Algumas questões teóricas sobre o movimento de
massas
A palavra massa, para Paul Tillich [Masse et
Esprit, Études de philosophie de la masse][1], transformou-se em slogan político e social.
Expressão esta que conota superioridade e idolatria. Por isso, quando se deseja
discutir seriamente o conceito massa é necessário definir seus contornos e
esfriar um pouco a fervura do slogan. [2]
Segundo Tillich, há dois conceitos de massa, um
formal e outro material, o primeiro de ordem psicológica e sociológica e o
segundo de ordem histórica e social. [3] Em termos formais, a massa consiste numa
associação de pessoas que, na associação, deixam de ser indivíduos. Sua individualidade
se perde e ele se submete à coletividade. A pessoa se torna um átomo,
desprovido de suas qualidades, seu movimento próprio, e se transforma em pura
quantidade subordinada ao movimento da massa. Através da psicologia das massas
pode-se ver como a alma perde sua forma individualizada uma vez que toma a
forma da massa e como o indivíduo entra em contradição com ele próprio, já que
é um átomo da massa ou um ser bem singularizado. [4]
Tillich considera que no movimento psíquico da
massa alguns elementos se separam e se isolam, adquirindo eficiências por eles
próprios. Isto porque um indivíduo é o resultado de uma longa evolução interior
e sua alma está ligada a milhares de liames à vida da alma em sua totalidade,
que assim torna-se autônoma. [5] Na massa, as forças de inibição, de reflexão e de
matizações caducam. Tudo se transforma. Assim, podemos resumir essas
transformações em duas leis. A lei da imediaticidade, segundo a qual a massa
não reflete, mas é. Ela tem uma existência objetiva, não subjetiva como afirmou
Hegel, ela é em si, não para si.[6]
A massa não sabe porque ela faz aquilo que faz.
Quando acede a ela própria é sempre através de certos indivíduos, um orador ou
chefe. A massa é imediata, vive inteiramente o presente, sem ligações com o passado
ou o futuro, sem lembranças ou reflexões. Suas motivações são irracionais. Mas
para Tillich, a lei da imediaticidade explica o desabrochar dos instintos
biológicos imediatos, que estavam inibidos. Também mostra a existência de um
princípio espiritual imediato que se faz presente, que pode ser traduzido como
o abandono ao instinto do momento em direção à disponibilidade da revelação
espiritual do presente, revelação de uma espiritualidade subjetiva impura. [7]
Ou seja, a irracionalidade das motivações pode
dirigir ao irracional de baixo, à demência, ou ao irracional de cima, à
novidade criadora. A outra lei da psicologia das massas, segundo Tillich, é a
lei da amplificação. Se a vida espiritual do indivíduo perde suas inibições, se
tal fato se repete em cada indivíduo presente, como num alternador, o vivido
por um, suscita em outro experiência idêntica, porque a massa vivencia ela
própria o ser massa.Essa lei nos leva a
dois aspectos da vida da alma, o aspecto emocional e o aspecto intelectual.
Em todo movimento da massa podemos observar a força
do entusiasmo, a amplificação das paixões, da coragem, que podem levar ao seu
sacrifício e destruição. Do lado intelectual, a lei da amplificação age de
forma mais discreta, porque o processo de reflexão não convém à massa por causa
de sua complexidade. [8] De certo ponto de vista, explica Tillich, o
indivíduo está mais alerta que a massa, mas a massa pode se elevar bem acima
das consciências subjetivas, com suas intuições mais simples, mas também
maiores e também com sua clarividência disso, que prepara o espírito objetivo
no momento presente. [9]A amplificação pode levar ao monumental e ao
heroísmo, mas também ao demoníaco e à destruição. E as intuições da massa podem
se conformar ao espírito ou lhe ser refratário. [10]
As leis da psicologia das massas são leis naturais,
afirma Tillich. Elas são sempre válidas e necessárias onde uma pluralidade se
encontra reunida. Elas têm valor para todos os estamentos sociais, para um
grupo de marginais, assim como para uma assembléia de nobres. Com ironia
superior, elas regem uma reunião de convencidos individualistas, assim como
explicam o sentimento de superioridade existente na palavra massa, quando
usado como slogan[11]. Segundo Paul Tillich, no conceito material de
massa, a essência de um grupo de homens determinado é ser essencialmente
formado conforme a psicologia das massas. [12]
Por isso, no sentido histórico do termo, a massa,
quer sejam classes ou ordens, raças ou círculos, partilha do destino de ser
excluído de toda formação espiritual individual. Vemos, então, que para Tillich
a imediaticidade da massa faz com que desabroche nela instintos biológicos que
estavam inibidos no indivíduo, o que traz à tona um princípio espiritual
imediato: a disponibilidade à revelação espiritual do momento presente.
Essa imediaticidade é o que leva a massa ao
irracional de baixo, à demência, ou ao irracional de cima, à novidade criadora.
Ao lado da imediaticidade, os aspectos emocional e intelectual são
amplificados. As forças do entusiasmo e da coragem são amplificadas de tal modo
que podem levá-la ao sacrifício e destruição. Assim, a massa se eleva acima das
consciências individuais com intuições simples, mas com clarividência disso.
Este processo prepara o espírito objetivono momento presente. Quando objetivamente a massa vive esse processo de
espiritualização, nela,religião e
cultura se misturam. A esse primeiro momento de evolução da massa Tillich chama
de massa mística.
No contexto geral de uma análise do socialismo, não
se pode deixar de levar em conta que a evolução histórica dá nascimento a
diferentes tipos de massa, conforme o modelo de desenvolvimento das relações
entre religião e cultura. [13] O primeiro estado consiste em uma unidade onde os
dois ainda não se distinguem. Uma segunda etapa é marcada pela autonomia da
cultura: assim, ela se diferencia mais e mais da religião, a ponto de gerar a
secularidade moderna. Mas esta ruptura e separação são catastróficas tanto para
a cultura como para a religião. E serão então superadas pela etapa final da
teonomia, caracterizada pela presença de conteúdo religioso em todas as formas
autônomas da cultura. [14]
Podemos facilmente reconhecer os elementos desse
esquema na descrição que Tillich faz dos diferentes tipos de massa. A massa
mística corresponde à religião de origem: é a fusão dos indivíduos numa única
comunidade que engloba tudo. Vem em seguida a etapa da autonomia, onde os
indivíduos se diferenciam cada vez mais da comunidade de origem, até
tornarem-se completamente independentes e separados. Mas ainda é massa sem
forma e cultura, que não se colocou em movimento e caminhou para um estado de
individualização. Essa é o estado de massa técnica ou mecânica, característico
da moderna sociedade industrializada. [15]
A partir daí surge a perspectiva de uma etapa final
onde a massa e a individualidade pessoal formarão uma nova união, uma síntese
nova, chamada massa orgânica, que corresponderá ao ideal da teonomia.
