da Vida, São Paulo, Fonte Editorial, 2009.

vendredi 24 décembre 2010

Minha oração de Natal para você

Nasceu uma criança, mas onde está o irmão dela? Solidariedade com os diferentes é ver que a criança tem irmãos e irmãs, uma, duas, três, milhões. Nós recebemos você, criança, com alegria, maravilhosa conselheira, que, por amor, nasceu na Palestina. Nós recebemos você com alegria, agradecidos, luz na noite do mundo.

Os favorecimentos num mundo de desigualdades fazem pó do abraço e do beijo sinceros. Não combinam com o nascimento da criança na cidade de Belém. Nós recebemos você com alegria, menino sem teto, Deus forte, que dos excluídos fez um. Nós recebemos você com alegria e pedimos faça-nos irmãos, você que aceitou ser filho de Maria.

O caminho acarpetado para acabar com o clamor da justiça não é a perseguição, mas os privilégios. A estrebaria propõe o fim do eu sou melhor e mereço mais. Onde está o irmão e a irmã diferentes da criança que nasceu? Nós recebemos você com alegria, presença do Eterno, Deus único.

Vamos derrubar os muros da história e adorar o príncipe da paz, presente nesta noite preparada há séculos. Noite de alegria e de luz para a criança e os milhões de irmãos e irmãs dela. Venham, adoremos!

mardi 21 décembre 2010

A violência, uma leitura ontológica

Lá no rolo de Bereshit, a eternidade disse para a vida, que o sofrimento seria a regra e a humanidade cresceria na dor. A violência estabelece uma proposição: um princípio atemporal e não espacial, sobre o qual a razão titubeia, uma vez que aparentemente transcende a concepção de humanidade, mas, ao mesmo tempo, reduz qualquer expressão humana. Parece estar além da razão: é impensável. Podemos, no entanto, partir do postulado de que há uma violência ontológica, que antecede toda violência manifesta. Esta causa maior é a raiz sem raiz de tudo que foi e é violência. Despida de atributos não tem, a princípio, nenhuma relação com a violência expressa. É  a violência que é e está além da razão de ser violento.

O que é violência está simbolizado no ser violento sob dois aspectos: por um lado, é o não-espaço da subjetividade, aquilo que a mente não pode excluir, nem conceber por si mesma. Por outro lado, a violência incondicionada é dinâmica. A consciência é inconcebível quando separada do movimento, pois é ele que leva à mudança. Tal aspecto da violência é simbolizado na ideação sofrimento e dor na espécie serão um padrão. Um símbolo gráfico da violência presente no parir a vida. Este axioma fundante da violência, ontológico, remete àquilo que podemos simbolizar como características trinitárias da violência.

A natureza da causa da violência, derivada de causa aparentemente sem causa, aflora como consciência da violência, impessoal, que permeia a natureza. Esta causa da violência é o campo da consciência, que transcende a relação com a existência e da qual a existência consciente é um símbolo condicionado. Mas, ao atravessar pela negação a dualidade entre existência e consciência, sobrevém a tríade da violência: o espírito de violência, a consciência da violência e a matéria da violência.

Espírito de violência, a consciência da violência e a matéria da violência devem ser consideradas não como independentes, mas correlações que constituem a base do ser ou estar violento. Considerada esta trindade ontológica da violência como a raiz da qual procedem todas as manifestações violentas, a expressão o sofrimento será a regra e a humanidade crescerá na dor assume o caráter de ideação do que ainda não é humano. Ela é a fonte da força de toda violência individual e social e fornece os elementos para a análise da violência que perpassa o humano e sua história. Tal raiz pré-humana é o absoluto expresso no multiplicarei o teu sofrer e a tua conceição: em dor darás à luz filhos”, base da violência objetiva. Tal ideação do porvir humano é a raiz da violência individual e social, porque a substância pré-humana é o substrato da matéria violenta em seus diferentes graus.

A correlação dos aspectos da violência ontológica, de origem, é fundante da existência enquanto violência manifesta. A ideação da humanidade, separada de sua substância, não se manifesta como violência individual e social, uma vez que é somente através de um veículo, a alienação da ideação, que a violência aflora como violência que é, como ato alienado que necessitou de base física para apresentar-se como momento de uma complexidade maior, natural e humana. Da mesma forma, a substância do humano, separada da ideação da humanidade, permaneceria como uma abstração da qual a violência não poderia emergir. A violência-manifesta, assim, é permeada pela correlação, que é fundamento de sua existência como violência que se manifesta.

As correlações entre violência-manifesta, espírito e matéria da violência são símbolos da violência ontológica, presentes no universo manifestado da violência. Essa correlação é alienação existencial, a ponte através da qual as idéias são impressas enquanto substância da natureza da violência, presentes na forma de leis da natureza e da sobrevivência do humano. A alienação, dessa maneira, é dinâmica da ideação do humano, é meio que guia a manifestação.

Ou como disse Lameque, ser violento mítico consciente do ciclo da violência, apresentado nas escrituras hebraicas: ouçam a minha voz. Escutem as minhas palavras: matei um homem, porque me machucou. E um jovem, porque me pisou. Se são mortas sete pessoas para pagar pela morte de Caim, então, se alguém me matar, serão mortas setenta e sete pessoas da família do assassino”. Assim, a consciência humana procede também da ideação da violência, e fornece os meios que possibilitam à violência individualizar-se como substância do humano. A alienação em suas manifestações é o elo entre o espírito e a matéria da violência, presença que, dialeticamente, equilibra vida e morte, permanência e destruição.

lundi 20 décembre 2010

Elementos para um estudo do fundamentalismo

E-mail para um amigo que pesquisa o assunto

Só alguns detalhes para você entender o porquê da bibliografia um pouco extensa. O fundamentalismo, quer escatológico, ou não, não é um fenômeno importado a partir de alguns autores. O fundamentalismo combina realidades culturais e sociais importantes. Devemos ressaltar três delas: a onda milenarista, produto do final de milênio e final de século. Isso já tinha acontecido com o cristianismo nos 900 de nossa era. Está documentado e foi uma loucura. Essa onda milenarista nós vivemos nos anos 1900. A segunda onda deve ser acrescentada a primeira -- foi o crescimento do mundo dito secular -- que é uma construção do protestantismo, leia Tillich --, com o desenvolvimento da indústria, das cidades, da ciência, da teologia acadêmica e o fim da família patriarcal, foi uma reação da igreja, de defesa, através da construção de muralhas de fundamentos, que delimitassem o espaço da fé. A terceira onda foi a expansão da fé evangélica, não mais do protestantismo histórico, mais de um evangelicalismo de respostas imediatas ao secularismo, por um lado globalizado e por outro crescentemente nacionalizado, que se expandiu pelas Américas, em especial pelo Brasil, pela África e Ásia.  Estas três ondas, que se combinaram e criaram fenômenos novos, têm que ser entendidas como acontecimentos globais que caracterizaram o viver evangélico nos anos 1900. Esses fenômenos culturais e sociais, globalizados, de reação ao admirável mundo novo que surgia, e a nacionalização da fé, estão presentes a nossa volta. Caso você conheça um pouco de vida da igreja, vai ver como pastores e fiéis temem o mundo real, todo ele surge como coisa do diabo, tudo é ruim, espinhento e aponta para o inferno. As importações, que mais do que importações são movimentos da globalidade, já que somos influenciados, mas influenciamos também -- o jeitão neopentecostal brasileiro está a invadir o mundo, tanto o primeiro como o terceiro.  Assim, as leituras teológicas não teriam força de penetração se algo maior, que tocasse coração e mentes, não estivesse acontecendo. A tendência histórica é um arrefecimento de tais fenômenos, mas isso vai exigir, possivelmente, mais um século. Não se esqueça que os fenômenos na igreja são históricos.

