vendredi 26 août 2011

Teologia Prática

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Partimos neste trabalho da hipótese de que existem parâmetros para a igreja cristã que, a partir da experiência neotestamentária, nos dão elementos para construir uma eclesiologia. Tal entendimento nos leva a traçar um caminho de diálogo com a história neo-testamentária, a fim de enriquecer o estudo da eclesiologia.

No início da era cristã, o evangelho de Lucas e o livro de Atos formavam uma só obra em dois volumes, que poderíamos chamar de "História das Origens Cristãs". Esses dois volumes só foram separados por volta dos anos 150. O título "Atos dos Apóstolos" surgiu nessa época, já que a literatura helenística conhecia os "Atos de Aníbal" e os "Atos de Alexandre", entre outros.

Documentação e linguaguem

A sinopse padrão que delineamos para Atos está intimamente ligada às correntes de informação recolhidas por Lucas. É certo que o valor excepcional do livro se funda no testemunho ocular do autor em relação a uma série de acontecimentos. No entanto, Lucas teve acesso a uma documentação variada, extensa e pormenorizada, conforme ele próprio afirma no prólogo de sua obra (1:1-4).

Segundo o helenista P. Benoit, da Escola Bíblica de Jerusalém, "a despeito de uma atividade literária sempre vigilante, que por toda parte deixou seus traços e assegura a unidade do livro, facilmente se reconhece a utilização de documentos diversos"[1]. Benoit afirma ainda que a própria linguagem de Atos varia de um grego excelente, "quando Lucas depende de si mesmo e se inspira nas suas notas de viagem", a um texto semitizante, às vezes incorreto, quando fala sobre os primórdios da comunidade cristã na Palestina. Muito possivelmente porque respeita e corrige o menos possível as informações de textos aramaicos.[2]

Assim, temos quatro blocos de informações diferentes, que podemos enumerar da seguinte forma: (a) aquele que se refere à primitiva comunidade de Jerusalém (do capítulo 1 ao 5); (b) as atividades de personagens como Filipe (8:4-40) e Pedro (9:32-11:18 e 12), que podem ter sido fornecidas pelo próprio Filipe, já que ele se encontrou com Lucas em Cesaréia (21:8); (c) o da comunidade de Antioquia, fornecidos por judeus helenistas (6:1-8:3; 11:19-30; 13:1-3) e, sem dúvida, pelo próprio Paulo, que deve ter passado a Lucas informações sobre sua conversão e sobre suas viagens (9:1-30; 13:4-14; 15:36s; 28); (d) o período final das viagens de missão contou com as notas pessoais de Lucas e muito possivelmente foi daí que transcreveu as seções em que diz "nós". Esses são trechos do livro onde se concentram as particularidades do texto de Lucas (11:28; 16:10-17; 20:5-21; 18; 27:1-28).

Esse material foi organizado num todo, interligado por recursos de estilo, como em 6:7, 9:31, 12:24, entre outros [3]. E forma um texto que pode ser subdividido em 12 blocos de acontecimentos e eventos, que seguem uma não muito estrita sequência cronológica, conforme apresentamos abaixo:

Eventos 

1. -- A fé se implanta em Jerusalém, onde a comunidade cresce em graça e número. Data: 31 a 33. Capítulos: 1 a 5.
2. -- Tem início a expansão fora de Jerusalém, devido à tendência universalista dos convertidos do judaísmo helenista e pela fuga em consequência do martírio de Estevão. Data: 33 a 35. Capítulos:6:1 a 8:3.
3. -- Atinge-se a Samaria. Data: 33 a 35. Capítulo:8:4-25
4. -- A região sul e oeste de Jerusalém até a costa de Cesaréia é evangelizada. Data: 33 a 35. Capítulos: 8:26-40; 9:32 a 11:28
5. -- Damasco já tem comunidades cristãs e a evangelização segue em direção à Cilícia. Data: 35 a 40. Capítulo: 9:1-30.
6. -- Antioquia recebe a mensagem de Jesus. Data: 42. Capítulo: 11:19-26.
7. -- Antioquia e Jerusalém estabelecem acordos sobre os principais problemas missionários. Data: 42 a 45. Capítulos: 11:27-30; 15:1-35.
8. -- Pedro, depois da conversão de Cornélio e da prisão em Jerusalém, parte com destino desconhecido. Data: 42. Capítulo: 12:7.
9. -- Primeira viagem de Paulo a Chipre e a Ásia Menor, antes do Concílio de Jerusalém. Data: 44 a 48. Capítulos: 13 e 14.
10. -- Outras duas viagens de Paulo o levarão até a Macedônia e a Grécia. Data: 50 a 57. Capítulos: 15:36 a 18:22; 18:23 a 21:17
11. -- Paulo retorna a Jerusalém, é preso e levado cativo a Cesaréia. Data: 58 a 60. Capítulos: 21:18 a 26:32.
12. -- É conduzido preso até Roma, onde acorrentado anuncia a Cristo. Data: 60 a 62. Capítulos: 27 e 28.[4]

Uma abordagem histórica

Podemos dizer que o texto de Lucas, em seu segundo livro, parte da percepção de que a história tem importante significado teológico. Aliás, o escritor apresenta em seus trabalhos uma visão da continuação dos atos de Deus no testamento antigo: quer no evangelho, como atos de Jesus, quer em seu livro segundo, como atos do Espírito Santo.

Lucas mostra que Deus se revela através dos atos e eventos da história humana, definidos por sua preciência. É fundamental entender que se há negação da realidade dos eventos históricos não há base para a fé. Nesse sentido, o evangelho não é uma mensagem meramente existencial, sem conexão imediata com a história.

A compreensão de Lucas da historicidade do cristianismo parte da própria tradição judaica, que entendia o monoteísmo ético e a esperança escatológica como frutos da intervenção divina na vida do povo judeu. Lucas traz essa tradição teológica, singular em relação à religiosidade do mundo antigo, para a vida do que seria anos mais tarde chamado de novo testamento.

Assim, para o escritor, todos os eventos que se registraram em Atos foram levados a efeito por meio da vontade e do propósito de Deus. E esses fatos surgem na vida da igreja como cumprimento das Escrituras. Dessa maneira, a história que Lucas descreve foi dirigida por Deus. E o poder de Deus revela-se através da ação do Espírito Santo, em sinais e maravilhas operados em nome do Senhor Jesus.

Entendendo que o livro de Atos tem como finalidade transmitir a força da expansão espiritual do cristianismo e o ensinamento teológico vivido pelos cristãos, podemos dizer que há um plano sinóptico claro, traçado por Lucas, que num primeiro momento se nos apresenta como histórico. Mas a história de Lucas não é a história da igreja, e sim aquela que foi possível redigir com os documentos e informações de que dispunha. Não relata, por exemplo, a fundação da igreja de Alexandria, nem a de Roma. E nada fala do apostolado de Pedro fora da Palestina. Mas, esses silêncios e omissões só contam a favor. Estamos diante de um homem que foi profundamente fiel à documentação de que dispunha.

