lundi 21 novembre 2011


As lições da Europa
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

Mercados financeiros nunca vão recompensar os países pelos sacrifícios que fazem, pois isso alimenta os lucros do investimento especulativo
A Europa está assombrada pelo fantasma da exaustão histórica. Depois de durante cinco séculos ter atribuído a si a missão de ensinar o mundo, parece ter pouco a ensinar e, o que é mais trágico, parece não ter capacidade para aprender com a experiência do mundo.
O cantinho europeu, apesar de ser cada vez menor no contexto mundial, não consegue compreender o mundo senão por meio de conceitos gerais e princípios universais e nem sequer se dá conta de que a sua própria fidelidade a eles é hoje uma miragem.
Partindo da ideia de que a compreensão do mundo é muito mais ampla que a compreensão europeia do mundo, as dificuldades que a Europa passa podem ser um campo de aprendizagem fértil para o mundo. Eis as principais lições.
Primeira lição: a ideia de que as crises são oportunidades é uma verdade ambígua, porque as oportunidades vão em direções opostas e são aproveitadas por quem melhor se prepara antes da crise.
A direita usou a crise para aplicar a "doutrina de choque" das privatizações e da destruição do Estado social (privatização da educação e da saúde). Não tinha conseguido fazê-lo por via democrática, mas foi preparando a opinião pública para a ideia de que não há alternativa ao senso comum neoliberal.
A esquerda, pelo contrário, deixou-se desarmar por esse senso comum, e por isso não pôde aproveitar a crise para mostrar o fracasso do neoliberalismo (tanto pela estagnação como pela injustiça) e propor uma alternativa pós-neoliberal.
O movimento ecológico, que era forte, deixou-se bloquear pelo slogan do crescimento, mesmo sabendo que esse crescimento é insustentável, perdendo, assim, a oportunidade que lhe foi dada pela reunião da Rio+20 do próximo ano.
Segunda lição: a liberalização do comércio é uma ilusão produtiva para os países mais desenvolvidos. Para ser justo, o comércio deve assentar-se em acordos regionais amplos, que incluam políticas industriais conjuntas e a busca de equilíbrios comerciais no interior da região.
A Alemanha, que tanto exporta para a Europa, deverá importar mais da Europa? Para isso ser possível é preciso uma política aduaneira e de preferências comerciais regionais, assim como uma refundação da Organização Mundial do Comércio.
Aliás, a OMC já hoje é um cadáver adiado, no sentido de começar a construir o modelo de cooperação internacional do futuro: acordos globais e regionais que, cada vez mais e sempre na medida do possível, façam com que os lugares de consumo coincidam com os lugares de produção.
Terceira lição: os mercados financeiros, dominados como estão pela especulação, nunca recompensarão os países pelos sacrifícios feitos, já que não reconhecer a suficiência destes é o que alimenta o lucro do investimento especulativo. Sem domar as dinâmicas especulativas, o desastre social ocorre tanto pela via da obediência como pela via da desobediência aos mercados.
Quarta lição: a democracia pode desaparecer gradualmente e sem ser por golpe de Estado. Vários países da Europa vivem uma situação de suspensão constitucional, um novo tipo de Estado de exceção que não visa perigosos terroristas, mas, sim, os cidadãos comuns, os seus salários e as suas pensões.
A substituição de Berlusconi (para a qual havia boas razões democráticas) foi decidida pelo Banco Central Europeu.
O estatuto dos Bancos Centrais, criado para torná-los independentes da política, acabou por tornar a política dependente deles.
A democracia, depois de parcialmente conquistada, pode ser gradualmente esventrada pela corrupção, pela mediocridade e pusilanimidade dos dirigentes e pela tecnocracia em representação do capital financeiro, a quem sempre serviu.

BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS, sociólogo português, é diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de Para uma Revolução Democrática da Justiça (Cortez, 2007).
Fonte
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/10192-as-licoes-da-europa.shtml

vendredi 18 novembre 2011

O reencontro do erotismo

Por Jorge Pinheiro, de São Paulo  

A paixão explode em chamas e queima como um incêndio devastador. Um olhar sobre Spinoza, Teresa de Ávila e George Bataille em busca da experiência religiosa, da paixão e da morte. 


