dimanche 12 février 2017

A defenestração de Xixuaú

Os heróicos anabatistas não batizavam seus filhos pequenos.  Caso houvesse qualquer benefício no batismo infantil, as crianças anabatistas estavam fora dela. Se o batismo infantil fosse necessário para a salvação das crianças, então, os filhos dos anabatistas estariam perdidos. Mas eles não estavam nem aí. Por que?

A razão dos anabatistas recusarem o batismo às crianças pequenas não é segredo para ninguém.  Só quem tem consciência do bem e do mal e erra o alvo – e Paulo, o apóstolo, diz que todos erramos o alvo – precisa de regenerar-se em Cristo, e ser justificado pela graça, através da fé. Para os anabatistas, as crianças pequenas não se enquadram nessa compreensão: mesmo quando cometem erros, o fazem sem consciência de bem e mal.

É por isso que anabatistas e alguns dos seus companheiros de estrada afirmam que todas as crianças estão salvas, todas elas, porque ao não ter consciência moral de bem e mal em suas vidas estão cobertas pelo sacrifício vicário do Cristo.

Onde é mesmo que mora o pecado?
Por Jorge Pinheiro

A compreensão ordinária apresenta hadam, o cara que veio da terra, e hawah, a mulher que é vida, defenestrados da floresta por iavé, senhor do bem e do mal. Bem, defenestrados é um exagero, porque lançados pela janela seria impossível, porque floresta não tem janela. Mas a palavra defenestrados traduz bem o ato de violência e serve como ilustração sobre a apreciação que o senso comum faz da saída do casal de Xixuaú. Para quem não sabe, o rio Jauaperi é o coração da Amazônia e Xixuaú está lá, uma reserva com animais incríveis, vegetação exuberante e igarapés que deixaram hadam e hawah deslumbrados.

A teoria do pecado original é uma maneira transversa de ver a estória humana e flui em direção a um mar grande, uma outra teoria, a do estado de degradação da humanidade. Considera que a natureza humana foi corrompida por um erro original e que todo o humano está em estado de pecado porque é descendência de hadam e hawah. Às vezes, chamado de “o primeiro pecado”, “ou pecado de hadam” ou “o pecado dos pais”, a teoria toma formas diferentes na pluralidade do pensamento cristão, o que leva o pecado original a ser descrito de diferentes maneiras, indo da simples deficiência, como um aleijão, do tropismo ao pecado, de que somos flores do mal, o que pode ou não excluir qualquer idéia a priori de culpa, até a idéia de natureza degenerada e de culpa coletiva. Estas concepções levam a significados na teologia da essencialização do humano, particularmente em relação à graça e ao livre arbítrio.

Feios, sujos e malvados

“...propterea sicut per unum hominem in hunc mundum peccatum intravit et per peccatum mors et ita in omnes homines mors pertransiit in quo omnes peccaverunt...”

Parece que Ettore Scola tinha razão, teríamos sido condenados a viver em um muquifo? Homem, mulher, filhos e parentes, amontoados? E até com a ou o amante, junto, a brilhar na meia luz mortiça? A teoria do pecado original parte de algumas referências das escrituras judaico-cristãs, as epístolas de Paulo aos romanos (Rm 5.12-21) e aos coríntios (1Cor 15.22) e uma passagem do Salmo 51. Mas a primeira exposição sistemática sobre a condeção ao barraco foi proposta por Agostinho de Hipona, no século IV.

É importante notar, porém, que o referido texto fundante do relato, não apresenta menção ao "pecado original". E a palavra hadam, o da-terra, tem uma dualidade de sentido, primeiro enquanto pessoa do sexo masculino, mas também como agrupamento, espécie. Jean-Michel Maldamé ao analisar este duplo aspecto da universalidade do texto bíblico diz que hadam deve ser considerado como o pai de todos, uma personalidade coletiva que representa a humanidade. (Péché originel, péché d'Adam et péché du monde. Arquivo: http://biblio.domuni.eu/articlestheo/pecheor/po000002.htm).

O pensamento rabínico não concorda com a visão da danação de origem, que se reproduz ad aeternum. Ao contrário, a considera uma perversão da mitologia cristã. E tal compreensão também está ausente no Corão, embora não seja visto assim por todos os muçulmanos. O certo é que para Mahommed, hadam é o pai comum dos humanos e o primeiro profeta do Islã.

Mas a formalização do conceito, entre os cristáos do medievo, partiu de Agostinho, em sua leitura da epístola aos romanos, feita na época em que combatia o monge celta Pelágio, que via a criação e a existência como convite ao belo, puro e bom, mesmo depois do casal de índios ter deixado Xixuaú.

Agostinho, pateando nas pegadas de Orígenes, a partir do neoplatonismo, procurou responder a algumas questões: por que o mal existe? Por que a morte existe? E deu uma resposta instrumental, ao citar o apóstolo quando disse que se por um hadam o errar o alvo entrou no cosmo, e com o pecado a corrupção, assim a corrupção passou a toda a humanidade porque todo mundo erra (Rm 5,12).

