mardi 13 novembre 2012

"A terra é sempre a tua negra algema"

"Tu és o louco da imortal loucura,/ o louco da loucura mais suprema./ A Terra é sempre a tua negra algema,/ prende-te nela a extrema Desventura./ Mas essa mesma algema de amargura,/ Mas essa mesma Desventura extrema/ Faz que tu’alma suplicando gema/ E rebente em estrelas de ternura". (“O assinalado”, Cruz e Souza, primeira e segunda estrofes).


Zumbi dos Palmares, líder negro quilombola

O Brasil viveu 370 de escravidão. O povo negro trazido a força da África trabalhou para a população branca sob miséria, sem salário ou qualquer outro direito -- viveu escravo. Esse foi um dos fatos mais tristes da história humana.

Mas, Jesus proclamou a chegada do Reino de Deus, que é um reino de justiça, paz e alegria. E é o apóstolo Paulo quem diz: "o Espírito de Deus produz o amor, a alegria, a paz" (Gálatas 5:22).

É bem verdade que, muitas vezes, nós cristãos deixamos a proclamação do Reino de Deus de lado e vivemos sob a tutela do reino deste mundo. Por isso, cristãos e batistas escravizamos o povo negro. Embora o princípio da liberdade religiosa tenha sido parte integrante da fé dos primeiros batistas ingleses e a luta pela liberdade vista como um direito humano, é importante lembrar que o protestantismo histórico brasileiro, herdeiro das tradições sulistas norte-americanas, se não foi abertamente escravista, foi condescendente e omitiu-se diante da exclusão forçada dos negros africanos seqüestrados para o Brasil e de seus descendentes, os afrobrasileiros. E a história batista no Brasil confirma isso.

O missiólogo batista Donaldo Price explica porque os primeiros colonos batistas vieram para o Brail. “Os primeiros batistas que aqui chegaram, chegaram como imigrantes, não como missionários. Chegaram depois da derrota sulista na guerra entre os estados, ou a guerra civil norte americana. E queriam vir para uma nação que ainda tivesse escravatura, assim escolheram o Brasil”.

Passados 124 anos do decreto que reconheceu o direito do povo negro à liberdade, muitos ainda não reconhecem a discriminaçao sofrida e os direitos do povo negro. É por isso que o historiador batista Marco Davi de Oliveira constata que “os negros nas denominações evangélicas são colocados no devido lugar da animação da comunidade de fé, onde seus dons e talentos são usados para a motivação dos cultos e das celebrações, mas poucos negros ocupam os cargos de liderança e as comissões de ponta das matrizes. Essa constatação pode provocar uma discussão interessante e, ao mesmo tempo, levantar a seguinte questão: a divisão já não está presente no universo evangélico nacional? Os negros têm, de fato, os mesmo direitos que os brancos na Igreja brasileira?”.

O apóstolo Paulo exorta para que na Igreja não exista diferença "entre judeus e não judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: todos vocês são um só por estarem unidos com Cristo Jesus". (Gálatas 3:28 ). É por isso que, como cristãos e batistas, conscientes do pecado cometido, pedimos perdão a Deus e aos irmãos afrodescentes, nos somamos a luta pelos direitos de cidadania plena e saudamos o Dia da Consciência Negra.
Do amigo e companheiro, Jorge Pinheiro.

lundi 12 novembre 2012

Jorge Pinheiro, memórias

Leia, a seguir, a entrevista de Jorge Pinheiro com Omar L. de Barros Filho, editor de ViaPolítica, sobre "Novela de memórias: um pedaço de mim", onde o autor detalhadamente discorre sobre o livro e sobre as bases de sua opção religiosa.


VP - Você ainda é jovem. Políticos, jornalistas e escritores, em geral, escrevem suas memórias já tarde, quando o ocaso se aproxima. Por que você está lançando seu livro agora?

Jorge Pinheiro - Obrigado pelo jovem. Tenho 63 anos, saudáveis até agora, mas 63 anos nos levam a pensar no trânsito em direção à eternidade. Donde, começou a contagem regressiva. As idéias do livro partem de dois fatores, o papel da utopia socialista na minha vida e os demônios que infernizaram a minha juventude.

Na verdade, como novela de memórias o livro tem dois personagens: eu mesmo e a utopia socialista. Quando falo utopia não estou menosprezando o sonho do socialismo, mas colocando-o num patamar de realização permanente, histórica e trans-histórica. Ou seja, vejo o caminhar permanente da utopia, sinto o seu cheiro agradável, mas não necessariamente vou vivê-la como desejaria.

E os demônios, seguindo Nietzsche, são os pecados da juventude que se tornam virtude na velhice. São os pesadelos que andam sempre ao lado dos sonhos. Nesse sentido, como qualquer texto biográfico, o meu livro tem função de exorcismo. Exorcizar fantasmas e demônios e ficar com a utopia geradora de novos sonhos.

O livro é a primeira parte de uma trilogia esperada. É a minha história e a história da minha utopia, onde tudo o mais é cenário. É biografia, mas também ficção, pois sonhos e demônios são personificados, interferindo na vida do autor e de seu sonho maior.

VP - Qual o período de sua história pessoal que é abrangido pela obra que em breve será lançada?

Jorge Pinheiro - A história cobre os anos de 1969 a 1973. Ou seja, minha militância no Movimento Nacionalista Revolucionário/MNR, o primeiro exílio, a militância no Chile de Allende, a prisão depois do golpe de Pinochet e a condenação por fuzilamento.

Se levarmos em conta que fui para o paredón para ser fuzilado e hoje posso contar a história para vocês, é fácil entender os demônios da minha história pessoal.

VP - Você sente algum tipo de nostalgia em relação ao período marcado pela ação política de 68, passados 40 anos do ocorrido?

Jorge Pinheiro - Vocês publicaram a coisa de semanas um ótimo artigo sobre Daniel Cohn-Bendit http://www.viapolitica.com.br/artigo_view.php?id_artigo=58, onde ele pede às novas gerações que esqueçam o Maio francês. Eu e minha mulher, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos, temos trabalhado bastante sobre esta questão. E, ao contrário de Cohn-Bendit, não negamos a contemporaneidade de 1968. Ao contrário, agradecemos a Deus por aquele kairós, enquanto esforço de ruptura com uma sociedade arcaica e sem sintonia com o novo que se avizinhava, e de construção de um socialismo democrático e revolucionário. Chamar o movimento de 68 de rebeldia juvenil é não entender a riqueza criativa do kairós histórico. É negar as lutas que partiram de estudantes e trabalhadores da França em direção aos EUA, Itália e Alemanha, e jogar no lixo as lutas entre o capital e o trabalho, as guerras do Vietnã, Laos, Camboja e as insurreições populares no Chile, Portugal e Nicarágua.

Não tenho nostalgia, porque não situo minha ação no passado, mas no presente, enquanto ativista político-social que sou. O Maio francês abriu um novo momento na história do planeta e não se limitou à Europa. Espraiou-se pelo mundo. E minha vida política, quer no Brasil, no Chile, na Argentina e mesmo na Europa, esteve correlacionada ao Maio francês. Aprendi desde pequeno que não se cospe no prato em que se come. Creio que cresci em relação à minha ingenuidade militante e juvenil, mas isso não significa negar os momentos nobres e poderosos da minha militância nos anos 60 e 70.

Minha conversão ao cristianismo, que é um ato de fé no sacrifício do Cristo, de forma nenhuma implicou um abandono de minha consciência política. Nós, batistas, consideramos inalienável a liberdade de consciência e acreditamos que cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência.

Nesse sentido, sou um utópico: acredito que devo me posicionar a partir de uma ética da responsabilidade social. Isso implica entender o paradoxo da multicultura relacional brasileira: vivemos num país onde impera a moral autoritária do senhor, da casa grande e da senzala, e a moral libertária da contracultura – a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador/ vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”.

Por isso, qualquer atuação no campo social implica compreender esta realidade. Mas, consciente de que as sociedades devem se organizar através de relações democráticas, considero que a igreja na América Latina tem como desafio embasar seu compromisso no imperativo protestante: liberdade, conhecimento e justiça.

Tal processo se expandirá conforme cresça a consciência de que temos a tarefa de transformar o Brasil num país onde todos possam acessar condições dignas de vida e justiça social. E, logicamente, todo o continente.

VP- Como ocorreu o processo vivido por você -- um militante marxista radical considerado perigoso pela ditadura militar brasileira -- de rompimento com sua política e o posterior encontro com o cristianismo, a Igreja Batista, a teologia? Como você lida com essa questão hoje?

Jorge Pinheiro – Jesus proclamou a chegada do Reino de Deus, que é um reino de justiça, paz e alegria. É bem verdade que, muitas vezes, o cristianismo tem deixado a proclamação do Reino de Deus de lado e procurado viver sob a tutela do reino deste mundo. Mas, só para mostrar o envolvimento cristão protestante na transformação do mundo, vou me remeter à história da militância cristã na Inglaterra do século 18.

William Wilberforce e William Pitt são nomes conhecidos na Inglaterra, mas não entre nós. Amigos desde a universidade, esses dois homens, no século 18, chegaram ao Parlamento no início dos seus vinte anos. Pitt elegeu-se primeiro-ministro e ganhou o apelido de "o jovem", para diferenciá-lo do pai, que também ocupara o cargo. E resolveu implantar um projeto político audacioso: acabar com o tráfico de escravos, liderado pela Inglaterra. Projeto difícil, pois a maioria dos parlamentares estava direta ou indiretamente ligada ao tráfico.

Pitt convocou Wilberforce para ajudá-lo na tarefa. E foi assim que dois movimentos marcaram a Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. Em 23 de fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido, graças à intensa militância cristã e política de Wilberforce.

A partir desse momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton, pertenciam a um pequeno grupo protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros de Londres. Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não-conformistas, e através da publicação de literatura, realização de palestras e mobilizações de rua, foi responsável por algumas das manifestações sociais mais importantes da Inglaterra. Em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o império britânico.

O significado dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro, estrategicamente ligado à Inglaterra, através de três intelectuais: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Luiz Gama. Nabuco, que era diplomata, se inspirou no cristianismo militante de Wilberforce para organizar o movimento que levou a monarquia brasileira a aprovar a Lei do Ventre Livre. Somada à pressão britânica, a militância de Nabuco contribuiu para determinar a abolição da escravatura, em 1888.

Junto com as campanhas abolicionistas, as reformas trabalhistas mobilizaram outros intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow (1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e ao surgimento do movimento social cristão inglês.

Assim, os protestantes deram início ao movimento social inglês. Homens como Ludlow, Kingsley, Maurice e Hughes criaram o socialismo cristão na Inglaterra. Com plena consciência do que estava fazendo, Maurice afirmou “a necessidade de uma reforma teológica inglesa, como meio de evitar uma revolução política e de trazer o que de bom existe nas revoluções estrangeiras, tem estado cada vez mais impresso no meu pensamento”.

O movimento inglês repercutiu com força nos Estados Unidos. E, apesar da visão escravista de muitos protestantes estadunidenses, como Richard Furman, líder batista da Carolina do Sul, que, de certa forma, traduzia o sentimento generalizado entre os grandes fazendeiros sulistas, no norte surgiu um forte movimento protestante contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher.

Um romance marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura mundial: “A cabana do pai Tomás”, de Harriet Stowe. Numa leitura escatológica milenarista, Harriet Stowe considerava que a escravidão não era apenas um pecado do Sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria nacional.

