jeudi 7 janvier 2021

O caminho humano

Leituras do humano
Jorge Pinheiro

Primeira parte

“Nós nos importamos com a boa qualidade dos homens, em primeiro lugar porque ela nos é útil, em seguida porque queremos dar-lhes alegria (os filhos aos pais, os alunos aos professores e em geral as pessoas benévolas a todas as outras pessoas). É somente quanto a boa opinião dos homens é importante para alguém, abstraindo a vantagem ou seu desejo de agradar, que falamos de vaidade”.
Friedrich Nietzsche in Humano, demasiado humano.

O que é o humano? Se partirmos da teologia, teremos abordagens fundantes, que podem nos direcionar a uma compreensão mais abrangente do que é o humano. A primeira delas tem por base a antiga cosmovisão hebraica e apresenta uma antropologia da unicidade humana.

Dois textos do livro das Origens são paradigmáticos nessa leitura. O primeiro está em Gênesis 1.26 e conta que o Eterno disse: “vamos fazer os humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco” E assim o Eterno construiu os humanos; parecidos com Ele. O segundo texto descreve o modo de construção do humano, está em Gênesis 2.7 e diz que “do pó da terra, o Eterno formou o humano. Ele soprou em seu nariz uma respiração de vida e assim esse ser se tornou vivo”.

A partir do segundo texto, podemos entender que a matéria-prima utilizada pelo Eterno na construção do humano é ordinária, ele é uma unidade de carbono, enquanto material pertencente à ordem comum de ló nefesh, que também dá forma aos seres inanimados e animais. Assim, é o sopro do Eterno que faz especial essa matéria ordinária. Teologicamente, podemos nos fazer uma pergunta: será que estamos somente diante de um símbolo ou, de fato, a força criadora do Eterno transmitiu ao humano não somente vida, mas intensidade e profundidade? De certa maneira não é absurdo dizer que seres celestiais são criaturas espirituais. Sua existência procede do exterior da força criadora do Eterno. A exteriorização traduz-se no fato de que a força criadora se dá através da palavra, de uma ordem criadora do Eterno.

A expressão nefesh, presente no segundo texto, leva a uma concepção de exterior versus interior, e tem por base o texto de Deuteronômio 32.9, quando afirma que “uma parte do Eterno faz seu povo”, já que mobiliza diferentes níveis da força criadora.

Nesse sentido, nefesh, fruto do sopro primordial, procede da interioridade do Eterno e por isso é conhecida como ein soph, que vem de seu interior. “Ele soprou” deve ser entendido como continuidade da afirmação “façamos o humano” (Gn 1.26), de maneira que nefesh liga céu e terra, o que está acima e o que está abaixo. Por isso, na tradição antiga dos hebreus, apesar de não tão fortes, os humanos são superiores aos anjos, porque procedem da interioridade do Eterno: traduzem ação mediadora e conjuntiva da força criadora.

Donde, o humano procede de atributos divinos não ostensivos, discretos, que se traduzem em integralidade, pluralidade social, sabedoria, compreensão e abertura à transcendência. Nefesh revela-se enquanto natureza que se torna compreensível e inteligível. É transbordamento e transparência do espírito do Eterno, que indica em transbordamento e transparência no humano, que relaciona imanência com transcendência.

Mas, o texto de Gênesis 2.7 fala de respiração e daquilo que o humano passa a ser: não tem uma nefesh, é uma nefesh. O pensamento literário dos hebreus era sintético. Daí que a chave para chegarmos a uma compreensão analítica dele, exige identificar com que parte do corpo o humano pode ser comparado e onde o agir humano faz interface com nefesh. E para isso utilizaremos textos que apresentam diferentes sentidos da nefesh.

“A mansão dos mortos abre a sua nefesh, escancara as suas fauces desmedidamente”. Isaías 5.14.

“Ele escancara a sua nefesh sem medida, como a mansão dos mortos, e é como a morte, não se saciando nunca”. Habacuque 2.5.

Embora a expressão nefesh apareça 755 vezes nas escrituras hebraicas e seja traduzida seiscentas vezes na Septuaginta, em grego, por psyché, na maioria das citações em hebraico, o significado literal de garganta e estômago transmitem a idéia de necessidade, de algo difícil de ser saciado. Nesse sentido, a palavra alma, tradução do grego psyché, nos dá uma tradução incompleta, pois a idéia é que o Eterno construiu o humano do pó da terra e insuflou em suas narinas o seu hálito e o humano se tornou um vivente que necessita Dele para ser saciado.

Nefesh não traduz algo bom ou mal, mas uma existência colada à realidade das necessidades fundamentais do humano, que ao não serem preenchidas produz alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria.

Mas como o sopro do Eterno pode ter gerado um humano com tal índole de insaciabilidade? Se entendermos nefesh como figura das necessidades vitais, dos movimentos emocionais da alma, somos levados a entender o pensamento sintético hebreu ao ver a nefesh como síntese da própria vida. Assim, as necessidades humanas criadas pelo próprio Eterno só podem ser saciadas por Ele.

“Quem me encontra, encontrou a vida e alcançou benevolência do Eterno. Quem não me acha, faz violência à sua nefesh. Todos os que me odeiam, amam a morte”. Provérbios 8.39-40.

“Ó Eterno, tiraste a minha nefesh da mansão dos mortos”. Salmos 30.4.

No relato de Gênesis 2.7 o humano é definido como nefesh hayah, um ser vivente, que necessita ser saciado. Por isso, como vimos, quando integrado ao Eterno, nefesh é transbordamento e transparência do espírito do Eterno, o que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em baixo com o que está em cima.

Mas essa natureza também se constituirá enquanto expansão dos significados da imagem do Eterno, em graça e amor. “Ele soprou” traduz o fato de que as coisas do intelecto e do coração expressam-se através dos órgãos da fala, em especial garganta e boca, que possibilitam o sopro. Esse padrão simboliza a interioridade da natureza humana. Portanto, para que o humano possa dar intensidade e profundidade a sua inteligência precisa de amor e graça, que nascem da interioridade do Eterno. Em Gênesis 2.7, “ele soprou” significa que Aquele que soprou o fez numa determinada direção e com objetivo definido. Aqui, direção e objetivo traduzem o destino humano.

Esse é o destino humano: ter sua nefesh saciada pelo Eterno e a partir daí relacionar-se com Ele, com o universo, com seus semelhantes e consigo mesmo. Nesse caso, temos uma nefesh em equilíbrio, plena do espírito do Eterno.

“O homem quer dar prazer a si próprio, mas à custa dos outros homens, seja levando-os a ter uma opinião falsa a respeito dele, seja aspirando a um grau de “boa opinião”, em que esta tem de se tornar penosa para todos os outros (provocando inveja). O indivíduo quer geralmente, por meio da opinião dos outros, certificar e fortalecer diante de seus olhos a opinião que tem de si; mas o poderoso respeito pela autoridade – respeito tão antigo quanto o homem – leva muita gente também a apoiar na autoridade sua própria confiança em si, portanto a só aceitar de mão de outrem: acreditam mais no critério dos outros do que no próprio”.
Friedrich Nietzsche in Humano, demasiado humano.

O pensamento pré-socrático inaugurou o problema que atravessará toda a história do pensamento ocidental, o problema do ser, ao caracterizar a verdade (em grego, alethéia) como o nexo entre linguagem (logos) e natureza (physis). Para Heráclito de Éfeso, por exemplo, o filósofo, que ama a sabedoria, é aquele que busca a unidade originária da totalidade de todas as coisas.

Logos, no grego 'palavra', foi entendido por Heráclito, como o princípio supremo de unificação, portador do ritmo, da justiça e da harmonia que regem o Universo. ["Bem dizia Heráclito: homens são deuses e deuses são homens, porque o logos é um só" (Hipólito, Refutações, IX, 10,6)]. 

Assim, Heráclito diante da mobilidade de todas as coisas denominou fogo ao elemento primitivo, e viu este comandado por uma lei natural racional, o logos. Considerou o logos dotado de dois princípios internos contrários a operar, concórdia e discórdia. Estas duas forças contrárias transformavam o elemento primitivo, ora na direção da solidificação, ora de retorno ao estado móvel do fogo.

Portanto, o logos, concebido por Heráclito como uma lei natural ordenadora, a tudo comanda em forma dialética. E segundo Platão é o princípio de ordem, mediador entre o mundo sensível e o inteligível. Assim, para a filosofia grega, logos era o princípio da inteligibilidade, a razão.

Mas, exatamente por ser razão e palavra, logos mantém uma relação de complementação com sabedoria, e por isso é pensada por Heráclito como harmonia, o próprio nexo original entre logos e physis. Todavia, para que, diante da ameaça do relativismo trazido pelas argumentações dos sofistas, encontre-se melhor determinado o que se compreende por verdade, Sócrates e Platão vão formular a questão: o que é? Esta questão busca definir isso que subjaz sempre idêntico a si mesmo, a essência, fundamento de toda instabilidade acidental da existência aparente.

O que em Heráclito se delimitava como o encontro da harmonia passa a ser, a partir de Sócrates e Platão, uma procura: nasce, então, a filosofia como um desejo de conhecimento. Aristóteles caracteriza esta transformação quando afirma que "o que desde sempre, agora e para sempre, é constantemente procurado, porque sempre de novo a questão fracassa, é o problema: o que é o ser?". A filosofia constitui-se, a partir das concepções socrática, platônica, aristotélica, como o pensamento que investiga a questão do ser.

O conceito razão relaciona-se a três outros: essência, existência e essencialização. A essência não é apenas aquilo que uma coisa é, mas também aquilo que faz com que uma coisa possa ser. Nesse sentido, essência é potencialidade, o poder de ser e a fonte da existência: origem do ser. Mas também é o reino da cognição, do pensamento, impossível de penetrar. Pari passo à essência, o logos correlaciona mente e realidade, tornando possível o conhecimento. Quando alguém compreende e fala sobre a realidade, faz juízos e define padrões, que são comuns aos outros seres humanos, se comunica. E quem possibilita a comunicação é o logos. Assim, o logos é a origem da razão e também do ser. Mas, origem do ser aqui não significa conhecimento a priori, é estar colocado à parte do reino da finitude e por isso a origem do ser só é conhecida por um ato de revelação.

Dentre as inúmeras transformações que surgiram com a cidade democrática grega, a pólis, a mais importante foi a preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder.

A palavra deixou de ser o termo ritual e passou a ser a fonte para o debate, discussão e reflexão, sendo ela, ou melhor, o seu uso de forma mais persuasiva, que definirá o orador vencedor dos embates dialéticos (dialética era a arte da discussão: as normas para uma discussão correta). Todas as questões de interesse geral passaram a ser submetidas à arte da oratória e as decisões eram as conclusões dos debates. A política se tornou a arte do domínio da linguagem. Com a popularidade dos debates e das discussões, a polis se fundamentou na publicidade das manifestações sociais; se distinguiram os interesses comuns dos privados, consolidaram-se as práticas abertas e o domínio público, a base social da estrutura.

Esse desenvolvimento trouxe uma profunda transformação, já que ao tornar comuns os elementos da cultura, levou os mesmos à crítica e à controvérsia. Todos os elementos ficaram expostos a interpretações e a debates apaixonados. Já não era possível a ninguém se impor apenas por prestígio pessoal ou religioso. Deviria haver o convencimento pela dialética. 

A palavra constituiu-se no instrumento da vida política. Sua vertente escrita trouxe a possibilidade da divulgação do conhecimento. A escrita tornou-se pública, não mais estando presente apenas no palácio ou no templo. O saber fez-se público, deixando de estar restrito aos magistrados ou sacerdotes. Depois de divulgadas, as idéias deveriam ser submetidas ao debate político e à aceitação popular.

Assim com a consolidação da importância da palavra, o saber passou a ser um bem público. A sabedoria percorreu as veredas da linguagem, do discurso, da dialética: este caminho tornou-se característico da cultura grega. Por isso, podemos dizer que a filosofia nasceu no momento em que se tentou recuperar algo perdido no passado, a sabedoria.

Na contemporaneidade latino-americana, partindo da dialética, Enrique Dussel propôs a dialética analógica da alteridade, a abertura da totalidade à alteridade, transcendendo o âmbito do logos. O logos permanece no mundo e não pode avançar mais além. O logos que transcende é análogo, mais além do logos, analogia que se articula na dialética da voz ouvida que leva a ouvir: ou seja, a ouvir a voz. Assim, o logos chega ao seu limite, e confia no que ouve do outro pela fé, pois sem a confiança no outro, não se pode escutar sua voz.

Fé aqui significa ir mais além do horizonte da physis, ir mais além do horizonte da ontologia do mesmo, afirmando a ontologia da negatividade, isto é, já que o outro não se origina no idêntico, é diferente. Brota como ouvido, é âmbito ao qual a totalidade pode abrir-se, e ao abrir-se muda de estatuto, tornando-se ontologia negativa.