Logicamente, nem sempre se caminhará em direção a este ideal: mas o tempo
histórico que orienta nessa direção é o da massa dinâmica [16]. Dessa maneira, para Tillich, a massa dinâmica
é sempre revolucionária, não unicamente no sentido político do termo –
inclusive este é o sentido menos freqüente --, mas sempre em um sentido de fé
espiritual e social. É necessário que ela seja revolucionária, porque o sentido
de seu movimento é precisamente ir além do estado de massa e todas as formas
que são responsáveis por este regulamento.[17]
Assim, para Tillich o movimento da massa dinâmica
parte da massa mecânica e é essencialmente um movimento de libertação: o
movimento da massa dinâmica parte da massa mecânica, já existente ou em perigo
de aparecer, e visa a supressão da massa, visa à massa orgânica, não importando
que esse começo seja ou não atendido. [18]
Vemos aqui que Tillich tem uma compreensão
diferente daquela de Gramsci, que entende a vanguarda enquanto intelectualidade
orgânica, mas não vê a massa em processo dinâmico que pode levar ao surgimento
de uma massa orgânica. Sem desejar fazer um confronto entre os dois pensadores,
tocamos apenas no ponto que metodologicamente nos interessa: a vanguarda não se
limita ao militante ou intelectual, é um processo maior que tem na massa
orgânica uma dupla ação, de liderança da sociedade e de transformação da situação-limite.
Uma tal visão abre
perspectivas interessantes na análise e compreensão de diferentes situações
históricas. A
questão da transformação da sociedade, as reivindicações cidadãs e democráticas são compreendidas melhor através do caminho
metodológico construído por Paul Tillich em seus escritos socialistas. E como
ele afirmou, todas as questões convergem para uma mesma resposta: a humanidade
deve ter origem nas profundezas de um novo conteúdo, onde será superada a
oposição entre massa e personalidade. Onde um novo conteúdo será produto da
graça e do destino. [19]
[1]
Publicado em Berlim e Frankfurt por Edições da Comunidade Operária, em 1922, e
mais tarde em Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands
(1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
L’Université Laval, 1992, pp. 48-112.
[2]
Idem, op.cit., p. 75.
[3]
Idem, op.cit., p. 75.
[4]
Idem, op.cit., p. 76.
[5]
Idem, op.cit., p. 76.
[6]
Idem, op.cit., p. 76.
[7]
Idem, op.cit., p. 76.
[8]
Idem, op.cit., p. 77.
[9]
Idem, op.cit., p. 77.
[10]
Idem, op.cit., p. 77.
[11]
Idem, op.cit., p. 77.
[12] Idem, op.cit., p. 77.
[13] Jean Richard, Introduction au Tillich
Socialiste, La masse prolétarienne, in Paul Tillich, Christianisme et
Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf,
Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, p. XLI.
[14]
Idem, op.cit., p.XLI.
[15]
Idem, op.cit., pp. XLI-XLII.
[16]
Idem, op.cit., p. XLII.
[17]
Idem, op.cit., p. XLV.
[18] Paul Tillich, Masse et Esprit in Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du
Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, p. 81.
JORGE PINHEIRO: Religião, guerra e paz: Nota nº 292 Declaração do Ibas sobre o confito em Gaza 21/11/2012 - (English version bellow) Índia, Brasil e África do Sul express...
Nota nº 292 Declaração do Ibas sobre o confito em Gaza
21/11/2012 -
(English version bellow)
Índia, Brasil e África do Sul expressam sua mais firme condenação da violência em curso entre Israel e Palestina, que ameaça a paz e a segurança da região. Os países do IBAS lamentam profundamente a perda de vidas humanas e expressam sua preocupação pelo uso desproporcional e excessivo da força.
Eles exortam as partes a cessarem imediatamente toda a violência, a exercerem o máximo de moderação e evitem tomar qualquer ação que possa agravar ainda mais a situação. Eles sublinham a sua expectativa de que o Conselho de Segurança das Nações Unidas fará o máximo no cumprimento de suas responsabilidades em relação a essa grave situação.
Eles também sublinham a necessidade urgente de levantar o bloqueio a Gaza, que continua a agravar a já difícil situação socioeconômica e humanitária prevalecente.
Os países do IBAS expressam seu firme apoio aos esforços de mediação do Governo do Egito, da Liga dos Estados Árabes e do Secretário-Geral da ONU com vistas a obter um cessar-fogo negociado entre as partes.
Os países do IBAS acreditam que apenas a diplomacia e o diálogo levarão à resolução da crise atual, o que torna ainda mais urgente retomar as negociações diretas entre Israel e a Palestina, que levem a uma solução abrangente para a questão palestina, ou seja, a realização da solução de dois Estados.
Tendo em vista a iminente consideração da Questão da Palestina por parte da Assembleia Geral da ONU, Índia, Brasil e África do Sul expressam o seu apoio à solicitação da Palestina de ser-lhe concedido o status de Estado observador do Sistema das Nações Unidas.
***
A religião e a construção da paz
A partir de uma entrevista de Jorge Pinheiro à revista Defesa da Fé, Ano 9, Número 71.
A religiosidade faz parte do ser humano?
Jorge Pinheiro – O ser humano é potencialmente espiritual, e essa espiritualidade se expressa de várias formas, sem precisar de um lugar definido. A religião ocupa um espaço privilegiado na espiritualidade, que é a dimensão da profundidade do espírito humano. Por isso, a busca humana por sentido de vida dirige essa potencialidade na construção de religiões.
O que isso prova?
Jorge Pinheiro – Que a religião está presente em todas as ações do espírito humano: na ética, na estética, no conhecimento. Por isso, quando alguém rejeita a religião em nome da ética, da estética, ou da busca do conhecimento, em última instância está a rejeitar a religião em nome da própria religião, porque a espiritualidade é formadora de sentido.
Como o senhor distingue a religiosidade da espiritualidade?