Imaginei um pensar transverso entre Baruch de Spinoza (1632-1677), Teresa de Ávila (1515-1582) e Georges Bataille (1897-1962). Não uma conversa que deve levar a leituras definitivas, mas a compreender a percepção de cada um dos três sobre a experiência religiosa, a paixão e a morte. 
"Vivo sin vivir en mí, y de tal manera espero, que muero porque no muero". 
O filósofo Baruch Spinoza considerava a teologia um pensar primitivo, que caía muito bem na construção pré-científica da realidade. Achava que a tal busca das últimas causas não acrescentou nada à compreensão da natureza. E, que, só quando a humanidade parou de olhar para cima, olhou para si própria e ao seu redor, pode pensar a física, a geologia e as demais ciências e progredir no conhecimento da natureza. Gosto de Spinoza, mas acho que foi enganado ao colocar a teologia fora do humanismo e do naturalismo que defendia. Na verdade, se olharmos a teologia e, por extensão, a experiência religiosa apenas como formas de um supranaturalismo, elas se mostram, sem dúvida, superficiais. 
"Vivo ya fuera de mí después que muero de amor; porque vivo en el Señor, que me quiso para sí; cuando el corazón le di puse en él este letrero: que muero porque no muero". Mas, há um lado do pensamento de Spinoza que não pode ser desacreditado: o comportamento humano não pode ser explicado de modo diferente ao dos outros comportamentos na natureza. Ou seja, para ele, não poderia haver plena liberdade, nem plena responsabilidade no comportamento humano. Deveria, por isso, ser descrito em termos de causas mecanicistas, como os fenômenos da natureza. Assim, para Spinoza bom é aquilo que nos dá prazer e mal o que nos causa dor. Será mesmo, amigo Spinoza? 
"Esta divina prisión del amor con que yo vivo ha hecho a Dios mi cautivo, y libre mi corazón; y causa en mí tal pasión ver a Dios mi prisionero, que muero porque no muero". 
E se você, amigo Spinoza, tivesse lido as confissões de uma jovem monja carmelita, chamada Teresa, que assim contou um dos seus muitos momentos de êxtase: 
“Vi nele uma comprida lança de ouro e sua ponta parecia ser um ponto de fogo. Parece que ele a enterrou muitas vezes em meu coração e perfurou minhas entranhas. Quando retirava a lança, parecia também retirar minhas entranhas e me deixar toda em fogo do grande amor de Deus. A dor era tão grande que me fazia gemer, porém, a doçura dessa dor excessiva era tal que eu não podia pensar em ficar livre dela... A dor não é corporal, mas espiritual, embora o corpo tenha sua parte e mesmo uma grande parte. É uma carícia de amor tão doce, que então acontece entre a alma e Deus, que rogo a Deus em sua bondade que faça com que ela seja experimentada quem quer que pudesse acreditar que estou mentindo”. (1) 
Mas, vamos ouvir um pensador maldito, Georges Bataille. Para ele a experiência religiosa está marcada pelo prazer. O prazer de viver. E é esse tropismo ao prazer que leva à superação, no cristianismo, à acentuação de uma teologia do pecado, com a consequente culpa infindável. Mas, aqui estamos diante de um paradoxo, pois a tradição cristã enfrenta esta pedra de tropeço, pois enquanto construção simbólica pesa sobre ela a sombra de um instrumento de tortura do qual pendeu seu fundador. De todas as maneiras, mesmo sem negar o pecado e a culpa, a experiência religiosa recupera o prazer de viver e leva o fiel em êxtase a saborear as frutas que a vida oferece, doces e amargas. 
"¡Ay, qué larga es esta vida! ¡Qué duros estos destierros, esta cárcel, estos hierros en que el alma está metida! Sólo esperar la salida me causa dolor tan fiero, que muero porque no muero". 
É por isso que Teresa, em meio à solidão da cela, fala da liberdade do êxtase. 
“Durante os dias em que isso acontecia, ficava meio abobada; não queria ver nem falar, mas ficar abraçada com meu sofrimento que para mim era a maior glória. Isto ocorria algumas vezes, quando o Senhor queria que me viessem estes arrebatamentos intensos, que mesmo estando entre pessoas, não podia resistir. Antes que esse sofrimento de que falo agora comece, parece que o Senhor arrebata a alma e a põe em êxtase, e assim não há lugar para dor e padecimento, porque logo vem o gozar". (2) 