Da mesma maneira, não podemos entender a história de Lucas sem inserir nela toda a contribuição vivenciada pelos primeiros cristãos. A fé em Cristo, base do querigma apostólico, aí está exposta, primeiro pelo triunfo do homem Jesus como kyrios, em grego, pela ressurreição (2:22-36), e depois, pela boca de Paulo, como Filho de Deus (9:20). Vemos ainda, através dos discursos, a formulação da cristologia e a base para a argumentação com os judeus, notadamente os temas referentes ao Servo (3:13-26; 4:27-30; 8:32-33), e a Jesus, com o novo Moisés (3:22s; 7:20s). A ressurreição é comprovada através do salmo 16:8-11 (2:24-32; 13:34-37). Dessa maneira, a história do povo eleito deve colocar os judeus de sobre-aviso contra as resistências à graça (7:2-53; 13:16-41) e aos pagãos invocam-se argumentos de uma teodicéia mais geral (14:15-17; 17:22-31).

O problema crucial da igreja nascente era o do acesso dos gregos à salvação, e o segundo livro de Lucas mostra como os irmãos de Jerusalém, reunidos em torno de Tiago, continuam fiéis à lei judaica (15:1-5; 21:20s), enqunto os helenistas, cujo porta-voz é Estevão, sentem a necessidade de romper com o templo. Pedro e Paulo garantem o triunfo da doutrina da graça no Concílio de Jerusalém (15:1-29), que dispensa os pagãos da circuncisão e das observâncias mosaicas. A verdade, de que a salvação vem de Israel, leva Paulo a pregar sempre, inicialmente, aos judeus, para depois voltar-se aos gentios, quando seus irmãos de raça o rejeitam (13:5+).

Aparentemente, o objetivo de Atos é descrever a missão definida em 1:8: "Sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra". Acontece que o propósito da igreja é testificar de Jesus[5]. A missão só pode ser compreendida se inserida na mensagem, que é Jesus. Essa é a tarefa dos apóstolos, que conviveram com o Messias, participaram de seu ministério e estiveram com ele após a ressurreição. E que agora estavam equipados para a proclamação da boa nova oferecida por Deus.

É interessante notar que Lucas coloca o centro de sua mensagem teológica na ressurreição e exaltação de Jesus. Essa postura, no entanto, é uma particularidade do cristianismo nascente e vemos esse pensamento funcionar como pedra angular entre todos os escritores do Novo Testamento. As bençãos provenientes dessa boa nova é o perdão dos pecados e o nascer do Espírito.

A mensagem é a missão

O roteiro do trabalho de Lucas é a expansão da mensagem. Lucas produz um texto, cuja história vai num crescendo emocionante, com clímax e anticlímax, até cortar repentinamente a narrativa. Momentos de clímax são a morte de Estevão, a conversão e o naufrágio de Paulo, entre outros. Momentos de anticlímax, que levam à reflexão teológica, são os discursos, o concílio e as defesas de Paulo ante tribunais e governadores. Esse roteiro acontece não somente dentro de uma situação histórica singular, como é histórico em seu próprio desenrolar.

O batismo no Espírito Santo, já anunciado por João Batista (Mt 3:11) e prometido por Jesus (At 1:8), será inaugurado no Pentecostes (2:1-4). A seguir, segundo o mandato de Cristo (Mt 28:19), os discípulos e apóstolos continuarão a administrar o batismo 2:41; 8:12 e 38; 9:18; 10:48; 16:15 e 33; 18:8; 19:5) como ritual de iniciação ao reino messiânico (cf. Mt 3:6+), agora "em nome de Jesus" (2:38+). Pela fé na obra redentora de Cristo (cf. Rm.6:4+), o batismo será não apenas de arrependimento, mas simbolizará a concessão do Espírito Santo (2:38).

O Espírito Santo, tema especialmente caro a Lucas (Lc 4:1+), aparece antes de tudo como um poder (Lc 1:35; 24:49; At 1:8; 10:38), enviado de junto de Deus por Cristo (2:33) para a difusão da boa nova. O Espírito Santo outorga os dons, que autenticam a mensagem: dons de línguas (2:4+), dos milagres (10:38), de profecia (11:27+; 20:23; 21:11), de sabedoria (6:3, 5,10), dá força para anunciar a Jesus Cristo, apesar das perseguições (4:8 e 31; 5:32; 6:10; cf. Fl. 1:19) e dar testemunho dele. Intervém, enfim, nas decisões capitais: na admissão dos gentios na igreja (8:29 e 39; 10:19,44-47; 11:12-16; 15:8) e nas missões de Paulo no mundo gentio (13:2s; 16:6-7; 19:11).

Assim, todo o livro está impregnado, dirigido e impulsionado pela presença irresistível do Espírito Santo. Ele atua na expansão da igreja (1:8) com tal poder que muitos se sentem a vontade para chamar o livro de "Atos do Espírito Santo".

Para Lucas, a organização e a vida da igreja são uma questão teológica. E graças a isso, aprendemos que a presença do Espírito Santo é a base do funcionamento da igreja. Ele guia na escolha dos líderes, na atividade evangelizadora e, inclusive, na estrutura que a igreja vai construindo. Apóstolos, anciãos, profetas e mestres, residentes ou itinerantes, todos tem atividades definidas, e se colocam sob a direção do Espírito Santo.

O Espírito Santo é Deus pleno. Por isso, Lucas vê a igreja como comunidade levantada e dirigida por Deus. Ele acredita no triunfo final do evangelho. Mas essa teologia da glória está mediada pelo sofrimento e pelo martírio, pela teologia da cruz.

As funções dinâmicas da igreja

Assim, Lucas mostra a diferença entre o cristianismo e a estrutura judaica oficial que entrava numa etapa de caducidade. Aqui, entre os cristãos, a organização não reflete poder pessoal, nem burocratismo. Não há como separar a vida e a estrutura da igreja nascente de sua mensagem e de sua missão. Estamos diante de uma totalidade viva, em expansão, cheia de glória e do poder de seu senhor e mestre: Jesus, juiz dos vivos e dos mortos (10:42).