Jorge Pinheiro – A espiritualidade é a relação da pessoa com a transcendência. Nesse sentido, a espiritualidade é a totalidade da vida. A religião, por sua vez, traduz uma dimensão dessa espiritualidade. Por exemplo, quando se assiste a um filme ou se lê um livro e somos despertadas, cada qual à sua maneira, para a miserabilidade humana, vemos aí uma expressão da espiritualidade. As experiências humanas com o que é sagrado envolvem escolha, disciplina e prática, e levam o ser humano às experiências religiosas, porque a religião traduz o que é sagrado para a vida do fiel. Dessa forma, a espiritualidade tenderá sempre a ser traduzida em religiosidade.
A diversidade religiosa brasileira é resultado de que fatores?
Jorge Pinheiro – Em relação à realidade brasileira percebemos mais diversidade confessional do que religiosa. Oitenta e nove por cento dos brasileiros confessam ser cristãos, cuja fé está presente no desejo de justiça e solidariedade. Diante dessa religiosidade cristã invisível, podemos dizer que quase todos os brasileiros são cristãos em alguma medida. Tomemos, como exemplo, a igreja católica, que não pode ser analisada como una, pois abriga diferentes manifestações de religiosidade. Além dessa pluralidade católica, há centenas de igrejas evangélicas que incluem as históricas, as pentecostais, as neopentecostais e as importações mais recentes, produtos da globalização.
A religião é um fator de agregação ou desagregação social?
Jorge Pinheiro – Pode ser uma coisa ou outra. Talvez seja melhor trabalharmos com um exemplo: a posição de setores da igreja evangélica durante os anos da ditadura militar no Brasil. Algumas igrejas apoiaram o governo militar, e tivemos até casos de torturadores evangélicos, membros de igrejas importantes. Assim, a religião desagrega quando usufrui das benesses do Estado e se torna correia de transmissão da corrupção e da violência, real ou simbólica. A religião agrega quando defende a vida humana. Com isso, constatamos que pode ser uma coisa ou outra.
Essa é uma triste marca em nossa história.
Jorge Pinheiro – Sim. É claro que seria um erro uniformizar a atuação dos evangélicos nesse período, até porque muitos deles também foram torturados. Mas o certo é que muitos evangélicos, cooptados pelo regime, foram cúmplices de torturas e mortes.
Em que a fé cristã ajudou a melhorar o mundo?
Jorge Pinheiro – Para entendermos o papel do cristianismo, é necessário, antes, compreender que o Deus cristão é um Deus do tempo e da história. Isso significa, que é o Deus que atua na história visando uma meta final. Com o cristianismo e sua mensagem, o círculo trágico da sucessão dos deuses do politeísmo, com poderes ilimitados e injustos sobre os povos, foi superado. Cristo salva o universo, essa é a mensagem cristã em sua essência. Ou seja, a plenitude da história se correlaciona ao reinar universal de Deus, reinado da justiça e da paz.
Qual será o papel da religião no futuro?
Jorge Pinheiro – A religião sempre teve e continuará a ter um papel político: a defesa da justiça. As pessoas compreendem a necessidade da justiça e a política, com base no poder, cumpre uma função legítima quando serve às reivindicações da justiça. Às vezes, infelizmente, as religiões se perdem, caem na espiritualidade negativa, ao negarem a diferença, e se tornam instrumentos da discriminação. Não estamos isentos disso. Ao contrário, presenciamos esse tipo de postura no fundamentalismo religioso. Mas, o diálogo entre as religiões, para cumprir um papel positivo, deve se apoiar na busca incondicional da justiça.
Como o senhor vê a relação dos Estados com a religião?
Jorge Pinheiro – Para entendermos esta questão, vale a pena nos reportarmos a uma entrevista do filósofo Hans Georg Gadamer, concedida em 1999, às vésperas de completar cem anos de idade. Na ocasião, ele disse que “o respeito pelas outras religiões é um bem que pode nos salvar da catástrofe, mas o caminho para a salvação tem inimigos dentro e fora da Igreja”. Em outras palavras, estava a dizer que, devido ao fato de muitos países possuírem tecnologias capazes de destruir a vida sobre o planeta, o diálogo franco entre as religiões é indispensável. Ainda segundo o filósofo luterano, o problema consiste nas confissões religiosas que são muito diferentes, tornando difícil encontrar uma linguagem comum. Até para os diferentes ramos do cristianismo é difícil o entendimento.
Qual seria, então, a alternativa para que os governos possam buscar paz para essas zonas de conflitos?
Jorge Pinheiro – Talvez devessem partir daquilo que todas as culturas e religiões têm em comum. E, segundo Gadamer, esse tema unificador está relacionado aos direitos humanos. Neste sentido, a questão não é tanto a discussão sobre a possibilidade de manutenção de Estados laicos, mas a construção de um diálogo interreligioso que possibilite a construção da paz mundial. E isso só será possível quando os líderes religiosos de diferentes credos e pontos de vista não impedirem a construção de princípios comuns de defesa da vida humana.
A igreja cristã está preparada para lidar com este quadro de pluralismo?
Jorge Pinheiro – Não é possível falar de pluralismo religioso sem falar de poder, fica uma questão: amor e poder são compatíveis? As igrejas, como qualquer outra ordem social instituída, têm uma existência objetiva que remete à prática do serviço ao próximo. Para isso, não podemos deixar que as igrejas (confissões e denominações) se tornem totalitárias, ou seja, mesmo como Igreja de Cristo não podemos negar os limites de nosso poder. E esse limite é o amor. Dessa forma, poderemos conviver pacificamente com as outras religiões e seguir o caminho da justiça.
Qual é o papel da apologética neste contexto religioso?
Jorge Pinheiro – Karl Barth negava a necessidade da apologética. Dizia que Deus não tem necessidade de que o defendam. Já Tillich entendia a teologia como apologética. Concordo com Tillich, mas defendo uma apologética do amor. Entendo que a apologética só tem sentido se antes houver testemunho. Por isso, quando falo de apologética do amor estou resgatando Karl Barth, que só entendia vida cristã na plenitude do Espírito. Aí está a chave da questão: sem plenitude do Espírito não há vida cristã, nem testemunho, e, logicamente, a apologética que sair daí não terá amor. Antes, será uma arma de guerra: conduzirá à violência.
***
India, Brazil and South Africa express their strongest condemnation of the ongoing violence between Israel and Palestine, that threatens the peace and security of the region. The IBSA countries deeply regret the loss of human lives and express their concern over the disproportionate and excessive use of force.
They urge the parties to immediately cease all violence, to exercise maximum restraint and to avoid taking any action that may further exacerbate the situation. They stress their expectation that the United Nations Security Council will do its utmost in the fulfillment of its responsibilities in regard to this serious situation.