Em sua reflexão sobre a superação das totalidades ontológicas a partir da abertura à alteridade, Dussel afirma que tal superação se dá com a metafísica, entendida como além do fundamento. E se dá assim porque a metafísica não é somente ontológica, mas opera através da descoberta de um mais-além do mundo. E como aná significa em grego mais além, e logos significa palavra, análogos toma o sentido de palavra que brota no mundo desde um mais além do fundamento. O método ontológico-dialético chega até o fundamento do mundo desde um futuro, porém se detém diante do outro como um rosto de mistério e liberdade, de história distinta, mas não diferente. Mas se o outro é distinto, não há diferença, nem retorno, embora haja história e crise. Por isso, para Dussel, se este logos aparece enquanto interpelante indo mais além da compreensão, ele é análogo.

Essa interpretação de Dussel repousa na compreensão do Logos joanino, que pousa sobre o Cristo acima da tradição filosófica, quer de Heráclito, quer de Platão ou do neoplatonismo, e ainda da filosofia judaica expressa em Filo de Alexandria. Nesse sentido, se antes estávamos diante da personificação do Logos, ainda assim não há na tradição da filosofia grega ou judaica a idéia de encarnação do Logos. Esse Logos joanino, por isso, vai além de toda a tradição filosófica, embora João a utilize como ponte para falar à cultura de sua época.

Há ainda uma ponte com o pensamento judaico, principalmente no que se refere aos textos de Gênesis um e de Provérbios 8.22-31. O primeiro ao utilizar a expressão “en arché” e o segundo ao personalizar a sabedoria. Nesse sentido, o Logos de João se apresenta como análogo. Análogo ao Eterno, porque é pessoa de Deus, e análogo aos seres humanos, porque é pessoa humana.

Análogo significa que o Logos vem de mais-além, isto é, que há um primeiro momento no qual surge uma palavra interpelante, mais além do mundo, que é o ponto de apoio do método dialético porque passa da ordem antiga à ordem nova. Embora, este Logos eterno se reflita através de nossos pensamentos e, por isso, não possa existir um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional [Romanos 12.2 e 1ª. carta aos Coríntios 2.16].

Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas, mesmo assim, devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.

Quando mantemos relação com o Logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos então o lugar que cabe ao destino em nosso pensamento. Vamos constatar que desde o princípio estivemos submetidos ao destino e que sempre desejamos livrar-nos dele, mas nunca conseguimos.

Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do destino é saber relacionar Logos e kairós. O Logos deve alcançar o kairós. O Logos deve envolver a plenitude do tempo e o destino da existência. A separação entre Logos e existência chegou ao fim. O Logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.

É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, o humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu destino. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo Logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no destino.

Nosso destino, que aqui pode ser entendido como missão, é servir ao Logos num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino [no sentido de prokeimai, estar colocado, ser proposto] e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.

«O interesse por si próprio, o desejo de se satisfazer alcançam no vaidoso tal nível que ele induz os outros a uma falsa estima de si falsa, demasiado elevada, e depois se fia, não obstante, na autoridade dos outros: desse modo provoca o erro e, contudo, lhe dá crédito. É preciso, portanto, admitir que os vaidosos não querem agradar tanto a outrem quanto a si próprios e que chegam ao ponto de com isso descurar seu proveito; pois, muitas vezes importa-lhes suscitar em seus semelhantes disposições desfavoráveis, hostis, invejosas, em decorrência desvantajosas para eles, apenas para terem satisfação de seu eu, o contentamento de si».
Friedrich Nietzsche in Humano, demasiado humano.

Paulo dirá numa oração: “Que Eterno, que nos dá a paz, faça com que vocês sejam completamente dedicados a ele. E que ele conserve o pneuma, a psyché e o soma de vocês livres de toda mancha, para o dia em que vier o nosso Senhor Jesus Cristo”. Primeira carta aos Tessalonicenses 5.23.

Se o soma é o espaço do Eros, da vida e da materialidade; e a psyché o espaço do logos, da razão e da sensibilidade; o pneuma é o espaço da espiritualidade, entendido em grego como poiesis, espaço da experiência estética, que responde à necessidade criativa do sentido da vida.

Assim, o sentido da vida não é experiência exclusiva da pessoa religiosa, mas experiência que traduz a criatividade humana. Tal espiritualidade, ou pnêumica, é gratuita. Essa graça está no ato do fazer com imaginação, na inventividade.

Entre os pais da Igreja, partindo de Paulo, Orígenes (185-254) via o humano como triunidade e relacionava a consciência trinitária à sua leitura e interpretação das Escrituras. Para ele, no soma estava o sentido literal da compreensão da revelação; na psyché o seu sentido moral; e ao nível do pneuma o sentido simbólico. Ou seja, a própria compreensão da revelação tinha que passar por estes níveis da consciência humana.

E porque a atividade humana acontece dentro da cultura, que comove, Tomás de Aquino viu a busca da beleza como busca da totalidade, daquilo que é pleno, que possibilita a sacada. Dessa maneira, o conhecimento implica na existência de uma ontologia que, ao dar uma classificação para a percepção sensorial, descreve a experiência como composta de objetos que existem independentemente dos seres humanos. Temos, então, as diferenças que fundamentam a classificação: humano versus não-humano.

Assim, a temporalidade é percebida a partir dessa triunidade da consciência humana: materialidade, razão, espiritualidade. E se apresenta associada aos critérios de confirmação através de experiências intersubjetivas. Essa consciência tripartite é a base do conhecimento nas culturas, a fonte da inteligibilidade entre os humanos, mas também a base para a compreensão da natureza e da revelação.

O objetivo da revelação, antes que ser o de responder às crises que afetam o humano, é recuperar a ordem daquilo que aparece como caos. Por isso, a crítica à complexidade da revelação e à não-regularidade do comportamento proposto por ela está equivocada por não entender o mundo como infinidade de realidades não-observáveis, pois o aparente objeto único do ponto de vista do senso comum é sempre constituído por infinidade de realidades.

Aqui, o que importa é o aspecto qualitativo: a revelação postula realidades pnêumicas para explicar a diversidade das experiências observáveis. Quanto à não-regularidade do comportamento pnêumico, isso é patente apenas na perspectiva daquele que está de fora, pois, para a pessoa que vive o fenômeno espiritual, essas realidades estão sujeitas a leis, sendo a regularidade a própria condição de seu poder explicativo.

A partir dessas leituras, atravessando a correlação entre a nefesh dos hebreus, o soma e o logos do dualismo grego, e o pneuma de Paulo, o apóstolo, podemos dizer que o humano é construção, unicidade e pluralidade da pessoa, na comunidade, ser lançado no cosmo. Imagem do que é eterno, ser aberto à transcendência. Há nele um deslumbramento permanente diante do absoluto e do mistério. E por pensar o que não está aqui e o que não é agora, e refletir sobre o além da realidade imediata, tem prazer em se debruçar sobre o que é eterno e transcendente.

Segunda parte

Uma análise teológica de Gênesis 2.7-23 nos apresenta o humano em equilíbrio com a natureza e em harmonia com a transcendência. Mas, há no texto a metáfora da ruptura, como aquela que vemos na parábola do filho pródigo, contada por Jesus de Nazaré. Esta foi a interpretação de Ireneu de Lyon (ca. 130-202 d.C.) e de Quintus Septimius Florens Tertullianus (ca. 160 - ca. 220 dC).

Tertuliano considerou que o humano no princípio da vida é semelhante ao Adão descrito em Gênesis. Ou seja, as pessoas nascem, idealmente, no paraíso do equilíbrio natural e da harmonia com a transcenência, mas com a construção da consciência e da identidade humanas deixam para trás o jardim e entram no mundo da culpa. Por isso, Tertuliano rejeitou o batismo infantil.

Aurélio Agostinho (354-430), dito de Hipona, apresentou uma leitura diferente ao dizer que Adão era perfeito, justo e imortal, até perder tal condição com o pecado. Para Agostinho, o batismo tiraria o pecado original e restauraria a imortalidade aos descendentes de Adão. Atribuiu a Adão não somente o estado de pecado original em que viveriam todos os seus descendentes, mas também a culpa herdada por todos os seres humanos. Apoiou o seu conceito da culpa herdada numa tradição errônea, baseada num texto latino, da carta de Paulo aos Romanos (5.12): “em quem todos pecaram”. Mas, o texto grego diz: “assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”.

Segundo Agostinho houve uma queda histórica de Adão, o que fez com que a espécie humana herdasse o pecado original. Mas, a história de Adão nos remete à metáfora de uma experiência partilhada por todos na construção da consciência e identidade humanas. Não partimos de um estado de pecado, mas somos culpados por fazer pecados, conforme nos diz o apóstolo Paulo, “assim como, em Adão, todos morrem” (1ª. Coríntios 15.22), “outrora, sem a lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri” (Romanos 7.9). Assim, uma boa tradução para Gênesis 8.21 é “não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do ser humano, porque é mau o desígnio íntimo do ser humano desde a sua adolescência”, situando o movimento para a ruindade do coração a partir da construção da consciência e da identidade.

Adão estava em equilíbrio com a natureza e em harmonia com a transcendência, mas, também, em revolução permanente quanto ao conhecimento e às relações, com possibilidade de não escolher o distanciamento e de, no momento certo, superar a morte física pelo usufruto da árvore da vida.

Mas o humano, apesar de construído na semelhança do Eterno, desfrutar dos benefícios do equilíbrio com a natureza e da harmonia com a transcendência, viu que era diferente da natureza e que sua identidade se construía na separação da transcendência (Gn 3.1-5). Eis aí, a partir da alienação do estado natural e do mundo da transcendência, o surgimento do homo sapiens.

Esse distanciamento, no entanto, não surgiu apenas dentro da mente humana, mas veio também de fora. Veio da relação sujeito/objeto, do olhar a natureza e constatar que era diferente, do olhar a eternidade e ver-se humano. Nesse sentido, o desafio foi colocado pela natureza, que, ao existir, falou ao desejo de entendimento e de vida: “se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5).

A curiosidade e reflexão surgiram a partir do próprio processo de conhecimento. Diante da natureza nasceu a consciência da diferença e a possibilidade de escolha que, por sua vez, leva a alternativas, escolher bem ou escolher mal, já que no início do processo nem sempre se sabe se será boa ou ruim a escolha feita. E, assim, o humano distanciou-se da natureza, embora ainda dependente dela, e também da transcendência. E com a consciência da diferença e de sua identidade humana, a morte chegou.

Não houve coerção, e, sim curiosidade, reflexão, escolha. O humano está livre para decidir.

Tais conceitos do humano em relação à alienação ressaltam que diante da hamartia a pessoa é culpada, não por participar do estado de pecado, mas, por praticar atos de pecado. O Eterno disse a Caim: “porventura se procederes bem, não se há de levantar o teu semblante? e se não procederes bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo; mas sobre ele tu deves dominar” (Gn 4.7) e profeta Ezequiel (18.20) afirmou: “a alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho”.

Sem dúvida, há uma tendência humana para errar o alvo. Ou como disse Oseias (11.7), “porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim”. Mas, tendência não é sinônimo de compulsão ou depravação total. Assim, o distanciamento da transcendência levou à consciência dos desequilíbrios em relação à natureza e aos relacionamentos. Apareceu a culpa, fruto da alienação existencial -- “então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus” (Gn 3.7) e “esconderam-se o homem e sua mulher da presença do Eterno, entre as árvores do jardim” (Gn 3.8). Surgiu o medo existencial, fruto da consciência do poder transcendente: “ouvi a tua voz e tive medo” (Gn 3.10). E, também, à alienação nos relacionamentos (Gn 3.11-13 e 16) e à consciência da separação humano/natureza (Gn 3.17-19).

Dessa maneira, a alienação existencial levou ao lehatati e à consciência de morte, enquanto separação do humano daquilo que lhe é natural, seu próprio corpo, e daquilo que é transcendente, a presença da eternidade. Assim, como disse Byron Harbin, “a morte física é um rasgamento da alma (2Co 5.4) e a morte espiritual é um rasgamento da relação do espírito humano com o Espírito divino”. Mas tal ruptura tem como limite o amor do Eterno, pois “se ele retirasse para si o seu espírito, e recolhesse para si o seu fôlego, toda a carne juntamente expiraria, e o humano voltaria para o pó” (Jó 34.14,15).

A partir de “todos pecaram” -- Romanos (5.12) e Efésios (2.1 e 5) -- devemos entender que “estando vós mortos pelos vossos delitos e pecados” fala da morte como realidade humana resultante da ruptura com a transcendência. Esta morte frente ao espírito e a eternidade levou à morte física, “até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás” (Gn 3.19), providência do Eterno para que o humano retornasse ao estado anterior à alienação e, assim, partici­passe do Novo Ser, ao invés do rasgamento permanente.

Terceira parte

A existência, enquanto processo, pode ter determinação construtiva no sentido teleológico, por apresentar qualidades adequadas à sua natureza ou função. E o humano, momento da existência, tem possibilidades diante dela. Essas possibilidades podem ser chamadas de liberdade condicionada e relativa à própria existência. Mas tais possibilidades são desafios à compreensão da condição humana e de suas relações reais. Estamos, então, falando de alienação.