As comunidades cristãs descritas em Atos fornecem elementos concretos e práticos sobre a ação e atuação ideais para a igreja de nossos dias. E essa é a conclusão que desejamos apresentar, conforme os parâmetros tão bem definidos por Scott Horrel em seu trabalho. Lucas fala de um cristianismo de adoração, de aprendizado, de comunhão e de evangelização. São as atividades primordiais de uma igreja habitada pelo Espírito Santo. Esse cristianismo pode ser descrito assim:

a -- Era uma igreja marcada pelo louvor. E o amor traduzia-se na criatividade das formas de adoração. Assim, ao invés de reduzir a adoração exclusivamente à música e à oração, os primeiros cristãos tinham a liberdade de experimentar formas que criavam condições para a igreja se deleitar no Senhor.
b -- O aprendizado, que pode ser traduzido em ensino, doutrina e teologia, era considerado fundamental para a vida cristã. Era a porta de entrada para conhecer a palavra de Deus.
c -- A comunhão era muito mais do que o mero bom relacionamento entre cristãos. A igreja, através da oração e do planejamento, desenvolveu formas de encorajar a comunhão genuína. Afinal, o relacionamento com Deus é medido mais pela comunhão com outros cristãos do que por qualquer outro fator.
d -- A evangelização era entendida como um ato corporal, não apenas como discurso. Isto porque, ao viverem num clima de adoração, de aprendizado e comunhão, os cristãos exerciam uma poderosa atração sobre aqueles que estavam procurando a verdade.

Dessa maneira, as comunidades cristãs de Atos romperam com a centralização nacional e geográfica de Israel e iniciaram a construção de uma igreja para todos os povos, em todo o lugar, em cada dia. Hoje, da mesma forma que o cristianismo nascente, a igreja local precisa ter claro sua essência, sua função, seu ponto de equilíbrio, sua forma e estilo. Isso significa que o propósito básico da igreja local é encarnar o corpo de Cristo na terra, fazendo a vontade Deus. Suas atividades primárias devem ser aquelas que caracterizavam a igreja no Novo Testamento e isso deve ser construído de forma equilibrada. Não desenvolvendo apenas uma função, mas todas as quatro. E por fim, deve adaptar sua organização ao povo e às novas gerações.

Os batistas e a eclesiologia evangélica

Os discípulos de Jesus Cristo que vieram a ser designados pelo nome batista se caracterizavam pela sua fidelidade às Escrituras e por isso só recebiam em suas comunidades, como membros atuantes, pessoas convertidas pelo Espírito Santo de Deus. Somente essas pessoas eram por eles batizadas e não reconheciam como válido o batismo administrado na infância por qualquer grupo cristão, pois, para eles, crianças recém-nascidas não podiam ter consciência de pecado, regeneração, fé e salvação. Para adotarem essas posições eles estavam bem fundamentados nos Evangelhos e nos demais livros do Novo Testamento. A mesma fundamentação tinham todas as outras doutrinas que professavam. Mas sua exigência de batismo só de convertidos é que mais chamou a atenção do povo e das autoridades, daí derivando a designação "batista" que muitos supõem ser uma forma simplificada de "anabatista", "aquele que batiza de novo".

A designação surgiu no século XVII, mas aqueles discípulos de Jesus Cristo estavam espiritualmente ligados a todos os que, através dos séculos, procuraram permanecer fiéis aos ensinamentos das Escrituras, repudiando, mesmo com risco da própria vida, os acréscimos e corrupções de origem humana. Através dos tempos, os batistas se têm notabilizado pela defesa destes princípios:

1º - A aceitação das Escrituras Sagradas como única regra de fé e conduta. 
2º - O conceito de igreja como sendo uma comunidade local democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e, biblicamente, batizadas.
3º - A separação entre igreja e Estado.
4º - A absoluta liberdade de consciência.
5º - A responsabilidade individual diante de Deus.
6º - A autenticidade e apostolicidade das igrejas. 

Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas, baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto, autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como sugestões ou apelos.

Para os batistas, as Escrituras Sagradas, em particular o Novo Testamento, constituem a única regra de fé e conduta, mas, de quando e quando, as circunstâncias exigem que sejam feitas declarações doutrinárias que esclareçam os espíritos, dissipem dúvidas e reafirmem posições. Cremos estar vivendo um momento assim no Brasil, quando uma declaração desse tipo deve ser formulada, com a exigência insubstituível de ser rigorosamente fundamentada na palavra de Deus. 

Existe ainda uma questão fundamental que é a responsabilidade diante da igreja como um todo. É necessário aprender a experimentar comunhão entre as denominações. Existem diferenças e muito possivelmente devem ser mantidas, mas as outras igrejas locais, as outras denominações não são inimigas. Representam grupos de pessoas, com experiências e tradições diferentes das nossas. Rejeitar a comunhão com um irmão é, de fato, rejeitar o corpo de Cristo.

E por fim, fica a pergunta: o que seria uma igreja sem templo, sem domingo, sem grande programa de culto e sem clero profissional? Aparentemente, poderia não ser o ideal, mas nem por isso deixaria de ser uma igreja local, se mantivesse a proclamação, o ensino e o serviço. Jesus Cristo instituiu a sua igreja (2), tornando-a real e efetiva (3), revestindo-a de condições para receber todos os povos, fazendo-os família de Deus (4), amando-a e dando-se a si mesmo por ela (5), a fim de torná-la o instrumento perfeito para o testemunho da sua graça e proclamação da sua salvação. 

A igreja é uma congregação local, formada por pessoas regeneradas e biblicamente batizadas, após pública profissão de fé, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Ela cumpre os propósitos de Deus no mundo, sob o senhorio de Jesus Cristo, o qual deseja criar um novo homem, segundo a imagem e semelhança do Deus Triúno, e formar uma nova humanidade, um povo para louvor da glória de sua graça, no tempo presente e na eternidade. 

A igreja cumpre este propósito através do culto, da edificação dos salvos, da proclamação do evangelho, da ação social e da educação, vivendo em amor. No cumprimento destas funções, a igreja coopera com Deus para a consecução do plano divino de redenção. Baseada no princípio da cooperação voluntária entende a igreja que, juntando seus esforços aos de igrejas co-irmãs, pode realizar a obra comum de missões, educação, formação de ministros e de ação social, com mais eficiência e amplitude. A igreja é autônoma, tem governo democrático, pratica a disciplina e rege-se pela Palavra de Deus em todas as questões espirituais, doutrinárias e éticas, sob a orientação do Espírito Santo. Sem dúvida, a questão fundamental para nossas igrejas é saber, precisamente, qual a sua razão de ser e como está usando a liberdade que Cristo lhe deu.

Bibliografia mínima de trincheira 

Baxter, J. Sidlow, Examinai as Escrituras, Período Interbíblico e os Evangelhos, São Paulo, Edições Vida Nova, 1988.
Culmann, Oscar, Das origens do Evangelho à formação da teologia cristã, São Paulo, Fonte Editorial, 2004.
Cruz, Armando Bispo, Os Dons Espirituais, Despertando o Potencial Divino na Igreja Local, in Ultrapassando Barreiras vol 1, São Paulo, Edições Vida Nova, 1955, 91-108.
Getz, Gene A., Igreja: Forma e Essência, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1994.
Gouvêa, Ricardo Quadros (org.), vv. aa., O que eles estão falando da Igreja, São Paulo, Fonte Editorial, 2011.
Horrel, Scott J., A Essência da Igreja, fundamentos do Novo Testamento para a Igreja contemporânea, São Paulo, Hagnos, 2006.
Horton, Stanley M., O Livro de Atos, Editora Vida, São Paulo, 1983.
Klooster, Fred H., Aliança, Igreja e Reino no Novo Testamento, in Vox Scripturae, vol V, número 1, São Paulo, 1995.
Marshall, I. Howard, Atos, Introdução e Comentário, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1991.
Pollock, John, O Apóstolo, São Paulo, Ed. Vida, 1994.