No livro, atacava a consciência nacional escravista na esperança de que uma purificação da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina. É interessante que o argumento de Wilberforce, exposto em suas campanhas, sobre a inviolabilidade do conceito de que todos os homens são iguais, foi usado pelo presidente estadunidense Abraham Lincoln no ato de 1863, que aboliu a escravidão nos Estados Unidos. Lincoln, cujo mandato se desenrolou em meio à Guerra de Secessão, compartilhava a visão de Wilberforce de que era uma imoralidade possuir um outro ser humano e citava o inglês em seus discursos.

Com a guerra, veio a vitória do norte e a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a discussão sobre a industrialização do país, os danos humanos, misérias e exclusão que produzia entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social, evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que produziu uma obra até hoje famosa, “Em Seus Passos Que Faria Jesus?”, e o pastor batista Walter Rauschenbusch.

Rauschenbusch (1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combinava a doutrina bíblica da responsabilidade social e os socialistas utópicos. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos.

“Nossa economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso. Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a mais importante de todas. A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz”, afirmou em “Christianity and the social crisis”.

No mesmo livro, dizia que “nada dará a classe trabalhadora uma compreensão real de seu status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela (a organização fraternal da sociedade) necessita da sustentação firme da classe trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. A classe trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem”.

Acho que estou em boa companhia, principalmente quando me lembro do companheiro Martin Luther King Jr., pastor batista, e um dos maiores militantes da causa social em todos os tempos.

VP - Como essa crise e a superação dela aparecem no livro? A revolução e Cristo ainda caminham juntos na América Latina? Por quê?

Jorge Pinheiro – Hoje, na América Latina, muitos intelectuais, pastores e teólogos protestantes estão organizados ao redor de projetos político-sociais. Mas, logicamente, a preocupação primeira das igrejas protestantes é com a vida espiritual das pessoas e sua renovação em Cristo. Hoje, não poucos evangélicos atuam inspirados na fé cristã em movimentos populares, sindicatos, partidos políticos e ministérios de ação social de suas igrejas. E, em relação ao nosso país, atuar politicamente já faz parte da vida dos protestantes brasileiros.

Em termos de organização, vou falar de dois movimentos que, embora novos, têm fermentado positivamente o solo militante evangélico. O primeiro é o movimento da Missão Integral, que procura envolver as igrejas locais com o compromisso social. Na visão da Missão Integral, da qual faço parte e sou um dentre muitos teóricos, a proclamação do Evangelho tem conseqüências sociais quando olha o ser humano como totalidade.

Assim, a teologia da Missão Integral busca a justiça social porque entende a fé como intervenção política, material e espiritual, e acredita que a transformação das pessoas e as mudanças estruturais estão correlacionadas.

E porque acreditamos que o ser humano é a imagem de Deus, a Missão Integral é uma teologia para aqueles que carecem de bens e possibilidades, mas que, como os demais, são imagem de Deus. Os despossuídos de bens e possibilidades têm conhecimento, habilidades e recursos. Tratá-los com respeito significa propiciar condições para que sejam arquitetos de mudança em suas comunidades, ao invés de impor soluções. Trabalhar com os despossuídos e expropriados envolve a construção de relações que conduzem a uma mudança mútua.

E, para a Missão Integral, quem pode e deve atuar assim são as igrejas locais. O futuro da missão integral se define, pois, em termos de capacitar as igrejas locais para que transformem as comunidades das quais fazem parte. As igrejas, como comunidades de cuidado e inclusividade, estão no coração do que significa fazer missão. As pessoas são, em particular, atraídas à comunidade cristã antes de serem atraídas pela mensagem cristã.

Esse jeito de produzir inclusão social nasce de baixo, nasce nas igrejas, traduz uma teologia do Reino de Deus, comunitária, a experiência de caminhar com as comunidades. Olhando assim, a igreja não é meramente uma instituição, mas comunidade na qual se concretizam os valores do Reino de Deus.

A participação dos despossuídos e expropriados na vida da igreja leva a encontrar novas maneiras de ser igreja no contexto da cultura brasileira. Dessa maneira, a Missão Integral, que hoje envolve centenas de igrejas evangélicas brasileiras, é uma teologia social. Tal atividade se amplia para incluir avanços até a transformação de valores, a valorização das comunidades e a cooperação em questões de justiça. Em sua presença entre os despossuídos e expropriados, a igreja está numa posição singular para restaurar a dignidade das pessoas, apresentando valores que produzem recursos e criam redes de solidariedade.

Mas os problemas continuam presentes, por isso toda ação de transformação é permanente. Temos problemas políticos e sociais, como pobreza, violência, corrupção. Má qualidade dos serviços públicos nas áreas de educação e saúde, agressões contra o meio ambiente. Por isso, num momento em que a visibilidade e o reconhecimento da presença protestante reclamam expressões políticas de responsabilidade e serviço, nós, ou seja, um grupo de evangélicos de igrejas diferentes e de diferentes partes do Brasil, estamos atuando na construção de um movimento chamado Evangélicos pela Justiça.

Bem, você deve estar pensando, mas por que dois movimentos: Missão Integral e Evangélicos pela Justiça? Considero que a Missão Integral, que hoje já é estudada como matéria em muitas faculdades de teologia, visa atuar através das igrejas, sugerindo programas e propostas para estas atuarem nos lugares onde estão implantadas. Aqui, então, o agente é a igreja local: agente de transformação social.

Já no caso do movimento dos Evangélicos pela Justiça desejamos ter neste primeiro momento uma atuação conscientizadora sobre os formadores de opinião do mundo protestante. Ao mesmo tempo, temos uma preocupação definitivamente política, pois queremos uma alter sociedade, que supere o capitalismo e suas orientações ideológicas, o neoliberalismo e as chamadas terceiras vias. Trata-se de meta histórica e estratégica, que necessita de um programa de transição, e que envolverá contribuições de dentro e de fora do campo protestante. Mas, acima de tudo, não é um projeto que envolva a criação de um poder evangélico ou apoiado na religião.

Por isso, nós, os Evangélicos pela Justiça, rejeitamos os modelos de fusão entre instituições religiosas e poder político. Não porque consideramos a política indigna ou contrária à mensagem do Reino de Deus, mas porque acreditamos que as instituições políticas de uma sociedade democrática devam ser construções históricas, pactuadas entre pessoas de qualquer fé ou de nenhuma fé. E que o papel dos cristãos é testemunhar de sua fé também nas questões sociais e políticas.

Assim, a luta contra a globalização excludente e suas formas de legitimação ideológicas, seculares e religiosas, conservadoras ou progressistas, é um projeto que exige estratégia histórica, que vai além das confissões religiosas, remetendo à aspiração de uma humanidade livre e democrática. Mas é um projeto legítimo para quem vê a fé cristã como chamado ao compromisso com a libertação de todas as formas de escravidão, opressão e discriminação, que negam nos seres humanos a imagem de Deus e nos impedem de um encontro com nosso Criador. É isso aí.

Fonte: http://www.viapolitica.com.br/anima_view.php?id_anima=65
Artigo original publicado em 12 de Maio de 2008


Sobre o entrevistado

Omar L. de Barros Filho é editor de ViaPolítica e membro de Tlaxcala, a rede de tradutores pela diversidade lingüística. Esta tradução pode ser reproduzida livremente na condição de que sua integridade seja respeitada, bem como a menção ao autor, aos tradutores, aos revisores e à fonte.

URL deste artigo em Tlaxcala: http://www.tlaxcala.es

vendredi 9 novembre 2012

La Creencia de Abraham Avinu en el Mundo Venidero

Parashat Jaie Sara-6

Por Rav Baruj Mbazbaz


Esta parashá comienza relatando el fallecimiento de Sará Imenu, en Kiriat Arbá, ubicada en Jebrón.



Abraham Avinu habló con los hijos de Jet - quienes vivían en esa ciudad - y pidió comprarles una porción de tierra para poder enterrar a su esposa. Los hijos de Jet le dijeron que elija la mejor porción de tierra y que la tome de manera gratuita. Abraham les dijo que él quería enterrar a Sará en la Mearat Hamajpelá que pertenecía a Efron, pero sólo tomaría aquella tierra si él podría pagar por ella. Luego, la parashá nos cuenta cómo fue la adquisición de la meará (cueva).

Cuando Abraham les pide a los hijos de Jet que le vendan la tierra, él les dice: "Extranjero y habitante soy entre ustedes, véndanme una porción de tierra para enterrar a mi difunto" (Bereshit 23:4).

Preguntan Nuestros Sabios: ¿Qué significa la expresión "extranjero y habitante"? Si uno es extranjero no puede ser habitante. Además, ¿por qué Abraham no aceptó que le regalen la tierra que pedía?

Explican Nuestros Sabios que entre Abraham Avinu y los hijos de Jet había una gran diferencia respecto de los valores de la vida.

Cuando fallecía alguno de los hijos de Jet, éste era enterrado con mucho honor y en el mejor sector de la ciudad. Pero luego de unos meses, ellos sacaban sus restos de la tierra y los quemaban, ya que creían que al morir la persona desaparecía en todos los sentidos, y no había necesidad de ocupar un lugar de tierra que podría ser utilizado para otros.

Sin embargo, Abraham sabía que la persona posee un alma que después de la muerte se desprende del cuerpo y tiene continuidad en el mundo venidero. Además, él sabía que en el futuro los muertos resucitarán.

Es por eso que Abraham no aceptó la tierra como regalo, pues él sabía que ellos sólo estarían dispuestos a ofrecérsela por tan sólo unos meses, pero él la quería para siempre - hasta el día de la resurrección de los muertos.

Es por que Abraham les dijo: "extranjero y habitante" refiriéndose a que en este mundo somos todos extranjeros, ya que nunca vimos que un ser humano haya vivido eternamente, mas en el mundo venidero seremos todos habitantes - si cumplimos con los preceptos de D'os. De hecho, la intención de Abraham también fue difundir entre las personas que lo rodeaban la fe en el Olam Habá (Mundo Venidero).

Abraham Avinu dedicó toda su vida a iluminar a su generación con la luz de la verdad, e incluso en este momento tan difícil de su vida por la pérdida de su esposa, él intentó inculcarles a los que estaban a su alrededor la fe en D'os y la eternidad del alma. Esta fe en el Olam Habá ha sido transmitida por nuestro pueblo de generación en generación. El Talmud describe a este mundo, comparándolo con el corredor que se encuentra antes de la sala: "Prepárate en el corredor para poder ingresar al recinto principal".

Todos sabemos fehacientemente que tenemos un alma y que también hay un mundo espiritual al cual ella llega después de desprenderse del cuerpo, pero muchos de nosotros nos preguntamos: ¿cómo debemos prepararnos para tener el mérito de llegar al Olam Habá. Así como uno necesita un libro de instrucciones para aprender a usar el electrodoméstico que acaba de adquirir, y si compró una computadora incluso hará algún curso especializado, así también debemos saber que D'os nos entregó un libro de instrucciones para la vida - la Torá - que nos permitirá poder obtener un lugar en el Olam Habá.

Dijo el Sabio ben Bag Bag en la Mishná: "Busca en ella y busca en ella, pues todo está en ella", es decir que no hay incluso un solo dato o consejo que no se encuentre en la Torá. D'os nos entregó la Torá para que adaptemos nuestras vidas a sus indicaciones, pues esta es la única manera de asegurarnos ser meritorios de disfrutar la eternidad del Olam Habá. Por este motivo tenemos que profundizar en nuestras fuentes y así saber cómo debemos conducirnos.