A alienação antecede o exercício da liberdade. A idéia, trabalhada por Tillich, a partir de Hegel, é de que pertencemos essencialmente àquilo de que estamos separados. Ou seja, o humano não está separado de seu ser, mas é julgado por ele, e mesmo quando este lhe é hostil não consegue separar-se dele. As possibilidades humanas estão, nesse sentido, mesmo enquanto determinação construtiva e dinâmica, sob funções correlatas, alienação e lei, liberdade e necessidade, que são realidades da existência.

Se a alienação é ruptura essencial, parto que vai produzir a consciência humana, remete tanto ao distanciamento como à aproximação com o Ser. Não seria, então, apenas disfunção, mas apontaria também às funções do humano, enquanto ser com possibilidades de realização somática, psíquica, cultural, ecológica e do sentido pleno da vida.

Na tradição judaico-cristã essa relação entre alienação e liberdade foi um tema teológico de importância. Dos textos judaicos resgatamos idéias como aliança, constância, fidelidade, que remetem à correlação alienação/lei. E no testamento cristão a idéia de destino traduziu o conceito de alienação em seus dois vetores, distanciamento e aproximação.

As tensões ao redor da compreensão das idéias de alienação, que traduz funções e disfunções do humano, e graça, enquanto ação divina para a salvação, apontam para duas outras questões: história e liberdade. Essas duas questões formam a base do pensamento de que o ser humano por ser imagem do Eterno é um ser livre e, por extensão, faz história. Livre significa liberdade de julgamento e ação no âmbito da existência. Então, para que as pessoas sejam livres, o Eterno garante a liberdade delas.

Na carta aos Romanos (5.12), Paulo afirma que hamartia entrou no cosmo através do humano e com hamartia, a morte. Ora, hamartia ou peccatus é um fazer, uma consequência que nasce deste conceito militar dos gregos, ato do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Paulo utiliza a expressão no sentido de que a humanidade vive um fazer em que errar o alvo é possibilidade crescente na existência, embora não seja um estado dela.

Errar o alvo, ou, em hebraico moderno, errar o tiro, leva à consequências. Paulo privilegia uma delas, a consciência da morte. Para o apóstolo, hamartia ou peccatus produz uma consciência matricial, a consciência da morte. A partir da consciência da morte temos a consciência do divino, a consciência da diversidade, já que não somos bichos e, por extensão, não somos natureza, a consciência de que podemos escolher, e a consciência de que coisas e ações podem ser boas ou não. Dessa maneira, o alvo é o desafio de acertar, e estão diante do humano, de forma permanente, as necessidades diante da lei, daquilo que é ou está frente à existência e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não existe, mas pode ser criado.

Alvo implica, então, em necessidades e lei e possibilidades e liberdade, que não se excluem: estão correlacionadas na existência humana, fazem parte do desafio da existência.

Ora, em termos teológicos, a partir dessa primeira reflexão, podemos dizer que todos são chamados à comunhão e cada pessoa pode responder positivamente a esse chamado. Caso o ser humano responda positivamente ao chamado, vive o processo de libertação que leva à comunhão plena. A comunhão consiste, então, em metanóia, que é volta ao estado de liberdade e permanência na escolha. A partir desta resposta, o Eterno opera a salvação do ser humano. Por isso, podemos dizer que a vontade humana abre o caminho da libertação. A partir daí entendemos a graça universal, pois todos os seres humanos poderiam responder positivamente ao chamado à comunhão. Ou seja, a liberdade de julgamento no âmbito da existência leva a pessoa a escolher os caminhos de sua história.

As funções e disfunções existenciais do humano, ou seja, a alienação, fazem com que as ações humanas, a partir dos desejos – emoções e sentimentos – levem o ser humano à possibilidade de errar o alvo, lehatati (להחט'א), em hebraico, hamartia, em grego, e peccatu, em latim. Dentro da tradição das escrituras hebraico-judaicas, lehatati é a violação da lei. Mas lehatati é sempre uma ação do coração e não um estado do ser. Já a alienação, esta sim, é um estado da existência e toda a humanidade se encontra nesse estado de disfunção, ou inclinação para fazer o mal, conforme vemos em Gênesis 8.21. Assim, lehatati traduz não somente falta moral, mas todas as violações da lei, quer conscientes ou não. E, segundo a tradição judaica, todo ser humano nasce sem lehatati, e a culpa de Adão recaiu sobre ele e sua família, mas não se estendeu à espécie humana. Apesar disso, todo ser humano é responsável pelo lehatati porque todos temos vontade livre, mas natureza alienada e, por isso, tendemos também para o mal. Por isso, o texto acima citado de Gênesis diz que o coração humano é mau desde a sua juventude. Mas o Eterno, através de sua misericórdia, possibilita ao ser humano a metanóia e o perdão.

A libertação humana é um processo, por isso, a pessoa não é plenamente livre, porque depende dela permanecer ou não na opção escolhida. Se ela manter a escolha será plenamente livre, se abandonar a escolha retorna à alienação. Caso a pessoa livre se alienar, se não houver metanóia, se não voltar à comunhão, estará alienada.

Dessa maneira, na polaridade alienação/comunhão dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. O Eterno é soberano porque criou e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito, aqui entendido como sentido da vida. A soberania especial está sobre a comunidade que permanece na escolha. As outras comunidades estão fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher o lehatati.

E quanto maior a alienação, mais o Eterno retrai sua soberania sobre tais pessoas e comunidades, e, consequentemente, a graça que gera comunhão plena. O que explica o mal enquanto feituras pessoal e social. E para que o processo histórico se dê, o Eterno contrai espaço-temporalmente sua justiça executora.

Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento. Caso o Eterno, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres do ser humano, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que o Eterno por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele.

O Eterno dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce das correlações liberdade e comunhão e liberdade e alienação. A polaridade alienação versus comunhão não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que o Eterno tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a alienação.

Podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21 a partir da compressão do conceito de alienação. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas alienado. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se. A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita a metanóia. Ou, conforme diz Deuteronômio, o Eterno coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Eterno e errarão o alvo se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28).

Assim, só o Eterno é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la. Essa graça, oriunda do Eterno e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história. Por isso, Paulo diz que o Eterno fica de humor transverso com a alienação que distancia, mas segura as pontas com calma, por saber que a alienação é fruto da sua valência e, diante da alienação que aproxima, também obra sua, Ele expressa alegria. (Romanos 9.22-23).

Essa leitura da liberdade entregue ao ser humano é importante para a teologia, pois ao dizer que as pessoas e as comunidades humanas podem agir à margem daquilo que o Eterno desejaria para a humanidade, apresenta a violência, a guerra e os genocídios como frutos da opção e ação humanas. E o teólogo pode, então, analisar porque os profetas clamam e apontam às sociedades o caminho do Reino, embora estas possam escolher os seus próprios caminhos. O campo de concretação de Auschwitz, sob o nazismo, e os genocídios contemporâneos são, então, passíveis de estudo. Mas a nossa leitura coloca, também, para as comunidades de fé, o clamor profético e o desafio de expandir o Reino.

Em relação à alienação, o ser humano herdou de Adão a inclinação para o mal e, como consequência, a possibilidade crescente de errar o alvo, mas não a culpa. Os seres humanos são alienados porque separaram razão e coração e erram o alvo porque são alienados. E em relação ao processo de libertação, a morte do Cristo abre as portas da comunhão, mas não assegura a libertação plena, pois esta só será definitiva se a pessoa não desistir da corrida.

Paralelo ao pensamento hebraico, a cultura grega apresentou uma rica leitura do conceito de destino, que relaciona alienação e hamartia. O conceito destino nasceu da reflexão de que os deuses são imortais porque o humano está situado entre a finitude existencial e a infinitude potencial. Para os gregos o destino era finitude existencial, e esse é o tema da tragédia grega e da busca da superação filosófica, principalmente de estóicos e epicuristas. Era uma tentativa de colocar o humano acima do destino que o distanciava de seu ser, transformando-se em poder destrutivo que envolveu o mundo helênico em culpa e julgamento.

Um exemplo dessa leitura, que nos interessa para a construção de uma compreensão teológica da alienação, seria o arrazoado que Pedro, o apóstolo, fez em sua segunda epístola, ao dizer que a graça não tem limites, pois o Eterno não retarda a sua promessa, como alguns afirmam, por julgá-la demorada, mas por ser paciente. Ele não escolheria a danação eterna de pessoas, ao contrário, desejaria que todos chegassem à metanóia, ou seja, fizessem o caminho de volta à liberdade e construíssem comunhão.

Dessa maneira, a graça tem eficácia ilimitada, mas há uma chave para que a função graça seja plenamente exercida. E essa chave é: chegar à metanóia. Dessa maneira, o sacrifício de Cristo, que é graça plena e universal, deve ser somado à metanóia, produzindo então a libertação. Ou seja, graça plena mais metanóia é igual à libertação. E o sacrifício do Cristo sem a metanóia, produz justiça. Ou seja, o valor da cruz não é limitado, mas sim sua aplicação. E a preparação da pessoa e das comunidades humanas para a graça tem o julgamento livre no âmbito da existência como movimento e o Eterno como móvel.

Essa preparação pode ser pensada como movimento que parte, enquanto universalidade, da liberdade humana em direção à especificidade que tem o Eterno como móvel e implica em graça determinada pelo Eterno, embora não seja proveniente da coação, mas do seu pleno conhecimento, porquanto a intenção do Eterno não pode deixar de ter efeito.

Por isso, podemos falar da universalidade da graça, presente na comunidade humana, e na especificidade da graça, que infalível segue a boa vontade humana. Mas esse movimento é dialético, pois, quando olhamos da perspectiva do humano, ele parte da universalidade, mas se olharmos da perspectiva divina parte da especificidade. Ou seja, universalidade e especificidade são termos relativos, que se complementam na plenitude da graça. Por isso, liberdade, eleição e graça fazem parte de uma dança permanente, onde cada conceito implica na existência do outro e nenhum tem existência independente, mas criam uma unidade/diversidade correlacional plena e necessária.

Todas as pessoas e comunidades humanas realizam suas existências dentro desse processo, fazem parte dele, o que significa dizer que existência, liberdade e graça fazem parte da história humana. O Eterno mobiliza o processo em direção à especificidade, com base no seu conhecimento da fé e da perseverança de cada pessoa e das comunidades humanas, mas conhece e aceita o sentido da universalidade humana. Esta seria a leitura do texto de Pedro, quando disse que no meio do povo surgiram falsos profetas que introduziram doutrinas destruidoras, a ponto de renegarem o Eterno que os resgatou.

Na teologia paulina, enquanto diálogo das concepções do apóstolo com o mundo helênico, principalmente em sua carta aos Romanos, alienação/destino é o tempo favorável que triunfa sobre o espaço. O caráter do tempo propício à liberdade substituiu o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir dessa compreensão, destino traduz aproximação, e apresenta novas possibilidades de construção da liberdade no tempo e na história.

Antes, a filosofia confrontava-se com a inspiração dos poetas, mas, a partir de Paulo, a revelação apodera-se da filosofia. Assim, o destino que distanciava foi questionado pelo pensamento paulino: “aquele que não era meu povo será chamado de meu povo, e aquela que não era amada passou a ser amada”. (Romanos 9.25). O transitório e perecível perdeu importância e a idéia da construção da existência enquanto tempo favorável foi tomando forma.

Mas voltemos um pouco atrás, para entendermos esse processo. Dentro da visão paulina, que traduz o pensamento cristão palestino, alienação/destino, no sentido de que os limites são potencialmente ilimitados, é a lei na qual surge o conceito de liberdade. Assim, alienação/destino correlaciona conceitos, porque a alienação está sujeita à liberdade; porque alienação significa que a liberdade também está sujeita à lei; e porque alienação significa que liberdade e lei são complementares e interdependentes.

Analisando o conceito cristão palestino de alienação/destino -- exposto por Paulo em sua carta aos Romanos -- podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e leis se encontram entrelaçadas. Para Paulo, assim como para a tradição judaica, lei é imposição de limites. Por isso, a alienação é um estado que surge da correlação entre lei e vida, porque se o julgamento é inerente a tudo na existência, também o é a liberdade.

Assim, a certeza de que a alienação/destino é propícia e tem significado realizador e não destruidor, é a peça chave do pensamento de Paulo, que coloca o sentido da vida acima do destino. Ao fazer isso, Paulo está dizendo que a compreensão do destino não está ao alcance da razão humana, mas o sentido da vida traduz a imortalidade potencial do humano.

Quando o humano faz a defesa do sentido incondicional da vida deixa de temer a ameaça da alienação/destino que distancia, e aceita o lugar que cabe à alienação enquanto estado da existência. Reconhecemos, então, que desde o princípio vivemos num estado de alienação e que sempre desejamos nos livrar dela, mas nunca conseguimos. Mas nessa análise da alienação cabe relacionar sentido de vida e tempo. O sentido de vida deve envolver as leis universais, a plenitude do tempo e a própria existência. E quando o sentido de vida alcança a existência, penetra no tempo e faz da alienação, aproximação.

É necessário, porém, entender que a consciência parte da alienação e que o reino da existência só é acessível ao conhecimento liberto da alienação que distancia. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, o humano possui potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu destino. Quanto maior a potencialidade humana – que cresce na medida da expansão do sentido da vida – maior será sua consciência de destino.