Notas

[1] Benoit, P., A Bíblia de Jerusalém, "Introdução a Atos dos Apóstolos", São Paulo, Edições Paulinas, 1985, 2041-2045.
[2] "O livro de Atos, juntamente com o evangelho de Lucas e o tratado aos Hebreus, contém a redação grega mais culta de todo o Novo Testamento", Gundry, Robert H., Panorama do Novo Testamento, São Paulo, Ed. Vida Nova, 1991, 238.
[3] "As descobertas arqueológicas têm confirmado a exatidão histórica de Lucas, de maneira surpreendente. Por exemplo, sabe-se atualmente que o uso que Lucas fez dos títulos de vários escalões de oficiais locais e governamentais de províncias - procuradores, cônsules, pretores, politarcas, asiarcas e outros, mostra-se acuradamente correto, correspondentes às ocasiões e lugares acerca dos quais Lucas estava escrevendo". Gundry, idem, op. cit., 238-239.
[4] Halley, Henry H., Manual Bíblico, São Paulo, Ed Vida Nova,1993, p. 492.
[5] ”Assim, a Igreja se posiciona em relação tanto à aliança quanto ao reino; ela administra os sacramentos da aliança e exercita as chaves do reino. Chego as essas conclusões com relaçào à Igreja seguindo a abordagem redentora-histórica. Nenhuma menção da Igreja é feita após as duas referências de Mateus (16 e 18) até depois do evento de Pentecoste em Atos. No dia de Pentecoste foi iniciada uma assembléia de crentes batizados que ´perseveraram na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas oraçòes´ (2:42). A primeira referência à ekklesia é encontrada em 5:11, após o primeiro exercício da função bloqueadora das chaves no caso de Ananias e Safira; ´sobreveio grande temor a toda a igreja e a todos quantos ouviram a notícia destes acontecimentos´. Inicialmente, os discípulos são denominados irmãos, santos (9:32), fiéis, (10:45), numerosa multidão (11:26) e muitas pessoas (12:12). Somente quando organizados e governados (ordenados) por presbíteros, eles são designados como igreja (cf. 13:1-3; 14:19-28; 15:1-41). No final do livro de Atos encontramos referências regulares a algumas igrejas que envolviam grupos de crentes batizados, que confessavam uma fé, eram ordenados por presbíteros, e que se reuniam para adoraçào, edificacão e missão. E a igreja, a qual foram confiadas as chaves do reino, deve em sua missão proclamar a mensagem do reino (conforme observamos antes em Mt 24:14; 28:18-20)”. Klooster, Fred H., Aliança, Igreja e Reino no Novo Testamento, in Vox Scripturae, vol V, número I, São Paulo, 1995, 289-41.


mercredi 17 août 2011

O brilhante arrebata os sentidos

Em hebraico heilel ben-shachar, e em grego, na Septuaginta, heosphoros. Lúcifer é a estrela da alva, que brilha de manhã, que a gente nâo entende porque está ali se o dia já vem nascendo. Não brilha mais que o sol e, por isso, vai desaparecer quando a luz de verdade, forte, alumiar. Mas se engana quem pensa que essa luz meio vesga, que entra olhos a dentro, não veio para alucinar. É o brilhante que está ao lado para confundir. É o diá, diacho, diale, dialho, dianho, adversário que ilumina a alma às avessas.

Et dices ei haec dicit Dominus Deus tu signaculum similitudinis plenus sapientia et perfectus decore in deliciis paradisi Dei fuisti omnis lapis pretiosus operimentum tuum sardius topazius et iaspis chrysolitus et onyx et berillus sapphyrus et carbunculus et zmaragdus aurum opus decoris tui et foramina tua in die qua conditus es praeparata sunt”. (1)

É o caluniador das vidas, o que revira o que devia estar de pé, que faz errar o alvo, que puxa o breque, catatonia, hipotonia, jogo interminável com as mãos diante dos olhos, treme-treme que lança os corpos ao chão.

É o lúcifer das escrituras antigas, aquele que caiu e que mesmo de dia parecia tão cintilante. É o que leva a luz torta, que brilha piscando, a convidar para programas adormecidos na alma. Mas se ele leva a luz, porque se faz presente no lusco-fusco do antes do alvorecer?

"O gênio do mal", Guillaume Geefs, 
catedral de Saint-Paul de Liège, Bélgica

Tu cherub extentus et protegens et posui te in monte sancto Dei in medio lapidum ignitorum ambulasti perfectus in viis tuis a die conditionis tuae donec inventa est iniquitas in te in multitudine negotiationis tuae repleta sunt interiora tua iniquitate et peccasti et eieci te de monte Dei et perdidi te o cherub protegens de medio lapidum ignitorum”. (2)

E porque hipnotiza com luz mortiça, a língua tropeça, cheia de ruídos bizarros, de ranger os dentes, de ruído de matraca, e deságua em grito agudo. O eu é substituído pelo tu, pelo ele, e o sim emudece. A língua não comunica, dilacera.

E assim as vidas são cortadas da terra. E a imprecação cai sobre as cabeças. Como ele caiu, faz os humanos descerem, como foi cortado por terra, abate as nações! E como pensou subirei ao céu, acima das estrelas exaltarei meu trono e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte, assim constrói torres de Babel nos corações. E como disse marinharei sobre as alturas das nuvens e serei semelhante ao Altíssimo, convence os humanos a pugnar o mesmo conflito. Aí está o risco, os humanos são levados ao sheol, ao mais profundo abismo.

E por cortar da terra, heilel ben-shachar invade os corpos com rituais para caminhar, deitar, levantar. É o delírio, quem sabe o que é mentira, o que é verdade? O que é pesadelo, o que é realidade? A luz de lúcifer alucina. O sono desperta, a boca vomita, as fezes escapam, o equilíbrio balança e o mundo desaba. O que arrebata os sentidos está ao lado, chegou piscando. O brilhante, por saber que será será precipitado no sheol, a sepultura comum, quer companhia. Ele é o deus das coisas que fogem, o deus deste mundo. E está ao lado.

elevatum est cor tuum in decore tuo perdidisti sapientiam tuam in decore tuo in terram proieci te ante faciem regum dedi te ut cernerent te in multitudine iniquitatum tuarum et iniquitate negotiationis tuae polluisti sanctificationem tuam producam ergo ignem de medio tui qui comedat te et dabo te in cinerem super terram in conspectu omnium videntium te omnes qui viderint te in gentibus obstupescent super te nihili factus es et non eris in perpetuum”. (3)

Quando a extrema angústia aniquila e retalha, a incapacidade de tolerar fumega, a clivagem e a onipotência fazem parte da ordem do dia, tome ciência, ele pousou a mão sobre o seu ombro e está a cochichar no seu ouvido idéias de delírio. É o princípio do fim, você vai fazer o caminho do sheol.