They also stress the urgent need for to lift the blockade on Gaza which continues to worsen the already dire socio-economic and humanitarian situation in Gaza.
The IBSA countries express their strong support to the mediation efforts of the Government of Egypt, the League of Arab States and the UN Secretary-General aimed at achieving a negotiated ceasefire.
The IBSA countries believe that only diplomacy and dialogue will lead to the resolution of the current crisis, which makes it even more urgent to resume direct talks between Israel and Palestine, leading to a comprehensive solution to the Palestinian Question i.e. the achievement of a two-state solution.
In view of the upcoming UN General Assembly discussion on the Question of Palestine, India, Brazil and South Africa express their support for Palestine's request to be accorded Observer State status in the United Nations system.
El Pueblo Judío tiene tanto una serie de "Instrucciones Escritas para vivir" como una serie de "Instrucciones Orales para Vivir". Las instrucciones escritas se llaman: la Biblia, y las instrucciones Orales se llaman: el Talmud. El camino número 14 de los 48 caminos hacia la sabiduría es: "bemikrá", es decir, "el estudio de las instrucciones escritas".
La Biblia tiene tres partes, con un total de 24 libros: La Torá - los cinco libros de Moshé, que fue entregada al pueblo Judío por D-os en el Monte Sinai, los Profetas (D-os habló con varios profetas como ser Isaías, Jeremías, Ezequiel) - quienes transmitieron mensajes importantes al Pueblo Judío, y las Escrituras - que incluyen los libros de Proverbios, Salmos, el libro de Esther y otras enseñanzas inspiradoras.
Sin tomar en cuenta si uno cree o no en la Divinidad de estos textos, el hecho es, que muchas cosas de la sociedad occidental están basadas en ideales de la Torá. La Biblia introdujo al mundo conceptos como la libertad, igualdad de los derechos de dignidad, tolerancia, educación universal, caridad, amor a tu prójimo, etc…
Más aún, los rabinos enseñan que la Torá es el "plano de la creación", lo cual significa que cualquier cosa que quieras saber sobre la vida lo puedes encontrar en la Torá. Lo único que tienes que hacer es buscar y preguntar las cosas adecuadas.
Cuando estudiamos Torá, no estamos estudiando un texto abstracto del mundo antiguo, pasado de moda. Estamos estudiando la manera en como D-os quiere que vivamos de la mejor forma en la tierra. De hecho, nos inmiscuimos en el texto para descubrir la esencia del Judaísmo, que es la esencia de nosotros mismos.
Todos deberían estudiar Torá profundamente, aunque sea una vez en la vida.
Después de todo es el libro más vendido de todos los tiempos!
Comunicación Intergaláctica
Imagina que estás por recibir un mensaje del espacio, diciéndote que escribas ciertas instrucciones. Si no entendieras el significado del mensaje ¿qué es lo que harías? Las escribirías… y después las estudiarías!
De esta misma manera, no debes determinar que un párrafo de Torá es irrelevante sólo porque al principio no le encuentras sentido alguno. Es increíble como mucha gente está dispuesta a desacreditar el valor de la Torá inclusive sin haber hecho el esfuerzo de estudiarla!
Mira más profundamente lo que te está diciendo cada sección de la Torá, tanto cuando los mensajes parecen obvios como cuando no. Si algo en la Torá no es claro - sigue preguntando, buscando, escarbando.
Discútelo con otra gente. Averigua lo que realmente significa. Pregunta: "¿Cuál es el mensaje y cómo lo vivo?".
Y que no se te olvide… aprender hebreo. No hay forma de entender correctamente la Torá cuando está traducida. Sociedades enteras han mal interpretado la Biblia debido a malas traducciones!
Por ejemplo, la Torá usa diez diferentes Nombres de D-os. Estos Nombres no se refieren a diferentes dioses, sino que, por el contrario, se refieren a diferentes aspectos de D-os. Cada "Nombre" nos enseña algo único, pero en otro idioma están todos traducidos de la misma forma - y así se pierde mucha profundidad en el entendimiento.
El Tesoro Nacional
Lee la Biblia inteligentemente. Presta atención. La Torá no está relatando sólo historia y cuentos. Por el contrario, es "Torat Jaim"- literalmente: "instrucciones para la vida". Por esta razón, cada detalle contenido en ella es en si mismo un mensaje de cómo uno debe incrementar el valor y la calidad de su vida.
Todas las historias y mandamientos son mensajes filosóficos, que esperan ser revelados por una mente intelectualmente activa. Este es el enfoque que debemos tener al estudiar Torá. Si el mensaje es obvio, revisa debajo de la superficie. Si parece fuera de lo común, identifica el principio básico que debes aprender de eso.
Por ejemplo, en Génesis 18, Abraham está a la mitad de una conversación con D-os, cuando tres "extraños" pasan por su tienda. Inmediatamente Abraham corre a servir a los huéspedes. Ahora bien, ¿tiene sentido que haya dejado de hablar con D-os para ir a ayudar a extraños?!
De aquí aprendemos un principio muy profundo para la vida: es más importante "ser" como D-os, es decir, preocuparte por las necesidades de los demás, que hablar con D-os (ej. tener una experiencia espiritual).
Cada frase de la Torá tiene un significado infinito, no importa cuán insignificante parezca superficialmente. Fechas, nombres, números, eventos y linajes están ahí para enseñarnos algo. El diluvio, la torre de Babel, la división del Mar de los Juncos - todos estos eventos contienen la sabiduría más profunda de vida. La Torá es nuestro tesoro nacional. Revísalo!
La Torá: Herramientas Para Adquirir Grandeza
Todos quieren grandeza. Pero ¿qué dirías si pudieras ser tan grande como D-os? Luchar por este objetivo es en realidad uno de los 613 mandamientos!
¿Cómo llegas a eso?
Léela. Si todavía no has aprendido a leer hebreo, ve a una librería judía y cómprate una buena traducción.
Estúdiala. Observa lo que D-os nos dijo acerca de la vida. No esperes hasta que tu vida esté casi acabada.
Entiéndela. Haz preguntas hasta que entiendas el mensaje que contiene.
Compara cualquier aparente contradicción y resuélvela. No existen diferencias "accidentales".
Organízala. La sabiduría solamente es útil cuando la tienes en la punta de tus dedos. La Torá debe ser tu Enciclopedia, almanaque e índice para vivir.
Repásala, para poder recordarla.
Intégrala. Haz que las ideas sean parte de tu realidad. Estudia las instrucciones y aplica los principios a tu vida. Constantemente!