O destino humano, que nasce da alienação, aponta para o sentido da vida que emerge das crises e desafios. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido paulino de prokeimai, estar colocado, ser proposto, e o de nossas comunidades, tanto mais livres seremos.

Assim, a liberdade humana se dá na existência, enquanto realidade condicionada pela materialidade. A liberdade entende-se como correlação entre lei e sentido de vida. Quando Hegel afirmava que a liberdade é a consciência da necessidade, como fez questão de mostrar Marx, cometia um erro porque descartava a realização da liberdade. É por isso que Marx dirá que liberdade é práxis. Ora, para Marx, práxis é consciência da necessidade somada à ação transformadora. Ou seja, consciência da lei diante do estado de alienação que distancia é mudança radical, é ação transformadora da vida.

Lehatati, hamartia, peccatu é um fazer. Em relação ao imediato transforma-se em estado e no que se refere à espécie humana é um domínio. Lehatati, hamartia, peccatu acontece quando minha liberdade é desafiada, quando ela é chamada a surgir como feitura humana. Nesse sentido, lehatati, hamartia, peccatu não se apresenta sem agente moral, sem liberdade. Toda vez que realizo minha liberdade a lei está presente, pois lehatati, hamartia, peccatu é um contra-tipo da liberdade.

Por isso, só podemos responder à alienação que distancia reconhecendo que lehatati, hamartia, peccatu é feitura minha e de minha espécie, e que devo promover a ruptura desse fazer através da ação de expansão do sentido pleno da vida. Ao nível do pensamento, do sentimento, da vontade e da ação -- pois a alienação que distancia é o que não devia estar -- devemos exercer uma ética radical de defesa da vida e de seu sentido, de combate ao estado de alienação na vida de pessoas e comunidades.

Em 1970, Manuel Ballestero publicou em Madri, pela Siglo XXI, La Revolución del Espíritu (Tres pensamientos de libertad), analisando o caráter radical da liberdade no pensamento de três gênios da modernidade: Nicolas de Cusa, Lutero e Marx. Ballestero diz que sua preocupação residiu em analisar o projeto de liberdade desses três pensadores, sabendo que a autonomia e o ato livre são concebidos de maneiras diferentes e mesmo antagônicos, embora existam, no contexto da obra dos três, analogias de fundo. E essas se referem ao fato de que liberdade poderia significar a abolição da lei, o colapso da determinação exterior, e não o comportamento que se adequou aos limites da ordem. Assim, segundo Ballestero, Cusa, Lutero e Marx olham a liberdade como a destruição da ordenação exterior e anterior ao próprio ato livre.

Os ensaios mostram que a revolução teórica empreendida por Cusa e Lutero não foi gratuita, nem produto de um simples ato ideal, mas se enraizou no tecido histórico do movimento de decomposição global da formação social pré-capitalista. Cusa e Lutero clamaram por essa destruição. Sem entrar nos detalhes das mutações vividas no século dezesseis, com a ruptura do equilíbrio cidade/campo, o surgimento das manufaturas e a consolidação do sistema de trabalho assalariado, vemos que a alienação que distancia da condição humana na incipiente sociedade capitalista foi percebida por Cusa e Lutero: a liberdade do sujeito se dá como dor.

Mas ambos consideraram essa subjetividade liberada pelo início da arrancada capitalista como desequilíbrio. Assim, tanto Cusa quanto Lutero partiram do distanciamento nessa subjetividade alienada do nascente capitalismo, considerando que deveria ser superada para que o sentido da vida florescesse. Aí, então, teríamos o fim da não-essencialidade do sujeito alienado e a inserção deste na totalidade objetiva. Mas isso não poderia acontecer sem a transformação dessa realidade objetiva em realidade plena de vida, que sustenta o humano. Dessa maneira, para os dois pensadores, o sentido da vida constrói num nível superior o universo anteriormente negado.

O jovem Marx, seguindo os passos de Hegel, partiu dessa discussão. Para ele, a religião era a realização imaginária da essência do humano, mas essa essência não tem realidade alguma. De todas as maneiras, há um ponto de interligação nessa perspectiva: a liberdade como abolição da legalidade, como coincidência do momento subjetivo com o momento objetivo e como responsabilidade maior do ser humano.

Para Lutero, o humano existe como estrutura ontológica dual. Sua conceituação partiu da ansiedade teórica do século dezesseis, mas traduziu-se em superação da subjetividade alienada. O humano pleno do sentido de vida é senhor de todas as coisas, não está submetido a ninguém e esse senhorio radical é produto da vida em plenitude. Sua liberdade transforma a subjetividade alienada em realidade objetiva. Nesse sentido, o caráter da liberdade do humano pleno do sentido de vida se dá como processo: morre o imediato, o alienado, e tem início a construção de uma segunda natureza.

A liberdade surge como deslocamento do humano alienado, como distanciamento crítico daquilo que foi naturalmente dado. O primeiro momento da liberdade parte de uma concepção trágica, porque o senhorio num primeiro momento implica em servidão, criando tensão e luta. “É necessário desesperar-se por você mesmo, fazer com que você saia de dentro de você e escape de sua prisão” (Lutero, Les grands écrits, p. 259). Mas superada a tensão, temos a liberdade enquanto sentido pleno de vida, uma dimensão de combate.

Os humanos são chamados a superar a alienação, ter a liberdade que vai além, a liberdade que é construída na expansão do sentido pleno da vida. E, assim como Paulo, devemos saber que morte ou vida, anjos ou governos, coisas presentes ou futuras, poderes, altura ou profundidade, ou qualquer criatura não poderá nos distanciar do amor do Eterno, que está no Novo Ser, o Senhor.
























mercredi 30 décembre 2020

Mission et haute modernité

Mission et haute modernité

Lectures de The Monstrosity of Christ, de Slavoj Zizek et John Milbank


A monstruosidade de Cristo

Slavoj Zizek, John Milbank

São Paulo, Editora Três Estrelas, 2014


Jorge Pinheiro, PhD

 

Le livre de Slavoj Zizek et John Milbank, "The Monstrosity of Christ, Paradox or Dialectic", édité en 2009, rapporte un dialogue entre Zizek et Milbank sur la possibilité d'un matérialisme chrétien, sur la question de la divinité de Jésus, c'est-à-dire l'incarnation de Dieu et la lecture orthodoxe, on pourrais dire Milbank semble thomiste en défendant le scandale de l'incarnation dans l'Ontologie.


À propos de l'introduction

« Deux ou trois choses » … 


En 1967, Jean-Luc Goddard a réalisé un film inspiré d'un article sur les ménagères d'un lotissement dans la banlieue de Paris, qui se prostituaient pour alimenter une consommation superflue. Le titre du film – « Deux ou trois choses que se sais d’elle » -- se réfère à Paris dans les années 60, un portrait de la société de consommation au milieu de la pauvreté des masses et de la tragédie de la guerre du Vietnam. Dans cette étude sur la Missiologie et la Haute modernité, dans une lecture de Slavoj Zizek et John Milbank, je veux parler de deux ou trois choses qui découlent de cette discussion.


Une telle approche, comme l'amour de Goddard pour ce Paris, part également du cœur: elle est personnelle et émotionnelle et est née chez un jeune juif marxiste militant qui, plus tard, à l'âge de 37 ans, a reconnu le Messie attendu dans le rabbin de Nazareth. Et c'est précisément cet itinéraire de la vie et de la théologie qui me conduit à sympathiser avec le matérialisme chrétien pensé par Zizek.


Dans cette réflexion, je distinguerai trois choses, lorsque nous abordons la mission et la haute modernité, dans une lecture de la Monstruosité du Christ. Tout d’abord, dans la mission coloniale et euro-centrique on confond mission avec le verbe aller. Maintenant, dans la haute modernité de chaos et de crise, il devient nécessaire de penser la mission avec le verbe recevoir. Deuxièmement, dans la modernité, la logique de l'expansion coloniale et euro-centrique était la dialectique. Mais dans cette haute modernité, nous sommes appelés à penser l'analéctique. Et comme troisième chose que je pense à cela, c'est que dans la modernité, le Christ était le Logos de l’apôtre Jean, mais dans cette haute modernité, le Christ doit être compris comme un ana-logos.


Maintenant, ces trois perceptions permettent des lectures critiques de livre :   Monstruosité du Christ, dans une confrontation entre le paradoxe et la dialectique et soulèvent des préoccupations qui doivent être prises en compte lorsque en pense Mission et Haute Modernité.


En tant que juif qui n'a accepté le Messie qu’à la maturité, j'ai vécu et vivais la « monstruosité » de l'incarnation. Comme tous les non-chrétiens qui pensent au christianisme, qu'ils soient musulmans ou juifs. Et cette monstruosité de l'incarnation, Dieu / homme, homme / Dieu, ne se contente pas de défier Zizek, elle est présente dans le monde de la haute modernité et concerne aussi les exclus et les expropriés du tiers-monde.


Quand nous pensons à la Missiologie en Amérique latine, nous avons des éléments pour analyser le cri des exclus et expropriés à partir du concept de l'Autre. Et en faisant cela, en lisant le Même - que vit dans l'auto-fermeture, l'autosuffisance, l'ethnocentrisme et l'absence d'acceptation de l'Autre, n'accepte pas l'altérité.


L'ontologie, des Lumières, ou plutôt de Hegel et c'est l'un des problèmes de l'approche thomiste de Milbank, n'était pas basée sur la relation de personne à personne, mais sur la relation sujet-objet. Cette ontologie d'une personne a mené au discours solipsiste, où il n'y a pas de place pour l'Autre, puisqu'il s'agit du non-être et de la négativité. Le regard européen a été placé sur la supériorité par rapport à l'autre, externe, primitive et subalterne, ce qui a conduit à la colonisation et à l'expropriation de vies. Cette situation avait une justification missiologique: l'autre est vêtue de l'impersonnalité de l'ennemi, de l'étranger, de l'inférieur. Par conséquent, il n'y a pas de problème s'il est exterminé, car cet autre est hors de la totalité. Ce qui n'ajoute rien et qui ne rétrécit pas la totalité.


Ce mal est transmis de génération en génération. La pratique historique gagne le caractère de la loi. Par conséquent, même si elle est injuste, l'exploitation devient légale. La légalité ne peut pas être le fondement de la morale (Dussel, 1977: 85). Toutes les pratiques équitables doivent aller au-delà du pré-établissement, de l'ontologie de la totalité, au-delà de l'ordre juridique actuel. L'origine d'une morale équitable n'est pas dans le même, mais dans l'autre, c'est pour ça que la pratique qui en a résulté du même est une pratique aliénante, dominante et oppressive.


À la fin des années 60, à partir de la prise de conscience que la dialectique limitait la formulation d'une théologie du praxis, Enrique Dussel et Juan Carlos Scannone cherchaient une expansion qu'ils appelaient analéctique. L'expression, selon les chercheurs du travail de Dussel comme Euclides André Mance, a été inventée par B. Lakebrink (Mance, 1994) et traduit une relecture de l'analogie thomiste. Mais Juan Carlos Scannone a été le premier à utiliser le concept en opposant la totalité et l'altérité en disant que « ce processus, plus que dialectique, pour le distinguer de la dialectique hégélienne, je l'appelle analéctique » (Scannone 1974: 256).


Ainsi, Dussel et Scannone ont cherché une alternative à la dialectique hégélienne et marxiste classique. Ce qui était possible par l'affirmation de l'existence d'une portée anthropologique alternative au-delà de l'identité de la totalité, qui a ouvert la possibilité d'une fondation de la fondation, cessant d'être tel qu'il se distingue tel que fondé (Guldberg, 1983: 236). Plus tard, Dussel dira que leur méthode est partie de Levinas, mais qui a été comme contexte de la réalité latino-américaine. Le principe a été formulé comme une lecture éthique de la libération latino-américaine, mais quand on a défini l'éthique comme philosophie première, l’analéctique devient, en Dussel, une compréhension correcte d'une philosophie latino-américaine de la libération.


En 1976, les théologiens réunis à Dar-er-Salam ont déclaré que la méthode interdisciplinaire en théologie, et par extension la missiologie, doit tenir compte de l'interrelation entre les théologies et l'analyse politique, psychologique et sociale. Quand on affirme que la Création est fondamentalement bonne et que la présence de l'Esprit dans le monde et dans l'histoire est continue, il est important de garder à la pensée que le mal se manifeste dans l'aliénation de l'être humain dans les structures socio-économiques. Les inégalités sont diverses et ont de nombreuses formes de dégradation humaine, et nécessitent donc de comprendre l'Évangile et faire « un nouveau puits pour les pauvres » (Dar-er-Salam, 1976, thèse 32). Ce sont précisément ces lectures qui nous amènent à formuler un terme de missiologie ce que nous appelons libération.