Diante das fronteiras da loucura, existe uma zona intermediária, um claro-escuro onde a realidade parece preservada, mas a natureza das relações estabelecidas por lúcifer, a vivência fantasmática quer arrastar a lucidez. Por isso, lutar contra o brilhante da alva significa romper frieza, indiferença e isolamentos, agressividade, cólera e errância.

O senhor das luzes, o sol do meio-dia, apaga a radiação que não deve brilhar: ego Dominus vocavi te in iustitia et adprehendi manum tuam et servavi et dedi te in foedus populi in lucem gentium ut aperires oculos caecorum et educeres de conclusione vinctum de domo carceris sedentes in tenebris ego Dominus hoc est nomen meum gloriam meam alteri non dabo et laudem meam sculptilibus” (4).

Notas
1, 2, 3 -- Os textos bíblicos citados de Ezequiel 28.12-17 estão em latim da Vulgata de Jerônimo.
4 – Idem, Isaías 42.6-8.

lundi 15 août 2011

Omar de Barros Filho, um jornalista da resistência

É gaúcho, cineasta, jornalista e editor do site ViaPolítica. Dirigiu, ao lado de Marcos Faerman, o jornal alternativo Versus. Trabalhou em muitas outras publicações em Porto Alegre e em São Paulo. Ganhou prêmios importantes, como o Vladimir Herzog de Direitos Humanos, com a reportagem "Carta de um Torturado ao Presidente Geisel", publicada em Versus. Toda a equipe do jornal foi premiada. Publicou, recentemente, a coletânea Versus -- páginas da utopia, entre outros livros. No cinema, dirigiu "Adios, General", média-metragem em 16 mm premiado no Rio Cine Festival e apresentado como hors-concours no Festival de Gramado.

C'était un rendez-vous

C'était un rendez-vous. É um curta realizado em 1976 por Claude Lelouch, que mostra Paris em alta-velocidade.
 
En agosto de 1978, hace 33 años, el cineasta francés Claude Lelouch, adaptó una cámara de cine, giroscópicamente estabilizada, en el frente de una Ferrari 275 GTB e invitó a un amigo, piloto profesional de Fórmula-1, a hacer un trayecto por el corazón de Paris, al amanecer, a la mayor velocidad posible. La película debía durar 10 minutos y el trayecto sería de Porte Dauphine hasta la Basílica de Sacre Coer. Lelouch no consiguió permiso para interrumpir el tránsito en ninguna calle de su peligroso recorrido. El piloto completó el circuito en 9 minutos, llegando hasta los 260 kilómetros por hora en ciertos momentos. El film muestra como lo hizo, violando semáforos en rojo, esquivando peatones y vehículos y entrando a algunas calles de contramano. El sol todavía no había salido.

No se sabe si el piloto fue René Arnoux o Jean Pierre Jarier. Cuando exhibió la película por primera vez en público, Claude Leluch fue detenido, pero nunca reveló el nombre del piloto de Fórmula-1 que manejó el coche y la película fue prohibida, pasando a circular "underground". Si ustedes no la vieron, aprovechen y cliqueen en el link de más abajo. Son 9 minutos para aguantar la respiración. Vale la pena viajar en el corazón de Paris a bordo de una Ferrari 275...
 
Statistiques
Avenue Foch 123,16 km/h 
Avenue des Champs Élysée 122,50 km/h 
Quai des Tuileries 120,00 km/h 
Avenue de l'Opéra 96,43 km/h 
Opéra – Pigalle 61,46 km/h 
Boulevard de Clichy  50,00 km/h 
Rue Caulaincourt 80,00 km/h 
Junot + Norvins + Sainte Rustique 61,58 km/h
 

jeudi 11 août 2011

Teologia Prática V


Adoração, ato de amor

No entanto, está chegando a hora, e de fato já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade. São estes os adoradores que o Pai procura. Deus é espírito e é necessário que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade. João 4. 23-24.

É interessante que nenhuma das análises do já antigo filme de Mel Gibson, “Paixão de Cristo”, tratou de um dos temas centrais do cristianismo, que está presente no filme, mas que para milhões de espectadores passa desapercebido: a questão da espiritualidade cristã. E é esse tema que pretendo abordar, a partir de um texto clássico, o diálogo entre Jesus e a samaritana.

A discussão central de todo o texto onde Jesus conversa com a samaritana trata da espiritualidade cristã. Mas, agora, vamos nos ater aos versículos 23 e 24. De forma abrangente podemos dizer que espiritualidade é aquela relação do ser com a transcendência, que dá sentido à vida. E exatamente por isso intercalo no artigo o belo poema de Ada Negri, Atto d´amore, no idioma em que foi escrito.

Non seppi dirti quant'io t'amo, Dio
nel quale credo, Dio che sei la vita
vivente, e quella già vissuta e quella
ch'è da viver più oltre: oltre i confini
dei mondi, e dove non esiste il tempo.

O ser humano, unidade multiforme, tem em seu espírito não uma dimensão parcial da vida, mas irredutível, conforme afirma Vladimir Lossky [A l’image et la ressemblance de Dieu, Paris, 1967, p. 118]. Nesse sentido, o espírito é a totalidade da vida. Nas situações de perda, falta de sentido e de ameaça à vida há sempre experiência com a transcendência, pois mesmo na negação dela há um sentido transcendente.

Na reconstrução da Europa, depois da Segunda Guerra mundial, o teólogo teuto-americano Paul Tillich disse que a desintegração espiritual da sociedade ocidental já tinha sido prevista por teólogos e estudiosos, no século XIX, mas a necessidade de compreender este fenômeno exigia que nos aprofundássemos em seu estudo. E afirmou Paul Tillich: “Se não houver espírito, as construções humanas não poderão produzi-lo. Ele, o espírito age ou não age nos indivíduos e nos grupos. E quando age cria seu próprio meio de comunicação. Assim, o espírito se manifesta por meio das palavras, das formas de vida, das instituições sociais e dos símbolos religiosos. [A Era Protestante, São Paulo, Ciências da Religião, 1992, p. 275-276].

A idéia espírito, de que nos fala Jesus, nos leva a uma compreensão abrangente de espiritualidade, que não pode ser entendida apenas como sinônimo de piedade ou como conhecimento dos princípios de que se compõe a piedade.