Donde, a bibliografia geral baixo procura introduzir você na análise do fundamentalismo como fenômeno cultural, histórico e social -- realidade que ainda não entregou os pontos na modernidade líquida.

Era isso que gostaria de somar e multiplicar com você. Só para seu conhecimento... Vou colocar este e-mail no meu blog. Fica com Deus e atenção porque o seu tema é de relevância para o estudo do cristianismo evangélico na alta modernidade.

Fica com Deus, camarada.

Bibliografia para introdução ao tema

ARMSTRONG, Karen, O fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

BAPTISTA, Saulo, Fundamentalismo e Modernidade, São Bernardo do Campo, Revista Caminhando, vol. 8, n. 1 [11], 2003.

BOURDIEU, Pierre, A Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.

CHAUÍ, Marilena. Fundamentalismo religioso: a questão do poder teológico-político. Filosofia Política Contemporânea: Controvérsias sobre Civilização, Império e Cidadania. Atilio A. Boron, 1a ed. Buenos Aires, Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales - CLACSO; São Paulo: Departamento de Ciência Política. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Abril 2006. ISBN-13:978-987-1183-40-1

DEROSCHE, Henri, Dicionário de Messianismos e Milenarismos. São Bernardo do Campo: UMESP, 2000.

GALINDO, Florêncio, O fenômeno das seitas fundamentalistas. Petrópolis: Vozes, 1995.

GOUVÊA, Ricardo Quadros et alii, O que eles estão falando da Igreja, São Paulo, Fonte Editorial, 2010.

HARBIN, Christopher B., O Impacto do Fundamentalismo na Revisão Teológica da Declaração de Fé Batista de 2000. 

LIBÂNIO, João B.; BINGEMER, Maria Clara L. Escatologia Cristã. Série III A Libertação na História. Petrópolis: Vozes, 1996.

MENDONÇA, Antonio Gouvêa, O Celeste Porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São Paulo: ASTE, 1995.

MENDONÇA, A. G. e Velasques, F. P., Introdução ao Protestantismo no Brasil. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

OTTO, Rudolf. O Sagrado. Um estudo do elemento não-racional na idéia do divino e sua relação com o racional. Trad. Prócoro Velasques Filho. São Bernardo do Campo: Imprensa Metodista, 1985.

PACE, Enzo e STEFANI, Pierro. Fundamentalismo religioso contemporâneo. Paulus: Coleção Fé e Mundo Pós-moderno-2, 2000.

PINHEIRO, Jorge, “Dá para ver o caminho”, “Torre de névoa”, “Onde está o chão” in Teologia Humana, São Paulo, Fonte Editorial, 2010.

SCHWEITZER, Louis, “O Fundamentalismo Protestante”. In. Fundamentalismos, Integrismos. Uma Ameaça aos Direitos Humanos. São Paulo, Paulinas, 2001.

Tomka Miklos, “A fragmentação do mundo das experiências na época moderna”, em Concilium 271 (1997) 11-27.

____________, “Fundamentalismo, Integrismo, Seitas na Igreja”, em Concilium 279 (1999) 139-145.

____________, “Individualismo, mudança de valores, sociedade de satisfação imediata. Tendências convergentes na sociologia”, em Concilium 282 (1999) 34-47.

dimanche 12 décembre 2010

Uma bênção para a Natividade


"Moça lendo uma carta" (1657), de Johannes Vermeer


Fale com Arão e com os seus filhos e diga-lhes que abençoem o povo de Israel do seguinte modo: “Que o SENHOR os abençoe e os guarde; que o SENHOR os trate com bondade e misericórdia; que o SENHOR olhe para vocês com amor e lhes dê a paz.”  E Deus disse: — Assim, Arão e os seus filhos pedirão as minhas bênçãos para o povo de Israel, e eu os abençoarei. Números 6.23-27. 

O início de uma jornada
 
A benção sacerdotal, em hebraico, birkat kohanim, também conhecida como nesiat kapayim, “estender as mãos”, ou benção de Aarão, é uma oração de bem-aventurança e felicidade. No Antigo Testamento era usada como bênção especial para os filhos de Israel.

1. O debruçar-se de Deus e sua proteção

O SENHOR te abençoe, barak, isto é, que Ele se debruce sobre você, e guarde você, shamar, e mantenha você debaixo da custódia dele.
 
Em cada igreja os apóstolos escolhiam presbíteros. Eles oravam, jejuavam e entregavam os presbíteros à proteção do Senhor, em quem estes haviam crido. Atos 14.23.

Mas ele me respondeu: “A minha graça é tudo o que você precisa, pois o meu poder é mais forte quando você está fraco.” Portanto, eu me sinto muito feliz em me gabar das minhas fraquezas, para que assim a proteção do poder de Cristo esteja comigo. 2 Coríntios 12.9.

2. Deus é o sol da justiça sobre a sua vida


O SENHOR faça resplandecer como o sol o rosto, paniym, as faces dele, diante e atrás de você e tenha misericórdia, chanan, se mostre gracioso a você.
 
Abraão lhe deu a décima parte de tudo o que ele havia tomado dos inimigos na batalha. O nome de Melquisedeque quer dizer primeiramente “Rei da Justiça”. E, porque ele era rei de Salém, o seu nome também quer dizer “Rei da Paz”. Hebreus 7.2.
 
Em seguida vi o céu aberto, e apareceu um cavalo branco. O seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro. Ele julga e combate com justiça. Apocalipse 19.11.

3. Deus é a sua paz

O SENHOR levante, nasá, erga diante sobre você o rosto dele e seja para você alegria, bem-estar, saúde, segurança, prosperidade e tranqüilidade. Isto é, produza plenitude e paz na sua vida!

Mas o Espírito de Deus produz o amor, a alegria, a paz, a paciência, a delicadeza, a bondade, a fidelidade, a humildade e o domínio próprio. E contra essas coisas não existe lei. Gálatas 5.22-23.

E Deus, a nossa fonte de paz, logo esmagará Satanás debaixo dos pés de vocês. Que a graça do nosso Senhor Jesus esteja com vocês! Romanos 16.20.

Gosto do Vermeer, intimista, que retrata cenas do cotidiano, cheias de símbolos e sutilezas morais da nascente burguesia. O quarto fechado, a luz que entra pela janela, os tapetes orientais e as cortinas luxuosas. A luz é usada para ressaltar uma expressão, criar uma atmosfera. Os elementos típicos da obra de Vermeer estão presentes nessa que moça lê uma carta. E eu acho que o quadro, ao menos para mim, traduz a paz da bênção sacerdotal -- real, presente na vida, como a chegada de uma carta de boas notícias.