En Amérique Latine Dépendance et Libération, Dussel déclare que dans le passage diachronique, d'entendre le mot d'un autre à l'interprétation correcte, on peut voir que le moment éthique est essentiel à la méthode. Ce n'est qu'avec l'engagement existentiel, en libérant la praxis en danger, peut-on accéder à l'interprétation, à la conceptualisation et à la vérification de la révélation du monde de l'autre (Dussel 1973: 121). De cette façon, seule la pensée européenne a apparemment placé la théorie avant la praxis, puisque « je colonise », le « je conquis » précède l’ « ego cogito ». L'exploitation et l'oppression ont créé les conditions historiques à partir desquelles est née une missiologie de la justification et du paradoxe, une fausse conscience de la réalité. La praxis de la domination formait la subjectivité du conquérant : le moi moderne est impérial, libre et violent. La pensée euro-centrique et son extension américaine dissimulent la notion émancipatrice de la modernité en tant que sortie de l'état de minorité. Cela reflète la justification de la praxis de la violence par des cultures qui s'entendent comme développées. Cette supériorité a imposé un processus civilisationnel à sens unique.


Zizek 1

Les fragments subjectifs retournent à l'être


Une affirmation de Zizek - « Nous devons, d'un point de vue matérialiste radical, penser sans crainte aux conséquences du rejet de la ‘réalité objective’ : la réalité se dissout en fragments ‘subjectifs’, mais ces fragments sont en être anonyme, en perdant sa consistance subjective » (Zizek, Milbank, 2014 : 140), nous ramène à la question du paradoxe.


L'évitement de la réalité et d'une lecture matérialiste du Christ, de l'ontologie du paradoxe, nous amène à la phrase proposée par Tertullien de Carthage, écrivain chrétien du IIIe siècle, "credo quia absurdum!", je crois parce que c'est absurde.


Cette absurdité paradoxale frappe le concret et nous appelle à plonger dans l'immensité du divin / humain. Et pour fermer les yeux et dire comme un Juif nommé Shaul, qui s'appelait Paul le petit : « Les Juifs demandent un signe, et les Grecs ont de la sagesse. Mais nous prêchons le Christ crucifié, qui est un scandale pour les Juifs, et une folie pour les Grecs ».


L'absurdité, le scandale, le paradoxe ... tout comme le fondement de la foi, la même foi qui justifie Abraham au milieu de la folie d'un père qui doit sacrifier le « fils de la promesse ». Par conséquent, la foi cesse d'être l'émunah hébreu, qui définit la position militaire, et devient un paradoxe. Pas d'illusion ni de rêverie, mais la folie de la confiance dans le divin, puisque nous ne pouvons pas comprendre.


Comme Paul Tillich, héritier de Hegel et du jeune Marx, la praxis est la médiation entre l'ontologie et la réalisation de la réalité. Cette corrélation, qui pour Tillich deviendra une méthode, est la recherche de surmonter les dialectiques antérieures, qui ont traité de la connaissance de l'être et de ses manifestations en dehors de la praxis historique. Nous devons, dans cette discussion sur la Mission et la Haute Modernité, faire ce passage en construisant une logique qui ne sera ni hégélienne ni marxiste au sens classique, mais cherchera à corréler l'ontologie, la logique et la méthodologie dans la dynamique de la praxis missiologique.


Cette corrélation avec l'extériorité caractérise la mobilité de la missiologie de la libération qui, par conséquent, sera une missiologie de la praxis. Il développe donc la voie de la corrélation entre l'extériorité et l'ontologie face à la dynamique de la praxis, traitant les formulations de méthode qui accompagnent la superposition des horizons ontologiques. De cette façon, il place l'affirmation de l'extériorité comme une source antérieure aux exigences de l'ontologie, ce qui conduit à une intersection commune : l'éthique.


La mission dans la haute modernité doit être construite à partir de deux approches, l'Autre comme révélation d'un mystère incompréhensible de la liberté et de l'Église comme une infrastructure qui dénonce le pouvoir d'exclure. Et ainsi, la foi est née de l'acte d'intelligence, c'est une façon de voir. Qui ou quoi dépasse-t-il vraiment ce que l'on voit, qui va au-delà de ce qu'on voit? Tout d'abord, l'espoir que l'Autre se révélera concrètement. Et c'est la possibilité de la production et de la reproduction de la vie qui dépasse la vue du visage. Ainsi, la missiologie de la libération signifie penser à un Autre, mais à un Autre qui se révèle dans l'histoire, qui se révèle par l'Autre, qui est le mystère incompréhensible de notre liberté. Croire à la révélation de l'Autre est de comprendre le sens de l'histoire.


Pour que la mission soit libérée, il faut découvrir la signification du présent historique. Et cela dévoile le sens du présent historique s'appelle la prophétie, la parole. Mais pour parler devant qui ? Dans la modernité, ce parler devant, nous a conduit à la lecture formelle d'aller. Nous devrions aller, parler devant. Bien sûr, la prophétie doit parler de la signification des événements présents à travers la vie chrétienne (Dussel, 1985 : 15), dans cette haute modernité du chaos et de la crise, le défi est de ne pas aller, mais de recevoir. Nous vivons dans la localité mondiale, nous ne sommes pas appelés à aller, mais à recevoir, parce que les exclus et les expropriés sont parmi nous, avec nous. Ainsi, contre la logique qui n'accepte pas l'extériorité, la mission dans la haute modernité est de recevoir et de vivre la réalité de la foi sur le terrain de la vie (Golfe, articles).


La mission libératrice reconnaît la vie du point de vue analéctique : où l'Autre se présente comme une altérité, parce qu'elle éclate comme étrange, différente, exclue, qui est en dehors du système et appelle à la justice.


Et Dosse (2012) quand parle de « Le socius et le prochain » de Ricoeur (1954) dit que « il envisage toutes les conséquences à tirer de l’inversion pratiquée par Jésus en considérant que le prochain est d’abord une rencontre avec autrui, une attitude, un comportement, une action, une praxis ».  


L'activité missiologique est une activité de confrontation qui concerne avec des personnes qui savent qui il faut interpeller, et ne pas se présenter comme spectateurs passifs.


L'analéctique est une contribution à la question méthodologique, qui part de l'extériorité, qui est réelle en raison de l'existence de la liberté humaine, capable de constituer d'autres histoires, d'autres cultures et d'autres mondes. La logique hégélienne et, par extension, la dialectique n'atteint pas l'horizon du monde, elle englobe l'Autre et l'annule dans son altérité. Mais, au-delà de l'identité divine et au-delà de la dialectique ontologique de Heidegger, il y a un moment anthropologique qui affirme une nouvelle façon de penser la missiologie.


L'analéctique est le fait que l'être humain, la communauté ou les gens sont toujours situés au-delà de l'horizon de la totalité. Le moment analéctique est le point de soutien pour les nouveaux développements. Cependant, le point de départ du discours méthodique est l'externalité de l'Autre. En alternative à la dialectique qui fonctionne avec contradiction, identité et différence, le principe n'est pas celui de l'identité, mais de la distinction. Le moment analéctique suit une séquence, la totalité est remis en question par l'interpellation provocante de l'Autre. Écouter sa parole est avoir une conscience éthique, accepter le mot d'interpellation de la personne qui parle ; pour l'interpréter correctement (Dussel, 1980 : 163-164). C'est se lancer dans la praxis des exclus et des expropriés.


Depuis le XVIe siècle, l'Amérique latine a été un continent ontologiquement opprimé par une « volonté de pouvoir » exercée dans le monde entier par l'Europe. La « volonté de pouvoir » est un pouvoir qui critique non seulement les valeurs établies, mais propose de nouvelles, propose des valeurs en totalité du côté dominant de la bipolarité. L'Amérique latine a donc l'idéal d'être européenne.


Dans l'analéctique, il devient nécessaire d'accepter éthiquement l'interprétation du cri et la médiation de la praxis. Cette praxis est constitutive, une condition de la possibilité de la compréhension : elle se traduit par l'adoption de l'extériorité, lieu de l'exercice de la conscience critique. Sans le moment analéctique, la méthode peut être considérée comme scientifique, mais elle est réduite au facteur naturel, logique ou mathématique.


Le moment analéctique est l'affirmation de l'extériorité : ce n'est pas seulement la négation de la négation du système par l'affirmation de la totalité. C'est le dépassement de la totalité à partir de la transcendantalité intérieure ou de l'extériorité de celui qui n'a jamais été à l'intérieur. Le moment analéctique est critique pour cela : c'est le dépassement de la méthode dialectique négative, mais il ne le nie pas, car la dialectique ne nie pas la science, l'assume simplement et la complète, lui donne sa juste valeur. Affirmer l'extériorité est de réaliser l'impossible pour le système, l'imprévisible pour la totalité, ce qui découle à partir de la liberté inconditionnelle et innovante (Dussel, 1980 : 164-165). Ce n'est que par de l'analéctique que l'on peut se compromettre avec l'autre, au point de risquer sa vie dans la lutte pour la libération de cet autre, en plus de permettre la justice du système. En conséquence, l'analéctique est pratique : c'est une économie, une érotique, une pédagogie et une politique qui visent à la réalisation de l'altérité humaine, une altérité qui n'est jamais solitaire, mais l'épiphanie des gens, des genres, des croyances, d'une génération, d’un temps et de l'espèce humaine (Novoa, 2001 : 151-152).


La question pédagogique n'est pas abordée par Heidegger parce qu'il pense que le « être dans le monde » ne provient que de l'homme. Mais il a oublié que celui qui donne un sens à mon monde est l'autre. C'est dans le processus pédagogique que mon monde est organisé. Quand je me trouve dans un autre, je me trouve à nouveau.


L'analéctique n'est donc pas une théorie pure comme la science et la dialectique, mais elle est pratique, car son essence constitutive est l'éthique. S'il n'y a pas de praxis, il n'y a pas d'analéctique, car la pratique - la relation personne / personne - est la condition pour comprendre l'autre et exercer la plénitude de la conscience critique devant le système. Le moment clé de la lecture analéctique est de savoir comment écouter, de savoir être disciple de l'autre, pour l'interpréter : c'est s'engager dans sa libération. Cela implique de vaincre la totalité ontologique divinisée, de descendre de l'oligarchie académique et culturelle, de s'exposer aux exclus et expropriés par le système.


Zizek 2

Le logos, le fondement de la raison ?


En citant le pape Benoît XVI de manière critique, Zizek dit : « Le pape a condamné la ‘ laïcité sans Dieu ’ dans laquelle le don divin de la raison a été mal représenté dans une doctrine absolutiste. La conclusion est claire : la raison et la foi doivent ‘ se réunir d'une autre manière ’, en décrivant leur point commun dans le Logos divin, et c'est pour ce grand Logos, pour cette ampleur de la raison, que nous invitons nos partenaires dans le dialogue entre les cultures ». (Zizek, Milbank, 2014 : 116).


Dans sa réflexion sur le dépassement des totalités ontologiques à partir de l'ouverture à l'altérité, Dussel affirme qu'un tel dépassement se produit avec la métaphysique, comprise au-delà de la totalité ou au-delà de la fondation. Et il le fait parce que la métaphysique n'est pas seulement ontologique, mais fonctionne à travers la découverte d'un plus au-delà du monde. Et comme en grec, " ana " signifie plus loin, et " logos " signifie mot, analogue prend le sens du mot qui éclate dans le monde au-delà de la fondation. La méthode ontologique-dialectique atteint la fondation du monde à partir d'un avenir, mais elle est devant l'Autre comme un visage de mystère et de liberté, d'une histoire distincte mais pas différente (Dussel, 1977 : 117-138). Par conséquent, lorsque le Logos éclate comme interpellant, il cesse d'être paradoxal, il est analogue.


La dialectique est un à travers. Dans le Logos, un premier moment surgit du mot interpellant, au-delà du monde - c'est le point de soutien de la méthode dialectique, qui passe de l'ancien ordre au nouvel ordre. Ce mouvement d'un ordre à l'autre est dialectique, mais c'est l'Autre exclu et exproprié qui est en fait le point de départ. L'analéctique est le Logos qui va au-delà. La lecture analéctique provient de cet Autre et avance dialectiquement, il y a une discontinuité qui résulte de la liberté de l'Autre. Cette méthode prend en compte le mot de l'Autre comme autre, met en dialectique toutes les médiations nécessaires pour répondre à ce mot, s'engage par la foi-positionnement dans le mot historique et toutes ces étapes, en attendant le jour où il peut vivre avec l'Autre et penser sa parole (Dussel, 1977 : 127-128).


Les antécédents de l'analéctique ont été posés par les post-hégéliens et Levinas, non par les philosophes modernes, ni par Heidegger, car ils comprennent tout dans la conception de l'être. Mais les vrais critiques de la pensée euro-centrique sont les mouvements de libération du tiers-monde, parce qu'ils écoutent l'autre, les non-européens qui ont été exclus et expropriés. Pour cela, ce qui est au-delà, la dialectique n'est pas suffisant. Il est nécessaire  l'analéctique, capable de ne pas voir mais d'entendre le mot critique de l'autre, capable d'éveiller la conscience éthique et d'accepter ce mot, par respect et foi-positionnement de l'Autre, dont l'interpellation n'est pas interprété correctement parce que sa fondation transcende notre horizon (Novoa, 2001 : 151-152). Nous partons de la critique de Levinas, mais dans Levinas l'Autre est un autre résumé, passif. Levinas est restée au milieu de la route, car il a une pédagogie, mais il manque d'une politique : il n'a jamais imaginé que l'Autre puisse être musulman. Sa méthode est épuisée au début. Par conséquent, il faut aller au-delà de Levinas et, bien sûr, au-delà de Hegel et Heidegger, au-delà de cela parce qu'ils sont ontologues et au-delà de Levinas par lui pour rester dans une métaphysique de la passivité et de l'altérité équivoque (Dussel, 1977 : 130).