O texto escrito à comunidade de fé de Roma, mencionado acima, fala do erro de hadam como a ofensa de uma pessoa, não dogmatiza o ato, como Agostinho se sentiu obrigado a fazê-lo, numa leitura sem paralelo com o texto de Bereshit.

Paulo disse que sua formação intelectual aconteceu aos pés de Gamaliel, ou seja, que ele era um fariseu. E por ser fariseu, usou a hermenêutica, middot, ensinada pelos perushim, fariseus. A leitura tipológica era uma regra dessa hermenèutica. O princípio é: "o gesto dos pais é um espelho para o filho”. Em outras palavras, "a experiência de tudo o que foi vivido pelos patriarcas, incluindo hadam, vai acontecer aos seus descendentes".

Paulo aplica este método em 1Coríntios 10, que é um midrash baseado em Números 20.8. Este é um processo hermenêutico que sobrevive no ditado rabínico: "A história não se repete, gagueja".

Agostinho chamou a ação do casal de pecado de origem. Para explicá-lo disse que se transmitia a todos os humanos, por geração, herdada como defeito. E seguiu as pegadas do preconceito contra a sexualidade humana, tão denegrida pelos estóicos. Tal interpretação choca-se com o texto de Bereshit, que fala da árvore como do "conhecimento do bem e do mal", expressão que traduz a idéia de consciência diante das alternativas da existência, que faz do humano sapiens e o separa do restante do reino animal. O emparelhamento do "pecado de origem" com as relações sexuais produziram uma rica e trágica mitologia cristã, incluído aí a idéia da maçã, para uns, e da vagina como abertura para o inferno, para outros. Mas só podemos falar de consciência diante do bem e do mal, a partir de Bereshit 3.7-13, que descreve a compreensão da incompletude existencial, que diante dos limites, dos quais a morte é o maior, lança o humano a sonhar com a imortalidade.

A presença da teoria do pecado de origem nas denominações cristãs foi sendo consolidada com o correr dos séculos. A teoria agostiniana teve influência em quase toda a teologia ocidental. No segundo Concílio de Orange, quando a liberdade de ação e pensamento de Pelágio foi condenada, parte da doutrina de Agostinho recebeu aprovação oficial. Mas o design da predestinação rígida foi rejeitado. Tal tentativa católica de criar um equilíbrio do agostinianismo esbarrou posteriormente na leitura reformada, que levou às últimas consequências a interpretação trágica do pecado de origem.

Os cristãos orientais, assim como os anabatistas no Ocidente, preferiram uma abordagem diferente para a questão da graça e do errar o alvo, apoiando-se na idéia de theosis, isto é, na busca da união com o Eterno, que foi chamada também de processo de santificação e glorificação. Os dois grupos se reconhecem mais nas teses de João Cassiano do que nas de Agostinho. Por isso, são considerados semi-pelagianos. Entendido aqui que o semi-pelagianismo, teoria que se desenvolveu no sul da Gália, no século V, por João Cassiano, Vicente de Lerins e Salvian de Marselha, traduz uma reflexão teológica onde o ser humano não é visto como mestre de sua salvação, mas que esta, dom gratuito de iavé, deve repousar sobre a resposta positiva do humano consciente de seu afastamento de iavé. Nesta letura, há uma distinção entre o começo da fé, o abrir-se ao chamado de iavé, enquanto ato da vontade livre, e o progresso da fé, obra divina de santificação do humano redimido.

O Magistério católico formatou o ensinamento sobre a transmissão do pecado de origem com as críticas de Agostinho a Pelágio e, depois no século XVI, opondo-se à Reforma protestante. Tal formatação não significou a inclusão de todas as idéias de Agostinho, já que condenou as idéias agostinianas presentes na teologia reformada e também no pensamento jansenista.

Assim o Catecismo da Igreja Católica descreve o pecado de hadam: "O homem, tentado pelo diabo, deixou morrer em seu coração a confiança em seu Criador (Gn 3.1-11) e, abusando de sua liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus". (CEC397 -- "Catechisme de l'Église catholique", primeira edição francesa 1992. Versão definitiva com modificações, 1997, Édition française Pocket, N°3315, 1999. ISBN 2-266-09563-3). E explicita as consequências:

Dessa maneira, o catolicismo diz que por seu pecado Adão, como o primeiro homem, perdeu a santidade e a justiça originais que havia recebido de Deus não só para si mas para todos os seres humanos. E que em sua progênie, Adão e Eva transmitiram a natureza humana ferida por seu primeiro pecado, portanto, privada da santidade e da justiça originais. A essa privação os católicos chamam de pecado original. CEC 416-417.

O catecismo diz ainda que o pecado original é chamado de "pecado" de modo analógico: é um pecado "contraído" e não "cometido", um estado e não um ato (CCC 404). Este estado é transmitido para a raça humana por "propagação", não por "geração", como proposto por Agostinho, que abriu a porta para a suspeita sobre a sexualidade. O Catecismo diz que não podemos especificar o modo como isso de deu.