O fim, que abre um novo começo

Quando o nome (Shem) de Deus é invocado sobre a sua vida, filho amado e obediente, o próprio Deus é quem abençoa você.

vendredi 10 décembre 2010

Papo de pastor

Tempo de estar junto
"Então Maria deu à luz o seu primeiro filho. Enrolou o menino em panos e o deitou numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na pensão. Naquela região havia pastores que estavam passando a noite nos campos, tomando conta dos rebanhos de ovelhas. Então um anjo do Senhor apareceu, e a luz gloriosa do Senhor brilhou por cima dos pastores. Eles ficaram com muito medo, mas o anjo disse: 
-- Não tenham medo! Estou aqui a fim de trazer uma boa notícia para vocês, e ela será motivo de grande alegria também para todo o povo! Hoje mesmo, na cidade de Davi, nasceu o Salvador de vocês -- o Messias, o Senhor! Esta será a prova: vocês encontrarão uma criancinha enrolada em panos e deitada numa manjedoura.
No mesmo instante apareceu junto com o anjo uma multidão de outros anjos, como se fosse um exército celestial. Eles cantavam hinos de louvor a Deus, dizendo:
-- Glória a Deus nas maiores alturas do céu! E paz na terra para as pessoas a quem ele quer bem! Quando os anjos voltaram para o céu, os pastores disseram uns aos outros: 
-- Vamos até Belém para ver o que aconteceu; vamos ver aquilo que o Senhor nos contou.
Eles foram depressa, e encontraram Maria e José, e viram o menino deitado na manjedoura. Então contaram o que os anjos tinham dito a respeito dele. Todos os que ouviram o que os pastores disseram ficaram muito admirados. Maria guardava todas essas coisas no seu coração e pensava muito nelas. Então os pastores voltaram para os campos, cantando hinos de louvor a Deus pelo que tinham ouvido e visto. E tudo tinha acontecido como o anjo havia falado". Lucas 2.7-20.

O que é o Natal?

Natal é a festividade que comemora o nascimento de Jesus. Celebra o nascimento do Messias, conforme estava previsto no Antigo Testamento. Após a celebração da Páscoa, o Natal é a comemoração mais importante do cristianismo. Universalmente, é visto como um dia consagrado à reunião da família, à paz, e a fraternidade ente as pessoas. Nas línguas latinas, o termo Natal deriva de Natividade, ou seja, o que é referente ao nascimento de Jesus. No inglês, o termo utilizado é Christmas, literalmente "missa de Cristo". Já em alemão é Weihnachten, que significa "noite bendita".

O que é comunhão?

A palavra grega que dá origem à palavra comunhão, em português, é eucaristia. Significa reconhecimento, ação de graças. É a cerimônia que chamamos de "comunhão", "ceia do Senhor", "santa ceia", "refeição noturna do Senhor" ou "comemoração da morte de Cristo". É uma celebração em lembrança da morte sacrificial e da ressurreição de Jesus. O evangelista Lucas registrou esse memorial e conta que Jesus tomando um pão, deu graças, e o partiu dizendo: isto simboliza o meu corpo oferecido por vocês, façam isto em memória de mim. Depois de jantar, tomou o cálice e disse: este cálice simboliza a nova Aliança feita através do meu sangue, derramado em favor de vocês. (Lucas 22.19-20). Portanto, o pão usado na celebração representa o corpo sem pecado, que Cristo ofereceu na cruz como resgate; e o vinho representa o seu sangue derramado para remissão da humanidade.

Por que o Natal é tempo de comunhão?

A mensagem que os anjos entregaram aos pastores foi uma mensagem de vida, feita por Deus às pessoas de boa vontade. É uma mensagem de comunhão – de Deus para todos os seres humanos – que culminou com a morte e a ressurreição de Jesus. Mas também uma mensagem de comunhão, de amor, entre cada um de nós e nossos próximos.

Por isso podemos dizer que esta mensagem é maravilhosa, pois, agora, a vida eterna está ao nosso alcance. Só que essa mensagem implica em comunhão, em partilhamento da boa notícia.

Entender a Natividade como um tempo de comunhão significa que cada um de nós deve se fazer algumas perguntas:

1. Como era minha vida antes de ouvir a boa notícia?
2. Como eu recebi essa notícia que os anjos trouxeram?
3. Qual é a diferença que a boa notícia faz em minha vida?
4. Estou calado ou, em comunhão, partilho essa novidade com outras pessoas?

Estamos nas vésperas do Natal. Louve com os anjos, corra com os pastores em direção à manjedoura e, em comunhão, adore, porque hoje nasceu o Salvador, o Messias, o Senhor!

jeudi 9 décembre 2010

Caluniados e ofendidos

Quando Saul voltou da luta contra os filisteus, soube que Davi estava na região deserta que fica perto da fonte de Gedi. Então escolheu três mil dos melhores soldados de Israel e foi com eles procurar Davi e os seus homens a leste das Rochas dos Cabritos Selvagens.

I. Onde Davi estava?

Saul chegou a uma caverna junto de alguns currais de ovelhas, perto da estrada, e entrou ali para satisfazer as suas necessidades. Aconteceu que Davi e os seus homens estavam escondidos mais no fundo da caverna.
Hino de Davi. Ao regente do coro, com a melodia de “Não Destruas”. Escrito por Davi quando fugiu de Saul na caverna. Tem misericórdia de mim, ó Deus, tem misericórdia, pois em ti procuro segurança! Salmo 57.1

Poesia de Davi. Oração que ele fez quando estava na caverna. Eu clamo a Deus, o SENHOR, pedindo socorro; eu suplico que me ajude. Salmo 142.1.

Então eles disseram a Davi: 
-- Esta é a sua oportunidade! O Senhor Deus disse que lhe entregaria o seu inimigo e que você poderia fazer com ele o que quisesse.
Então Davi se arrastou de mansinho até onde estava Saul e cortou um pedaço da capa dele, sem que ele percebesse. Mas aí a consciência de Davi começou a doer porque ele havia cortado um pedaço da roupa de Saul. Então disse aos seus homens: 
-- O Senhor Deus me livre de fazer algum mal ao meu senhor, que ele escolheu como rei! Eu não devo atacá-lo de jeito nenhum porque ele é o rei escolhido pelo Senhor.
Assim, Davi convenceu os seus homens de que eles não deviam atacar Saul. Então Saul levantou-se, saiu da caverna e seguiu o seu caminho. Davi saiu atrás dele e gritou: 
-- Rei Saul!
Ele virou-se, e Davi, em sinal de respeito, se ajoelhou e encostou o rosto no chão.

II. A calúnia

Então disse:
-- Por que é que o senhor dá atenção às pessoas que dizem que eu quero prejudicá-lo?
Davi pede a Saul que não dê ouvidos aos caluniadores, pois são os piores inimigos no campo das relações humanas. Os ímpios já estão denegridos por sua maneira de viver, por isso o alvo prioritário dos caluniadores é atingir as pessoas íntegras.

1. Davi foi caluniado.

2. Jesus foi caluniado. Alguns fariseus ouviram isso e responderam: — É Belzebu, o chefe dos demônios, quem dá poder a este homem para expulsar demônios. Mateus 12.24.

3. Cristãos são caluniados. Então por que não dizer: “Façamos o mal para que desse mal venha o bem”? Na verdade alguns têm me caluniado, dizendo que eu afirmo isso. Porém eles serão condenados como merecem. Romanos 3.8.