Zizek 3

Les théologiens sont les vrais athées


« Il n'y a pas de preuve - et il ne peut y en avoir - que Dieu existe. Plutôt, que d'être motivé par la preuve, le croyant est motivé par le désir que Dieu existe. Ceci, cependant, est la meilleure preuve que Dieu n'existe pas, car nous ne pouvons que souhaiter qu'existe ce qui n'existe pas. Le théisme est la meilleure preuve de la non-existence de Dieu. Ceci, encore une fois, est ce que Lacan affirme effectivement : les théologiens sont les seuls athéistes vrais ». (Zizek, Milbank, 2014 : 384).


Après « La question juive », Marx fait la critique économique du christianisme. Cette critique s'adresse aux églises, car pour Marx elles sont l'expression de la misère. Mais il critique aussi la religion quand il analyse le « fétichisme marchand », car la lecture religieuse du monde réel ne disparaîtra que lorsque les conditions de vie actuelles disparaîtront. Mais pourquoi ? En quoi consiste cette lecture du monde réel ? Parce que le regard religieux voit l'existence séparée des rapports construits par les êtres humains. Mais cette existence indépendante des relations sociales, cette existence non-réelle, est un reflet d'un autre réel. Cette division entre l'apparence qui cache l'existence et dissimule la réalité est le phénomène du fétichisme. Le fétichisme de la marchandise, un mode de fétichisme étrange, consiste en ceci : il cache le caractère social du travail et se manifeste comme s'il s'agissait d'un caractère matériel des produits du travail lui-même. C'est-à-dire, par rapport à la marchandise, il en va de même dans le monde de la religion, la réalité est séparée, aliénée, des relations de travail, de l’essentiel concret et de son produit, créant une réalité apparente, comme si la valeur de la marchandise appartenait par droit à sa propre structure indépendante.


Une missiologie de la libération est une éthique de la vie. Il y a ici un passage de raison stratégique, en tant que domaine stratégique des forces sans sujet, vers la raison libératrice, située au niveau de la microphysique du pouvoir. Et je comprends cette question à partir des barricades de mai 68. Est-ce que la raison libératrice, donnée comme une synthèse de l'action critique-déconstructive, d'abord, puis d'adopter l'action constructive de règles, de sous-systèmes et de systèmes complets ? Est-ce que la raison libératrice a de l'élément qui n'est pas une raison instrumentale, mais une raison de médiation au niveau pratique ? Si la raison libératrice vise une fin réussie, il faut comprendre que, comme raison critique, cette fin est une médiation de la vie humaine elle-même, en particulier lorsque les exclus et les expropriés participent à cette action.


C'est à partir des exclus et des expropriés en tant que participants que la raison critique stratégique accomplit l'action transformatrice. Mais qui est ce sujet des transformations et comment la mission est-elle articulée avec ce sujet historique ? Maintenant, la mission est la conscience éclairée du christianisme. Agir mission peut provenir d'une église étrange pour les exclus et expropriés, mais elle s'accroche au cri de la vie non pas par des sentiments forcément religieux, mais pour aller au delá. Pour cette raison, la mission est toujours exposée aux oscillations opportunistes, parce que elle ne perd pas le lien idéologique avec le terrain maternel et son messianisme.


Mais la mission libératrice n'est pas seulement une raison stratégique qui cherche à atteindre les fins que la tactique et les circonstances imposent. En fait, vous n'avez pas les mains libres. En ce qui concerne la mission libératrice, en ce qui concerne les exclus et les expropriés, le succès dépendra des conditions de possibilité, c'est-à-dire qu'il sera impossible de séparer la théorie et la pratique. Par conséquent, la missiologie de la libération doit pouvoir intégrer les principes énoncés dans le choix des fins, des moyens et des méthodes, qui conduisent à une praxis critique et positionnent l'Autre comme analogue.


Le système mondial dans cette Haute modernité de chaos et de crise, en rendant impossibles la production et la reproduction de la vie, va approfondir son chaos et sa crise en semant la famine, la maladie, la terreur et la mort. Les victimes sont ces milliards d'êtres humains dont la dignité et la vie sont détruites en permanence. La haute modernité et sa mondialisation ont conduit à un meurtre de masse et à un suicide collectif. Ce sont les chevaux de l'Apocalypse. C'est dans ce fétichisme du capital qui se présente comme un système performatif formel, où l'argent produit de l'argent.


C'est donc pour la mission libératrice d'élever une éthique en tant que ressource face à une humanité en danger d'extinction (Dussel 2000 : 574). À cette missiologie que nous appelons la libération, c'est la coresponsabilité de la solidarité qui part du critère de la vie par rapport à la mort, de marcher avec dignité sur le chemin de la frontière, entre les abîmes de la cynique irresponsabilité éthique devant les exclus et les expropriés et la paranoïa fondamentaliste.


Nous sommes ici devant le sujet historique qui pointe vers l'espoir eschatologique, qui s'ouvrira en allant au-delà de la haute modernité, où l'être humain exclu et exproprié non seulement du système, mais du droit à la production et à la reproduction de la vie, mèttra à l’ordre de jour la question de la révolution comme promesse eschatologique. Et la missiologie de la libération doit comprendre que cette action et cette posture ne nient pas l'analogue de Christ, mais qu'elle doit cesser d'être simplement une herméneutique théorique et se développer comme une présence qui sous-tend une transformation pratique, car cela ne se produit qu'au sens strict d'une éthique de la libération, non-fondamentaliste ni salvationniste.


C'est pourquoi la missiologie de la libération doit s'efforcer de présenter un principe universel : le devoir de production et de reproduction de la vie de chaque être humain. Ce principe est objectif et subjectivement nié par le système mondial et par la mondialisation.


En ce qui concerne les considérations finales

« Deux ou trois choses » …


Et je retourne à Goddard de « Deux ou trois choses que je sais d'elle », quand il cite le Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein: « Les limites de mon monde sont les limites de mon langage ». Mais alors, nous voyons Juliette traverser Paris et dire : « Mais le monde, c'est moi ».


Le langage et la personnalité, la mission libératrice va au fil du rasoir : d'un côté est le déni de la présence et de la réception de l'Autre et, d'autre part, le fondamentalisme pro-intégration. Par conséquent, la stratégie et la tactique doivent être basées sur des critères clairs et un principe général - le devoir de production et de reproduction de la vie - qui permettent de se conformer aux médiations existantes. C'est dans ce sens que recevoir, et tout ce qu'implique, rompt la discussion très moderne entre le paradoxe et la dialectique. Il n'y a pas de paradoxe parce que le Christ est analogue et la méthode est analéctique. Les objectifs stratégiques doivent être définis dans ces principes généraux, de sorte que, avec une faisabilité éthique critique, la mission peut nier les causes du déni de la victime. Il s'agit d'une lutte déconstrutive, qui requiert des moyens proportionnels à ceux contre lesquels la lutte se dispute.


Mais si, d'une part, la mission traduit une action déconstructive dans cette haute modernité du chaos et de la crise, d'autre part elle favorise les transformations constructives projetées dans l'esperance eschatologique. Et Dieu existe dans cet esperance et cette possibilité de production et de reproduction de la vie, et le Christ n'est plus une monstruosité ou un paradoxe, mais analogue. Et c'est dans ce sens que Dieu existe et le Christ est analogue, car ils sont projetés dans l'éternel maintenant, planifié, réalisé en progression, mais jamais totalement.


Bibliographie


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ZIZEK, Slavoj, O sofrimento de Deus, inversões do Apocalipse, Editora Autêntica, 2015.

__________, John Milbank, A monstruosidade de Cristo, paradoxo ou dialética, São Paulo, Editora Três Estrelas, 2014.


mardi 29 décembre 2020

Rascunhos de um pensar secreto

Tenho 75 anos, saudáveis até agora, mas 75 anos nos levam a pensar no trânsito em direção à eternidade. Donde, começou a contagem regressiva. As ideias que atualmente ocupam parte dos meus textos têm dois vetores, o papel da utopia socialista na minha vida e os demônios que infernizaram a minha juventude. Na verdade, penso a vida como uma novela, por isso meus textos tem dois personagens: eu mesmo e a utopia socialista. 
 
Quando falo utopia não estou menosprezando o sonho do socialismo, mas colocando-o num patamar de realização permanente, histórica e transistórica. Ou seja, vejo o caminhar permanente da utopia, sinto o seu cheiro, mas não necessariamente vou vivê-la como desejaria. E os demônios, seguindo Nietzsche, são os pecados da juventude que se tornam virtude na velhice. São os pesadelos que andam sempre ao lado dos sonhos. Nesse sentido, como qualquer texto biográfico, tais textos têm função de exorcismo. Exorcizar fantasmas e demônios e ficar com a utopia geradora de novos sonhos. Assim, penso a novela da vida enquanto uma trilogia esperada. É a minha história e a história da minha utopia, onde tudo o mais é cenário. É biografia, mas também ficção, pois sonhos e demônios devem ser personificados, interferindo na vida do autor e de seu sonho maior.
 
Quando falo da vida enquanto novela, gosto de pensar os anos de 1969 a 1973. Ou seja, minha militância no Movimento Nacionalista Revolucionário, o MNR, criado pelo então ex-governador Leonel Brizola, o primeiro exílio, a militância no Chile de Salvador Allende, a prisão depois do golpe de Pinochet e a condenação ao fuzilamento. Se levarmos em conta que fui para o paredón para ser fuzilado e hoje posso contar isso para vocês, é fácil entender os demônios da minha história.
 
Amo o Brasil. Não o vejo como país, mas como pedaço do sul das Américas, ocupado por diferentes etnias e culturas, que chamo de multiculturas brasilianas. Mas não posso esquecer o papel da França nesta novela. E aqui me lembro de Daniel Cohn-Bendit, um não-francês que marcou duas histórias, a francesa e a minha. Anos atrás, ele pediu às novas gerações para esquecerem o Maio francês. Tenho trabalhado bastante sobre esta questão. E, ao contrário de Cohn-Bendit, não nego a contemporaneidade de 1968. Ao contrário, agradeço  à eternidade por aquele kairós, enquanto esforço de ruptura com uma sociedade arcaica e sem sintonia com o novo que se avizinhava, e de construção de um socialismo democrático e revolucionário. 
 
Chamar o movimento de 68 de rebeldia juvenil é não entender a riqueza criativa do kairós histórico, é negar as lutas que partiram de estudantes e trabalhadores da França em direção aos EUA, Itália e Alemanha, e jogar no lixo as lutas entre o capital e o trabalho, as guerras do Vietnã, Laos, Camboja e as insurreições populares no Chile, Portugal e Nicarágua. Não tenho nostalgia, porque não situo minha ação no passado, mas no presente, enquanto ativista político-social que sou. O Maio francês abriu um novo momento na história do planeta e não se limitou à Europa. Espraiou-se pelo mundo. E minha vida política, quer no Brasil, no Chile, na Argentina e na Europa, esteve correlacionada ao Maio francês. Aprendi desde pequeno que não se cospe no prato em que se come. Cresci em relação à minha militância juvenil, mas isso não significa negar os momentos nobres e poderosos desta mesma militância nos anos 60 e 70.
 
Meu encontro teórico e de vida com o reformador marginal palestino, que é um ato de fé, de forma nenhuma implicou em abandono de minha consciência política. Nós, reformadores radicais, consideramos inalienável a liberdade de consciência e acreditamos que cada pessoa é livre perante à eternidade em todas as questões de consciência. Nesse sentido, sou um utópico: acredito que devo me posicionar a partir de uma ética da responsabilidade social. Isso implica entender o paradoxo da multicultura relacional brasiliana: vivemos num continente onde impera a moral autoritária do senhor, da casa grande e da senzala, e a moral libertária da contracultura – a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador, vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”, como disse Chico Buarque e Rui Guerra e cantou Ney Matogrosso, em 1979, chocando a classe média puritana da época. Por isso, qualquer atuação no campo social implica compreender esta realidade. Mas, consciente de que as sociedades devem se organizar através de relações democráticas, considero que as comunidades de fé têm como desafio embasar seu compromisso no imperativo proposto por Paulo, o apóstolo dos gentios, na justiça, paz e alegria. 
 
O reformador marginal palestino proclamou o reinar da eternidade, enquanto expansão do espaço-tempo de justiça, paz e alegria. É bem verdade que, muitas vezes, seus herdeiros deixaram de lado a proclamação deste imperativo e aceitaram de joelhos a tutela do príncipe deste mundo. Mas, para lembrar o envolvimento do protesto radical na transformação do mundo, vou me remeter à história da militância na Inglaterra dos séculos dezoito e dezenove. William Wilberforce e William Pitt foram nomes conhecidos na Inglaterra. Amigos desde a universidade, esses dois homens chegaram ao Parlamento no início dos seus vinte anos. Pitt elegeu-se primeiro-ministro e ganhou o apelido de "o jovem", para diferenciá-lo do pai, que também ocupara o cargo. E resolveu implantar um projeto político audacioso: acabar com o tráfico de escravos, liderado pela Inglaterra. Projeto difícil, pois a maioria dos parlamentares estava direta ou indiretamente ligada ao tráfico. Pitt convocou Wilberforce para ajudá-lo na tarefa. E foi assim que dois movimentos marcaram a Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. 
 