Profundízala. Cada vez intenta llegar a un nivel más profundo. La sabiduría de la Torá es infinitamente profunda.
Nunca Dejes de Estudiar
Tu educación académica pudo haber acabado, pero el estudio de la vida debe seguir por siempre. Cada idea y entendimiento nuevo es otro nivel de crecimiento. Puede ser que llegue el momento en el que llegues a ser igual de bueno que un "profesional". Pero en la vida nunca llegarás a ser la persona "buena" que puedes llegar a ser - porque puedes ser "bueno", pero una vez que lo eres, puedes hacerte "buenísimo".
La primera oración que se le enseña a un niño es: "Torá tzivá lanu Moshe, morashá kehilat Iaacov"- "la Torá fue ordenada a nosotros por medio de Moshé y es la herencia de cada Judío". La Torá fue ideada para todos. No está en el dominio de una clase privilegiada. Por el contrario, es un documento vivo que respira, es la sangre que le da vida al pueblo Judío. Es importante e indispensable que en todo momento nos involucremos personalmente en su estudio y práctica. Como dice (Iehoshúa 1:8): "Pensarás en ella día y noche".
El estudio de Torá está reconocido como la mitzvá más importante, porque abre la puerta para la observancia de otras mitzvot. Como dice el Talmud (Shabat 127a): "El estudio de Torá es igual a la suma de todas las otras mitzvot".
Rabí Akivá, en el Talmud, plantea que esperar que un judío viva sin Torá es como esperar que un pez viva sin agua.
Repasa la porción semanal de la Torá dos veces: Una vez solo y otra vez escúchala en la sinagoga en Shabat. Haz preguntas. Continúa estudiando toda tu vida.
El Tiempo Para Estudiar Es Ahora!
Maimónides escribe (Mishné Torá, Leyes del Estudio de Torá 3;7):
"Probablemente uno dice: "Voy a posponer mis estudios hasta que haya hecho dinero, y después regresaré y estudiaré. Voy a posponer mis estudios hasta que compre lo que necesito y piense menos en mi negocio y después regresaré y estudiaré".
Si piensas así, nunca tendrás el mérito de adquirir la Corona de la Torá. Por el contrario, haz tu trabajo algo temporario y tu estudio algo permanente. No digas: "Cuando tenga tiempo voy a estudiar", porque puede ser que nunca tendrás tiempo libre".
Hay gente que utiliza la excusa: "Estoy demasiado viejo para empezar a estudiar". Pero el estudioso del Talmud, Rabí Akivá, empezó a estudiar el Alef-Bet a los 40 años. Es el mismo Rabí Akivá que llegó a ser el más grande de su generación teniendo 24,000 alumnos!
Hay gente a la cual le cuesta trabajo empezar a estudiar porque no se imagina convirtiéndose en un estudioso - entonces "¿para qué empezar?" - se pregunta. Pero esa es una manera errónea de pensar. Cada gota de Torá es preciosa y eterna.
¿Por Qué La Torá Escrita es un Ingrediente Para la Sabiduría?
- La Torá es el libro que cambió al mundo - ¿cómo podemos no leerla?
- El propósito de los Profetas es recordarnos que debemos vivir una vida con la realidad de la Torá.
- Las Escrituras enfatizan el mensaje de D-os en un estilo poético. Es una ventana inspiradora de D-os para el mundo.
- La Torá está tan fresca como hace 3,500 años.
- Estudiar es una meta constante. Mientras vas madurando y tu conciencia de la realidad incrementa, podrás ir entendiendo los conceptos que pensaste que sabías bien.
- La Torá te ayudará a encontrar tu propia esencia.
- No saldrías a la carretera sin un mapa. Al andar por la vida, no dejes la Torá atrás.
Biografía del autor:
Rav Noaj Weinberg fue el fundador y director de Aish HaTorah Internacional. Por más de 40 años con sus programas educacionales atrajo a cientos de miles de Judíos de vuelta a su herencia.
Que la lectura de este artículo sea un mérito para elevar su alma.
Não tenho nada com
isso” (Loki, Arnaldo Baptista, 1974).
Depois
de quatorze dias internado no Hospital AC Camargo, em 2010, em São Paulo, e
duas cirurgias, resolvi escrever sobre uma afirmação de Paul Tillich – “o estado da existência é o estado da
alienação” – presente na Teologia Sistemática (São Leopoldo, Est/Sinodal,
2005, p. 339), e dizer um olá para Arnaldo Baptista, roqueiro-mor da minha
geração militante.
A existência, enquanto processo, pode ter determinação
construtiva no sentido teleológico, por apresentar qualidades adequadas à sua
natureza ou função. E o humano, momento da existência, tem possibilidades diante
dela. Essas possibilidades podem ser chamadas de liberdade condicionada e relativa
à própria existência. Mas tais possibilidades são desafios à compreensão da condição humana e de suas relações
reais. Estamos, então, falando de alienação.
I.A
alienação como desafio
A
alienação antecede o exercício da liberdade. A idéia, trabalhada por Tillich, a
partir de Hegel, é de que pertencemos essencialmente àquilo de que estamos
separados. Ou seja, o humano não está separado de seu ser, mas é julgado por
ele, e mesmo quando este lhe é hostil não consegue separar-se dele. As
possibilidades humanas estão, nesse sentido, mesmo enquanto determinação
construtiva e dinâmica, sob funções correlatas, alienação e lei, liberdade e
necessidade, que são realidades da existência.
Se
a alienação é ruptura essencial, parto que vai produzir a consciência humana, remete
tanto ao distanciamento como à aproximação com o Ser. Não seria, então, apenas
disfunção, mas apontaria também às funções do humano, enquanto ser com
possibilidades de realização somática, psíquica, cultural, ecológica e do sentido
pleno da vida.
Na tradição judaico-cristã essa relação entre alienação
e liberdade foi um tema teológico de importância. Dos textos judaicos
resgatamos idéias como aliança, constância, fidelidade, que remetem à
correlação alienação/lei. E no testamento cristão a idéia de destino traduziu o
conceito de alienação em seus dois vetores, distanciamento e aproximação.
As tensões ao redor da
compreensão das idéias de alienação, que traduz funções e disfunções do humano,
e graça, enquanto ação divina para a salvação, apontam para duas outras
questões: história e liberdade. Essas duas questões formam a base do pensamento
de que o ser humano por ser imagem do Eterno é um ser livre e, por extensão,
faz história. Livre significa liberdade de julgamento e ação no âmbito da
existência. Então, para que as pessoas sejam livres, o Eterno garante a
liberdade delas.