Porém façam isso com educação e respeito. Tenham sempre a consciência limpa. Assim, quando vocês forem insultados, os que falarem mal da boa conduta de vocês como seguidores de Cristo ficarão envergonhados. 1Pedro 3.16.

-- O senhor pode ver por si mesmo que hoje na caverna o Senhor Deus o entregou a mim. Alguns me disseram que o matasse, mas eu não quis fazer isso. E disse que não levantaria um dedo contra o senhor, pois o SENHOR o escolheu para ser rei. Veja, meu pai, veja o pedaço da sua capa que está na minha mão! Eu cortei o pano, mas não matei o senhor. Isso prova que eu não penso em me revoltar contra o senhor, nem em fazer-lhe nenhum mal. Eu sabia muito bem que o senhor está procurando me matar, mas mesmo assim eu não o ataquei!

III. Onde está a justiça?

-- Que o SENHOR julgue qual de nós dois está errado! E que ele castigue o senhor pelo que fez contra mim, pois eu não vou atacá-lo de jeito nenhum!

1. A esperança do justo repousa em Deus. Quando foi insultado, não respondeu com insultos. Quando sofreu, não ameaçou, mas pôs a sua esperança em Deus, o justo Juiz. 1Pedro 2.23.

2. É Deus quem acerta as contas do justo. Meus queridos irmãos, nunca se vinguem de ninguém; pelo contrário, deixem que seja Deus quem dê o castigo. Pois as Escrituras Sagradas dizem: “Eu me vingarei, eu acertarei contas com eles, diz o Senhor.” Romanos 12.19.

-- Como diz o velho ditado: “O mal vem dos maus.” Mas eu não lhe farei nenhum mal. Vejam quem o rei de Israel está tentando matar! Vejam só quem ele está caçando: um cachorro morto, uma pulga! O Senhor Deus vai julgar e decidir qual de nós dois está errado. Que ele me julgue, me defenda e me livre do senhor! Quando Davi acabou de falar, Saul disse:
-- É você mesmo, meu filho Davi?
E Saul começou a chorar.
Então disse a Davi:
-- Você está certo, e eu estou errado. Você tem sido muito bom para mim enquanto que eu lhe tenho feito muito mal. Hoje, você mostrou o quanto é bom para mim, pois não me matou, embora o SENHOR me tivesse entregado a você. Será que alguém, depois de pegar o seu inimigo, o deixa ir embora são e salvo? Que o SENHOR o abençoe pelo que você fez por mim hoje! Agora, estou certo de que você será rei de Israel (Jônatas já tinha dito isso. 1Samuel 23.17) e de que durante o seu governo o reino continuará firme. Mas, jure em nome do SENHOR que você não acabará com os meus descendentes, e assim o meu nome e o nome da minha família não serão esquecidos.
E Davi jurou. Então Saul foi para casa, e Davi e os seus homens voltaram para a fortaleza.

Somos elogiados e caluniados; alguns nos insultam, outros falam bem de nós. Somos tratados como mentirosos, mas falamos a verdade. 2Cotíntios 6.8

Manifesto Batista à Nação Brasileira

Sobre a Liberdade de Expressão
e Orientação Sexual do Povo Brasileiro

Diante da tramitação no Senado Federal do Projeto de Lei PLC 122/2006, aprovado pela Câmara dos Deputados (PLC 503/2001), que pretende punir como crime qualquer tipo de reprovação ao homossexualismo, a Convenção Batista Brasileira manifesta a sua preocupação com o futuro da sociedade brasileira, caso a lei venha a ser aprovada.

Preocupa ao povo batista a aprovação de uma lei que privilegia uma minoria, em detrimento do direito de todos. Reconhecemos o direito dos homossexuais a um tratamento digno e igualitário, ao mesmo tempo em que defendemos a liberdade fundamental de formar e exprimir juízos, favoráveis ou desfavoráveis, nas questões de orientação sexual.

Entendem os batistas que a aprovação do referido Projeto de Lei pode resultar no aumento da subversão de valores morais e espirituais que destroem a família e enfraquecem a nação brasileira. Por isto, decidimos vir a público reafirmar nossas posições bíblicas e históricas sobre os princípios e os valores que sustentam a liberdade de consciência, as religiões e a vida em sociedade.

1- Cremos que todos têm direito, outorgado por Deus, de ser reconhecidos e aceitos como indivíduos, sem distinção de raça, cor, credo ou cultura; de ser parte digna e respeitada da comunidade; de ter a plena oportunidade de alcançar o seu potencial. Todas as pessoas foram criadas à imagem de Deus, razão porque merecem respeito, consideração, valor e dignidade.

2- Cremos no direito à liberdade de consciência e de expressão religiosa. Cada pessoa é plenamente livre perante Deus, em todas as questões de consciência e tem o direito de abraçar ou rejeitar religião, bem como de testemunhar sua fé religiosa, propagar e ensinar a verdade como a entenda, e até de mudar sua crença, sempre respeitando os direitos e as convicções dos outros.

3- Cremos que cada pessoa é preciosa, insubstituível e moralmente responsável perante Deus e o próximo. Cremos no direito à liberdade de escolha e aprovação dos princípios e dos valores que regem a convivência e a conduta, na família e na sociedade.

4- Cremos que Deus criou o ser humano, macho e fêmea, com direitos iguais e diferenças sexuais. Essas diferenças se baseiam na constituição física, na forma de ser, de perceber o mundo, de reagir e de relacionar-se. Deus criou macho e fêmea, para que se completem e cooperem com ele na criação e na formação da humanidade.

Uma vez que, não podendo nos calar diante do alto risco de degradação social e do surgimento de perseguição religiosa motivada por aqueles que se sentirem discriminados:

1- Conclamamos os representantes do povo no Senado e nas demais instâncias da República, cidadãos e líderes de instituições sociais e religiosas, bem como os pais e formadores de opinião a que se unam para defender o respeito à pessoa e a garantia dos direitos individuais, lutando a favor de uma sociedade na qual prevaleça a dignidade de todos.

2- Conclamamos todos os cristãos a proclamar e ensinar toda a verdade, conforme revelada nas Sagradas Escrituras, inclusive as orientações nelas contidas sobre a natureza da sexualidade humana. Não podemos negar que Deus Criador, o Senhor dos senhores, justo Juiz de toda a terra, condena a homossexualidade, conquanto ame os que a praticam, oferecendo-lhes o perdão e a graça que restauram a dignidade humana.

3- Conclamamos todos os cidadãos a cultivar uma convivência pacífica e respeito ao próximo, mantendo a respeitabilidade e o pudor nas relações sociais. Reconhecemos que ninguém tem o direito de coibir a escolha sexual de quem quer que seja. No entanto, essa norma não pode impedir que qualquer cidadão tenha o direito de considerar impróprio e inconveniente ou de qualificar como imoral ou inaceitável o comportamento homossexual.

A aprovação de uma lei não pode ferir as conquistas adquiridas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma em seu artigo XIX: “Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.

Conscientes do exercício da nossa cidadania, faremos tudo o que for possível e justo, a fim de que construamos uma sociedade cada vez mais firmada nos valores éticos, morais e espirituais inspirados nas Sagradas Escrituras. Assim sendo, unimos-nos aos demais esforços para salvar o Brasil da degradação moral e da perseguição religiosa, bem como deixarmos um legado de justiça, paz e prosperidade para as futuras gerações.