Assim, a espécie humana seria em Adão um corpo doente. Por esta "unidade da humanidade" todos os homens estão implicados no pecado de Adão, como todos estão envolvidos na justiça de Cristo. No entanto, “a transmissão do pecado original é um mistério que não podemos compreender plenamente". CEC 404.

Para o Magistério católico, vencer o pecado de origem é possível graças a ressurreição de Cristo. "A vitória sobre o pecado conquistada por Cristo nos deu situação melhor do que aquilo que o pecado tinha tirado". A situação humana é descrita como se segue:

"Embora específica para cada um (Concílio de Trento: DS 1513), o pecado original traduz em cada descendente de Adão o caráter de falta pessoal. É a privação da santidade e da justiça original, mas a natureza humana não está totalmente corrompida: ela é ferida em suas próprias forças naturais, sujeitos à ignorância, do sofrimento e do domínio do morte, e inclinada ao pecado (esta inclinação para o mal é chamado de "concupiscência"). O Batismo, dando vida à graça de Cristo, apaga o pecado original e retorna o homem a Deus, mas as conseqüências para a natureza, enfraquecida e inclinada ao mal, persistem no homem e no apelo à guerra espiritual". CEC 405.

E diante disso, apresentaram uma explicação especial para o dogma da conceição de Maria, posição única porque ela teria recebido antecipadamente os frutos da ressurreição de seu filho: "A Virgem Maria foi, desde o primeiro instante da sua concepção, por uma graça e favor singular de Deus Todo-Poderoso, em vista dos méritos de Jesus Cristo, o Salvador do gênero humano, preservada imune de toda mancha do pecado original", conforme afirmou o papa Pio IX, na bula Ineffabilis Iavé, que proclamou o dogma.

A teologia ortodoxa também emprega a expressão "pecado original", apesar de não usar o sentido proposto pelo catolicismo ocidental. Adere ao ensino dos pais da Igreja Oriental, de que o pecado do primeiro homem, com todas as conseqüências e a punição que sofreu, hereditário à espécie humana. Uma vez que cada ser humano é descendente do primeiro homem, ninguém está isento da marca do pecado, mesmo que tal pecado tenha acontecido para que um dia todos possam viver sem pecado.

E assim, tem sido desde o primeiro pecado do primeiro nascido entre os homens. Este pecado tem passado, com todas as suas consequências, a todos os descendentes naturais de Adão, disse Cirilo de Alexandria (apud John Karmiris, A Synopsis of the Dogmatic Theology of the Orthodox Catholic Church, Scranton, Pa.: Christian Orthodox Edition, 1973, p. 35-36).

Os ortodoxos mantiveram-se relativamente afastados dos debates ocidentais sobre a questão do pecado original, e tomaram uma posição de equilíbrio em alguns aspectos. Reconheceram que o pecado de hadam teve consequências para o cosmo, mas rejeitaram qualquer noção de culpa coletiva. Além disso, excluiram a ideia de que a natureza humana é tão corrupta que é incapaz de exercer livre arbítrio, ou seja, conforme as teorias da predestinação particular e da corrupção total defendida por João Calvino.

Em relação à transmissão do pecado original, os ortodoxos afirmaram que a transmissão do pecado original pela hereditariedade natural deve ser entendida em termos de unidade da natureza humana, na consubstanciação de todos os humanos, que estão unidos pela natureza em uma entidade mística. E isto porque a natureza humana é única e indivisível o que faz com que a transmissão do pecado desde o primogênito de toda a raça humana seja compreensível: "a partir de uma raiz, a doença se espalhou para toda a árvore. Adão é a raiz que viu a corrupção”. (Cirilo de Alexandria, fonte citada).

Outra questão a ser levantada, ao ler Bereshit 3, é se podemos falar pecado no sentido agostiniano, pois Paulo no seu texto aos romanos apresenta a lei como limite dinâmico entre o bem e o mal.

Vejamos esta questão. Ao invés de, por que a corrpção?, vamos perguntar por que o mal? Ora, as escrituras judaico-cristãs nos dizem que os pais comeram uvas verdes e as crianças tiveram seus dentes embotados (Ez 18.2) e que iavé é zeloso e repreende os erros dos pais nas gerações que se seguem (Dt 5.9). Então, parece haver uma sequência no fazer humano, seja ela biológica ou cultural e, por isso, também há uma cobrança de iavé diante da repetição dos erros antigos pelas novas gerações. Ou seja, o mal perpassa a existência humana.

Agostinho relacionou este mal à sexualidade, mas Bereshit apresenta a alienação/mal como afastamento do Eterno. É intessante ver que as escrituras judaicas dizem que morre quem peca, e que o filho não herda a falha do pai, nem a culpa do pai cai sobre o filho, pois a justiça ficará sobre o justo e a impiedade do ímpio sobre ele próprio. (Ez 18.20).