Na carta aos Romanos (5.12), Paulo afirma que hamartia entrou no cosmo através do
humano e com hamartia, a morte. Ora, hamartia ou peccatus
é um fazer, uma consequência que nasce deste conceito militar dos gregos, ato
do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Paulo utiliza a
expressão no sentido de que a humanidade vive um fazer em que errar o alvo é
possibilidade crescente na existência, embora não seja um estado dela.
Errar o alvo, ou, em
hebraico moderno, errar o tiro, leva à conseqüências. Paulo privilegia uma
delas, a consciência da morte. Para o apóstolo, hamartia ou peccatus
produz uma consciência matricial, a consciência da morte. A partir da
consciência da morte temos a consciência do divino, a consciência da
diversidade, já que não somos bichos e, por extensão, não somos natureza, a
consciência de que podemos escolher, e a consciência de que coisas e ações
podem ser boas ou não. Dessa maneira, o alvo é o desafio de acertar, e estão diante
do humano, de forma permanente, as necessidades diante da lei, daquilo que é ou
está frente à existência e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não
existe, mas pode ser criado.
Alvo implica, então, em necessidades
e lei e possibilidades e liberdade, que não se excluem: estão correlacionadas
na existência humana, fazem parte do desafio da existência.
Ora, em termos
teológicos, a partir dessa primeira reflexão, podemos dizer que todos são
chamados à comunhão e cada pessoa pode responder positivamente a esse chamado.
Caso o ser humano responda positivamente ao chamado, vive o processo de
libertação que leva à comunhão plena. A comunhão consiste, então, em metanóia,
que é volta ao estado de liberdade e permanência na escolha. A partir desta
resposta, o Eterno opera a salvação do ser humano. Por isso, podemos dizer que
a vontade humana abre o caminho da libertação. A partir daí entendemos a graça
universal, pois todos os seres humanos poderiam responder positivamente ao
chamado à comunhão. Ou seja, a liberdade de julgamento no âmbito da existência
leva a pessoa a escolher os caminhos de sua história.
As funções
e disfunções existenciais do humano, ou seja, a alienação,
fazem com que as ações humanas, a partir dos desejos – emoções e sentimentos –
levem o ser humano à possibilidade de errar o alvo, lehatati (להחט'א),
em hebraico, hamartia, em grego, e peccatu, em latim. Dentro da
tradição das escrituras hebraico-judaicas, lehatati é a violação da lei.
Mas lehatati é sempreuma ação do coração e não um estado do ser.
Já a alienação, esta sim, é um estado da existência e toda a humanidade se
encontra nesse estado de disfunção, ou inclinação para fazer o mal, conforme
vemos em Gênesis 8.21. Assim, lehatati traduz não somente falta moral,
mas todas as violações da lei, quer conscientes ou não. E, segundo a tradição
judaica, todo ser humano nasce sem lehatati, ea culpa de Adão
recaiu sobre ele e sua família, mas não se estendeu à espécie humana. Apesar
disso, todo ser humano é responsável pelo lehatati porque todos temos
vontade livre, mas natureza alienada e, por isso, tendemos também para o mal.
Por isso, o texto acima citado de Gênesis diz que o coração humano é mau desde
a sua juventude. Mas o Eterno, através de sua misericórdia, possibilita ao ser
humano a metanóia e o perdão.
A libertação humana é um
processo, por isso, a pessoa não é plenamente livre, porque depende dela
permanecer ou não na opção escolhida. Se ela manter a escolha será plenamente
livre, se abandonar a escolha retorna à alienação. Caso a pessoa livre se
alienar, se não houver metanóia, se não voltar à comunhão, estará alienada.
Dessa maneira, na
polaridade alienação/comunhão dá-se a construção da história, ou seja, as
pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na
construção de sua história. O Eterno é soberano porque criou e mantém o
universo, sustentando-o na universalidade do Espírito, aqui entendido como
sentido da vida. A soberania especial está sobre a comunidade que permanece na
escolha. As outras comunidades estão fora desta soberania especial, da graça
que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher o lehatati.
E quanto maior a
alienação, mais o Eterno retrai sua soberania sobre tais pessoas e comunidades,
e, consequentemente, a graça que gera comunhão plena. O que explica o mal enquanto
feituras pessoal e social. E para que o processo histórico se dê, o Eterno
contrai espaço-temporalmente sua justiça executora.
Por paixão ao ser humano,
ele contrai a ação de seu conhecimento. Caso o Eterno, a partir de seu
conhecimento, definisse todas as ações livres do ser humano, as pessoas e as
sociedades poderiam fazer apenas aquilo que o Eterno por conhecer definisse,
sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele.
O Eterno dirige o seu
fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da
história, enquanto obra que nasce das correlações liberdade e comunhão e
liberdade e alienação. A polaridade alienação versus comunhão não
apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa
polaridade. Isso fica claro no diálogo que o Eterno tem com Caim, quando diz
que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta
um padrão humano, a alienação.
Podemos ler Gênesis 6.5,
8.21 e Deuteronômio 31.21 a partir da compressão do conceito de alienação. É
interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente
corrupto, mas alienado. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr,
utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa
moldar, propor-se. A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações,
imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao
julgamento livre no âmbito da existência, possibilita a metanóia. Ou, conforme
diz Deuteronômio, o Eterno coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e
a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos
mandamentos do Eterno e errarão o alvo se desobedecerem aos mandamentos do
Senhor (11.16-28).
Assim, só o Eterno é
capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la. Essa graça, oriunda do Eterno e derramada
sobre a humanidade, possibilita a construção da história. Por isso, Paulo diz que o Eterno fica de humor
transverso com a alienação que distancia, mas segura as pontas com calma,
por saber que a alienação é fruto da sua
valência e, diante da alienação que aproxima, também obra sua, Ele expressa
alegria. (Romanos 9.22-23).
Essa leitura da liberdade
entregue ao ser humano é importante para a teologia, pois ao dizer que as
pessoas e as comunidades humanas podem agir à margem daquilo que o Eterno
desejaria para a humanidade, apresenta a violência, a guerra e os genocídios
como frutos da opção e ação humanas. E o teólogo pode, então, analisar porque
os profetas clamam e apontam às sociedades o caminho do Reino, embora estas
possam escolher os seus próprios caminhos. O campo de concretação de Auschwitz,
sob o nazismo, e os genocídios contemporâneos são, então, passíveis de estudo.