Partindo do senso comum da igreja brasileira, a espiritualidade pode ser vista como uma interpretação particular do ideal evangélico, mas se partimos do que Jesus nos transmite e da contextualização realizada por Tillich podemos dizer que há uma espiritualidade comum à espécie humana, que ela se expressa existencialmente por sermos todos imago Dei.

Quando multidões assistem a um filme como A Paixão de Cristo e são despertadas, cada qual a sua maneira, acerca da miserabilidade humana, constatamos que o ser humano tem atributos potenciais para a espiritualidade. Esses atributos, presentes na imagem de Deus que somos, e que chamo de tropismo à transcendência, nos leva à questão do sagrado.

Non seppi; - ma a Te nulla occulto resta
di ciò che tace nel profondo. Ogni atto
di vita, in me, fu amore. Ed io credetti
fosse per l'uomo, o l'opera, o la patria
terrena, o i nati dal mio saldo ceppo,
o i fior, le piante, i frutti che dal sole
hanno sostanza, nutrimento e luce;
ma fu amore di Te, che in ogni cosa
e creatura sei presente. Ed ora
che ad uno ad uno caddero al mio fianco
i compagni di strada, e più sommesse
si fan le voci della terra, il tuo
Volto rifulge di splendor più forte
e la tua voce è cantico di gloria.

A espiritualidade e o sagrado


Rudolf Otto, um dos teóricos que se debruçou sobre esta questão, diz que a experiência humana diante do sagrado tem sempre algo intenso e profundo, que ele chama de mysterium tremendum, que traduz o numinoso, o que é transcendente para a realidade do crente, que diante daquilo que o esmaga desenvolve senso de temor [O Sagrado, Lisboa, Edições 70, 1992, pp. 21-22]. Esse temor é um medo qualitativo, motivo para reflexão e energia que transformado em poder faz dele um adorador.

Tais experiências com o sagrado encorajam e incorporam no adorador aquilo que lhe é distinto. Apesar dessa relação de aparente intimidade de relacionamento, permanece o abismo entre adorador e sagrado. Dessa maneira, este desejo de saltar sobre o abismo que separa humano e sagrado é em última instância o móvel que dará origem à espiritualidade.

Se por um lado a crise ocidental pode ser traduzida como uma crise espiritual, por outro essa busca frenética de bens materiais e de consumo aumenta o vazio humano e favorece a busca da espiritualidade como experiência de vida coerente e recomendável. Assim, vivemos numa sociedade em crise espiritual, que procura encontrar a espiritualidade perdida.

A espiritualidade cristã


A espiritualidade cristã foi construída ao redor da cruz. A paixão de Cristo sempre foi entendida por teólogos e crentes como o derramar do dom da vida de Deus sobre os seres humanos. E porque a morte de Jesus Cristo não é derrota, mas sacrifício livremente aceito, a espiritualidade cristã tem sempre dois movimentos:

1. Um movimento em relação ao outro, ao próximo, ao desvalido, àquele que sofre, que é um chamado ao compromisso. Este movimento da espiritualidade em relação ao próximo nós chamamos de serviço.

A partir desse momento em que a espiritualidade torna-se caminho para Deus através do serviço ao próximo, a espiritualidade tem algo a dizer a todos os nossos relacionamentos, tanto pessoais, como sociais e políticos.

Pode parecer desconcertante relacionar espiritualidade e relacionamentos pessoais, sociais e políticos, mas ao falar de espiritualidade estamos falando do exercício do amor e por relacionamentos pessoais, sociais e políticos entendemos a transformação da sociedade na direção do reino de Deus, para que se faça justiça aos excluídos de tal forma que encontrem vida e salvação. Nesse sentido, a espiritualidade dá sentido à vida pessoal, social e política e torna-se além de profética, transformadora.

2. Mas a espiritualidade tem um outro movimento, que se por um lado está ligado ao rigor da fé, como vemos na oração e nos momentos de contrição, ela se realiza existencialmente, enquanto encontro com Deus. Esse encontro, conforme no diz Jesus, é a adoração e está na raiz da conversão e de todo processo de santificação. É um processo místico, no sentido que mostra nossa miserabilidade diante do insondável mistério de Deus.

Por isso, a espiritualidade é profética e transformadora no encontro com o outro, com o humano, e um ato místico de adoração diante da majestade de Deus.

Or - Dio che sempre amai - t'amo sapendo
d'amarti; e l'ineffabile certezza
che tutto fu giustizia, anche il dolore,
tutto fu bene, anche il mio male, tutto
per me Tu fosti e sei, mi fa tremante
d'una gioia più grande della morte.
Resta con me, poiché la sera scende
sulla mia casa, con misericordia
d'ombre e di stelle.
Ch'io ti porga, al desco
umile, il poco pane e l'acqua pura
della mia povertà. Resta Tu solo
accanto a me tua serva; e nel silenzio
degli esseri, il mio cuore oda Te solo.

Assim, conforme nos diz Segundo Galilea, a contemplação de Jesus Cristo no irmão que sofre e a contemplação de Deus no Cristo ressurreto são sempre frutos da ação do Espírito em nossas vidas [Espiritualidade da Libertação, Petrópolis, Vozes, 1975, pp. 15-16]. Esses dois encontros são a base da espiritualidade cristã e fundamentam todo ato de adoração daquele que crê.

Teologia Sistemática II -- Programa

FACULDADE TEOLÓGICA BATISTA DE SÃO PAULO 
mantida pelo Conselho Batista de Administração Teológica e Ministerial
R. João Ramalho 466 Perdizes – São Paulo / CEP – 05008 001
Telefone – 3865-3255
www.teologica.br

PLANEJAMENTO DE DISCIPLINA

CURSO DE TEOLOGIA

DISCIPLINA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA II
CARGA HORÁRIA
PROFESSOR – Dr. JORGE PINHEIRO
SEMESTRE 2o. ANO 2011


1.      EMENTA

Estudo da Antropologia e da Cristologia, as várias abordagens teológicas sobre as questões e sua vigência hoje na Igreja crista.

2.      OBJETIVOS

O estudo da Teologia Sistemática II é essencial porque não se pode pensar em um pastor ou teólogo que não seja solicitado a refletir sobre temas como a Antropologia e a Cristologia. Isso significa que todos os profissionais da teologia deveriam ter uma compreensão das características gerais da antropologia, como ciência do humano. A pesquisa da Teologia nos campos das doutrinas bíblicas e teológicas relativas à Antropologia e do Cristo possibilitam o desenvolvimento de uma consciência apta a compreender a riqueza dos fenômenos vividos pela fé cristã e, por extensão, construir um conhecimento a respeito da real experiência dos fiéis e da igreja.

3. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO

Angelologia/ Antropologia/ Doutrina do pecado/ Trindade/ Cristologia.