Rio de Janeiro, maio de 2007
Pr. Oliveira de Araújo
Presidente da Convenção Batista Brasileira

Pr. Sócrates Oliveira de Souza
Diretor Executivo da Convenção Batista Brasileira.

Fontes
www.batistas.com/miolo.php?canal=153&sub=698&c=&d=1
Portal da Convenção Batista Brasileira: www.batistas.com

mercredi 8 décembre 2010

Cosmologias antigas


Texto a partir de estudo do Prof. Christofer Byron Harbin

Este gráfico do conceito hebraico da estrutura do universo é diferente do que entendemos hoje. Pode-se ver como a Bíblia utiliza uma terminologia que tem por base o conceito cosmológico de seus autores. Pode-se ver no gráfico o título de firmamento ou expansão para o círculo dos céus que separa as águas acima do firmamento da zona que se denomina hoje atmosfera. Estes termos ajudavam o povo a falar do mundo ao seu redor, mesmo que o seu conceito específico tenha sérios problemas em face da ciência atual.

Entender a cosmologia hebraica é de ajuda para compreender as implicações das narrativas que utilizam a terminologia do mesmo conceito. Quando o autor bíblico refere-se às janelas do céu, é bom saber que faz referência ao seu conceito de como a água acima do firmamento chega até a terra em forma de chuva. Vemos isso em passagens como Gênesis 1.2; 7.11; 8.2; 49.25; Deuteronômio 33.13; Jó 28.14; 38.16; 38.30; 41.31-32; Salmo 36.6; 42.7.12 Refletido em passagens como Gênesis 1.6-8, 14-15, 17, 20; Salmo 19.1; 150.1; Ezequiel 1.22-26; 10.1; Daniel 12.3.13 Refletido em passagens como Gênesis 7.11; 8.2; 2a Reis 7.2, 19; e Malaquias 3.10.14.



O conceito babilônico, ou seja, mesopotâmico, do universo é parecido com os conceitos hebraico e egípcio em seus termos estruturais, mesmo que apresentando outro formato, centralizado por uma montanha. Esta montanha era para os babilônicos, pois refletia a idéia de que esse centro era a morada de seus deuses. O épico Enuma Elish amplia a perspectiva narrativa do conceito babilônico em termos de como o mundo chegou a ser formado. Este épico enfatiza o relacionamento com uma perspectiva semelhante ao panteão de deuses egípcios, pois relata o assassinato de alguns deuses e a construção de partes do cosmo com a utilização de seus corpos.

O relato diverge do egípcio, no sentido de que os deuses usados nessa construção já não existem: seus cadáveres foram usados na estrutura física do mundo. A estrutura física resultante desta cosmologia apresenta-se semelhantemente à hebraica. O apóstolo Paulo utiliza essa perspectiva cosmológica ao falar de um homem que foi levado até “o terceiro céu”. Essa citação reflete sua visão estrutural do universo. O quadro acima ilustra a cosmologia babilônica. Nota-se que a perspectiva é a da terra ser uma espécie de ilha, com água na volta por todos os lados. Tal era o conceito geral dos hebreus e seus povos vizinhos. Um detalhe: falta no quadro é o túnel por debaixo da superfície da terra pelo qual o sol passava cada noite para chegar de novo a seu lugar de nascer.

Desde a perspectiva babilônica, a criação é a vitória sobre os poderes caóticos que ameaçam a vida dos deuses e das pessoas. Os deuses conseguem vitória sobre o caos do universo, mas não há uma certeza de vitória entre si, já que existe entre eles uma disposição às intrigas. Também as narrativas babilônicas referentes ao dilúvio revelam esse caráter de incerteza, desconfiança e intriga. Na cosmologia babilônica pensava-se que a criação do mundo era o resultado da junção dos oceanos de água salgada e de água fresca na pessoa dos deuses, Tiamat e Apsu. Estes nomes servem de igual modo para designar os oceanos referentes. Foi com a união destes deuses que a terra seca se formou. O formato do mundo, portanto, era concebido de modo parecido ao dos hebreus, mas a partir do estilo e atuação dos deuses babilônios associados à criação. Assim, as mitologias narradas por estes povos divergem das narrativas hebraicas do Gênesis. 


Fonte
Christofer Byron HarbinEscatologia e o Apocalipse -- Estudo Teológico das Coisas Finais -- Vida além-túmulo, Parousia, Ressurreição, Julgamento, Fim do Mundo e o Apocalipse, Seminário Teológico Batista do Rio Grande do Sul, Edição impressa sem gráfica: janeiro 2006.

mardi 7 décembre 2010

Papo de pastor

Você e as crises

“Quem é fraco numa crise é realmente fraco”. Provérbios 24.10.

Quando falamos de crises lembramo-nos de problemas que nos cercam ou que são externos a nós. O que está fora é uma parte da questão, a outra é como nós enfrentamos os problemas. O provérbio acima não fala do que está acontecendo no mundo, mas analisa a nossa maneira de enfrentar as crises.

Esse provérbio se divide em três momentos. Primeiro fala da pessoa que é fraca. A palavra hebraica que traduzimos por fraco, pode ser mais bem traduzida por frouxo. Não como expressão grosseira ou agressiva, mas como metáfora de algo que está solto, que não tem firmeza. Assim, quem se mostra frouxo, fica desalentado, deixa cair a bola, relaxa e afunda.

O segundo momento do provérbio é a expressão idiomática “dia da Sara”, que foi traduzida na versão em Linguagem de Hoje por crise. A expressão “dia da Sara” tem o sentido de “aquela que importuna” ou “de esposa rival”. Isto porque na tradição do judaísmo antigo, Sara, mulher de Abraão, era vista como brava e brigona, que maltratou Agar, a ponto dessa última fugir de casa.

Devemos nos lembrar que a família hebraica antiga era poligâmica e a esposa chamada de rival era aquela que em determinado momento entrava em choque com a outra, ou com as outras e desestabilizava o equilíbrio da família. Para o senhor, esse era um momento da crise. O homem era o senhor e regente dessa família de estrutura patriarcal, e caso se mostrasse frouxo, diz o ditado hebraico, perderia o controle da situação, entraria em depressão e afundaria.

O provérbio parte de uma realidade cultural, ilustrada na família patriarcal machista, onde as mulheres se chocam, e o marido não pode ser frouxo.

Apesar de não concordarmos com a estrutura poligâmica, patriarcal e machista dessa família, a lição do provérbio permanece válida. Assim, contextualizado, podemos dizer que a atitude que você deve tomar diante da crise não pode ser de alguém que se deixa desorientar e afundar.

A crise aí descrita fala de um momento onde há um elemento desestabilizador, que enlouquece um ambiente ou uma situação. Ser frouxo, ter uma atitude de “deixa estar que depois melhora” pode levar todos a afundarem juntos. Esse é o momento da liderança consciente, momento de encarar o problema com sabedoria e firmeza.

Como aconselhou o apóstolo Paulo, devemos estar alertas, ficar firmes na fé, ser corajosos e fortes (1ª. Carta aos coríntios 16.13). Que Deus lhe dê firmeza e sabedoria para enfrentar problemas e conquistar vitórias!