Se cuenta que en la Segunda Guerra Mundial los nazis atraparon a un iehudí que cumplía con las mitzvot de la Torá y apuntándole con el arma sobre su cabeza, lo amenazaron diciéndole que si no comería la carne taref (no casher) que le dieron, lo matarían.

Este iehudí les contestó: "Esta amenaza realmente puede asustar a una persona como ustedes que no tiene otra vida, pero a alguien como yo que tiene dos mundos, no lo asusta dejar este para ir al otro, pues seguro que aquel es mucho mejor".

Esta increíble historia nos muestra la fe en el Olam Habá transmitida por Abraham Avinu a su descendencia - una de las más fuertes herramientas que tuvo y tiene el pueblo de Israel para mantenerse fiel, siguiendo el camino de D'os a lo largo de toda su historia.

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Cortesia del Rab Baruj Mbazbaz, autor del libro "BIRKAT HASHAMAIM"

http://www.judaismohoy.com/article.php?article id=795

mercredi 7 novembre 2012

Karl Barth, théologien réformé?

L'exemple de sa théologie de la prédication et des sacrements.  


Philippe Cardon-Bertalot* 

Cet article se propose d'étudier la théologie de la prédication développée par Karl Barth entre 1922 et 1968 à partir des derniers textes que ce théologien a consacrés à ce sujet et que l'on trouve dans le volume IV de sa Dogmatique, son oeuvre majeure [1].

Cette étude nous introduit sur le terrain des affirmations barthiennes concernant le sacrement en général, et celui des transpositions que Barth a lui-même effectuées à propos de la prédication à partir de sa nouvelle approche du baptême [2]. Ce lien entre théologie des sacrements et théologie de la prédication est classique, dans le protestantisme, depuis la Réforme. Luther, à la suite de saint Augustin, aimait à parler de verbum visibilis et de verbum audibile à ce propos [3]. Quant à Barth, il avait coutume, dans les années trente, d'appeler "prédication" l'ensemble formé par le "sermon" et le "sacrement" [4]. Le rapprochement constant baptême, cène et sermon distingue, à l'évidence, la théologie protestante de la théologie catholique classique.


Prédication et sacrements dans une perspective réformée

Parmi les théologiens protestants, il existe plusieurs manières de définir le sacrement, et de comprendre ce qui le caractérise; nous en distinguerons trois: la luthérienne, la zwinglienne, la calvinienne. Il y a donc plusieurs manières d'interpréter le caractère sacramentel du sermon, comme en témoigne la conception très personnelle que Barth expose au tome 26 de sa Dogmatique! Pour lui, il n'est légitime de parler de "sacrement" que si le texte grec du Nouveau Testament emploie le terme de mysterion pour désigner cette réalité. Or, mysterion renvoie, selon Barth, à un fait d'histoire qui devient événement au sein du monde spatial et temporel, en ce sens que parce que seul Dieu en est directement l'auteur et l'ordonnateur, il est et reste fondamentalement, à la différence de tous les autres faits d'histoire, un mystère pour la connaissance humaine, étant donné son origine et sa possibilité; à moins qu'il ne s'ouvre à elle, non pas du dehors, mais seulement de l'intérieur, seulement par lui-même, c'est-à-dire uniquement par une révélation de Dieu... Une chose est claire: le Nouveau Testament parle de "mystère" exclusivement à propos de l'action et de la révélation de Dieu dans l'histoire... [5]

Et, continuait Barth, il n'y a en ce sens qu'un seul sacrement digne de ce nom, un seul mysterion: l'humanité ressuscitée et glorifiée de Jésus-Christ par laquelle Dieu se révèle [6]. Appliquer ce terme de sacrement à de tout autres réalités, à commencer par la cène et le baptême, reviendrait à refuser de les considérer telles que le Nouveau Testament les présente: comme de libres actions humaines par lesquelles l'homme répond, dans la louange, à la grâce divine et remercie pour le salut reçu [7].

Nous noterons un premier point - d'importance - qui distingue Barth de Calvin. Barth ne combat pas, ici, pour préserver l'honneur et la gloire de Dieu; son raisonnement n'a pas pour finalité de préserver le caractère "d'actes divins" des sacrements (au sens traditionnels du terme) que la conception habituelle exprime en attribuant à l'Eglise - plus exactement à ses ministres - le pouvoir d'agir comme des médiateurs de Dieu, au nom, en lieu et place de Dieu...

Une telle intention se trouve dans la théologie réformée classique. Comme l'expose le professeur A. Gounelle dans deux récents ouvrages [8], cette théologie peut voir son intention résumée dans l'emploi du terme cum, "avec": la relation véritable avec Dieu s'établit par l'agir intérieur du Saint-Esprit, mais la cérémonie extérieure traduit et exprime cet acte intérieur. Le ministre qui administre le sacrement n'agit pas à la place de Dieu, fût-ce par délégation de l'autorité divine et comme son représentant terrestre. Il agit en même temps que Dieu. Les deux actions existent indépendamment l'une de l'autre mais se coordonnent et coïncident. L'action du ministre doit être à la fois soigneusement distinguée de l'action divine et liée à elle. En particulier, les deux doivent être pensées dans une stricte concomitance temporelle. Le ministre est un "outil" [9], par lequel Dieu manifeste la réalité de sa propre action: non par la vertu du rite, mais en vertu de la libre promesse divine et du libre engagement du Seigneur de l'Eglise. Le fidèle peut ainsi être assuré, par exemple, qu'au plan spirituel, Dieu le fait communier au corps et au sang de Jésus-Christ au moment où il prend le pain et la coupe de la cène que lui présente le pasteur.


Il en va de même pour le sermon, compris par la théologie réformée comme l'exercice humain qui coïncide avec l'énoncé par Dieu de sa propre Parole. C'est pourquoi le prédicateur renvoie avec assurance à l'audition de la Parole de Dieu, mais il ne la dit pas lui-même substantiellement.
H. Bullinger, rédigeant la Confessio helvetica posterior, en 1566, pouvait écrire: "La prédication de la Parole de Dieu est Parole de Dieu." [10] Mais cela n'implique pas que la parole du prédicateur devienne la Parole de Dieu au sens de la doctrine catholique de la transsubstantiation. La première ne remplace pas davantage la seconde. La prédication est l'occasion que Dieu utilise pour faire entendre sa voix et rendre attentif à sa Parole de vie et de salut. Par conséquent, le sermon doit être écouté et reçu avec le même respect et la même foi que la propre Parole de Dieu: la bouche du prédicateur est la bouche de Dieu [11].
On reconnaîtra sans peine, sous les traits de cette théologie réformée classique de la prédication, la conception que défendait Barth dans les années vingt et trente [12]. Mais il ne suffit pas de la mettre en valeur pour pouvoir répondre positivement à notre question. Car, justement, Barth va évoluer sur ce point. Il demeura, d'une certaine manière, dans le sein de la tradition réformée, mais il en interpréta différemment les grandes lignes.


Pour comprendre comment cela est possible, il faut se souvenir que la théologie réformée des sacrements et de la prédication, telle que nous l'avons présentée à l'enseigne du Consensus tigurinus et de la Confessio helvetica posterior, et que le nom de H. Bullinger illustre, est en elle-même une théologie où convergent des positions diverses. A la fin de sa carrière, principalement dans les années cinquante et soixante, Barth a redécouvert toute l'importance que pouvaient avoir pour son propos théologique la pensée et l'oeuvre de H. Zwingli, ce qui l'a entraîné sur le chemin d'une "déconstruction" - ainsi dirons-nous - de la synthèse réformée classique. Barth ne s'est, certes, jamais proclamé "zwinglien". Il a seulement admis de parler du "zwinglianisme indirect" de sa théologie du baptême, ce qui est tout autre chose [13]. Mais le rapprochement a été fait depuis longtemps entre la théologie du dogmaticien de Bâle et celle du Réformateur de Zurich [14], et nous voulons poursuivre sur cette ligne.

II. Karl Barth et H. Zwingli

Quand Barth a-t-il commencé à se rapprocher de Zwingli? Le premier document significatif que nous sommes en mesure de signaler date de l'immédiat après-Seconde Guerre mondiale. Il s'agit des cours donnés par Barth en 1946-1947 à Bonn, qui ont été publiés en français sous le titre Esquisse d'une dogmatique [15]. Par le biais d'une référence positive à une forme de theologia gloriae s'esquisse alors, sous la plume de Barth, une réévaluation notable de la théologie zwinglienne [16]. Cette manière favorable d'aborder et d'intégrer la pensée de Zwingli représente une nouveauté dans le corps de la théologie barthienne. En effet, dans les années vingt, non seulement Barth s'en tenait strictement à la theologia crucis luthérienne, mais encore il émettait un jugement négatif sur la pensée de Zwingli dans son ensemble [17]. Cette nouvelle approche de Zwingli par Barth eut un retentissement immédiat dans le domaine de la christologie [18]. Mais nous en considérerons les retombées spécialement sur la doctrine barthienne des sacrements et de la prédication.
Luther a entamé une critique de la conception médiévale qui insistait sur la capacité des sacrements à être cause de la grâce "en la signifiant". Le Réformateur de Wittenberg mettait l'accent sur la foi: "Ce n'est pas le sacrement, mais la foi du sacrement qui justifie." Il voulait, en outre, que ce signe ait été clairement institué par le Christ et qu'il soit lié à la promesse du pardon des péchés. La critique luthérienne portait plus loin encore: à proprement parler, il n'existait qu'un seul sacrement, "la Parole", le baptême, la cène étant seulement des signes sacramentels... [19]


Poursuivant dans cette voie, Zwingli, lui, s'est interrogé sur la pertinence même du concept de "sacrement". Il a refusé de faire du terme latin sacramentum la traduction du terme grec mysterion. (Nous savons déjà quel rôle cette question joua chez Barth.) Or, c'est sur cette traduction que reposait la théologie sacramentelle classique. C'est ainsi que cette manière de traduire, employée par la Vulgate, justifiait, sur la base d'Ephésiens 5:32, la qualification sacramentelle du mariage. Si Zwingli acceptait d'appeler le baptême ou la cène un sacramentum, c'était uniquement sur la base de l'étymologie latine du terme: un sacramentum était classiquement un "serment" (aux enseignes), le signe d'un engagement (de propriété), le gage d'un "enrôlement" [20].
K. Barth "radicalisa" cette perspective. Ni le baptême ni la cène ne pouvaient, pour lui, demeurer des sacrements au sens habituel des termes, des sacrements-mysteria. Ils restaient des actions chrétiennes fondamentales, mais uniquement en tant que manière humaine d'attester la réception de la révélation effectuée dans la résurrection de Jésus-Christ, qui précède radicalement tous nos "serments d'allégeance" et nos "eucharisties" en les justifiant [21] - bref en tant que manière humaine de répondre et de se conformer à la révélation. C'est pour cela que Barth - et ici il ne suivait pas Zwingli - refusa le baptême des enfants. L'infans est, par définition, celui qui ne peut pas répondre à la grâce par une manifestation libre de tout son être, que la parole humaine de la foi et le geste du baptême d'eau expriment [22].