E Bataille em sua explicação sobre a experiência mística, que está presente em todos os movimentos cristãos, mesmo os mais conservadores, diz que, como a proibição criou, na violência organizada das transgres¬sões, o erotismo inicial, proibindo a transgressão organizada, por sua vez, aprofundou os graus da expressão sensual. E dá como exemplos as noites dos sabbats, ou da solidão em celas, onde, por exemplo, o marquês de Sade escreveu Cent Vingt Journées. E cita Baudelaire quando afirmou que a única e suprema volúpia do amor jaz na certeza de fazer o mal. Ou seja, homem e mulher sabem que é no mal que se acha a volúpia. 
"¡Ay, qué vida tan amarga do no se goza el Señor! Porque si es dulce el amor, no lo es la esperanza larga. Quíteme Dios esta carga, más pesada que el acero, que muero porque no muero". 
Bem, se o prazer se liga à transgressão, como explicar o êxtase religioso, que não produz culpa? E aí é onde Bataille cresce e completa Spinoza quando critica o pensar teológico. Para Bataille, o mal não é a transgressão, é a transgressão condenada. O mal é o pecado. E é do pecado que falou Baudelaire. Da mesma maneira, as narrações dos sabbats falam de uma procura pelo pecado. Mas, Sade e Teresa negam o mal e o pecado. Mas ambos – tanto Sade como Teresa – fazem intervir a idéia de irregularidade para transmitir o desencadeamento da crise voluptuosa. 
"Sólo con la confianza vivo de que he de morir, porque muriendo, el vivir me asegura mi esperanza. Muerte do el vivir se alcanza, no te tardes, que te espero, que muero porque no muero". 
O cristianismo negou o caráter sagrado da atividade erótica encarada na transgressão. Em contrapartida, os místicos negaram o que a igreja considerava divino. Nessa negação, o cristianismo, com o tempo, perdeu em parte o poder religioso de evocar uma pre¬sença sagrada: perdeu-o na medida em que o diabo deixou de estar na base duma perturbação fundamental. Ao mesmo tempo, os místicos, aqueles que foram marcados pela experiência religiosa do êxtase, deixaram de acreditar no mal. Desse modo, encaminharam-se para um estado de coisas em que o erotismo, deixando de ser um pecado, deixava de ser uma certeza de fazer o mal. Por isso, na experiência profana, tem razão Spinoza, só há mecânica animal. Mas, a partir da experiência religiosa, e mais exatamente do êxtase místico, como aqueles de Teresa de Ávila, somos chamados a ultrapassar uma situação, sem que isso signifique regressar ao ponto de partida. 
"Mira que el amor es fuerte, vida, no me seas molesta; mira que sólo te resta, para ganarte, perderte. Venga ya la dulce muerte, el morir venga ligero, que muero porque no muero". 
E por que? Porque, nos explica Bataille, há na liberdade a impotência da liberdade, mas nem por isso a liberdade deixa de ser disposição de nós por nós próprios. As a¬ções dos corpos podem, na lucidez, abrir-se à recordação inconsciente duma metamorfose infindável, cu¬jos aspectos não deixarão de estar disponíveis. Veremos, então, que, por caminhos não prescritos o erotismo se reencontra. Chegamos, então, ao erotismo dos corações, ao erotismo mais ardente, quando, aparentemente, o erotismo dos corpos já sucumbiram. 
"Vida, ¿qué puedo yo darle a mi Dios, que vive en mí, si no es el perderte a ti para mejor a Él gozarle? Quiero muriendo alcanzarle, pues tanto a mi Amado quiero, que muero porque no muero". (4) 
Ou como diz uma canção, lá no primeiro Testamento, o amor é poderoso como a morte; e a paixão é forte como a sepultura. O amor e a paixão explodem em chamas e queimam como fogo furioso. 
São Paulo, 8/11/2009 
Fonte: ViaPolítica/O autor 
Referências 
1. Santa Teresa de Jesus, Livro de sua vida, cap. XXIX. 
2. Santa Teresa de Jesus, idem, obra citado. 
3. Georges Bataille, O Erotismo, Lisboa, Antígona, 1988. 
4. Santa Teresa d´Ávila, “Versos nacidos al fuego del amor”, in Obras Completas, Burgos, Editorial Monte Carmelo. 
--