Elementos para uma hermenêutica da complexidade

Primeira parte

Por três séculos, desde Isaac Newton, os cientistas descreveram o mundo como semelhante a uma máquina. Governando o mundo estavam os princípios de regularidade e ordem. Todas as coisas eram a soma das partes; as causas e efeitos estavam ligados linearmente; e os sistemas moviam-se de modo determinístico e previsível. É claro que os cientistas desde longo tempo estavam atentos para os fenômenos que contradiziam a lógica linear: as formas espirais das chamas de fogo, os redemoinhos em correntes e as formações de nuvens, por exemplo, não podiam ser representadas por simples equações lineares.

O desenvolvimento da teologia a partir do final do século vinte baseando-se em hermenêuticas a alta-modernidade que tinham por base as ciências naturais e a teoria de sistemas sugeriu modelos diferentes para se pensar como as coisas ocorrem e daí a percepção de que a revelação e como consequência a compreensão de Deus, da Trindade e da Cristologia, por exemplo, só podem ser compreendidos a partir de abordagens fundamentalmente não-lineares.

O significado da palavra complexidade remete àquilo que encerra elementos, conjunto de coisas, fatos e circunstâncias que têm nexo entre si. E caos, palavra que sempre aparece quando de discute a complexidade, é entendido como vazio obscuro e ilimitado que precede e propicia a geração do mundo. Mas, na construção do conceito complexidade para uso hermenêutico, partindo da filologia, vamos mais fundo na construção de uma definição e vemos complexidade e caos como aqueles comportamentos imprevisíveis que aparecem em sistemas regidos por leis deterministas, o que se deve ao fato de as equações não-lineares que regem a evolução desses sistemas serem extremamente sensíveis a variações em suas condições iniciais, ou seja, pequenas alterações no valor de um parâmetro podem gerar mudanças significativas no estado do sistema.

Assim, determinadas questões teológicas são praticamente impossíveis de serem compreendidas numa abordagem tradicional de causa-efeito. Mas as dificuldades sempre eram atribuídas à impossibilidade de se isolar os ruídos externos ao sistema teológico, ruídos esses que levavam às distorções de compreensão. Entretanto, o que deve ser visto é que nos sistemas dinâmicos, a incerteza e o caos são gerados internamente pelo próprio sistema, devido à sua não-linearidade e não exclusivamente por fatores externos. Ou seja,  a complexidade e o caos podem surgir de regras simples aplicadas de forma recursiva. A resposta, então, para questões teológicas não está na procura de mais informações para tentar encontrar uma relação de causa-efeito, mas em entender quais regras básicas regem o comportamento do sistema, que tipo de feedback existe, de que forma este feedback atua no sistema e o tipo e duração dos ciclos de retroalimentação.

A razão de tal abordagem 
Parte do que chamamos de hermenêutica da dinâmica não-linear ou hermenêutica da complexidade para uso na teologia tem por base hermenêuticas provenientes da biologia, física, química, economia e sociologia do final do século vinte, onde o caos refere-se às áreas de instabilidade de fronteira, o que para nós significa, em termos teológicos, que se move entre o equilíbrio de um lado, em especial a revelação, e a complexa situação randômica da vida humana.

Em sistemas caóticos não-lineares, as ligações entre causa e feito desaparecem pela amplificação de feedbacks que podem transformar fracas variações iniciais em severas conseqüências. O futuro de tais sistemas não é passível de ser plenamente conhecido.

Donde, a importância de uma hermenêutica da complexidade para que se possa melhor compreender entre revelação e espiritualidade humana e suas expressões estruturais e organizacionais. Essas estruturas são sistemas complexos constituídos por agentes interativos com uma tendência aparente para a auto-organização, pois as pessoas nos mercados religiosos são adaptativas, de modo que as regras de seu comportamento mudam à medida que elas aprendem.  Pois, na verdade, este mundo não é aquele representado pela metáfora de uma máquina. As coisas são mais do que a soma de suas partes; equilíbrio é morte; causas são efeitos e efeitos são causas; desordem e paradoxo estão em toda parte.

Por isso, dizemos que uma hermenêutica da complexidade deve levar em conta que
  • Na modernidade, a hermenêutica foi entendida como aparato de feedback negativo, que possibilidade a construção de doutrinas e dogmas e encaminha fiéis na direção correta pela correção de seus desvios do plano traçado. À luz da hermenêutica da complexidade o quadro é mais complicado. As hermenêuticas modernas, de origem iluminista, estão corretas para leituras ligadas às rotinas do viver diário, mas no que tange a produção criativa de conhecimento teológico que responda às necessidades humanas no mundo da alta modernidade, elas se encontram em crise. Os resultados não desejados de suas ações não podem ser plotados porque a estrutura do sistema torna o futuro impossível de ser controlado. O corolário é que o dogma viável não é algo que é o resultado de um intento prévio de um líder visionário, em vez disso, emerge das múltiplas possibilidades lançadas por várias dinâmicas em colisão com a vida humana. Assim, os teólogos deveriam se pensar como jardineiros, que em vez de intencionar, deveriam trabalhar possibilidades.
  • Na literatura da teologia moderna, os teólogos controlaram suas produções a partir de estruturas e procedimentos ordenados. Se isso é tudo o que nós podemos fazer em um mundo complexo, a igreja está destinada a seguir o caminho do Tyrannosaurus rex. A tentativa de estabilizar o sistema leva a torná-la incapaz de interagir com o mundo e possibilitar a criação de alternativas futuras.
  • Os teólogos modernos enfatizaram que as culturas e os valores compartilhados são essenciais para conduzir a igreja no futuro. Em condições dinâmicas, onde o futuro é formado por múltiplas e variadas possibilidades, hermenêuticas monolíticas provavelmente falharão na geração da criatividade teológica necessária para dotar a igreja de adequadas opções. Por isso, as diversidades de opiniões e abordagens são importantes. O pensamento único, que não comporta diferentes visões, pode ter sido um dos fatores cruciais para a crise de parte da igreja no mundo moderno e, em especial, nas últimas décadas do século 20.
Teólogos modernos acreditaram que o sucesso da igreja seria o resultado da manutenção de um equilíbrio adaptativo com o mundo moderno. Se isso fosse verdade, a liberdade da religiosidade no século 20 deveria ter sido reduzida à escolha da adaptação certa ou errada. Mas no mundo da complexidade, os riscos são muito maiores. Primeiro porque equilíbrio significa morte, exatamente o contrário do que pensava a velha teologia. Segundo porque em condições não-estáveis, o ambiente humano também se adapta à igreja tanto quanto esta a ele. As implicações disto significam que a igreja não pode culpar o mundo por suas falhas: a igreja deve ser vertiginosamente livre para criar seu próprio futuro.

Fonte
Jorge Pinheiro, Deus é brasileiro, São Paulo, Fonte Editorial, 2008. 

lundi 6 décembre 2010

O que eles estão falando da Igreja

Os autores do livro O que eles estão falando da igreja (Fonte Editorial, 2010). Da esquerda para a direita: Ricardo Quadros Gouvêa (organizador), Paulo Brabo, Eduardo de Proença (editor), Ricardo Gondim, Alessandro Rocha, Jorge Pinheiro e Willian de Melo.