Portanto, a transmissão de fatores genéticos existe no sentido biológico, natural, assim como a tranmissão cultural enquanto gaguejar da história, mas não há transmisão da danação espiritual fora da escolha e ação humanas. O que é um paradoxo diante dos textos do parágrafo anterior, mas mostra culpa e pecado, presentes em Bereshit 4.7, não como falha e imposição hereditária, mas como escolha ética, que fundamenta a agir livre.

“Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. Gn 4.7)

Só um detalhe: nada nos diz que o casal de índios era imortal. Tudo indica exatamente o contrário. Estão vai a pergunta: como a morte pode ser o castigo de iavé diante do exercício de liberdade presente em Bereshit 3.13?

E vemos que iavé, depois do ato de distanciamento, deste “o meu caminho eu mesmo traço”, não resolveu destruí-los. Na verdade, cheio de cuidados, costurou roupas de pele, pois hadam e hawahtiveram seus olhos abertos e viram que estavam nus. Assim, a preocupação do texto não está no pecado de origem, mas em outro lugar.

Duas questões devem ser levadas em conta na leitura: (1) o casal foi defenestrado da floresta ou deixou para trás a natureza de onde brotou? (2) O casal de índios fez algo que os animais não fazem, que a natureza não faz, agiu de forma livre. Donde a pergunta retorna: o casal foi defenestrado por que usou tal prerrogativa e teve que arcar com as consequências de deixar a floresta? Ou a alienação, o distanciamento, rompeu com sua condição existencial natural e fez dele homo sapiens sapiens, que tem metalinguagem, pensa seus próprios pensamentos e a projeção de seu agir?

A alienação tende a levar à úbere, conceito que traduz a idéia de algo fértil, fecundo, luxuriante, de uma pessoa da qual emana alguma coisa útil e vantajosa, mas que paradoxalmente é cheia de confiança em excesso, de orgulho, ou mesmo de insolência contra iavé. O apóstolo Tiago descreve o processo da alienação que dá origem à úbere e segue em direção à corrupção, da seguinte maneira: primeiro se deseja o que não deveria ser desejado. Mergulhado no emaranhado do desejo mal pensado, caminha-se na direção de sua realização, erra-se, então, o alvo existencial, o que leva à corrupção (Tg 1.14-15).

Ou como disse iavé a qayin, o-lança: se você tivesse feito o que é certo, estaria sorrindo, mas você agiu mal e, por isso, lehatati está na porta, querendo saltar em cima de você. Ele quer dominá-lo, mas você precisa vencê-lo. (Gn 4:7)

Hadam e hawah antes do distanciamento não tinham desenvolvido o pensamento hipotético-dedutivo. Metaforicamente, viam em preto e branco. Não eram inocentes no sentido de um recém-nascido, mas sua compreensão de mundo repousava sobre o pensamento lógico-formal. Iavé cuidava deles e se fazia presente na vida deles (Gn 2.15-17; 3.8-10; Ec 7.29). O casal no ato do distanciamento não sabia que estava a construir a consciência humana, porém, a partir da separação e da úbere percebeu que não era natureza e isso é constatado quando pensa a sua existência e se vê desnudo. Assim, de forma desigual e combinada, na dialética afastamento/ aproximação, ao deixar a natureza para trás, tem início a construção do pensar humano. Torna-se homo sapiens sapiens, faz metalinguagem, pensa seu pensamento e as construções do seu agir. Faz sua primeira experiência existencial e deixa Xixuaú. No ato abre a vereda do caminhar humano, e no engatinhar pleno de úbere perde o colo quente e tem início a difícil experiência da liberdade (Gn 3; Rm 5.12-19; Ef 2.12; Rm 3.23). Deixa o útero, nasce para a compreensão moral do fazer bem e do malfazer e passa a necessitar do exercício diário da livre escolha. Mas é esse caminho, que se por um lado traduz distanciamento, por outro possibilita a reaproximação, o reencontro, já num outro nível, naquele da escolha consciente, quando exclama como o apóstolo da dúvida... meu Senhor e meu Deus!


Textos para sua pesquisa


Robin Collins, Understanding Atonement: A New and Orthodox Theory, 1995 Veja também: http://home.messiah.edu/~rcollins/Philosophical%20Theology/Atonement/AT7.HTM e
http://home.messiah.edu/~rcollins/HOME.HTM).





De Charles Darwin a Teilhard de Chardin

O desafio da existência

"A linguagem humana é profunda como o mar, e as palavras dos sábios são como os rios que nunca secam” (Provérbios 18.4).

Nos séculos dezenove e vinte, o protestantismo fundamentalista e a ciência se confrontaram através de porta-vozes muitas vezes brilhantes e referenciais nessas duas áreas. E é esse confronto que José Mário Galdino aborda aqui com maestria, ao analisar dois textos que são expoentes de extremidades: Os fundamentos, discurso e relação entre religião e ciência moderna, obra maior do evangelicalismo conservador, e Religião e ciência: a relação entre a ciência moderna e religião, de Bertrand Russell.
Mas, nesta abertura à reflexão de Galdino, considero que dois pensadores são paradigmáticos de encontros e desencontros do desafio da existência, Charles Darwin e Teilhard de Chardin.
Charles Darwin continua polêmico,  nestes mais de duzentos anos após seu nascimento e mais de cento e cinquenta anos depois da publicação de A Origem das Espécies. Afinal, como sabemos, é difícil, principalmente para o fundamentalismo religioso aceitar que o ser humano, visto como elemento de um ecossistema, não é autônomo e independente em relação às outras espécies.