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Notons néanmoins que la reprise, transformée par Barth, de divers motifs zwingliens reposait sur une conception du rapport du "spirituel" et du "corporel" différente de celle que le Réformateur de Zurich a développée. Pour Zwingli, le baptême ou la cène ne pouvaient conférer le salut, car il s'agissait d'une donnée entièrement "spirituelle" qu'aucune réalité "corporelle" ne peut transmettre. Il peut seulement y avoir attestation de sa réception. Il y a, à l'arrière-plan de la théologie zwinglienne, une indubitable référence à la philosophie platonicienne, entendue comme opposition entre le monde des idées, de l'âme, et celui des réalités sensibles, du corps. Seul l'Esprit saint, en établissant une communication directe entre l'Esprit de Dieu et l'esprit de l'homme, peut conférer le salut. C'est pourquoi il a semblé à certains auteurs que Zwingli dévalorisait le sensible en général, et les sacrements en particulier [23].
La théologie réformée des sacrements se souviendra de la mise en garde zwinglienne sans en retenir les conséquences ultimes. Comme nous l'avons vu, cette théologie entendait préserver la spécificité et la liberté de l'action "spirituelle" divine par rapport aux "outils humains" (sacrements, sermon...) dont Dieu use, qui l'accompagnent, l'attestent, y renvoient.. .[24] Les sacrements sont, dans ce cas de figure, peut-on dire, les "sceaux" et les "gages" de l'action divine.
Pour Barth, il ne s'agissait nullement de dévaluer le gestuel comme si Dieu ne se donnait à appréhender que dans un pur mouvement de l'âme. Bien au contraire, il entendait préserver la pleine valeur spirituelle de l'action humaine dans sa sphère particulière: la foi se manifestait pour lui par la parole de la confession de foi et de la prédication, mais aussi par le geste du baptême, la fraction du pain, le partage de la coupe. La théologie des sacrements dans ses expressions classiques lui semblait, sinon nier, du moins altérer la réalité du caractère pleinement humain de la célébration sacramentelle. Il parlait à ce propos d'une "docétisation" de l'action humaine [25]. Barth voulait revaloriser la place du sensible et des réalités corporelles dans la manifestation de la foi en leur rendant leur autonomie, même si, à l'instar de Zwingli, il excluait du culte les images et même la musique (seul, le chant a capella est admissible) [26]. Pour Barth, lors de la célébration des sacrements, l'homme agit librement et de façon personnelle, et non pas seulement comme un instrument de Dieu. 
 
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Il reste à se demander si la "radicalisation" barthienne des principes zwingliens ne conduisit pas le dogmaticien de Bâle à des positions proches de celles des anabaptistes du XVIe siècle, eux aussi "disciples radicaux" du Réformateur zurichois, et des Schwärmer. Le premier motif qui peut justifier cette interrogation est, bien sûr, leur commun refus du pédobaptisme. Nous croyons que Barth suit, ici, une voie originale et qu'il "dépasse" Zwingli sans pour autant reprendre les positions des anabaptistes ou des Schwärmer.


A la différence de ces derniers, Barth défendit constamment la légitimité, et même la nécessité, d'actes "extérieurs", et il maintint l'Ecriture sainte comme norme de la prédication, refusant tout recours à une "révélation intérieure". Quant à la théologie du baptême des anabaptistes, Barth s'en séparait parce que, aussi problématique que fût le baptême reçu à l'âge de l'enfance par la majorité des chrétiens, le dogmaticien bâlois affirmait qu'on ne pouvait le tenir pour simplement invalide et vouloir rebaptiser [27].

III. La prédication, acte de louange

Comment Barth a-t-il compris la prédication, dans l'ultime phase de sa carrière? Elle était, pour lui, une forme de la louange de Dieu par laquelle le baptisé répond encore et toujours à la grâce reçue, et invite les autres hommes à se joindre à lui. La prédication conservait un sens proprement cultuel [28]. Le sermon était pour Barth une annonce et une explication indépendante de l'Evangile, une interpellation évangélique que l'on court le risque de lancer spontanément... la prédication doit parler à partir de la Bible mais pas sur elle [29].
C'est ainsi qu'il prêcha au pénitencier de Bâle dans les années cinquante [30]. Autrement dit, Barth refusait alors que la prédication se transformât en un cours d'exégèse ou en une explication de texte, tandis qu'auparavant il parlait de la prédication comme d'une reine Auslegung, une pure explication, du texte biblique [31].

Mais plus globalement, la prédication fut, dans la théologie barthienne de l'époque, l'autre nom du témoignage que la communauté est appelée à rendre à l'Evangile dans le monde. Ce témoignage est la mission de tout baptisé, chacun le rendant en fonction de la vocation particulière qu'il a reçue de Dieu et que la communauté lui a reconnue [32]; de même que la prédication cultuelle demeure l'office spécial de celui qui y a été appelé. Nous n'insistons pas sur la "remise en cause" du ministère pastoral dans sa forme classique que Barth a développée dans la Dogmatique IV, et qui est très nette si l'on compare ses écrits des années cinquante à ceux des années vingt. Le point de départ de Barth a été une réflexion sur les implications de la vocation homilétique du pasteur: "Qu'est-ce que prêcher?" [33] Cette interrogation demeura constante comme source de sa réflexion dogmatique [34], mais son sens s'est transformé au fil des années; elle est devenue une réflexion sur la vocation de la communauté à annoncer la Parole de Dieu au monde. L'annonce qui s'effectuait au sein même de la communauté, dans son culte, en tant que sermon, est désormais comprise par Barth, non comme l'instant eschatologique [35], mais comme une préparation à l'essentiel: la mission dans le monde et pour le monde. La figure du pasteur, dans la mesure où elle est demeurée une question qui a préoccupé Barth, a perdu sa place centrale au profit de la communauté dans son ensemble.

Conclusion

Karl Barth fut-il un "théologien réformé", nous demandions-nous en exergue? La réponse que nous pouvons, maintenant, apporter de façon provisoire sera nuancée.


Oui, répondrons-nous, puisqu'il a dialogué constamment, de façon privilégiée, avec la tradition théologique réformée, qu'elle soit représentée par Zwingli, par Calvin, par Bullinger ou par l'orthodoxie du XVIIe siècle, voire par Schleiermacher, dont Barth n'oublie jamais les origines réformées [36]. Dans les années vingt et trente, Barth fut un représentant assez fidèle de cette tradition, du moins en ce qui concerne la prédication et les sacrements, même s'il était alors plus influencé par Bullinger (quant aux sacrements) que directement par Calvin.


Non, répondrons-nous, s'il s'agit pour le théologien réformé de réaffirmer, de redémontrer le dogme traditionnel. Karl Barth n'a pas été "orthodoxe" ou "néo-orthodoxe". Même si nous oublions le sens péjoratif du terme sous certaines plumes [37], il n'a jamais voulu comprendre la tâche de la théologie de la même manière que les théologiens (néo)calvinistes, (néo)luthériens, voire (néo)thomistes. Barth a toujours refusé de comprendre la tâche du dogmaticien dans le sens d'une redémonstration d'un donné traditionnel et il a attaqué l'attachement trop étroit de certains luthériens aux formules de la Confession d'Augsbourg [38]: la révélation ne pouvait pas s'être "incorporée dans des phrases objectives", car elle ne serait plus alors un événement [39]. La tâche de la théologie est plutôt, selon Barth, la recherche de la "pure doctrine":


Que faut-il donc attendre de la dogmatique? Qu'elle fournisse des armes à la prédication, qu'elle l'oriente vers la recherche de la pure doctrine et l'entraîne dans cette démarche [40], 
même s'il existait pour lui quelque chose "comme un vieux dogme chrétien ayant valeur normative" [41].

Nous sommes donc globalement en présence d'une gestion tout à fait personnelle de l'ancienne tradition réformée que Barth a refusé de considérer comme figée et intangible. Sa théologie possède une volonté incontestable d'être une pensée en mouvement, où remaniements, ouvertures, innovations se multiplient. Theologia viatorum, selon la formule reçue: encore un terme emprunté à l'orthodoxie, mais compris de façon radicale [42].

Nous ne voulons prendre parti ni pour ni contre la méthode barthienne. Mais il nous semble important de noter que l'interprétation de Barth en termes de théologien "néo-orthodoxe" est erronée, que l'on s'en réjouisse ou qu'on le regrette. Dans une perspective favorable à Barth, B. McCormack estime qu'il faut mettre à l'épreuve le point de vue qui a dominé l'historiographie de la théologie du XXe siècle dans le monde anglophone: à savoir que Karl Barth a été le représentant le plus éminent de la "néo-orthodoxie" qui fut dominante dans les années 1930-1960 [43].

Et J. M. Tétaz écrit dans l'Encyclopédie du protestantisme, pour s'en réjouir car cela justifie le "retour" à Schleiermacher qu'il préconise, que "la dogmatique ecclésiale de Karl Barth reste fondamentalement tributaire du programme schleiermachérien" [44]. Cette affirmation demanderait à être vérifiée et nuancée, mais elle est bien plus exacte que son contraire!

Ainsi la théologie barthienne apparaît finalement comme un mode de gestion de l'héritage réformé beaucoup plus "hétérodoxe" et singulier qu'"orthodoxe" et régulier. En se repositionnant par rapport à Zwingli, Barth a subverti la théologie réformée classique de la prédication et des sacrements de l'intérieur.


Certains diront qu'il suffisait de rappeler la compréhension de la prédestination développée par Barth pour s'en convaincre, mais nous avons voulu prendre un chemin tout différent, et moins fréquenté, pour appréhender ce fait. 


* Ph. Cardon-Bertalot a soutenu une thèse doctorale "Détresse et promesse de la prédication chrétienne. Karl Barth, théoricien de la prédication", thèse dactylographiée (Strasbourg: Faculté de théologie protestante, 1997). Il est pasteur de l'Eglise réformée évangélique du Valais, à Montana, en Suisse.


[1] K. Barth, Dogmatique, 4 vol., 26 tomes, index (Genève: Labor & Fides, 1953-1980, trad. française).

[2] K. Barth, op. cit., 26, trad. française, 1969.

[3] Cf. A. Birmelé, Encyclopédie du protestantisme, art. "Eglise" (Paris-Genève: Cerf-Labor & Fides, 1995), 485.

[4] K. Barth, op. cit., 1, 54ss.

[5] K. Barth, op. cit., 26, 113.

[6] Op. cit., 107.

[7] Sur la louange, cf. K. Barth, op. cit., 25, 208-211; idem, 26, 113-114.

[8] A. Gounelle, Le baptême. Le débat entre les Eglises, 40ss, 85 ("La cérémonie n'opère rien... Toutefois, Dieu, parce qu'il en a décidé ainsi et comme il l'a promis, nous justifie, nous fait grâce, nous adopte, au moment où..., on verse de l'eau sur notre tête"); La cène. Le sacrement de la division, 21. (Les deux ouvrages, Paris: Les Bergers et les Mages, 1995.) On pourra, sur ces questions, se reporter utilement à l'article de P. Marcel "L'actualité de la prédication" in La Revue réformée, t. II (1951), 1-89 et au commentaire de P. Wells in La Revue réformée (1997:5).

[9] J. Calvin, L'Institution de la religion chrétienne (Aix-en-Provence-Marne-la-Vallée: Kerygma-Farel, 3 vol. 1978), IV.iii.1.

[10] Confession helvétique postérieure (Neuchâtel-Paris: J. Courvoisier Ed., Delachaux et Niestlé, 1944), 42.

[11] Cf. R. Stauffer, L'homilétique de Calvin, mémoire de maîtrise dactylographié (New York: Union Seminary, 1953), 59, qui renvoie à un sermon du Réformateur sur le Deutéronome, OEuvres complètes, 25, 666-667.

[12] Cf. K. Barth, Parole de Dieu, paroles humaines (Paris: Les Bergers et les Mages, trad. française, 1966-1922), 127-159. Die christliche Dogmatik im Entwurf (Munich: Chr. Kaiser, 1927; Dogmatique, I, 1932-1938).

[13] Cf. K. Barth, Dogmatique, 26, 134-135.