Mas a nossa leitura coloca, também, para as comunidades de fé, o clamor
profético e o desafio de expandir o Reino.
Em relação à alienação, o
ser humano herdou de Adão a inclinação para o mal e, como consequência, a
possibilidade crescente de errar o alvo, mas não a culpa. Os seres humanos são
alienados porque separaram razão e coração e erram o alvo porque são alienados.
E em relação ao processo de libertação, a morte do Cristo abre as portas da
comunhão, mas não assegura a libertação plena, pois esta só será definitiva se
a pessoa não desistir da corrida.
Paralelo ao pensamento
hebraico, a cultura grega apresentou uma rica leitura do conceito de destino,
que relaciona alienação e hamartia. O conceito destino nasceu da reflexão de
que os deuses são imortais porque o humano está situado entre a finitude
existencial e a infinitude potencial. Para os gregos o destino era finitude
existencial, e esse é o tema da tragédia grega e da busca da superação filosófica,
principalmente de estóicos e epicuristas. Era uma tentativa de colocar o humano
acima do destino que o distanciava de seu ser, transformando-se em poder
destrutivo que envolveu o mundo helênico em culpa e julgamento.
Um exemplo dessa leitura,
que nos interessa para a construção de uma compreensão teológica da alienação,
seria o arrazoado que Pedro, o apóstolo, fez em sua segunda epístola, ao dizer
que a graça não tem limites, pois o Eterno não retarda a sua promessa, como
alguns afirmam, por julgá-la demorada, mas por ser paciente. Ele não escolheria
a danação eterna de pessoas, ao contrário, desejaria que todos chegassem à metanóia,
ou seja, fizessem o caminho de volta à liberdade e construíssem comunhão.
Dessa maneira, a graça
tem eficácia ilimitada, mas há uma chave para que a função graça seja
plenamente exercida. E essa chave é: chegar à metanóia. Dessa maneira, o
sacrifício de Cristo, que é graça plena e universal, deve ser somado à metanóia,
produzindo então a libertação. Ou seja, graça plena mais metanóia é igual à
libertação. E o sacrifício do Cristo sem a metanóia, produz justiça. Ou seja, o
valor da cruz não é limitado, mas sim sua aplicação. E a preparação da pessoa e
das comunidades humanas para a graça tem o julgamento livre no âmbito da
existência como movimento e o Eterno como móvel.
Essa preparação pode ser
pensada como movimento que parte, enquanto universalidade, da liberdade humana
em direção à especificidade que tem o Eterno como móvel e implica em graça
determinada pelo Eterno, embora não seja proveniente da coação, mas do seu
pleno conhecimento, porquanto a intenção do Eterno não pode deixar de ter
efeito.
Por isso, podemos falar
da universalidade da graça, presente na comunidade humana, e na especificidade
da graça, que infalível segue a boa vontade humana. Mas esse movimento é
dialético, pois, quando olhamos da perspectiva do humano, ele parte da
universalidade, mas se olharmos da perspectiva divina parte da especificidade.
Ou seja, universalidade e especificidade são termos relativos, que se
complementam na plenitude da graça. Por isso, liberdade, eleição e graça fazem
parte de uma dança permanente, onde cada conceito implica na existência do
outro e nenhum tem existência independente, mas criam uma unidade/diversidade
correlacional plena e necessária.
Todas as pessoas e
comunidades humanas realizam suas existências dentro desse processo, fazem
parte dele, o que significa dizer que existência, liberdade e graça fazem parte
da história humana. O Eterno mobiliza o processo em direção à especificidade,
com base no seu conhecimento da fé e da perseverança de cada pessoa e das
comunidades humanas, mas conhece e aceita o sentido da universalidade humana.
Esta seria a leitura do texto de Pedro, quando disse que no meio do povo
surgiram falsos profetas que introduziram doutrinas destruidoras, a ponto de
renegarem o Eterno que os resgatou.
Na teologia paulina, enquanto
diálogo das concepções do apóstolo com o mundo helênico, principalmente em sua
carta aos Romanos, alienação/destino é o tempo favorável que triunfa sobre o
espaço. O caráter do tempo propício à liberdade substituiu o tempo cíclico,
transitório e perecível do pensamento helênico. A partir dessa compreensão,
destino traduz aproximação, e apresenta novas possibilidades de construção da liberdade
no tempo e na história.
“Ficamos
até mesmo todos juntos
Reunidos
numa pessoa só”
Antes, a filosofia confrontava-se
com a inspiração dos poetas, mas, a partir de Paulo, a revelação apodera-se da
filosofia. Assim, o destino que distanciava foi questionado pelo pensamento paulino:
“aquele que não era meu povo será chamado
de meu povo, e aquela que não era amada passou a ser amada” (Romanos 9.25).
O transitório e perecível perdeu importância e a idéia da construção da
existência enquanto tempo favorável foi tomando forma.
Mas voltemos um pouco
atrás, para entendermos esse processo. Dentro da visão paulina, que traduz o
pensamento cristão palestino, alienação/destino,
no sentido de que os limites são potencialmente ilimitados, é a lei na qual surge
o conceito de liberdade. Assim, alienação/destino correlaciona conceitos,
porque a alienação está sujeita à liberdade; porque alienação significa que a
liberdade também está sujeita à lei; e porque alienação significa que liberdade
e lei são complementares e interdependentes.
Analisando o conceito
cristão palestino de alienação/destino -- exposto por Paulo em sua carta aos Romanos
-- podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal
forma que liberdade e leis se encontram entrelaçadas. Para Paulo, assim como
para a tradição judaica, lei é imposição de limites. Por isso, a alienação é um
estado que surge da correlação entre lei e vida, porque se o julgamento é
inerente a tudo na existência, também o é a liberdade.
Assim, a certeza de que a
alienação/destino é propícia e tem significado realizador e não destruidor, é a
peça chave do pensamento de Paulo, que coloca o sentido da vida acima do
destino. Ao fazer isso, Paulo está dizendo que a compreensão do destino não
está ao alcance da razão humana, mas o sentido da vida traduz a imortalidade
potencial do humano.
Quando o humano faz a
defesa do sentido incondicional da vida deixa de temer a ameaça da alienação/destino
que distancia, e aceita o lugar que cabe à alienação enquanto estado da
existência. Reconhecemos, então, que desde o princípio vivemos num estado de
alienação e que sempre desejamos nos livrar dela, mas nunca conseguimos. Mas
nessa análise da alienação cabe relacionar sentido de vida e tempo. O
sentido de vida deve envolver
as leis universais, a plenitude do tempo e a própria existência. E quando o sentido
de vida alcança a existência,
penetra no tempo e faz da alienação, aproximação.