"Quando se quer falar da igreja, há muitos caminhos possíveis, todos eles prenhes de sentimento. É difícil encontrar quem seja neutro sobre o assunto. Porém, a racionalidade não é necessariamente incompatível com os sentimentos. Que fique claro desde já, de qualquer maneira, que falar da igreja não significa necessariamente falar "mal" da igreja. E, entretanto, acrescente-se que falar mal da igreja não significa necessariamente fazer "um mal" à igreja, uma vez que as críticas construtivas permitem a autocrítica e a melhoria. Sempre que alguém fala mal de alguém, este deve aproveitar as críticas recebidas como uma oportunidade de aperfeiçoamento. E aquilo que percebe ser fruto do despeito, da inveja e dos recalques dos outros, deixe para lá. Muitos, da mesma forma, falam mal da igreja por razões mesquinhas e desprezíveis. Mas esse não é o caso dos espíritos superiores, gente educada e resolvida que pretende ser útil aos outros pensando livremente sobre qualquer assunto. Este livro é isso! Boa leitura". 
(Ricardo Quadros Gouvêa, organizador).

mercredi 1 décembre 2010

Pensando Thomas Münzer a partir de Friedrich Engels e Paul Tillich

 

Segundo Friedrich Engels (La guerre des paysans en Allemagne. Introduction, traduction entièrement revue et notes d’Émile Bottigellli. Paris: Éditions Sociales, 1974, pp. 146-147), Thomas Münzer sentiu o abismo entre suas teorias e a realidade que tinha diante de si. Atirou-se com zelo na organização do movimento. Escreveu mensagens, cartas, e enviou emissários em todas as direções. Seus escritos e sermões respiravam um radicalismo surpreendente. O humor e ingenuidade de seus panfletos anteriores desapareceram. O pensador tranqüilo desapareceu.

Münzer era agora o profeta da revolução. Expressava seu ódio contra as classes dominantes, e empregava um linguajar violento que ressuscitava o delírio religioso e nacional dos profetas do Antigo Testamento. Usava, sem dúvida, um estilo adequado ao nível da cultura dos camponeses.

Nos condados e ducados, os camponeses revoltaram-se, formaram milícias, queimaram castelos e mosteiros. Münzer, já então, era reconhecido como o líder do movimento em Mühlhausen e manteve aí o seu foco. Mas era visto como o profeta da revolução em todos os lugares onde os camponeses se rebelavam.

Os príncipes ficaram impotentes diante dos levantes camponeses. Somente nos últimos dias de abril, os príncipes de Hesse foram capazes de reunir um exército, sob o comando de Landgrave Philip, um homem sanguinário. Com suas tropas entrou em Fulda, depois, a três de maio, derrotou a resistência em Frauenberg e subjugou toda a região. Dirigiu-se para Eisenach e Langensalza, ocupou-as, e lançou suas tropas em direção às terras do duque da Saxônia, contra o foco principal da revolução, Mühlhausen.

Münzer reuniu as suas forças, cerca de oito mil combatentes com poucas armas. Os combatentes de Thuringian não tinham preparação militar. Estavam mal equipados, eram indisciplinados, tinham poucos soldados experientes e nenhum líder militarmente capacitado.

Münzer também não tinha o menor conhecimento militar. E, os príncipes, políticos espertos, utilizaram a mesma tática que tantas vezes os ajudaram a conquistar a vitória: a mentira. No dia 16 de maio, começaram as negociações com os camponeses e fizeram um armistício. Quanto menos se esperava, atacaram, antes do armistício expirar.

Münzer estava com sua família no monte de Schlachtberg, entrincheirados. O desânimo com o ataque tomou conta dos camponeses. Os príncipes, então, prometeram uma anistia geral, se entregassem Münzer vivo. Münzer reuniu um grupo para discutir as propostas dos príncipes. Mas foi traído, rodeado, dominado e imediatamente retirado da liderança. Um cavaleiro e um padre declararam a capitulação. Essa tática de infiltração e terror gerou confusão na milícia anabatista. Alguns resolveram resistir sem o líder, outros se deixaram influenciar pela propaganda dos mercenários dos príncipes. O exército de Landgrave Philip, avançando em colunas estreitas, atacou. As balas atingiram os camponeses desarmados e inexperientes. Após um breve combate, a resistência se desarticulou e se dispersou. Fugiram numa confusão terrível, e foram mortos pelas colunas e cavalaria. Foi um massacre sem precedentes. Dos oito mil camponeses, cinco mil foram massacrados. Depois foi a vez de Frankenhausen. A cidade foi tomada. Ferido na cabeça, Münzer foi encontrado em uma casa e feito prisioneiro. Em 25 de maio, Mulhausen se rendeu. Pfeifer conseguiu fugir, mas foi detido na região de Eisenach.

Münzer foi submetido à tortura, na presença de príncipes e decapitado. Caminhou até o local da execução com a mesma coragem que demonstrou toda a sua vida. Não tinha mais de vinte e oito anos. Pfeifer também foi decapitado, assim como muitos outros. Em Fulda, um homem de Deus, Filipe de Hesse, iniciou sua justiça sangrenta. Ele e os príncipes saxões executaram 24 pessoas em Eisenach, 41 em Langensalza, 300 após a batalha de Frankenhausen, em Mulhausen mais de 100, em Goermar 26, em Tungeda 50, em Sangerhausen 12, em Leipzig 8, sem falar das pilhagens e mutilações, e da queima de vilas e cidades.

Para Tillich, é importante que o olhar lançado nas profundezas não seja turvado, que a fé enquanto experiência da incondicionalidade apóie a vontade de dar forma ao mundo e a livre do vazio e do nada de uma simples tecnificação do mundo. O espírito religioso, explica Tillich, está vivo no movimento socialista: é uma vibração religiosa que circula através das massas. E essa santificação da vida cultural no socialismo é uma herança cristã, que lhe transmite coragem e vida.

Para Tillich, há uma razão para se fazer a crítica teológica do marxismo, e esta é exatamente a impressionante analogia estrutural existente entre a interpretação profética e a interpretação marxista da história.

O princípio profético e o marxismo partem de interpretações capazes de ver sentido na história. Para essas duas leituras da realidade, a história vai na direção de um alvo, cuja realização dará sentido a todos os eventos vividos.

E se a história tem um fim, tem também um começo e um centro, onde o sentido da vida se torna visível e possibilita a tarefa de interpretação, tanto do profeta como do militante marxista. Assim, para o profetismo e para o marxismo, o conteúdo básico da história encontra-se na luta entre o bem e o mal.

As forças do mal são identificadas como injustiça, mas podem e serão derrotadas.

Esta interpretação cria nos dois casos certa atmosfera escatológica, visível na tensão da expectativa e no direcionamento para o futuro, coisa que falta completamente em todos os tipos de religião sacramental e mística. O profetismo e o marxismo atacam a ordem vigente da sociedade e a piedade pessoal como expressões do mal universal num período específico.

Ora, há um desafio ético, apaixonado, como afirma Tillich, das formas concretas de injustiça, que levanta um protesto, o punho ameaçador, contra aqueles que são responsáveis por este estado de coisas. Assim, o espírito profético e o marxismo colocam os grupos governantes sob o julgamento da história e proclamam a destruição desses grupos.

Tillich afirma que tanto o profetismo como o marxismo acreditam que a transição do atual estágio da história em direção a uma época de plena realização se dará através de uma série de eventos catastróficos, que culminará com o estabelecimento de um reino de paz e justiça.