[14] Cf. J. Courvoisier, Zwingli et Karl Barth, in Un remède de cheval (Genève: Labor & Fides, 1956), 47-81.

[15] K. Barth, Esquisse d'une dogmatique (Genève: Labor & Fides, trad. française, 1984).

[16] Idem, 1842.

[17] Cf. E. Busch, Karl Barths Lebenslauf (Munich: Chr. Kaiser, 19864), 155.

[18] Cf. A. Gounelle, La cène. Le sacrement de la division, 41.

[19] H. Mottu, art. "Rites", in Encyclopédie du protestantisme, 1340-1341.

[20] Cf. J. Courvoisier, Zwingli et Karl Barth, op. cit., 69ss, Zwingli, théologien réformé (Neuchâtel-Paris: Delachaux & Niestlé, 1961), 69. K. Barth, Dogmatique, 26, 114. On voit donc que Barth et Zwingli résolvent le même problème de manière opposée: Barth continue de traduire mysterion par sacramentum, mais refuse d'employer ce mot pour le baptême et la cène; Zwingli continue d'appeler chacune de ces deux actions un sacramentum, mais refuse de faire de ce terme l'équivalent de mysterion. Cette seconde position est peut-être plus "logique", mais pose un redoutable problème de communication, vu le sens reçu du mot "sacrement".

[21] A. Gounelle, op. cit., 39-40, emploie à propos de la théologie zwinglienne des sacrements le terme ante pour décrire le mode de relation qu'elle conçoit entre l'action divine qui précède et l'action humaine qui suit.

[22] Cf. K. Barth, Dogmatique, 26, 173, 192.

[23] Cf. Chr. Gesytich, Zwingli als Theologe, 138. W. P. Stephens, The Theology of Huldrich Zwingli, 135, est d'un avis plus nuancé.

[24] Cf. P. Gisel, Encyclopédie du protestantisme, art. "Calvin", 173.

[25] K. Barth, Dogmatique, 26, 106, 111.

[26] K. Barth, op. cit., 25, 208ss.

[27] Cf. K. Barth, op. cit., 26, 199 (en revanche, Barth admet que baptistes et mennonites, qui pratiquent un "baptême de responsabilité", sont, au moins, en route vers une théologie acceptable du baptême).

[28] K. Barth, op. cit., 25, 211ss.

[29] K. Barth, Esquisse d'une dogmatique, 43-44.

[30] Cf. K. Barth, Aux captifs, la liberté (Genève: Labor & Fides, trad. française, 1959). Ce qui demeure (Genève: Labor & Fides, trad. française, 1970).

[31] Cf. K. Barth, "Die Gemeindemässigkeit der Predigt", in Evangelische Theologie 16 (1956), 200 (conférence prononcée en 1935).

[32] K. Barth, Dogmatique, 24, 200.

[33] K. Barth, Parole de Dieu, parole humaine, 132.

[34] Cf. notre article "La prédication, matrice et horizon de la théologie barthienne", in Positions luthériennes 45 (1997/4), 389-409.

[35] K. Barth, op. cit., 138.

[36] Cf. K. Barth, La théologie protestante au XIXe siècle, 237.

[37] Ces termes ne sont pas en eux-mêmes très parlants et sont souvent employés, en mauvaise part, par les adversaires de ceux qu'ils sont censés dépeindre. Ainsi, dans sa Systematic Theology (Chicago, 1950ss), P. Tillich accole constamment ce qualificatif dépréciateur à la théologie barthienne pour stigmatiser le refus d'une corrélation entre la situation existentielle de l'homme et les données de la Bible, et d'un dialogue avec la culture. 
De ce point de vue, "néo-orthodoxe" veut dire à peu près la même chose que "supranaturaliste": partir non des manifestations humaines de la religion chrétienne, mais d'une prétendue révélation normative, intemporelle, confondue avec la révélation d'un donné dogmatique; appréhender la tâche de la théologie selon la voie déductive et syllogistique de la scolastique... Il ne s'agit là, bien entendu, que d'une caricature, mais il est toujours utile de montrer que cette voie ne fut pas celle de Barth!

[38] Cf. K. Barth, Dogmatique, 1, 255; Dogmatique, 5, 206.

[39] T. F. Torrance, Karl Barth. An Introduction to his Early Theology (1910-1931) (Londres: S CM, 1962), 101-102.

[40] K. Barth, Dogmatique, 5, 314-315.

[41] K. Barth, op. cit., 1, XII.

[42] Cf. Quenstedt, Theologia did. pol., I, cap. 1, sect. 1, thèses 3-14, 1685.

[43] B. McCormack, Karl Barth's Critically Realistic Dialectical Theology (Oxford: Clarendon Press, 1995), VII.

[44] J. M. Tétaz, Encyclopédie du protestantisme, art. "Dogmatique", 426.

lundi 29 octobre 2012

O caminho da História

Por Jorge Pinheiro, de São Paulo


Ora, não haveria Hegel sem Kant. Foram o cartesianismo e as teorias kantianas, entre as quais seu conceito de transcendência e sua moral, que possibilitaram mais tarde a revolução hegeliana. Hegel, como já vimos, apresentou a história enquanto fenomenologia do Espírito, o que gerou hermenêuticas e novas compreensões da razão de ser do cristianismo.

Dentro desse processo, podemos citar dois pensadores, que por destacarem o papel da história na construção do cristianismo marcaram a modernidade da filosofia cristã. São eles Albrecht Ritschl (1822-1889) e Ernst Troeltsch (1865-1923). E a partir deles, já no século vinte, Jürgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg. Em caminho distinto, mas fundamental para a pesquisa, estão Friedrich Schleiermacher (1768-1834) e Sören Kierkegaard (1813-1855), por destacarem a questão afetiva e existencial na construção da fé. No campo da moderna filosofia batista, dois nomes, por suas expressões práticas na compreensão das questões histórico/sociais e afetivo/existenciais, devem ser citados, Walter Rauschenbush (1861-1918) e Martin Luther King Jr. (1929-1968).


Fernando Hadad, eleito prefeito de São Paulo pelo PT, beija a esposa, Ana Estela

Fath nos fala da influência do pensamento de Rauschenbush nas comunidades de fé batistas francesas. Segundo ele, estas comunidades, o segundo maior grupo do protestantismo depois da Igreja Reformada, tiveram uma ampla influência sobre o pensamento social cristão francês. E cita exemplos como o do semanário ―Solidariedade Social, dirigido nos anos 1920 e 1930 por Philemon Vincent e Robert Farelly, assim como as iniciativas de Paul Passy, da Universidade de Paris.

―Toda esta atividade permitiu aos batistas franceses imprimir uma marca discreta na vida nacional. Muitos batistas, especialmente na Federação Protestante francesa, estiveram envolvidos nas dificuldades sociais do país e prejudicados pela Primeira Guerra Mundial e pela crise econômica de 1930. Alguns deles, Robert Farelly, Henri Vincent, foram influenciados diretamente por Walter Rauschenbusch, pai do Evangelho social, durante seus estudos no seminário de Rochester, antes da Primeira Guerra Mundial. Como Rauschenbusch e alguns protestantes franceses, Charles Gide, Elie Gounelle, Tommy Fallot, lutaram pelo socialismo cristão. Sua aproximação ao socialismo foi definida por Ernst Troeltsch em seu Soziallehren como uma rejeição da atitude pietista de retirada do mundo.

E Troeltsch, também citado por Fath, afirma que o movimento dos batistas sociais foi um esforço protestante de volta às características familiares da tendência cristã primitiva. Estas características foram marcadas pela opinião de que as comunidades de fé deveriam promover o reinar de Deus na terra.

Outro teólogo, alemão, Paul Tillich, também fez parte dessa leitura na contramão das dogmáticas oficiais, sem descartar as suas riquezas teológicas. Foi socialista na sua fase alemã. Mas aqui vamos destacar os dois primeiros citados, Ritschl e Troeltsch, por apresentarem as bases para a discussão da questão histórica em relação às teologias da revelação e do reinar de Deus.

Ritschl foi um estudioso do Novo Testamento, da história do cristianismo e da dogmática, em especial de Lutero. Seu argumento de fundo contra os teólogos ortodoxos era de que confundiram a teologia cristã com a metafísica. Rejeitou tanto a base platônica de Agostinho, como as pressuposições aristotélicas de Tomás de Aquino. Por considerar que a ortodoxia protestante tinha abandonado os fundamentos da Reforma e restaurado a metafísica, construiu uma filosofia cristã sem a metafísica. Levantou-se também contra misticismo cristão que, segundo ele, naquele momento se expressava como pietismo.

Para Ritschl, a religião é fruto da necessidade social que o ser humano tem de Deus. E foi a partir de seu interesse científico pela história que construiu seu pensamento filosófico. Entre 1870 e 1874, publicou sua principal obra, em três volumes: A doutrina cristã da justificação e reconciliação.

―Em toda a religião o que se busca, com a ajuda do poder espiritual sobre-humano ao qual o homem rende culto, é uma solução da condição na qual o homem se encontra por ser por um lado parte da natureza e por outro uma personalidade espiritual que pretende dominar a natureza.

Assim, a partir de Ritschl há uma concentração da filosofia cristã na pesquisa histórica, o que será importante para o próprio desenvolvimento do conhecimento dos textos escriturísticos. Ou como afirma Mackintosh:

―Devemos concluir, portanto, que Ritschl apenas começara a lutar com o problema sumamente difícil – e especificamente cristão – da revelação e da história em suas relações mútuas. É o problema que mais preocupa a teologia contemporânea.

Tais pesquisas levaram a constatação de que havia uma religião construída sobre um Jesus ideológico e uma religião de Jesus, que teria como base seu ideal ético, que remetia à questão do reinar de Deus. Este seria o cerne da mensagem cristã, mensagem ética e de vivência do amor. Mas, a dificuldade de Ritschl em ver as reivindicações da justiça como universais, cobrou um preço à política e à teologia em termos da própria integridade da igreja. Talvez este tenha sido seu erro maior, ao contrapor poder sem amor e amor sem poder. Fazendo assim, contrastou o Deus de poder do Antigo Testamento ao Deus de amor do Novo Testamento e no processo descartou o conceito do julgamento de Deus e retribuição. De todas as maneiras, seu aporte à construção de uma filosofia do reinar de Deus foi relevante. Ernst Peter Wilhelm Troeltsch seguiu seu mestre, Ritschl, mas podemos dizer que foi mais longe. Trabalhou com um grupo de pesquisa que ficou conhecido como Escola da História das Religiões. Estudou os textos escriturísticos a partir do contexto histórico da época em que foram escritos e não apenas de uma perspectiva dogmática. O cristianismo passava assim, para Troeltsch, a ser uma religiosidade e para compreendê- la era necessário empregar o método histórico.


Numa disputa municipal feita nacional pelo confronto ideológico dos dois candidatos, Fernando Hadad, do PT, ganha em São Paulo, cidade-nação em solo brasileiro

Em 1897, em Freiburg, fez amizade com Max Weber (1864-1920) e entrou para o seu círculo de amigos e pesquisadores. E as famílias de Troeltsch e Weber tornaram-se tão íntimas, que dividiram a mesma casa. Em 1906, Troeltsch escreveu seu primeiro ensaio histórico, que foi transformado em livro: ―O significado do protestantismo para a formação do mundo moderno‖. Nele trabalhou os conceitos de seita e igreja. Disse que as seitas eram grupos informais na organização, igualitários na estrutura e heterodoxos nas crenças. Disse ainda que as seitas tinham tendência a se converterem em igrejas, com suas próprias ortodoxias que, por sua vez, seriam substituídas por novas seitas. Já as igrejas eram organizações conservadoras, adaptadas à estrutura do poder secular. Essas classificações continuaram a ser trabalhadas por Max Weber e Reinhold Niebuhr (1892/1971).