Da mesma maneira, o jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, precursor do evolucionismo cristão, foi um cientista e teólogo proibido pela igreja. Só depois da morte, em 1955, aos poucos suas pesquisas e produção saíram do ostracismo. Hoje é leitura obrigatória quando em teologia se discute criacionismo e evolução.

Assim, as discussões sobre a origem da vida continuam a gerar polêmicas, principalmente porque muitos leitores da Bíblia tomam o relato de Gênesis, em seus três primeiros capítulos, como literalidade absoluta. Por isso, as ideias de Darwin causam tanto desconforto hoje como em 1858, quando apresentou a teoria da evolução à comunidade científica.

Quase setenta anos depois daquele desconforto, em 1926, Teilhard de Chardin, com 45 anos de idade, vivendo e trabalhando como paleontólogo em Tientsin, na China, escreveu à sua prima Margueritte Chambom: "Estou decidido a relatar o mais simplesmente possível a experiência ascética e mística que vivo e ensino há algum tempo. Não pretendo abandonar o rigor do cristianismo. Mas quero ir adiante".

Na época de Darwin, outra leitura sobre a origem da vida, defendida pelo pastor William Paley, ameaçou ganhar força: dizia que a adaptação dos organismos vivos era fruto de um projeto inicial, de um desenho inteligente. Paley procurava, dessa maneira, construir uma ponte entre as duas compreensões da origem da existência. A leitura de Darwin, porém, era radical: os seres vivos se desenvolveram a partir de mudanças aleatórias e as particularidades do humano se deram por razões adaptativas.

O Darwin da teologia

Para Chardin, “ir adiante” era uma postura de paleontólogo. Mas ele não era só um paleontólogo, era teólogo e místico. Assim, ir à frente significava que arriscaria se tornar o Darwin da teologia. E, em Tientsin, onde a Companhia de Jesus acabara de abrir um instituto de estudos superiores e para onde foi mandado numa espécie de exílio, pois lá suas ideias não repercutiriam, mergulhou em pesquisas de campo e produção teórica.

É interessante ver que as oposições que Darwin e Chardin enfrentaram foram semelhantes. Ainda hoje, mesmo na Europa e Estados Unidos, a teoria da evolução só é de fato bem aceita em meios científicos. Mas muito possivelmente as reservas por parte da população possam ser explicadas pelos equívocos e folclores atribuídos a Darwin.

Um exemplo é o chamado “darwinismo social", que afirma existir raças superiores e raças inferiores, e que foi amplamente utilizado pelo nazismo. Darwin não defendeu tais ideias. Ao contrário, quando deixou o Brasil disse que não voltaria mais a um país escravagista. Já folclore é a ideia linear da evolução, presente naqueles desenhos de um macaco de quatro, outro semi-ereto na frente e, por último, o homo sapiens. De acordo com Darwin, o homo sapiens não veio do macaco, mas de um ancestral comum tanto ao homo sapiens como aos macacos. E, mais ainda, não há uma espécie menos evoluída e outra mais evoluída: todas emergem como ramificações da vida que se espraia.

A Companhia de Jesus, sem desejar, colocou Chardin no lugar certo, pois em Tientsin estavam sendo realizadas escavações e expedições paleontológicas. De 1923 a 1946, ele permaneceu lá. E não se afastou de suas pesquisas. Aprofundou-se na ciência, a procura de um novo pensar teológico. E foi assim que surgiu sua principal obra, O fenômeno humano (1955), onde apresentou os conceitos que passaram a balizar o evolucionismo cristão. Mas escreveu também outros trabalhos importantes: O coração da matéria (1950), O surgimento do homem (1956), O lugar do homem na natureza (1956), O meio divino (1957), O futuro do homem (1959), A energia humana (1962), Ciência e Cristo (1965).

Chardin formatou novas leituras da evolução, da estrutura orgânica do universo e da tendência do ser a alcançar um estado cada vez mais orgânico, de unificação. O fim da existência passou a ser visto como a convergência das consciências individuais na consciência do centro Ômega, momento de completude do processo evolutivo.