Em 23 de fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido graças à intensa militância política de Wilberforce. A partir desse momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton, pertenciam a um pequeno grupo protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros de Londres. Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não-conformistas, e através da publicação de folhetos, realização de palestras e mobilizações de rua, foi responsável por algumas das manifestações sociais mais importantes da Inglaterra. Em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o império britânico. 
 
O significado dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro --  estrategicamente ligado à Inglaterra --, através de três intelectuais: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Luiz Gama. Nabuco, que era diplomata, se inspirou no protesto militante de Wilberforce para organizar o movimento que levou a monarquia brasileira a aprovar a Lei do Ventre Livre. Somada à pressão britânica, a militância de Nabuco contribuiu para determinar a abolição da escravatura, em 1888. 
 
Junto com as campanhas abolicionistas, as reformas trabalhistas mobilizaram outros intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow (1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e ao surgimento do movimento social inglês. Assim, os protestantes radicais deram início ao movimento social inglês. Homens como Ludlow, Kingsley, Maurice e Hughes criaram o socialismo cristão na Inglaterra. O movimento inglês repercutiu com força nos Estados Unidos. E, apesar da visão escravista de muitos protestantes estadunidenses, no norte surgiu um forte movimento contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher. Um romance marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura mundial: A cabana do pai Tomás, de Harriet Stowe.
 
Numa leitura escatológica milenarista, Harriet Stowe considerava que a escravidão não era apenas um pecado do Sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria nacional. No livro, atacava a consciência nacional escravista na esperança de que uma purificação da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina. É interessante que o argumento de Wilberforce na Inglaterra, exposto em suas campanhas, sobre a inviolabilidade do conceito de que todos os homens são iguais, foi usado por Abraham Lincoln no ato de 1863, que aboliu a escravidão nos Estados Unidos. Lincoln, cujo mandato se desenrolou em meio à Guerra de Secessão, compartilhava a visão de Wilberforce de que era uma imoralidade possuir outro ser humano e citava o inglês em seus discursos. Com a guerra, veio a vitória do norte e a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a discussão sobre a industrialização, os danos humanos, misérias e exclusão que produziam entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social, evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, pastor congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que produziu uma obra até hoje famosa, Em Seus Passos Que Faria Jesus? e o pastor batista Walter Rauschenbusch. 
 
Rauschenbusch (1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combinava a responsabilidade social como o socialismo utópico. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos. 
 
“Nossa economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso. Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a mais importante de todas. A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz”, afirmou em Christianity and the social crisis. 
 
No mesmo livro, dizia que “nada dará a classe trabalhadora uma compreensão real de seu status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela (a organização fraternal da sociedade) necessita da sustentação firme da classe trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. A classe trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem”.
 
Acho que estou em boa companhia, principalmente quando me lembro de Martin Luther King Jr., pastor e um dos maiores ativistas da causa social em todos os tempos.


2.



querida Liz, querido Theo, a descendência é responsável pelo ontem, pelo hoje e pelo amanhã. é na construção da vida, escolhida ou imposta, mas aceita, e na sequência dela, que a descendência se faz comunidade humana. as realidades da terra e do céu são vaidade e correr atrás do vento quando é descartado o papel humano de cada dia. por isso, deve fazer a crítica do clerical e chamar as pessoas à liberdade do espírito, para que pense a vida, que é construída para além das aparências das coisas da terra e do céu. 

as palavras mudam de sentido, e podem dizer coisas diferentes, quando as usamos sobre uma perspectiva diferente. palavras. você já pensou na importância delas? é, sem dúvida, um dos limites da vida. os descendentes devem acreditar que o universo foi feito pela palavra eterna. acreditar que a palavra tem poder, por isso deve ter uma palavra só, cheia de sentido, ou seja, quando você disser sim, que seja sim mesmo, e quando disser não, que seja não. mas a sabedoria nos diz que a vida se faz também por outras palavras. dessa maneira, o ato de criação e o fazer humanos não são iguais porque as palavras são diferentes. 

ah! embora as palavras sejam diferentes, os temas da vida são sempre os mesmos temas: o amor e o desamor, a distância e a saudade, o tino e o desatino. a diferença, porém, é que se faz, sempre, por outras palavras. e tudo muda...

sou grato à eternidade, mas sem pieguices. diga você também muito obrigado porque as contingências da vida não fumegaram o pavio. lá na frente, eu serei o garoto que andava pela ruas sem saber que a vida vai além do meio fio, que há fronteiras. e lá ao longe, mas para mim perto, estará o mar. o veleiro. a liberdade, aprendida com Walter, será negociar com os ventos e a maré. diante das mareações, a marinharia me fará, junto do tio, um menino livre. 

por isso, querida descendência, apresento a leitura humana da convicção e do posicionamento, onde se aprende a degustar prazeres. não se faz às correrias, com sofreguidão. é um ato delicado, um caminhar por palavras, dançando com elas pelo universo em construção.
 
nesse sentido, eu e você, todos somos poemas da eternidade. somos projetos de uma artesã, daí que a poesia e a razão andam juntas. por isso, a paixão aproxima porque é sempre poesia e razão nos diferentes momentos. quero que você, descendência, curta com prazer em cada ser humano as palavras, as outras palavras, que nos trazem diferentes construções e universos.

é, agradeço à eternidade porque fazer leitura virou destino. o menino lá da frente atravessou o tempo, os jeans, as camisetas, os cabelos arrepiados e caiu aqui, do outro lado da vida. tempo de poesia e razão, o garoto de depois olha a plenitude, mas o homem de antes entende que o dó, o ré, e o mi solitários não são importantes, mas sim as notas do meu amigo murá, compositor, e os parabéns e sorrisos que a eternidade montou para você.

e volto às palavras, afirmativas, compostas, decoradas, sussurradas, que se bebem, que reboam, secas, vulgares... a identidade não pode ser definida facilmente, mas isso não significa que essa identidade não exista. aliás, a maioria das identidades não podem ser definidas facilmente. daí que tais identidades são também comunidades imaginadas, unidas por leituras historicamente sem exatidão precisa. os uns não são diferentes dos outros, qualquer etnia e sua identidade não é facilmente definível, pois tais conceitos dependem dos descendentes.

assim, querida descendência, lembre-se: a aparente simplicidade engana. eis uma lição de mestre, traduzir  o humano com simplicidade, sabendo que o simples dá trabalho e, ao contrário do que se pensa, nunca é primeiro, mas processo. e esse é o recado. fazer leitura é descobrir o prazer da palavra curta, na construção muitas vezes trabalhosa que produz aquilo que é poesia. ou seja, fazer leitura é descontrair e na imaginação construir novo, percorrendo se for possível o caminho de todos, de cada humano. e é assim que, sem estardalhaço, a leitura ocupa lugar nos corações, cheia de imagens e significados.

digo à eternidade: obrigado pelo agradável, bom e doce que expressará em letras a liberdade do marujo. e se o ontem é um dia importante, é bom lembrar que o remédio para a enfermidade da segregação de gênero e raça é a construção social da cidadania e da justiça. a via para a liberdade estará numa trilha aberta aos diferentes, comprometida com os direitos humanos, mesmo quando sua identidade pessoal relacione diferenças e contradições.

o sondar daquele menino lá na frente ajuda. o olhar deslumbrado porque a vida será a praça, os jardins e os repuxos brancos no entardecer, as pessoas que comporão o cenário como se tivessem sido colocadas lá pelo arquiteto. e o mar... uai! a humanidade coroa a glória. aceite o prescrito com convicção.






dimanche 13 décembre 2020

Minhas caminhadas filosóficas

De Kant à leitura social do Reino de Deus


Vinha fazendo o percurso de minhas caminhadas filosóficas na cultura ocidental cristã, quando trombo com um grande amigo, filósofo. E como disse para alguns amigos, ele escreve bem, com elegância, mas sabe picar o animal. Resolvi, então, continuar à caminhada, mas dar um passo atrás nas reflexões sobre minhas origens filosóficas para de forma transversal dialogar com este amigo. Por isso, vou voltar a Kant. E se o texto parecer pedagógico vocês me perdoem, afinal o jeitão de professor é difícil de jogar fora.

Nosso amigo Immanuel Kant, filho de pais pietistas, transformou os avanços da astronomia de Copérnico em teoria do conhecimento. A partir de Kant, o conhecimento não está preso aos objetos, mas os objetos acontecem dentro do processo de conhecimento. Na sua época, a filosofia estava dividida entre racionalistas, cuja única fonte de conhecimento é a razão (Descartes), e empiristas, cuja fonte de conhecimento é a experiência -- os ingleses que desencadearam a revolução industrial. A palavra chave na filosofia de Kant será transcendental. Ele disse:

“Chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que de nosso modo de os conhecer, enquanto este deve ser a priori”. 

Transcendente é todo o conhecimento que se ocupa pouco do objeto. O objeto não é a fonte do conhecimento humano, mas está dentro dele. O conhecimento é transcendente em relação ao objeto. Transcendente refere-se aquilo que foi descoberto. Kant vai trabalhar com lógica, matemática e analítica. Traduzindo Mané Kant para o papo do dia-a-dia, podemos dizer que pensar transcendentemente significa mostrar como os objetos percebidos pelos sentidos são transformados mediante a razão em objetos do conhecimento. Por exemplo, ao falarmos mesa, não estamos falando de uma mesa específica, mas de um conhecimento transcendente que inclui todas as mesas. Ou seja, mesa não é apenas uma representação ou reprodução mental de algo que está no exterior, mas uma produção da razão humana. Há uma produção racional na atividade criadora do humano que transforma mesa em conhecimento universal. Quando se fala mesa, nessa transcendência, são mesas de todos os tipos, formas e modelos.

Para Kant, o fundamento do conhecimento humano é a relação sujeito/objeto. Caminha-se através de juízos e imprimem-se categorias aos objetos. Sua abordagem é crítica porque questiona as perspectivas racionalistas e empiristas existentes até aquele momento. Sua teoria do conhecimento parte de quatro perguntas: O que posso conhecer? O que devo fazer? O que posso esperar? Quem é o ser humano?

O que podemos conhecer? Podemos conhecer tudo? Deus? O juízo pode ser analítico ou sintético. É analítico quando o predicado parte do sujeito. Por exemplo: o triângulo tem três ângulos. Diante de qualquer análise está implícito no sujeito, o predicado. O predicado é ângulo e é impossível falar triângulo sem este predicado. É sintético quando o predicado não está implícito. Por exemplo: o calor dilata os corpos. Temos aqui uma síntese. Podemos ter calor e corpos, mas quando dizemos, o calor dilata os corpos, unimos os dois através do conceito de dilatação.

Kant está descobrindo como a cabeça do ser humano funciona, fornecendo maneiras de chegar ao conhecimento comprovável. Ele descarta o racional porque trabalha somente com a razão, esquecendo a realidade da existência de objetos. Descarta o empírico porque só produzindo experiência não se transcende. Qual a importância desses conceitos e dessa epistemologia para a vida humana? 

Em primeiro lugar, Kant nos mostra, sempre partindo da razão, que os juízos analíticos não têm por base a experiência, são independentes e por isso só podem ser pensados. Faz uma crítica aos racionalistas, no sentido que Descartes despreza os objetos. O homem pensa e existe, mas mesmo que não existisse, o mundo existe. O mundo não existe porque o homem pensa. 

Em segundo lugar, os juízos sintéticos baseiam-se na percepção sensível, na experiência. Ou seja, o calor dilata os corpos, mas foi necessário uma experiência para chegar à essa conclusão. Daí, Kant conclui: é impossível fazer ciência a partir de juízos analíticos (a priori). A ciência não pode ser apriorística. Trabalhar apenas com os elementos que a razão pode fornecer produz uma estagnação. Os juízos sintéticos não levam ao conhecimento porque são particulares e contingentes. Não é possível fazer ciência usando só juízos analíticos ou só juízos sintéticos. A ciência, na verdade, é constituída por juízos sintéticos a priori. Kant está tentando resolver o grande problema medieval.

Os juízos sintéticos a priori são aqueles que têm por base a experiência, só que esta é a priori. Ou seja, são universais e necessários aos quais se chega pela intuição evidente. Um exemplo matemático: a linha reta é distância mais curta entre dois pontos. Kant está dizendo que o cientista chega a experiência porque já teve uma intuição antes. Assim, o conhecimento não é fruto nem do sujeito, nem do objeto, mas é a síntese da ação combinada entre os dois. O sujeito dá a forma e o objeto dá a matéria. O conhecimento é resultado de um elemento a priori, o sujeito, e outro a posteriori, o objeto. Ou seja, o conhecimento é uma relação entre sujeito e objeto. 