Assim, através de uma leitura evangélico-social, com fundamentação na análise histórica, Troeltsch pensou os problemas sociais de sua época. E como resultado escreveu As doutrinas sociais das igrejas e grupos cristãos (1912), uma pesquisa de mais de mil páginas em que construiu sua teoria das relações entre o pensamento religioso e o meio político-social. Neste trabalho dialogou criticamente com o marxismo, mas admitiu que Marx colocara uma questão fundamental: será que a formação e dinâmica histórica do cristianismo não fora sociologicamente determinada? Em 1992, escreveu O historismo e seus problemas, onde propôs uma concepção histórica das coisas humanas.

Para a pesquisa e a construção de uma filosofia hermenêutica que possibilite a compreensão do reinar de Deus e suas correlações com as brasilidades, os filósofos que estamos vendo têm marcada importância. Em especial Troeltsch que trabalhou a relação entre cristianismo e cultura, revelação e história, liberdade e condicionamentos sociais. Para ele, toda produção humana estava submetida ao condicionamento histórico. Nada é atemporal. Tais leituras, aplicadas à filosofia cristã levam a questionamentos de valores. Um deles é que o cristianismo não poderia manter a reivindicação de única universalidade, pois as culturas são a origem das religiões. O cristianismo seria, então, nos dois últimos milênios de paixão, o rosto do Eterno na cultura ocidental.

―Esta experiência é sem dúvida alguma a medida de sua validez, porém, não se esqueça, apenas de sua validez para nós. É o rosto de Deus tal como se revela a nós; é o modo como, sendo como somos, recebemos e reagimos à revelação de Deus. É válida para nós e nos redime. É final e incondicional para nós, visto que não temos outra coisa... Todavia, isso não exclui a possibilidade de que outros grupos raciais, que vivam sob condições culturais totalmente diferentes, possam experimentar seu contato com a vida divina de um modo distinto.

Por isso, é necessário, para Troeltsch, refazer a pergunta sobre o significado do cristianismo. A filosofia cristã deveria examinar as instâncias levantadas sobre a pretensão do cristianismo à verdade no campo das ciências e da história natural. E buscar uma compreensão do problema referente à essência do cristianismo, à sua posição na história das religiões e o seu lugar na própria existência humana.

Comentando Troeltsch, meu amigo Mendonça, já falecido, afirmava que o protestantismo de hoje não é mais o de Lutero e Calvino, pois a cultura eclesiástica medieval deu lugar à moderna cultura européia/ americana, conforme conceito utilizado por Troeltsch. O novo protestantismo perdera de vista a idéia de uma total cultura eclesiástica e ―reconheceu como se fossem princípios genuinamente protestantes o fenômeno da crítica histórico-filosófica, a formação de comunidades eclesiásticas livres do estado e a doutrina da revelação baseada na iluminação e convicção pessoal íntima. O velho protestantismo condenava tudo isto como naturalismo, fanatismo ou entusiasmo sectarista.


O ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e correligionários comemoram as vitórias do PT nas eleições de segundo turno, neste outubro de 2012

As rupturas com a metafísica da ortodoxia protestante, aliadas ao processo de secularização do mundo ocidental, consolidaram a leitura social do cristianismo, que confrontava a fé com o seu ambiente social, econômico e político. Esse cristianismo procurou compreender os desafios da contemporaneidade, e propôs o combate pela realização do reinado de Deus, a reflexão filosófica cristã voltada às questões sociais e a luta contra as injustiças. Assim, quando se fala de reinado de Deus fala-se de leituras filosóficas que procuram analisar a influência do meio social sobre o universo religioso e a formação espiritual do ser humano. E que consideram a espiritualidade afetivo/ existencial e a espiritualidade histórico/ social faces de um mesmo reinar de Deus. As filosofias do reinado de Deus inscrevem-se, dessa maneira, numa perspectiva de correlação e possibilitam uma reflexão que fornece instrumentos teóricos para alimentar as lutas contra a injustiça, para criar novas formas de relações existenciais e sociais e para dar dignidade às pessoas ali onde são excluídas e segregadas.


Fonte
Jorge Pinheiro, Teologia bíblica e sistemática, o ultimato da praxis protestante, São Paulo, Fonte Editorial, 2012, pp. 63-72.

samedi 27 octobre 2012

Salvemos os índios Guarani-Kaiowá

Os índios da etnia Guarani-Kaiowá estão correndo sério risco de genocídio. Leia a carta-manifesto deles:

"Nós (50 homens, 50 mulheres, 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, vimos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante de despacho/ordem de nossa expulsão/despejo expressado pela Justiça Federal de Navirai-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, em 29/09/2012.

Recebemos esta informação de que nós comunidades, logo seremos atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal de Navirai-MS. Assim, fica evidente para nós, que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver na margem de um rio e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay.

Assim, entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Navirai-MS é parte da ação de genocídio/extermínio histórico de povo indígena/nativo/autóctone do MS/Brasil, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminado e as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça Brasileira.

A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas?? Para qual Justiça do Brasil?? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados 50 metros de rio Hovy onde já ocorreram 4 mortos, sendo 2 morreram por meio de suicídio, 2 morte em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas. Moramos na margem deste rio Hovy há mais de um (01) ano, estamos sem assistência nenhuma, isolada, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia-a-dia para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay.

De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs e avós, bisavôs e bisavós, ali estão o cemitérios de todos nossos antepassados. Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser morto e enterrado junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui. Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação/extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juízes federais.

Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal, Assim, é para decretar a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e para enterrar-nos todos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem morto e sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo de modo acelerado. Sabemos que seremos expulsas daqui da margem do rio pela justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo/indígena histórico, decidimos meramente em ser morto coletivamente aqui. Não temos outra opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.''

Leia mais: http://www.revistareciclarja.com/news/salvemos-os-indios-guarani-kaiowa-do-genocido-urgente-/

Para seu conhecimento. Junte-se a nós!

Acompanhe, conheça, participe da Croix Huguenote. As igrejas batistas de Montpellier e Lunel desejam que sua igreja brasileira se transforme numa ativa comunidade-irmã. Entre em contato com André Filipe Farias Sass e Pablo Sacilotto -- use o Skype para conversar com eles. A Deus toda a honra e glória!

A vertigem do Supremo

Os ministros do STF deliraram: não houve o desvio de 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil, viga mestra da tese do mensalão. Acompanhe a nossa demonstração.

Por Raimundo Rodrigues Pereira, da revista Retrato do Brasil

A tese do mensalão como um dos maiores crimes de corrupção da história do País foi consagrada no STF. Veja-se o que diz, por exemplo, o presidente do tribunal, ministro Ayres Britto, ao condenar José Dirceu como o chefe da “quadrilha dos mensaleiros”. O mensalão foi “um projeto de poder”, “que vai muito além de um quadriênio quadruplicado”. Foi “continuísmo governamental”, “golpe, portanto”. Em outro voto, que postou no site do tribunal dias antes, Britto disse que o mensalão envolveu “crimes em quantidades enlouquecidas”, “volumosas somas de recursos financeiros e interesses conversíveis em pecúnia”, pessoas jurídicas tais como “a União Federal pela sua Câmara dos Deputados, Banco do Brasil-Visanet, Banco Central da República”.

Britto, data vênia, é um poeta. Na sua caracterização do mensalão como um crime gigante, um golpe na República, o que ele chama de Banco do Brasil-Visanet, por exemplo? É uma nova entidade financeira? Banco do Brasil a gente sabe o que é: é aquele banco estatal que os liberais queriam transformar em Banco Brasil, assim como quiseram transformar a Petrobras em Petrobrax, porque achavam ser necessário, pelo menos por palavras, nos integrarmos ao mundo financeiro globalizado.

De fato, Visanet é o nome fantasia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento, responsável, no Brasil, pelos cartões emitidos com a chamada bandeira Visa (hoje o nome fantasia mudou, é Cielo). Banco do Brasil-Visanet não existia, nem existe; é uma entidade criada pelo ministro Britto. E por que, como disse no voto citado, ele a colocou junto com os mais altos poderes do País – a União Federal, a Câmara dos Deputados e o Banco Central da República? Com certeza porque, como a maioria do STF, num surto anti-corrupção tão ruim quanto os piores presenciados na história política do País, viu, num suposto escândalo Banco do Brasil-Visanet, uma espécie de revelação divina. Ele seria a chave para transformar num delito de proporções inéditas o esquema de distribuição, a políticos associados e colaboradores do PT, de cerca de 50 milhões de reais tomados de empréstimo, de dois bancos mineiros, pelo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No dia 13 de julho de 2005, menos de um mês depois de o escândalo do mensalão ter surgido, com as denúncias do deputado Roberto Jefferson, a Polícia Federal descobriu, no arquivo central do Banco Rural, em Belo Horizonte, todos os recibos da dinheirama distribuída. Delúbio Soares, tesoureiro do PT, e Marcos Valério, um empresário de publicidade mineiro, principais operadores da distribuição, contaram sua história logo depois. E não só eles como mais algumas dezenas de pessoas, também envolvidas no escândalo de alguma forma, foram chamadas a depor em dezenas de inquéritos policiais e nas três comissões parlamentares de inquérito que o Congresso organizou para deslindar a trama.

Todos disseram que se tratava do famoso caixa-dois, dinheiro para o pagamento de campanhas eleitorais, passadas e futuras. Como dizemos, desde 2005, tratava-se de uma tese razoável. Por que razoável, apenas? Porque as teses, mesmo as melhores, nunca conseguem juntar todos os fatos, sempre deixam alguns de lado. A do caixa-dois é razoável. O próprio STF absolveu o publicitário Duda Mendonça, sua sócia Zilmar Fernandes e vários petistas, que receberam a maior parte do dinheiro do chamado valerioduto, porque, a despeito de proclamar que esse escândalo é o maior de todos, a corte reconheceu tratar-se, no caso das pessoas citadas, de dinheiro para campanhas eleitorais. E a tese do caixa-dois é apenas razoável, como dissemos também, porque fatos ficam de fora.

É sabido, por exemplo, que, dos 4 milhões recebidos pelo denunciante Roberto Jefferson – que jura ser o dinheiro dele caixa dois e o dos outros, mensalão – uma parte, modesta é verdade, foi para uma jovem amiga de um velho dirigente político ligado ao próprio Jefferson e falecido pouco antes. Qualquer criança relativamente esperta suporia também que os banqueiros não emprestaram dinheiro ao PT porque são altruístas e teria de se perguntar porque o partido repassou dinheiro ao PTB, PL e PP, aliados novos, e não ao PSB, PCdoB, aliados mais fiéis e antigos. Um arguto repórter da Folha de S. Paulo, num debate recente sobre o escândalo, com a participação de Retrato do Brasil, disse que dinheiro de caixa-dois é assim mesmo. E que viu deputado acusado de ter recebido o dinheiro do valerioduto vestido de modo mais sofisticado depois desses deploráveis acontecimentos.