"Uma só liberdade, tomada isoladamente, é fraca, incerta e pode facilmente errar nos seus tateios. Uma totalidade de liberdades, agindo livremente, acaba sempre por encontrar o seu caminho. E eis por que, incidentemente, sem minimizar o jogo ambíguo da nossa escolha em face do Mundo, eu pude sustentar implicitamente, no decurso desta conferência, que nós avançávamos, livre e inelutavelmente, para a Concentração através da Planetização. Na evolução cósmica, poder-se-ia dizer, o determinismo aparece nas duas pontas, mas, aqui e lá, sob duas formas antitéticas: em baixo, uma queda no mais provável por defeito, - em cima, uma subida para o improvável por triunfo de liberdade".[1]

Universo e consciência

O universo, para Chardin, está impregnado de pensamento, o que se torna patente com a evolução, através da crescente complexidade estrutural que a matéria alcança. Chardin intuiu laivos de consciência nos graus ínfimos da existência, no plano físico do universo. A evolução levou esta consciência a revelar-se mais avançada no ser humano. Ora, a organicidade do todo implica uma lógica, seria absurdo determo-nos neste ponto do caminho sem continuá-lo.

Assim, para Chardin, o fenômeno humano não completou a sua trajetória e não alcançou a necessária conclusão, mas tal movimento está implícito na lógica do desenvolvimento do próprio fenômeno. Então Cristo, para este cientista e teólogo, pode ser proposto à ciência como biotipo do fenômeno humano, como modelo que o humano poderá atingir com a evolução, e o Evangelho como a lei social da unidade coletiva representada pela humanidade do futuro. Esse é o processo da evolução, numa correlação das compreensões da ciência e da espiritualidade cristã. E o humano faz parte deste processo.

Chardin constrói, assim, uma teologia da evolução, onde a santificação se dá por meio da presença universal do pensamento imanente de Deus. É a sagração da evolução. Chardin caminhou no terreno do cristianismo, mas fez uma nova leitura da origem da existência, onde a estrutura mais íntima do ser é de natureza psíquica, para concluir que a vida é pensamento coberto de morfologia e a espiritualidade é o ápice da evolução.

Ou como diz numa oração: "Rico da seiva do Mundo, subo para o Espírito que me sorri para além de toda conquista, revestido do esplendor concreto do Universo. E, perdido no mistério da Carne divina, eu já não saberia dizer qual é a mais radiosa destas duas bem-aventuranças: ter encontrado o Verbo para dominar a Matéria, ou possuir a Matéria para atingir e receber a luz de Deus".[2]

Galdino constata que a racionalidade na modernidade e o cientificismo não foram capazes de alcançar todos os registros da vida social, e que o movimento fundamentalista não se rendeu às novidades da modernidade. Ou seja, ainda hoje religiosos cristãos, católicos e protestantes adotam a mesma postura dos fundamentalistas do início do século passado.
O livro de Galdino, por sua profunda pesquisa de autores e pensares, é uma referência, mas também um grito profético, no sentido de que novos ventos cheguem repletos de tolerância para que ciência e religião possam estabelecer suas práticas, reservando espaço para o diálogo. O que nos leva a ler o trabalho de Galdino com entusiasmo e também esperança.
Creio, assim, também, que a partir das vidas de Darwin e Chardin podemos dizer que pensar a existência humana é tarefa aberta e permanente para a ciência e a teologia. E que, mais do que perder-se em formulações dogmáticas, quer na ciência ou na teologia, o desafio humano é a busca para compreender como (ciência) e por que (teologia) estamos conectados à existência e ao Universo.

Jorge Pinheiro
Professor Doutor em Ciências da Religião



[1] Teilhard de Chardin, “La formation de la Noosphère”, Revue des Questions Scientifiques, Louvain, jan. 1947, pp. 7-35.The Future of Man, New York: Harper & Row, 1964.
[2] Teilhard de Chardin, La Messe sur le Monde, Ordos, 1923.

samedi 11 février 2017

Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Pinheiro





Homenagem de alunos e professores da

Faculdade Teológica Batista de São Paulo ao Prof. Dr. Jorge Pinheiro

lundi 6 février 2017

Num barco de madeira

... a navegar oceanos profundos

Yoffe Shemtov [1]


Leitor de Jorge Pinheiro, a partir da tradição sefardita, vejo um homem que constrói barcos de madeira para navegar oceanos profundos. Lembra pescadores da Polinésia. E solitariamente, sentado na proa, com uma lanterna acessa no outro lado, parte sem rumo, ou melhor, num rumo que só ele crê conhecer. E dias depois, quando já em terra, as gentes ousam perguntar-lhe o que busca, Pinheiro responde: meu destino. É por isso que quando volta ao barco, todos nós, seus leitores, gritamos: Continue navegando!

Pinheiro, a navegar com pensadores como Paul Tillich, Slavoj Zizek e Giacomo Marramao, em momentos de conversa liberta de razões, à maneira mineira, diz que para garimpeiros da ontologia e navegantes do destino, duas coisas devemos saber acerca do Eterno criador: Ele é o ser real, a substância absoluta; é a forma mais-que-perfeita.