É necessário, porém,
entender que a consciência parte da alienação e que o reino da existência só é
acessível ao conhecimento liberto da alienação que distancia. Dessa maneira, ao
contrário do que pensavam os gregos, o humano possui potencialidade própria,
enquanto ser, para realizar seu destino. Quanto maior a potencialidade humana –
que cresce na medida da expansão do sentido da vida – maior será sua consciência
de destino.
O destino humano, que
nasce da alienação, aponta para o sentido da vida que emerge das crises e
desafios. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido paulino
de prokeimai, estar colocado, ser proposto, e o de nossas comunidades, tanto
mais livres seremos.
Assim, a liberdade humana
se dá na existência, enquanto realidade condicionada pela materialidade. A liberdade
entende-se como correlação entre lei e sentido de vida. Quando Hegel afirmava
que a liberdade é a consciência da necessidade, como fez questão de mostrar
Marx, cometia um erro porque descartava a realização da liberdade. É por isso
que Marx dirá que liberdade é práxis. Ora, para Marx, práxis é consciência da
necessidade somada à ação transformadora. Ou seja, consciência da lei diante do
estado de alienação que distancia é mudança radical, é ação transformadora da
vida.
Lehatati, hamartia,
peccatu é um fazer. Em relação ao imediato transforma-se em estado e no
que se refere à espécie humana é um domínio. Lehatati, hamartia, peccatu
acontece quando minha liberdade é desafiada, quando ela é chamada a surgir como
feitura humana. Nesse sentido, lehatati, hamartia, peccatu não se
apresenta sem agente moral, sem liberdade. Toda vez que realizo minha liberdade
a lei está presente, pois lehatati, hamartia, peccatu é um contra-tipo
da liberdade.
Por isso, só podemos
responder à alienação que distancia reconhecendo que lehatati, hamartia,
peccatu é feitura minha e de minha espécie, e que devo promover a
ruptura desse fazer através da ação de expansão do sentido pleno da vida. Ao nível do pensamento, do
sentimento, da vontade e da ação -- pois a alienação que distancia é o que não
devia estar -- devemos exercer uma ética radical de defesa da vida e de seu
sentido, de combate ao estado de
alienação na vida de pessoas e comunidades.
“Eu sou velho mas gosto de
viajar por aí”
Em 1970, Manuel
Ballestero publicou em Madri, pela Siglo XXI, La Revolución del Espíritu (Tres pensamientos de libertad),
analisando o caráter radical da liberdade no pensamento de três gênios da
modernidade: Nicolas de Cusa, Lutero e Marx. Ballestero diz que sua preocupação
residiu em analisar o projeto de liberdade desses três pensadores, sabendo que a
autonomia e o ato livre são concebidos de maneiras diferentes e mesmo
antagônicos, embora existam, no contexto da obra dos três, analogias de fundo.
E essas se referem ao fato de que liberdade poderia significar a abolição da
lei, o colapso da determinação exterior, e não o comportamento que se adequou
aos limites da ordem. Assim, segundo Ballestero, Cusa, Lutero e Marx olham a liberdade
como a destruição da ordenação exterior e anterior ao próprio ato livre.
Os ensaios mostram que a
revolução teórica empreendida por Cusa e Lutero não foi gratuita, nem produto
de um simples ato ideal, mas se enraizou no tecido histórico do movimento de
decomposição global da formação social pré-capitalista. Cusa e Lutero clamaram
por essa destruição. Sem entrar nos detalhes das mutações vividas no século dezesseis,
com a ruptura do equilíbrio cidade/campo, o surgimento das manufaturas e a consolidação
do sistema de trabalho assalariado, vemos que a alienação que distancia da
condição humana na incipiente sociedade capitalista foi percebida por Cusa e
Lutero: a liberdade do sujeito se dá como dor.
Mas ambos consideraram
essa subjetividade liberada pelo início da arrancada capitalista como
desequilíbrio. Assim, tanto Cusa quanto Lutero partiram do distanciamento nessa
subjetividade alienada do nascente capitalismo, considerando que deveria ser
superada para que o sentido da vida florescesse. Aí, então, teríamos o fim da não-essencialidade
do sujeito alienado e a inserção deste na totalidade objetiva. Mas isso não
poderia acontecer sem a transformação dessa realidade objetiva em realidade plena
de vida, que sustenta o humano. Dessa maneira, para os dois pensadores, o
sentido da vida constrói num nível superior o universo anteriormente negado.
O jovem Marx, seguindo os passos de Hegel, partiu
dessa discussão. Para ele, a religião era a realização imaginária da essência
do humano, mas essa essência não tem realidade alguma. De todas as maneiras, há
um ponto de interligação nessa perspectiva: a liberdade como abolição da
legalidade, como coincidência do momento subjetivo com o momento objetivo e
como responsabilidade maior do ser humano.
Para Lutero, o humano existe como estrutura
ontológica dual. Sua conceituação partiu da ansiedade teórica do século dezesseis,
mas traduziu-se em superação da subjetividade alienada. O humano pleno do
sentido de vida é senhor de todas as coisas, não está submetido a ninguém e
esse senhorio radical é produto da vida em plenitude. Sua liberdade transforma
a subjetividade alienada em realidade objetiva. Nesse sentido, o caráter da liberdade
do humano pleno do sentido de vida se dá como processo: morre o imediato, o
alienado, e tem início a construção de uma segunda natureza.
A liberdade surge como deslocamento do humano alienado,
como distanciamento crítico daquilo que foi naturalmente dado. O primeiro
momento da liberdade parte de uma concepção trágica, porque o senhorio num
primeiro momento implica em servidão, criando tensão e luta. “É necessário desesperar-se por você mesmo,
fazer com que você saia de dentro de você e escape de sua prisão” (Lutero, Les grands écrits, p. 259). Mas superada
a tensão, temos a liberdade enquanto sentido pleno de vida, uma dimensão de
combate.
“So malandro velho
Não se mete no enguiço”
Os humanos são chamados a superar a alienação,
ter a liberdade que vai além, a liberdade que é construída na expansão do
sentido pleno da vida. E, assim como Paulo, estou convencido de que morte ou vida,
anjos ou governos, coisas presentes ou futuras, poderes, altura ou profundidade,
ou qualquer criatura não poderá me distanciar do amor do Eterno, que está no
Novo Ser, o Senhor.