O problema não é com a tese do caixa-dois, no entanto. Essa é a tese dos réus. No direito penal brasileiro, o réu pode até ficar completamente mudo, não precisa provar nada. É ao ministério público, encarregado da tese do mensalão, que cabe o ônus da prova. E essa tese é um horror. No fundo, é uma história para criminalizar o Partido dos Trabalhadores, para bem além dos crimes eleitorais que ele de fato cometeu no episódio. O escândalo Banco do Brasil-Visanet, que é o pilar de sustentação da tese, não tem o menor apoio nos fatos.
Essencialmente, a tese do mensalão é a de que o petista Henrique Pizzolato teria desviado de um “Fundo de Incentivo Visanet” 73,8 milhões de reais que pertenceriam ao Banco do Brasil. Seria esse o verdadeiro dinheiro do esquema armado por Delúbio e Valério sob a direção de José Dirceu. Os empréstimos dos bancos mineiros não existiriam. Seriam falsos. Teriam sido inventados pelos banqueiros, também articulados com Valério e José Dirceu, para acobertar o desvio do dinheiro público.

Essa história já existia desde a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios. Foi encampada pelos dois procuradores-gerais da República, Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel, que fizeram os trabalhos da acusação. E foi transformada num sucesso de público graças aos talentos do ministro Joaquim Barbosa na armação de uma historinha ao gosto de setores de uma opinião pública sedenta de punir políticos, que em geral considerada corruptos, e ao surto anticorrupção espalhado por nossa grande mídia, que infectou e levou ao delírio a maioria do STF.

Por que a tese do mensalão é falsa? Porque o desvio dos 73,8 milhões de reais não existe. A acusação disse e o STF acreditou que uma empresa de publicidade de Valério, a DNA, recebeu esse dinheiro do Banco do Brasil (BB) para realizar trabalhos de promoção da venda de cartões de bandeira Visa do banco, ao longo dos anos 2003 e 2004. E haveria provas cabais de que esses trabalhos não foram realizados.

A acusação diz isso, há mais de seis anos, porque ela precisa de que esse desvio exista. Porque seria ele a prova de serem os 50 milhões de reais do caixa dois confessado por Delúbio e Valério inexistentes e de os empréstimos dos bancos mineiros ao esquema Valério-Delúbio serem falsos e decorrentes de uma articulação política inconfessável de Dirceu com os banqueiros. Ocorre, no entanto, que a verdade é oposto do que a acusação diz e o STF engoliu. Os autos da Ação Penal 470 contêm um mar de evidências de que a DNA de Valério realizou os trabalhos pelos quais recebeu os 73,8 milhões de reais.

No nosso site na internet, RB está apresentando, a todos os interessados em formar uma opinião mais esclarecida sobre o julgamento que está sendo concluído no STF, um endereço onde pode ser localizada a mais completa auditoria sobre o suposto escândalo BB-Visanet. Nesse local o leitor vai encontrar os 108 apensos da AP 470 com os trabalhos dessa auditoria. São documentos em formato pdf equivalentes a mais de 20.000 páginas e foram coletados por uma equipe de 20 auditores do BB num trabalho de quatro meses, de 25 de julho a 7 de dezembro de 2005 e depois estendido com interrogatórios de pessoas envolvidas e de documentos coletados ao longo de 2006.

A auditoria foi buscar provas de que o escândalo existia. Mas, ao analisar o caso, não o fez da forma interesseira e escandalosa da procuradoria geral da República e do relator da AP 470 Joaquim Barbosa, empenhados em criminalizar a ação do PT. Fez um levantamento amplo do que foram as ações do Fundo de Incentivo Visanet (FIV) desde sua criação em 2001.

Um resumo da auditoria, de 32 páginas, está nas primeiras páginas do terceiro apenso (Vol. 320). Resumindo-a mais ainda se pode dizer que:

* As regras para uso do fundo pelo BB têm duas fases: uma, de sua criação em 2001 até meados de 2004, quando o banco adotou como referencial básico para uso dos recursos o Regulamento de Constituição e Uso do FIV da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP); e outra, do segundo semestre de 2004 até dezembro de 2005, quando o BB criou uma norma própria para o controle do fundo.

*Entre 2001 e 2004, a CBMP pagou, por ações do FIV programadas pelo BB, aproximadamente 150 milhões de reais – 60 milhões nos anos 2001-2002, no governo Fernando Henrique Cardoso, portanto; e 90 milhões nos anos 2003-2004, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E, nos dois períodos, sempre 80% dos recursos foram antecipados pela CBMP, a pedido do BB, para as agências de publicidade contratadas pelo banco.
*O BB decidiu, em 2001, por motivos fiscais, que os recursos do FIV não deveriam passar pelo banco. A CBMP pagaria diretamente os serviços através de agências contratadas pelo BB. A DNA e a Lowe Lintas foram as agências, no período 2001-2002. No final de 2002 o BB decidiu especializar suas agências e só a DNA ficou encarregada das promoções do FIV. Os originais dos documentos comprobatórios das ações ficavam na CBMP, não no BB, em todos os dois períodos.

*O fato de o BB encomendar as ações mas não ser o controlador oficial das mesmas fez com que, nos dois períodos, 2001-2002 e 2003-2004, fossem identificadas, diz a auditoria, “fragilidades no processo e falhas na condução de ações e eventos”, que motivaram mudanças nos controles de uso do fundo. Essas mudanças foram implementadas no segundo semestre de 2004, a partir de 1 de setembro.

*O relatório destaca algumas dessas “fragilidades” e “falhas”. Aqui destacaremos a do controle dos serviços, para saber se as ações de promoção tinham sido feitas de fato. Os auditores procuraram saber se existiam os comprovantes de que as ações de incentivo autorizadas pelo BB no período tinham sido de fato realizadas. **Procuraram os documentos existentes no próprio banco – notas fiscais, faturas, recibos emitidos pelas agências para pagar os serviços e despesas de fornecedores para produzir as ações. Descobriram que, para os dois períodos 2001-2002 e 2003-2004 igualmente, somando-se as ações com falta absoluta de documentos às com falta parcial, tinha-se quase metade dos recursos despendidos.

**Os auditores procuraram então os mesmos documentos na CBMP, que é, por estatuto, a dona dos recursos e a controladora de sua aplicação e dos documentos originais de comprovação da realização dos serviços. A falta de documentação comprobatória foi, então, muito pequena – em proporção aos valores dos gastos autorizados, de 0,2% em 2001, 0,1% em 2002, 0,4% em 2003 e 1% em 2004.

*Dizem ainda os auditores: com as novas normas, em função das mudanças feitas nas formas de controlar o uso do dinheiro do FIV pelo BB, entre janeiro e agosto de 2005 foram executadas sete ações de incentivo, no valor de 10,9 milhões de reais e se pode constatar que, embora ainda precisassem de aprimoramento, as novas regras fixadas pelo banco estavam sendo cumpridas e os “mecanismos de controle” tinham sido aprimorados.
Ou seja: o uso dos recursos do FIV pelo BB foi feito, sob a gestão do petista Henrique Pizzolato, exatamente como tinha sido feito no governo FHC, nos dois anos anteriores à chegada de Pizzolato ao banco. E mais: foi sob a gestão de Pizzolato, em meados de 2004, que as regras para uso e controle dos recursos foram aprimoradas.

Mais reveladora ainda é análise dos apensos em busca das evidências de que os trabalhos de promoção dos cartões Visa vendidos pelo BB foram feitos. E essas evidências são torrenciais. Uma amostra dessas promoções que devem ser do conhecimento de milhares e milhares de brasileiros estão no quadro abaixo.

Em toda a documentação da auditoria existem questionamentos, são apresentados problemas. Mas de detalhes. Não é disso que se tratou no julgamento da AP 470 no entanto. A acusação que se fez e que se pretende impor através do surto do STF é outra coisa. Quer apresentar os 73,8 milhões gastos através da DNA de Valério como uma farsa montada pelo PT com o objetivo de ficar no poder, como diz o ministro Britto, “muito além de um quadriênio quadruplicado”. Essa conclusão é um delírio. As campanhas de promoção não só existiram como deram resultados espetaculares para o BB tendo em vista os objetivos pretendidos. O banco tornou-se o líder nos gastos com cartões Visa no Brasil.

Em 2003, o banco emitiu 5,3 milhões desses cartões, teve um crescimento de cerca de 35% no seu movimento de dinheiro através deles, tornou-se o número um nesse quesito entre os associados da CBMP. No final do ano, 18 de dezembro, às 14h30 horas, em São Paulo, no Itaim Bibi, rua Brigadeiro Faria Lima 3729, segundo andar, sala Platinum, de acordo com ata do encontro, os representantes dos sócios no Conselho de Administração da CBMP se reuniram e aprovaram o plano para o ano seguinte. Faturamento esperado nas transações com os cartões Visa para 2004, 156 bilhões de reais. Dinheiro do FIV, ou seja: recursos para as promoções dos cartões pelos vários bancos associados, 0,10%, ou seja 1 milésimo, desse total: 156 milhões. Parte a ser usada pelo BB, que era, dos 25 sócios da CBMP, o mais empenhado nas promoções: 35 milhões de reais.

Pode-se criticar esse esquema Visanet-BB. O governo está querendo que as taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais pelos uso dos cartões sejam reduzidas. Na conta feita no parágrafo anterior, dos 156 bilhões de reais a serem movimentados pelos cartões em 2004, o dinheiro que iria para o esquema Visanet-BB seria de 4% a 6% desse total, ou seja, ficaria entre 6 a 10 bilhões de reais (ou seja, a verba programada para o fundo de incentivos na promoção dos cartões foi pelo menos 40 vezes menor). A procuradoria da República e o ministro Barbosa sabem de tudo isso. Se não o sabem é porque não quiseram saber: da documentação tiraram apenas detalhes, para criar o escândalo no qual estavam interessados.

Fonte
Raimundo Rodrigues Pereira, A vertigem do Supremo, revista Retrato do Brasil. Site: Sul21. WEB: http://sul21.com.br/jornal/2012/10/a-vertigem-do-supremo/

mercredi 17 octobre 2012

Eu sou o meu desafio

Lá atrás, em era antiga, onde a memória se perde nas brumas, o Eterno disse a um sujeito de maus bofes:
"— Por que você está com raiva? Por que anda carrancudo? Se tivesse feito o que é certo, você estaria sorrindo. Mas você agiu mal e, por isso, lehatati está na porta, à sua espera. Ele quer dominá-lo, mas você precisa vencê-lo". (Gênesis 4:6, 7).
As funções e disfunções existenciais do humano, ou seja, a alienação, fazem com que as ações humanas, a partir dos desejos – emoções e sentimentos – levem o ser humano à possibilidade de errar o alvo, lehatati em hebraico, hamartia em grego, e peccatu em latim. Dentro da tradição das escrituras hebraico-judaicas, lehatati é a violação da lei. Mas lehatati é sempre uma ação do coração e não um estado do ser. Já a alienação, esta sim, é um estado da existência e toda a humanidade se encontra nesse estado de disfunção, ou inclinação para fazer o mal, conforme vemos em Gênesis 8.21:

"Eu sei que desde a juventude as pessoas só pensam em coisas más". (Gênesis 8:21).

Assim, lehatati traduz não somente falta moral, mas todas as violações da lei, quer conscientes ou não. E, segundo a tradição judaica, todo ser humano nasce sem lehatati, e a culpa de Hadam recaiu sobre ele e sua família, mas não se estendeu à espécie humana. Apesar disso, todo ser humano é responsável pelo lehatati porque todos temos vontade livre, mas natureza alienada e, por isso, tendemos também para o mal. Por isso, o texto acima citado de Gênesis diz que o coração humano é mau desde a sua juventude. Mas o Eterno, através de sua misericórdia, possibilita ao ser humano a metanóia e o perdão.