É desta leitura que Pinheiro parte. E isso se deve ao seu judaísmo-tardio, aquele judaísmo que dialoga com a sofia grega, que traduz a universalidade judaica, que vê o Eterno como substância absoluta. Mas também parte do ser protestante-novo, que rechaça o contra-semitismo de católicos e protestantes, tão forte a partir de Agostinho de Hipona... E ele olha o Eterno como a forma mais-que-perfeita. Para Pinheiro, o berit é comunicação da substância divina; mas ser protestante-novo é caminhar na graça com a pessoalidade divina. Nessa leitura, Pinheiro vive a aliança do movimento das massas hebréias e uma mística suprapessoal, que faz parte da história e tradições dos povos hebreus. Mas como protestante-novo considera que foi beneficiado com a emergência de pessoalidades e comunidades em seus caminhares com a messianidade.

Assim, para Pinheiro, a história traduz um elemento fundamental: a aspiração que vai além da racionalidade presente nas formas, que vibra nos corações judeus sob o efeito da radiação do que não pode ser capturado através da ética e nem mesmo da lógica. Esta substância universal do Eterno criador é uma dimensão intrínseca à fé judaica, mas chega ao protestantismo-novo de Pinheiro, e pode ser traduzida no movimento dinâmico e permanente da espiritualidade: querer caminhar na presença do Santo; desejar viver em comunidades de amor, que reúnem pessoas antes separadas; e compreender que a autoridade do Eterno criador, essencial à vida, se manifesta através da história, da tradição e dos símbolos.

Pinheiro é protestante-novo, e sua militância criou raízes a partir do protesto crítico contra a absolutização da substância nas instituições, que gera, segundo crê, alienação, idolatria, morte. Daí a presença de Marramao e Zizek em suas leituras.

Para Pinheiro, seu princípio do protesto está correlacionado com a centralidade da substância judaica, enquanto relação entre a manifestação da essência na existência e a afirmação do significado messiânico. Afirma que a substância judaica apresenta-se sob dimensões históricas e trans-históricas como identidade subjacente. Ou seja, quando se refere à história e à tradição é a substância que fornece os símbolos da unidade universal do reino do Adonai Elohim. Dentro desta unidade universal encontra-se o princípio do protesto enquanto fundação do evento messiânico, que tem uma relação de centralidade com a substância judaica. É este princípio do protesto que retira da figura humana do Mashiah tudo que nela poderia ser materializado como idolatria, por sua facticidade histórica. É por meio do símbolo que desaparecem as particularidades e o finito, dando lugar ao significado presente do Mashiah.

O paradoxo do aparecimento do Mashiah na existência, sem a deformação da existência, é uma interpretação radical do símbolo, liberta do significado da idolatria de se permanecer na adoração de um objeto histórico e, por isso, limitado, finito, enclausurado num espaço e tempo passados. Para Pinheiro, o princípio do protesto, lido sob tal perspectiva, apresenta o Mashiah como presente que remete ao kairós.

É, por isso, que o protestantismo-novo de Pinheiro evita cair na armadilha de abandonar a unidade universal da substância, que mantém e possibilita o resgate do sentido do Eterno nas profundezas do humano. E, assim, ao romper com o deísmo dos textos antigos das tradições judaicas, da palavra que se resume à ética do texto, as profundezas da interioridade humana são resgatadas. E ao resgatar Tillich, mas compreendendo a dialeticidade do Mashiah proposta por Zizek, mostra a relevância do kerigma messiânico, em aliança com o reconhecimento do Santo, que se faz presente na cultura e nas dobraduras da secularidade.


É a partir daí que Pinheiro defende a idéia tillichiana de comunidade espiritual como processo de essencialização, já que o significado da vida, existencial e pessoal, consiste na recuperação do ser essencial presente no Eterno criador. Ou como disse Tillich, “a comunidade espiritual é latente antes do encontro com a revelação central, e é manifesta depois desse encontro”.[2] E nesse processo de essencialização, o Mashiah é elemento que possibilita o kairós, pelo qual a história humana sempre esperou. A partir daí há um processo de essencialização das pessoas e das comunidades, que vivem processos de essencialização sob o poder messiânico.

E mais, Pinheiro, nas pegadas de Tillich, mas numa compreensão de seu judaismo-tardio e seu protestantismo-novo, considera que as comunidades protestantes estão ontologicamente imbricadas às comunidades judaicas e, por isso, fazem novas leituras do Mashiah, cujo amor e fé estabelecem a essencialização, enquanto mudança de sentido de uma participação latente para uma participação manifesta na comunidade espiritual. Dessa maneira, é o amor e a fé messiânicas que levam à autocrítica radical capaz de estabelecer distinção entre o essencial e as formas através das quais o essencial se manifesta. A afirmação de que o judaísmo-tardio se complementa na comunidade protestante-nova justifica a leitura messiânica da fé.

Ou como afirmou Tillich e Pinheiro cita: “a comunidade espiritual está relacionada tanto com a cultura e a moralidade quanto com a religião, e a presença espititual torna necessária uma mudança radical na atitude para com o que é incondicional”.[3]

Convém lembrar, porém, que Pinheiro, a partir de Marramao, combate toda expressão de arrogância, de absolutização do poder, na relação entre comunidade manifesta e judaísmo latente, ao reconhecer a presença da espiritualidade na cultura e nas religiões. Por isso, sugere que a proclamação do Mashiah combine ofensiva e mediação. Ofensiva no sentido kerigmático e mediação no sentido de correlacionar o kerigma com a questão cultural.