Agosto/ Setembro
Angelologia, Antropologia e a Doutrina do pecado
Quem são os anjos: a tradição mítica dos povos do antigo Oriente Médio e os relatos bíblicos. O ser humano real: biológico, psicológico, sociológico, moral, filosófico, teológico. Os dois sentidos da imagem de Deus e a analogia relationis. A natureza do pecado. A terminologia bíblica a respeito do pecado, no AT e no NT. O problema da solidariedade no pecado: reino do pecado, a explicação dialética e a polêmica Pelágio/ agostiniana.

Outubro/ Dezembro
Trindade e Cristologia
A Trindade e as suas três compreensões clássicas: a católica oriental, a católica ocidental e a protestante reformada. Jesus, o Cristo, uma identidade construída. O Cristo da fé e o Jesus histórico. Jesus num mundo de exclusão, ontem e hoje. A cruz de Cristo na Soteriologia. A cruz e suas realizações.

4.      METODOLOGIA

Optamos por uma abordagem temática dos assuntos, sem descuidar da referência necessária à história dessas áreas da teologia, que permita estabelecer o fio condutor da exposição dos temas. As aulas serão expositivas, com seminários e apresentação de filmes que levem ao debate dos temas tratados.

5.      RECURSOS

Audiovisuais.

6.      AVALIAÇÃO

Os alunos serão avaliados por sua participação em classe (peso 3), pelos seminários apresentados (peso 4) e por uma prova final (peso 3). 
7.      BIBLIOGRAFIA BÁSICA

Ferreira, Julio Andrade, Antologia Teológica, Sao Paulo, Fonte Editorial, 2008.
MCGRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica, São Paulo, Shedd Publlicações, 2005.
PINHEIRO, Jorge e SANTOS, Marcelo, Manual de História da Igreja e do Pensamento Cristão, São Paulo, Fonte Editorial, 2011.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

Braaten, Carl e Jenson, Robert, Dogmática Cristã, São Leopoldo, Sinodal, 2005.
CULLMANN, Oscar, Cristologia do Novo Testamento, São Paulo: Hagnos, 2008.
PINHEIRO, Jorge, Deus é  brasileiro, as brasilidades e o Reino de Deus, São Paulo, Fonte Editorial, 2008.

8.      DISTRIBUIÇÃO DE CARGA HORÁRIA - Exemplo
Atividade
Quantidd pp.
Prazo
Total

Uma leitura


20 páginas


A cada 4 semanas

80
Prova
01
No final do semestre
01
Seminários
01
A cada quinze dias um grupo de alunos apresentará seminário sobre tema definido. Todos os alunos participarão de um seminário durante o semestre.
01














mercredi 10 août 2011

IV Jornada Científica

http://www.teologica.br/theo_new/mostra/ 

A Faculdade Teológica Batista de São Paulo, com a finalidade de refletir sobre temas da Teologia, organizou para você a IV Jornada Científica. 

A Direção da Teológica e a Comissão Organizadora convidam diretores, coordenadores acadêmicos, professores, estudantes das Instituições de ensino superior, profissionais liberais e demais líderes eclesiásticos para participarem com seus trabalhos. Pretendemos compartilhar nossas produções científicas e discutir o papel da pesquisa em Teologia. Tal discussão visa contribuir com a formação de liderança que seja capaz de atuar nas igrejas e nas comunidades. Todos os trabalhos serão gravados em CD-ROM e entregues aos participantes.


PROMOÇÃO E REALIZAÇÃO  
Faculdade Teológica Batista de São Paulo
 tel. 11-3865-3255
  
  







Oseias e a metáfora Gômer, segundo Calvino

O reformador João Calvino (1509-1564) no Comentário sobre Oseias considerou a história de Gômer e seu casamento com Oseias uma parábola, ou seja, uma ilustração do sermão que o Profeta pregou aos israelitas. Pela importancia da exegese, publicamos aqui este texto de Calvino, que ele próprio chamou de Dissertação.