Para Kant, é impossível haver uma ciência de Deus ou uma ciência das realidades metafísicas. Ele traça como caminho alternativo a razão prática que leva à consciência moral. Ele tira Deus do objeto do conhecimento. Pela razão pura conhece-se o que é, e pela razão prática o que deve ser. Moralmente, é necessário aceitar a existência de Deus. Assim, o que não se pode provar pela razão pura torna-se um postulado da razão prática. Depois de eliminar Deus da ordem do pensamento e da realidade, postula a existência de um Deus justo que fundamenta a relação entre a virtude e a felicidade. A verdadeira religião é a moral. A religião revelada é imposta e servil. Deus é a razão da moral prática. O cristianismo para Kant identifica-se com a consciência, sem necessidade do conceito de Deus. Kant aprofunda o ceticismo aberto por Descartes, que marcará o pensamento moderno e, por extensão a teologia moderna.

Durante a modernidade, a ciência se desenvolveu e produziu frutos impressionantes, mas a teologia do século dezoito ficou estagnada. No século dezenove, os teólogos mergulharam no estudo dos filósofos modernos e foram pesquisar a história antiga de Israel, a arqueologia e a geografia das terras bíblicas, assim como os idiomas originais da bíblia a fim de produzir uma teologia a partir de objetos comprováveis. 

O caminho da História

Ora, não haveria Hegel sem Kant. Foram o cartesianismo e as teorias kantianas, entre as quais seu conceito de transcendência e sua moral, que possibilitaram mais tarde a revolução hegeliana. Hegel, como já vimos, apresentou a história enquanto fenomenologia do Espírito, o que gerou hermenêuticas e novas compreensões da razão de ser do cristianismo. 

Dentro desse processo, podemos citar dois pensadores, que por destacarem o papel da história na construção do cristianismo marcaram a modernidade da filosofia cristã. São eles Albrecht Ritschl (1822-1889) e Ernst Troeltsch (1865-1923). E a partir deles, já no século vinte, Jürgen Moltmann e Wolfhart Pannenberg. Em caminho distinto, mas fundamental para a pesquisa, estão Friedrich Schleiermacher (1768-1834) e Sören Kierkegaard (1813-1855), por destacarem a questão afetiva e existencial na construção da fé. No campo da moderna filosofia batista, dois nomes, por suas expressões práticas na compreensão das questões histórico/sociais e afetivo/existenciais, devem ser citados, Walter Rauschenbush (1861-1918) e Martin Luther King Jr. (1929-1968). 

Fath nos fala da influência do pensamento de Rauschenbush nas comunidades de fé batistas francesas. Segundo ele, estas comunidades, o segundo maior grupo do protestantismo depois da Igreja Reformada, tiveram uma ampla influência sobre o pensamento social cristão francês. E cita exemplos como o do semanário “Solidariedade Social”, dirigido nos anos 1920 e 1930 por Philemon Vincent e Robert Farelly, assim como as iniciativas de Paul Passy, da Universidade de Paris.

“Toda esta atividade permitiu aos batistas franceses imprimir uma marca discreta na vida nacional. Muitos batistas, especialmente na Federação Protestante francesa, estiveram envolvidos nas dificuldades sociais do país e prejudicados pela Primeira Guerra Mundial e pela crise econômica de 1930. Alguns deles, Robert Farelly, Henri Vincent, foram influenciados diretamente por Walter Rauschenbusch, pai do Evangelho social, durante seus estudos no seminário de Rochester, antes da Primeira Guerra Mundial. Como Rauschenbusch e alguns protestantes franceses, Charles Gide, Elie Gounelle, Tommy Fallot, lutaram pelo socialismo cristão. Sua aproximação ao socialismo foi definida por Ernst Troeltsch em seu Soziallehren como uma rejeição da atitude pietista de retirada do mundo”.

E Troeltsch, também citado por Fath, afirma que o movimento dos batistas sociais foi um esforço protestante de volta às características familiares da tendência cristã primitiva. Estas características foram marcadas pela opinião de que as comunidades de fé deveriam promover o Reino de Deus na terra.

Outro teólogo, alemão, Paul Tillich, também fez parte dessa leitura na contramão das dogmáticas oficiais, sem descartar as suas riquezas teológicas. Foi socialista na sua fase alemã. Mas aqui vamos destacar os dois primeiros citados, Ritschl e Troeltsch, por apresentarem as bases para a discussão da questão histórica em relação às teologias da revelação e do Reino de Deus.

Ritschl foi um estudioso do Novo Testamento, da história do cristianismo e da dogmática, em especial de Lutero. Seu argumento de fundo contra os teólogos ortodoxos era de que confundiram a teologia cristã com a metafísica. Rejeitou tanto a base platônica de Agostinho, como as pressuposições aristotélicas de Tomás de Aquino. Por considerar que a ortodoxia protestante tinha abandonado os fundamentos da Reforma e restaurado a metafísica, construiu uma filosofia cristã sem a metafísica. Levantou-se também contra misticismo cristão que, segundo ele, naquele momento se expressava como pietismo. 

Para Ritschl, a religião é fruto da necessidade social que o ser humano tem de Deus. E foi a partir de seu interesse científico pela história que construiu seu pensamento filosófico. Entre 1870 e 1874, publicou sua principal obra, em três volumes: A doutrina cristã da justificação e reconciliação.

“Em toda a religião o que se busca, com a ajuda do poder espiritual sobre-humano ao qual o homem rende culto, é uma solução da condição na qual o homem se encontra por ser por um lado parte da natureza e por outro uma personalidade espiritual que pretende dominar a natureza”.

Assim, a partir de Ritschl há uma concentração da filosofia cristã na pesquisa histórica, o que será importante para o próprio desenvolvimento do conhecimento dos textos escriturísticos. Ou como afirma Mackintosh:

“Devemos concluir, portanto, que Ritschl apenas começara a lutar com o problema sumamente difícil – e especificamente cristão – da revelação e da história em suas relações mútuas. É o problema que mais preocupa a teologia contemporânea”.

Tais pesquisas levaram a constatação de que havia uma religião construída sobre um Jesus ideológico e uma religião de Jesus, que teria como base seu ideal ético, que remetia à questão do Reino de Deus. Este seria o cerne da mensagem cristã, mensagem ética e de vivência do amor. Mas, a dificuldade de Ritschl em ver as reivindicações da justiça como universais, cobrou um preço à política e à teologia em termos da própria integridade da igreja. Talvez este tenha sido seu erro maior, ao contrapor poder sem amor e amor sem poder. Fazendo assim, contrastou o Deus de poder do Antigo Testamento ao Deus de amor do Novo Testamento e no processo descartou o conceito do julgamento de Deus e retribuição. De todas as maneiras, seu aporte à construção de uma filosofia do Reino de Deus foi relevante. 

Ernst Peter Wilhelm Troeltsch seguiu seu mestre, Ritschl, mas podemos dizer que foi mais longe. Trabalhou com um grupo de pesquisa que ficou conhecido como Escola da História das Religiões. Estudou os textos escriturísticos a partir do contexto histórico da época em que foram escritos e não apenas de uma perspectiva dogmática. O cristianismo passava assim, para Troeltsch, a ser uma religiosidade e para compreendê-la era necessário empregar o método histórico.

Em 1897, em Freiburg, fez amizade com Max Weber (1864-1920) e entrou para o seu círculo de amigos e pesquisadores. E as famílias de Troeltsch e Weber tornaram-se tão íntimas, que dividiram a mesma casa. Em 1906, Troeltsch escreveu seu primeiro ensaio histórico, que foi transformado em livro: O significado do protestantismo para a formação do mundo moderno. Nele trabalhou os conceitos de seita e igreja. Disse que as seitas eram grupos informais na organização, igualitários na estrutura e heterodoxos nas crenças. Disse ainda que as seitas tinham tendência a se converterem em igrejas, com suas próprias ortodoxias que, por sua vez, seriam substituídas por novas seitas. Já as igrejas eram organizações conservadoras, adaptadas à estrutura do poder secular. Essas classificações continuaram a ser trabalhadas por Max Weber e Reinhold Niebuhr (1892/1971). 

Assim, através de uma leitura evangélico-social, com fundamentação na análise histórica, Troeltsch pensou os problemas sociais de sua época. E como resultado escreveu As doutrinas sociais das igrejas e grupos cristãos (1912), uma pesquisa de mais de mil páginas em que construiu sua teoria das relações entre o pensamento religioso e o meio político-social. Neste trabalho dialogou criticamente com o marxismo, mas admitiu que Marx colocara uma questão fundamental: será que a formação e dinâmica histórica do cristianismo não fora sociologicamente determinada? Em 1992, escreveu O historismo e seus problemas, onde propôs uma concepção histórica das coisas humanas. 

Para a pesquisa e a construção de uma filosofia hermenêutica que possibilite a compreensão do Reino de Deus e suas correlações com as brasilidades, os filósofos que estamos vendo têm marcada importância. Em especial Troeltsch que trabalhou a relação entre cristianismo e cultura, revelação e história, liberdade e condicionamentos sociais. Para ele, toda produção humana estava submetida ao condicionamento histórico. Nada é atemporal. Tais leituras, aplicadas à filosofia cristã levam a questionamentos de valores. Um deles é que o cristianismo não poderia manter a reivindicação de única universalidade, pois as culturas são a origem das religiões. O cristianismo seria, então, nos dois últimos milênios de paixão, o rosto de Deus na cultura ocidental. 

“Esta experiência é sem dúvida alguma a medida de sua validez, porém, não se esqueça, apenas de sua validez para nós. É o rosto de Deus tal como se revela a nós; é o modo como, sendo como somos, recebemos e reagimos à revelação de Deus. É válida para nós e nos redime. É final e incondicional para nós, visto que não temos outra coisa... Todavia, isso não exclui a possibilidade de que outros grupos raciais, que vivam sob condições culturais totalmente diferentes, possam experimentar seu contato com a vida divina de um modo distinto”.

Por isso, é necessário, para Troeltsch, refazer a pergunta sobre o significado do cristianismo. A filosofia cristã deveria examinar as instâncias levantadas sobre a pretensão do cristianismo à verdade no campo das ciências e da história natural. E buscar uma compreensão do problema referente à essência do cristianismo, à sua posição na história das religiões e o seu lugar na própria existência humana. 

Comentando Troeltsch, meu amigo Mendonça, já falecido, afirmava que o protestantismo de hoje não é mais o de Lutero e Calvino, pois a cultura eclesiástica medieval deu lugar à moderna cultura européia/ americana, conforme conceito utilizado por Troeltsch. O novo protestantismo perdera de vista a idéia de uma total cultura eclesiástica e

“reconheceu como se fossem princípios genuinamente protestantes o fenômeno da crítica histórico-filosófica, a formação de comunidades eclesiásticas livres do estado e a doutrina da revelação baseada na iluminação e convicção pessoal íntima. O velho protestantismo condenava tudo isto como naturalismo, fanatismo ou entusiasmo sectarista”.

As rupturas com a metafísica da ortodoxia protestante, aliadas ao processo de secularização do mundo ocidental, consolidaram a leitura social do cristianismo, que confrontava a fé com o seu ambiente social, econômico e político. Esse cristianismo procurou compreender os desafios da contemporaneidade, e propôs o combate pela realização do Reino de Deus, a reflexão filosófica cristã voltada às questões sociais e a luta contra as injustiças. Assim, quando se fala de Reino de Deus fala-se de leituras filosóficas que procuram analisar a influência do meio social sobre o universo religioso e a formação espiritual do ser humano. E que consideram a espiritualidade afetivo/ existencial e a espiritualidade histórico/ social faces de um mesmo Reino de Deus. As filosofias do Reino de Deus inscrevem-se, dessa maneira, numa perspectiva de correlação e possibilitam uma reflexão que fornece instrumentos teóricos para alimentar as lutas contra a injustiça, para criar novas formas de relações existenciais e sociais e para dar dignidade às pessoas ali onde são excluídos e segregados.





mardi 1 décembre 2020

יופה בן שמטוב

 

יופה בן שמטוב

הרב יופה בן שמטוב

הרב משה חיים לוצאטו, הידוע יותר בשם רמאלל, הזמין אותנו פעם לקיים דיאלוג בין רוחנו לנפשנו. ובדיאלוג זה שואלת הרוח: רצוני להבין את הטקסט של דברים 4.39, האומר: עליכם לדעת בלבכם כי האדון הוא אלוהים. עכשיו, זה עיקרון של אמונה, של אמונה כעמדה. וכשעומדת בפני השאלה, ענתה הנפש: לאן אתה רוצה ללכת? ומכאן ואילך התקיים הדיאלוג, שם הרוח מצאה שעקרונות האמונה תקפים עבורו גם לגבי הכיוון שיש לקחת.

מכאן השכל שאל מהם העקרונות האמיתיים של אמונה. הרוח הגיבה, קיומו של השם, אחדותו, נצחיותו, העובדה שהוא גלום ונפרד מכל גשמיות. ואני מקבל גם את בריאת היקום, את הנבואה, את נבואתו של משה, את אי-שינוי התורה ומקורו האלוהי. כל העקרונות הללו הם חלק מהאמונה ואני מבין אותם ואינני זקוק להסבר. מצד שני, השגחה, עקרון השכר והעונש, בוא המשיח ותחיית המתים ...