Assim, o conceito de substância judaica é valioso para a compreensão do kerigma, principalmente no protestantismo-novo. O kerigma messiânico, a partir desta leitura, segundo Pinheiro, admite que a realidade manifesta no kairos do Mashiah está em ação na cultura. Dessa maneira, a tarefa kerigmática consistiria em procurar identificar as maneiras por meio das quais o essencial, manifesto no evento messiânico, se faz presente na cultura. Tal procura possibilita a apropriação kerigmática da experiência com o Mashiah, ao considerá-la enquanto manifestações do essencial, além de sinalizar caminhos nos quais a auto-compreensão messiânica pode ampliar contatos com culturas e povos.

Logicamente, por fazer uma confissão do novo protesto da presença do Mashiah em sua vida, as reflexões de Pinheiro sobre o universalismo judaico influenciam em muito sua ação kerigmática. Assim, no correr de suas navegações, construiu uma visão kerigmática da qual participam comunidades, e sua ação se vê calcada num entendimento libertário de práxis social.

 

Ou seja, a partir do universalismo judaico, Pinheiro considera que o amor do Eterno criador pelos seres humanos não está suspenso, esperando que o kerigma messiânico seja entregue. Considera que aqueles que O buscam, nos limites da fé colocada em seus corações, serão essencializados, mesmo que nada saibam sobre a presença do Mashiah em suas vidas.

Para Pinheiro o protesto-novo, não enquanto instituição, mas em sua ação kerigmática têm uma prática que repousa em muito sobre a substância judaica. Esta leitura de Pinheiro, a partir de Marramao, Tillich e Zizek, apresenta as bases para uma esperança maior no modo específico através do qual o desejo do Eterno criador de essencializar os seres humanos é realizado. O ponto de vista defendido é que o Eterno ama os seres humanos e deseja que sejam essencializados. E são essencializados em razão do evento messiânico, quer sejam conscientes ou não desse evento, que projeta o kairós. Dessa maneira, o universalismo judaico apresenta a comunidade protestante-nova como comunidade que caminha em direção à essencialização. Ou em linguagem judaica, o Eterno aceita os que exercem fé, sem levar em consideração até que ponto vai o conhecimento dessas pessoas.

É importante entender, então, que o conceito de substância judaica está em processo de correlação permanente com o princípio protestante, e é por isso mesmo que nas diferentes comunidades protestantes encontramos defensores da substância judaica como fundamental para a vida dessas comunidades. Tais considerações, nos permitem dizer que, como defende Pinheiro, o conceito substância judaica represente a abordagem mais próxima de um consenso entre os pensadores do protesto-novo na atualidade.

Nestas navegações de Pinheiro, onde correlaciona pensadores aparentemente diversos como Giacomo Marramao, Paul Tillich e Slavoj Zizek, antropologia e ontologia se correlacionam. Esta antropologia baseia-se na compreensão de que a humanidade é imago Dei e se encontra em choque com a alienação do espaço e tempo presentes. Mas a memória humana persiste como impulso na direção da recuperação desse mau encontro, exposto por La Boétie. Esta dialética explicita e traduz a presença da espiritualidade do espírito humano.

Quando Pinheiro diz, a partir de seus garimpeiros preferidos, que a humanidade é universalmente espiritual, partindo da dialética universal/particular, localiza o particular no contexto do universal. Em vez de considerar a realização plena do universal na revelação messiânica, relativiza a particularidade no contexto dessa humanidade universalmente espiritual. Tal ênfase exige que o navegador aprecie as manifestações do essencial nas culturas. Mas nem por isso o compromisso com a messianidade é diminuída. Ao contrário, a fé é aprofundada por meio do reconhecimento das variações daquilo que os protestantes-novos percebem no evento messiânico, tanto nas religiosidades como nas dobraduras da secularidade.


Assim, a radicalidade do princípio do protesto pode ser aplicada às materializações da substância judaica na direção da essencialização do humano, denunciando as expressões idolátricas que ameaçam a comunidade humana.

Aqui em “Imago Dei, a teologia do ser humano”, o leitor vai encontrar esse caminhar na dialeticidade do universalismo judaico e da particularidade protestante. E exatamente por isso os textos antigos da tradição judaica são lidos na contra-corrente do que se espera, quer para judeus, quer para protestantes. Mas para aqueles que procuram leituras para novos espaços e tempos, a novidade pode ser criativa e criadora. Donde, o convite é: vamos navegar oceanos profundos em barcos de madeira!




[1] Yoffe Shemtov é o sefardita que mora no fundo de meu coração. E sabe das coisas.
[2] Paul Tillich, « La Masse et la Religion », in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands, 1919-1931, Paris, Genebra e Quebec ; Cerf, Labor et Fides, Presses de l´Université Laval, 1992, p. 605.
[3] Paul Tillich, idem, op. cit, p. 665-666.