 
, ele diz, toma para ti uma mulher de devassidões e filhos de devassidões; e adiciona-se a razão, pois pela fornicação, ou libertinagem, tornou-se a terra dissoluta. Indubitavelmente, fala ele aqui dos vícios que o Senhor há muito agüentava com inexprimível paciência. Pela devassidão pois a terra se tornou desenfreada, para que não siga a Jeová.
Muito labutam aqui os intérpretes, pois parece mui estranho que o Profeta tomasse por esposa uma meretriz. Dizem alguns que esse foi um caso extraordinário6. Decerto uma tal liberdade não teria sido tolerada em um mestre. Vemos o que Paulo requer em um bispo, e não há dúvidas de que o mesmo era requerido anteriormente nos Profetas: que suas famílias deveriam ser castas e livres de toda nódoa e mancha. Teria sido pois expor o Profeta ao escárnio de todos caso tivesse ele adentrado um bordel e tomado para si uma prostituta; pois ele não fala aqui apenas de uma mulher não casta, mas de uma mulher de devassidão, o que significa uma meretriz comum, pois é ela chamada uma mulher de devassidão, que desde muito tempo estava habituada a isso, a qual expunha a si mesma a todos, para gratificar-lhes o desejo, a qual se prostituía a si própria, não uma ou duas vezes, nem para alguns homens, mas para todos. Que tal fosse feito pelo Profeta parece mui improvável.
Mas alguns replicam, como disse eu, que isso não deve ser reputado como regra comum, pois foi um mandamento extraordinário de Deus. E, todavia, não parece coerente com a razão, que o Senhor, dessa forma injustificável, faça com que seu Profeta seja desprezível; pois como podia ele esperar ser recebido ao aparecer diante do público, após haver trazido sobre si mesmo uma tal desgraça? Se ele houvesse se casado com uma mulher tal como a que é aqui descrita, deveria ter se ocultado por toda a vida em vez de se incumbir do ofício profético. A opinião de quem pensa que o Profeta tomara uma esposa semelhante à aqui descrita, por conseguinte, não é provável.
Depois, um outro motivo, totalmente irresolúvel, milita contra eles; pois não apenas se ordena ao Profeta que tome uma esposa de devassidão, mas ainda filhos de devassidão, gerados por prostituição. Logo, é como se ele mesmo houvesse cometido prostituição. Pois, se dissermos que ele se casou com uma mulher que dantes se conduzira com alguma indecência e falta de castidade (como Jerônimo em detalhes argumenta para desculpar o Profeta), a escusa é frívola, pois ele não fala somente da esposa, mas também dos filhos, visto que Deus teria a prole toda como sendo adulterina, e isso não podia ser o caso de um casamento legal. Por isso, quase todos os hebreus concordam com esta opinião, que o Profeta não esposou realmente uma mulher, mas que lhe foi ordenado a fazer isso em uma visão. E veremos no capítulo terceiro quase a mesma coisa descrita; contudo, o que está ali narrado não podia realmente ter sido feito, pois é mandado ao Profeta que se case com uma esposa que violara sua fidelidade conjugal e, depois de a ter comprado, retê-la em casa por um tempo. Isso, sabemos, não foi feito. Segue-se então que isso foi uma representação exibida ao povo.
Alguns objetam dizendo que a passagem inteira, tal como dada pelo Profeta, não pode ser compreendida como aludindo a uma visão. Por que não? Porque a visão, dizem, foi dada só a ele, e Deus tinha em consideração o povo todo, em vez do Profeta. Porém, pode ser, e é provável, que visão nenhuma foi apresentada ao Profeta, mas que Deus apenas lhe ordenou proclamar o que lhe tinha sido dado como responsabilidade. Logo, quando o Profeta começou a ensinar, ele iniciou com algo desse jeito: “O Senhor me coloca aqui como em um palco, para vos fazer saber que me casei com uma mulher, uma mulher habituada a adultérios e prostituições, e que por ela gerei filhos”. O povo todo sabia que ele não fizera tal coisa; porém, o Profeta assim falou a fim de pôr perante seus olhos uma vívida representação. Tal, pois, foi a visão, uma exibição figurada, não que o Profeta soubesse disso por uma visão, mas o Senhor lhe ordenara a relatar tal parábola (modo de dizer), ou tal comparação, para que o povo pudesse ver, como num retrato vivo, a torpeza e perfídia desse.
É, em suma, uma exibição, na qual a coisa mesma não é somente apresentada em palavras, mas também é colocada, por assim dizer, diante dos olhos deles de forma visível. A razão é acrescentada: pois pela devassidão a terra se tornou dissoluta.
Vemos agora então como as palavras do Profeta devem ser entendidas; pois ele assumiu um personagem perante o público, e nesse personagem ele disse ao povo que Deus lhe havia ordenado tomar para sua esposa uma meretriz, e por ela gerar filhos adulterinos. Seu ministério não se tornou, devido a isso, desprezível, pois todos eles sabiam que ele sempre vivera virtuosa e sobriamente; todos sabiam que sua casa era isenta de todo vitupério; mas aqui ele se exibia nesse suposto papel, como o fez, uma imagem viva da vileza do povo. Tal é o significado, e não vejo nada forçado nesta explanação; e vemos, ao mesmo tempo, o sentido dessa oração: Pela devassidão a terra se tornou dissoluta.
Oséias poderia ter dito isso numa palavra só, mas ele se dirigia ao surdo, e sabemos quão grande e quão estúpida é a loucura daqueles que se deleitam em suas próprias superstições e que não podem suportar qualquer censura. O Profeta, então, não teria sido levado em consideração, a menos que tivesse exibido, como em um espelho perante os olhos deles, o que desejava que fosse compreendido por eles, ainda que houvesse dito: “Se nenhum de vós pode conhecer a si mesmo de modo a reconhecer sua pública vileza, se sois vós tão obstinados contra Deus, pelo menos agora saibais, pelo meu personagem simulado, que sois todos adúlteros, e vossa origem provém de um bordel imundo, pois Deus assim declara a respeito de vós; e, como não estais dispostos a receber uma tal declaração, é agora posto perante vós em meu suposto papel”.
Que ela não segue a Jeová, literalmente: De após Jeová, me’acharei Yeowah. Vemos aqui qual é a castidade espiritual do povo de Deus, e qual é também a significação da palavra devassidão. Então, a castidade espiritual do povo de Deus é seguir o Senhor; e o que mais é esse seguir, senão aceitar que sejamos nós mesmos governados por sua palavra, e de bom grado obedecê-lo, estar pronto e preparado para qualquer obra à qual ele nos chame? Quando então o Senhor vai adiante de nós com sua instrução e nos mostra o caminho, e nos tornamos educáveis e obedientes, e olhamos para ele, e não nos desviamos, seja para a direita, seja para a esquerda, mas trazemos toda nossa vida à obediência de fé — isso é realmente seguir o Senhor; e é a mais bela definição da castidade espiritual do povo de Deus.
E também podemos, a partir do oposto disso, aprender o que é se tornar dissoluto; tornamo-nos assim quando nos apartamos da palavra do Senhor, quando damos ouvidos às falsas doutrinas, quando nos abandonamos às superstições; quando, em suma, nos transviamos após nossos próprios planos, e não mantemos nossos pensamentos sob a autoridade da palavra do Senhor. Mas, quanto à palavra devassidão, mais será dito no capítulo 2; contudo, apenas quis por ora tocar brevemente no que o Profeta quer dizer quando repreende os israelitas por terem todos se tornado devassos.
Dissemos nós, na Dissertação de ontem, que Deus ordenou a seu Profeta que tomasse uma mulher de prostituições, mas que tal não foi, em realidade, feito; pois que outro efeito podia ter tido isso, senão fazer com que ele se tornasse desprezível a todos? E, dessa maneira, sua autoridade teria sido reduzida a nada. Porém, Deus somente quis mostrar aos israelitas, mediante uma tal representação, que eles se jactavam sem razão; pois nada tinham que fosse digno de encômio, mas eram, de todos os modos, ignominiosos. É dito então: Oséias foi e tomou para si Gômer, a filha de DiblaimGômer, em hebraico, quer dizer falhar; e algumas vezes significa, ativamente, consumir; e, por isso, Gômer tem o sentido de consumo. Contudo, Diblaim são pastas de figo, ou figos secos reduzidos a uma pasta. Os gregos as chamam palathas. Os cabalistas dizem aqui que a esposa de Oséias foi chamada por esse nome, porque aqueles que são muito dados à libertinagem finalmente caem em morte e corrupção.
Assim, consumo é a filha de figos, pois por figos eles entendem a doçura das concupiscências. Mas ficará mais simples dizer que essa representação foi exibida ao povo, que o Profeta pôs diante deles, em vez de uma esposa, consumo, a filha de figos; ou seja, que colocou perante eles pastas de figos ou palathas, representando Gômer, que quer dizer consumo, e ele adotou uma maneira similar à dos matemáticos, quando descrevem suas figuras — “Se isso for tanto, então aquilo é tanto”. Podemos então compreender a passagem, que o Profeta aqui dá, para nome de sua esposa, as pastas deterioradas de figos; de modo que ela era consumo ou putrefação, nascida de figos, reduzida em tais pastas.
Pois ainda persisto eu na opinião que ontem expressei, que o Profeta não entrou em um lupanar para tomar uma esposa para si: pois, de outro modo, teria ele gerado bastardos, e não filhos legítimos; pois, como foi dito ontem, a situação da esposa e dos filhos era a mesma.

Fonte
João Calvino, Comentário sobre Oseias, cap. 1, pp. 28-31, tradução para o português de Vanderson Moura da Silva, a partir da tradução inglesa de John Owen do original em latim. www.monergismo.com/textos/livros/Oseias-Comentario-livro_Joao_Calvino.pdf