O tempo rolou, as estórias antigas foram cantadas, escritas e interpretadas. E um outro sujeito, meio pro rabino, meio pro pensador grego, que pelejava com seu erro trágico, resmungou:

"Eu sei que aquilo que é bom não vive em mim, isto é, na minha natureza humana. Porque, mesmo tendo dentro de mim a vontade de fazer o bem, eu não consigo fazê-lo. Pois não faço o bem que quero, mas justamente o mal que não quero fazer é que eu faço. Mas, se faço o que não quero, já não sou eu quem faz isso, mas a hamartia que vive em mim é que faz. Assim eu sei que o que acontece comigo é isto: quando quero fazer o que é bom, só consigo fazer o que é mau.  Mas vejo uma lei diferente agindo naquilo que faço, uma lei que luta contra aquela que a minha mente aprova. Ela me torna prisioneiro da lei da hamartia que age no meu corpo. Como sou infeliz! Quem me livrará deste corpo que me leva para a morte? Que Deus seja louvado, pois ele fará isso por meio do nosso Senhor Jesus Cristo! Portanto, esta é a minha situação: no meu pensamento eu sirvo à lei de Deus, mas na prática sirvo à lei da hamartia". (Romanos 7:18-21, 23-25).

Hamartía, άμαρτία, é o erro cometido pelo personagem de uma tragédia, que resulta em peripécia, peripéteia. O termo aparece na Poética de Aristóteles e é conhecido como falha aristotélica ou erro trágico. Para Aristóteles, uma tragédia com peripécia, ou tragédia complexa, peplegméne, produz comoção, páthos, e leva o público à catarse, katársis. Na tragédia complexa a peripécia decorre da hamartía, e leva o herói a reconhecer seu erro, anagnórisis. Para Aristóteles, esse erro não decorre da maldade, kakia, nem da perversidade, mokhtería: é erro trágico, o desabar da fortuna na bosta, na desgraça, no infortúnio. Donde, só o herói trágico comete hamartia.
E à maneira grega, o nosso rabino filósofo concluiu:

"Não se amoldem a este século, mas sejam transformados pela renovação da mente, para provarem qual é a boa, perfeita e agradável vontade de Deus". (Romanos 12:2).


Fontes

Filomena Yoshie Hirata, A hamartia aristotélica e a tragédia grega, Universidade de São Paulo. Site: Anais de Filosofia Clássica. WEB: http://www.ifcs.ufrj.br/~afc/2008/FILOMENA.pdf

Jorge Pinheiro, Manual de Teologia Bíblica e Sistemática, São Paulo, Fonte Editorial, 2012, p. 215.

mardi 16 octobre 2012

Resposta a uma amiga

Carta Capital, 16 de outubro de 2012

Resposta a uma amiga, por Cláudio Gonçalves Couto

Recebi de uma amiga querida um questionamento sobre minhas posições políticas recentes. Ao responder-lhe, notei que talvez tenha tido a oportunidade de explicitar alguns pontos que gostaria de tornar públicos. Assim, reproduzo aqui, sem lhe nominar, o que escrevi a essa querida amiga.

Minha cara,

Eu não me considero petista, mas de esquerda.

Acho que o PT cometeu erros sérios e os que erraram devem pagar com isto. Contudo, não aceito essa generalização que tem sido feita, como se todo petista fosse um criminoso, somente por ser petista. Como se bastasse o partido ganhar um governo para a corrupção se alastrar. E, não bastasse isto, como se os que lhe detratam fossem os baluartes da pureza e da honestidade. Pior ainda, quando sabemos que esses outros cometeram exatamente os mesmos erros que o PT cometeu. O que não aceito é essa tentativa maniqueísta de tornar o PT algo equivalente a um câncer da política nacional e da república, o mal a ser evitado, sendo que a alternativa a esse mal seria o PSDB, repositório do que existiria de valores republicanos no país

A coisa fica pior quando quem vocaliza essa posição é um político como José Serra. Um político que nada mais fez nos últimos doze anos de sua vida que não manobrar politicamente para se tornar presidente da República. Até aí, nada de mais. O problema é que, para fazer isto, colocou as instituições em que atuou a seu serviço.

Fez isto com seu partido, que servilmente se curvou a ele; fez isto na Prefeitura, voltou a fazer no Estado e voltou a fazer com seu partido.

Não bastasse, abriu a caixa de pandora da religião na política, disseminando todo tipo de preconceito e hipocrisia. Apresenta-se como um homem que defende valores, mas mente descaradamente. Apresenta-se como o defensor da democracia, mas telefona nas redações dos órgãos de imprensa pedindo a cabeça de jornalistas que lhe tenham feito perguntas incômodas, ou escrito algo que lhe desagradou.

Nesse cenário maniqueísta que se montou, para piorar, Serra e, neste caso, o PSDB, têm implantado políticas antipobre. O higienismo na cidade de São Paulo e no governo do Estado têm esse condão: o tratamento dispensado à cracolândia, a truculência do Pinheirinho, a política de segurança homicida (“quem não reagiu sobreviveu”), a omissão nos incêndios em favelas, as obras malufistas das marginais etc..

Diante disto, prefiro mesmo os governos do PT. Considero um imenso avanço as políticas sociais do governo federal nos últimos anos, a política de educação que o Haddad implementou quando ministro da Educação, o Bolsa Família, a redução da desigualdade de renda e a ascensão econômica de uma imensa parcela da população – que, a meu ver, é erradamente chamada de “classe média”.

Ou seja, como o PT e seus governos são muito mais do que apenas mensalão, eu, mesmo sem me considerar petista, prefiro essa alternativa na eleição. É só isto.

E, como consequência, vejo-me na obrigação de apontar o dedo e combater uma tentativa hipócrita e autoritária de transformar esse partido e seus membros numa cambada de bandidos. Não só porque há muita gente correta no PT (assim como em outros partidos, e no PSDB em particular), mas porque ao se fazer isto, joga-se por terra a necessidade de diferenciarem-se as políticas e suas consequências para o país, em particular para os mais pobres.

Noto que essa tentativa de desqualificação hipócrita (ingenuidade não se aplica aqui) é mais frequente entre as camadas médias escolarizadas e de rendas mais altas. Eu me incluo nesse segmento, convivo com ele e noto como procede. Na realidade, noto que simplesmente usa o pretexto do mensalão para fazer o que realmente quer fazer, sem ter de admiti-lo: derivar à direita e optar por políticas antipobre.

Contra as cotas, defende-se o “mérito”, como se o “mérito” emergisse no vácuo, sem que importassem as diferenças sociais de oportunidade. Contra o Bolsa Família, defende-se o “trabalho”, como se pobres não trabalhassem e, ainda assim, sem obter o mínimo para uma vida decente.

Eu não me coloco entre aqueles que veem no julgamento do mensalão uma conspiração das elites. Considero que o STF cumpre seu papel, a despeito do que possam ser certos excessos retóricos deste ou daquele juiz. Não vejo isto como um grande problema, pois creio que faz parte do processo de amadurecimento institucional, que de resto vem acontecendo. Como outros, considero que o julgamento é um potencial avanço institucional, mas apenas terei certeza disto se o mesmo critério por parte do STF for seguido no julgamento do mensalão tucano, aquele de Minas Gerais. Afinal, parece-me que as leis devem valer igualmente para todos. Da mesma forma, espero que a vigilância dos órgãos de imprensa seja a mesma no próximo julgamento. Quanto às nossas classes médias escolarizadas de altas rendas, eu não tenho a ilusão de que elas se comportarão diante do julgamento do mensalão tucano da mesma forma como vêm se comportando em relação ao mensalão petista. E isto, porque o que realmente sensibiliza a muitos é aproveitar a oportunidade de, justamente, condenar quem cometeu crimes para, injustamente, utilizar as condenações como forma de desqualificar posições políticas, políticas públicas e pessoas.

Estas são as razões que me levam a tomar partido da forma como tenho tomado nos últimos tempos. A razão, parece-me, é que é necessário desta vez defender a democracia. Não da forma como o fizeram os neoudenistas hipócritas à época da eleição de 2010, bradando contra o falacioso risco de “mexicanização”, ou contra o populismo inexistente. O risco à democracia agora é o de pintar um mundo em branco e preto, em que tudo de mal se imputa a um partido, do qual nada de bom se pode tirar.

Para finalizar, é isto que leva certos intelectuais a posições de lastimável empáfia, como a de se sentirem no direito de conclamar a um líder político que se aposente da vida pública. Como se fosse lícito conclamar qualquer cidadão a abdicar de sua legítima condição de partícipe de seu tempo. Mais ainda, de um cidadão que, mesmo tendo cometido erros, construiu instituições, melhorou a vida dos mais pobres e jamais ligou em redações para pedir a cabeça de jornalistas.

Cláudio Gonçalves Couto é Cientista Político e professor do Curso de Administração Pública da FGV-SP. Este texto foi publicado originalmente no seu Facebook e foi reproduzido no site da Revista Fórum com a sua autorização.

jeudi 11 octobre 2012

Vaicrá

Vaicrá
20 DE MARÇO DE 2012 BY CONGREGAÇÃO ISRAELITA PAULISTA
Rabino Ruben Sternschein


Existe algo resgatável e relevante da prática dos sacrifícios para o homem do século 21? Antigamente, ao invés de rezar, a forma de se comunicar com Deus era através de oferendas que incluíam vegetais, animais e em alguns povos até pessoas, como mulheres bonitas ou filhos primogênitos.

A Torá mostra a proibição clara e contundente dos sacrifícios humanos, mas ao mesmo tempo a regulamentação que permite, sim, os outros sacrifícios. Sabemos que essa prática continuou por séculos até a destruição do Segundo Templo no ano 70 e.c. A partir desse momento as rezas substituíram totalmente os rituais praticados outrora no Templo.

Todavia, cabe a nós nos perguntarmos se existe naquela prática algo relevante para nós. A pergunta é importante e necessária especialmente no nosso meio liberal, que não se conforma em aceitar simplesmente o fato de algo estar escrito ou ter sido praticado. Por outro lado, tampouco nos conformamos com uma atitude de crítica arrogante que atribua aos antepassados simplesmente a barbárie. Por sermos respeitosos da tradição religiosa, não podemos apenas dizer: “Eles eram primitivos e não tinham alcançado nosso grau de humanidade e espiritualidade”. A pergunta da relevância dos sacrifícios surge especialmente esta semana, na qual começamos de novo a ler o livro Vaicrá, na parashá de mesmo nome, que detalha em longos capítulos o ritual das oferendas animais e vegetais.

Iremos sugerir algumas respostas baseadas na língua, supondo que a linguagem revela sempre valores e idéias.

A palavra ‘corbán’, sacrifício ou oferenda ritual, inclui a raiz da palavra ‘aproximar’, da palavra ‘entranha’ e também da palavra ‘parente’. A oferenda também é dita em hebraico através da palavra usada para esforço ou sacrifício.

Sabemos que a prática antiga exigia escolher cautelosamente o que ia se sacrificar. Em alguns casos, deveria ser estritamente da propriedade de quem o oferecia, não poderia ser algo encontrado ou recebido de presente ou uma sobra desnecessária.

Por outro lado, o aspecto principal do ritual consistia em DAR. A forma de se comunicar com a Divindade e com a própria religiosidade era dando algo de si.

Talvez a prática antiga junto com a expressão idiomática queiram nos dizer que quando empenhamos nosso sincero esforço para dar o máximo de nós a ponto de expor algo de nossa mais profunda intimidade, conseguimos aproximar e nos aproximar do mais elevado.

Shabat shalom,
Rabino Ruben Sternschein