Dessa maneira, para Tillich, o espírito profético e o marxismo são portadores do destino histórico da humanidade e agem como instrumento desse destino por meio de atos livres, já que a liberdade não contradiz o destino histórico.

Mas para Tillich, a analogia estrutural entre o espírito profético e o marxismo não se limita à interpretação histórica, mas se estendem à própria doutrina do humano. É uma semelhança, inclusive, que vai além de uma cosmovisão profética do ser humano, que se apresenta como doutrina cristã do humano.

O ser humano, para o marxismo, não é o que deveria ser, sua existência real contradiz seu ser essencial, explica Tillich. A idéia da queda está presente no marxismo. Já que se o humano não caiu de um estado de bondade original, caiu de um estado de inocência primária. Alienou-se de si mesmo, de sua humanidade. Transformou-se em objeto, instrumento de lucro e quantidade de força de trabalho.

Para o cristianismo, como sabemos, o ser humano alienou-se de seu destino divino, perdeu a dignidade de seu ser, separou-se de seus semelhantes, por causa do orgulho, da desesperança, do poder.

Para Tillich, o cristianismo e o marxismo concordam que é inviável determinar a existência humana de cima para baixo, por isso a existência histórica é determinante na construção da antropologia.

Mas a analogia entre cristianismo e marxismo vão mais longe ainda. Vêem o ser humano como ser social, e que por isso o bem e o mal praticados não estão separados de sua existência social.

O indivíduo não escapa dessa situação. Faz parte do mundo caído, não importando se a queda se expressa em termos religiosos ou sociológicos. Tem a possibilidade de fazer parte do novo mundo, não importando se o concebemos em termos de transformação supra-histórica ou infra-histórica.

Dessa maneira, para Tillich, a idéia de verdade tanto no cristianismo como no marxismo vai além da separação entre teoria e prática. Ou seja, a verdade para ser conhecida deve ser feita. Vive-se a verdade.
Da mesma maneira, sem a transformação da realidade não se conhece a realidade. Donde a capacidade de conhecimento depende da situação de conhecimento em que se está. E apoiando-se no apóstolo Paulo, Tillich explica que só o “humano espiritual” consegue julgar todas as coisas, da mesma maneira aquele que participa da luta do “grupo eleito” contra a sociedade de classe consegue entender o verdadeiro caráter do ser.

Assim, com a deformação da existência histórica, praticamente em todas as esferas, torna-se muito difícil a percepção da condição humana e do próprio ser, por isso a presença da igreja e do proletariado na luta é o lugar onde a verdade tem mais condições de ser aceita e vivida.

O auto-engano e a produção de ideologias surge como inevitáveis em nossas sociedades carentes de sentido, a não ser naqueles pequenos grupos que enfrentam suprema angústia, desespero e falta de sentido. A verdade então aparece e pode ser vivida, porque os véus ideológicos foram rasgados.

Mas, alerta Tillich, a verdade pode se transformar num instrumento de orgulho religioso ou de vontade de poder político. Em tudo isso o cristianismo e o marxismo estão juntos em oposição ao otimismo pelagiano ou de harmonia em relação à natureza humana.

mardi 30 novembre 2010

A religião como espelho

[Com meus alunos da Pós-graduação lato-sensu em Teologia e História do Protestantismo no Brasil estamos discutindo Marx, Weber e Durkheim. Para facilitar os debates em sala de aula estou colocando aqui um artigo que pode criar vetores para as discussões. Abraços, Prof. Dr. Jorge Pinheiro].
 
O texto onde Marx expõe sua análise de religião, de forma melhor definida, está na “Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel”. Para Marx, a religião é ideologia, falsa consciência, espelho de apresenta uma realidade de sofrimento e dor, por isso, diante da religião, o filósofo deve fazer a crítica da religião, já que a partir desta crítica veríamos não a imagem refletida, mas a realidade que está na origem da religião. Assim, a crítica da religião nos levaria à crítica do Estado, das classes dominantes e das formas opressoras de organização social.

Dessa maneira, para Marx, a religião seria imago do próprio ser humano, a encobrir a verdadeira configuração do mundo, e só a crítica da religião poderia levar o ser humano a reconhecer que não existe outra realidade a não ser aquela que ele próprio cria.

"A crítica colheu nas cadeias as flores imaginárias, não para que o homem suporte as cadeias sem capricho e consolação, mas para que lance fora as cadeias e colha a flor viva. A crítica da religião liberta o homem da ilusão, de modo que pense, atue e configure a sua realidade como homem que perdeu as ilusões e reconquistou a razão, a fim de que ele gire em torno si mesmo e, assim, à volta do seu verdadeiro sol. A religião é apenas o sol ilusório que gira à volta do homem enquanto ele não circula em torno de si próprio." (Marx, 1989)

Para Marx, a base e fundamento de toda crítica da religião é o próprio ser humano, já que ele é o responsável pela transformação do mundo, não de maneira autônoma ou solitária, mas socialmente:

"O homem faz a religião; a religião não faz o homem. E a religião é de fato a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que ou não se encontrou ainda ou voltou a perder-se. Mas o homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. E este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido." (Marx, 1989)

Dessa forma, considera Marx, é o próprio ser humano quem cria e dá forma, socialmente, à religião, e esta serve explicar e manter aquelas realidades que devem ser revolucionadas. Nesse sentido, enquanto imagem que acoberta e mantém o status quo da alienação, impede que as pessoas tomem consciência da situação de exploração a que estão submetidas, já que não estão preocupadas com a realidade desse mundo, mas projetam seus sonhos para um mundo além, de justiça e paz:

"A abolição da religião enquanto felicidade ilusória dos homens é a exigência da sua felicidade real. O apelo para que abandonem as ilusões a respeito da sua condição é o apelo para que abandonem uma situação que necessita de ilusões. A crítica da religião é, pois, em germe a crítica do vale de lágrimas de que a religião é a auréola." (Marx, 1989)

É importante entender que Marx não estava errado ao fazer a crítica das religiões na Europa de sua época, quer católica, quer protestante, que se tornaram instituições de reforço e manutenção dos Estados nacionais. Como estudiosos da religião, no entanto, devemos entender que nem sempre o cristianismo cumpriu este papel. Foi, sem dúvida, transformador na sua primeira época e também o tem sido em várias partes do mundo onde levanta as bandeiras da justiça social. Como Enrique Dussel, teólogo argentino, devemos dizer que a religião superestrutural necessita desta crítica da religião, que será sempre crítica do Estado, da política, de cultura, da sociedade inteira. Mas, apenas a crítica não terá forças para transformar a realidade, é necessário que ela adquira forma material através de uma religião infraestrutural que, aliada à práxis social, seja capaz de se apossar das utopias de transformação da sociedade. Só assim, a crítica daquela religião que aliena e exclui tomará corpo numa outra religião, infraestrutural, que, enquanto práxis social, ajudará a construir meios e possibilidades para que o ser humano deixe de olhar para si próprio como pessoa humilhada, abandonado, desprezível. (Marx,1989).

Referências Bibliográficas

MARX, Karl. Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel. In: Manuscritos económicos e filosóficos. Lisboa: Edições 70, 1989.
___________. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1996.