vendredi 11 novembre 2011

Cara a cara com o diferente

Introdução
Como é que você encara uma conversa com uma pessoa de religião diferente da sua? Quando se fala do estar frente a frente com o outro diferente, estamos falando em começar uma conversa. É um momento que não objetiva proferir uma palavra de confrontação, de marcar posições a priori, mas objetivar um encontro que hoje deve estar voltado para a dignificação do excluído.

Dentro desse espírito, você deve fazer, de novo, a pergunta: como encaro uma conversa com um fiel do candomblé ou da umbanda, ou com alguém que não é religioso? Quanto se pensa em promover a justiça social sem discriminação, a pergunta que fizemos é norteadora.

Em 1982, seguindo preocupação semelhante, mas procurando estabelecer um diálogo mais teológico, foi criado o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) uma associação de “igrejas fraternas que confessam o Senhor Jesus Cristo como Senhor e Salvador, segundo as escrituras...”.

O estatuto do CONIC declarava que "o amor de Deus, a confissão de fé comum e o compromisso com a missão impulsionam as igrejas membros a uma comunhão mais profunda e a um testemunho comum do Evangelho no Brasil, no exercício do amor e do serviço ao povo. Respeitadas as diferenças eclesiológicas, as igrejas membros se conhecem convocadas por Cristo à unidade de Sua Igreja, na certeza da atuação do mesmo Cristo e de Seu espírito nelas e através delas".

Internacionalmente, uma das entidades mais expressivas no diálogo entre práticas e vida cristã diferenciadas é o Conselho Mundial de Igrejas (CMI). No Brasil, estão filiadas ao CMI, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, a Igreja Presbiteriana Unida, a Igreja Reformada na América Latina, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil e a Igreja Metodista do Brasil.

Outras organizações buscam também o estar frente a frente com o outro diferente, como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI) fundado em 1974, que tem como objetivo analisar a conjuntura brasileira, fundamentando-se na reflexão teológica.

A Associação dos Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE), fundada em 1961, procura apoiar a formação de pastores e ministros de forma contextualizada, buscando diminuir a dependência das teologias estrangeiras. Temos ainda o Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e outros centros e associações em caráter regional e nacional que buscam trabalhar a questão pastoral, racial, de juventude, de mulheres...

Numa perspectiva prática, existem comissões bilaterais de diálogo. Em São Paulo a Arquidiocese Católica criou em 1977 a Comissão de Diálogo Inter-religioso (CEDRA).

A aproximação entre igrejas protestantes, ao nível de cooperação em atividades sócio-políticas, tem implicado em cooperação interconfessional de igrejas e pastores, que se unem para patrocinar conferências nacionais e internacionais.

O estar frente a frente com o outro diferente no Brasil tem particularidades, por conta da exclusividade da maioria das igrejas protestantes históricas e por conta das dificuldades encontradas quando se trata do relacionamento com a Igreja Católica Romana, especialmente nas categorias mais baixas do presbitério brasileiro, agravando-se mais ainda quando se chega ao laicato.

Diante desta realidade do estar frente a frente com o outro diferente no Brasil constitui um desafio para os cristãos. Porém não podemos deixar de considerar que a igreja cristã no Brasil nunca falou e agiu tanto em termos de busca do diálogo, quanto se faz no momento.

Terra e justiça social
Acreditamos que o estar frente a frente, conversando, no Brasil deve partir da defesa da vida de deserdados e excluídos, por isso propomos, como ação conjunta dos cristãos, a defesa de uma ética da responsabilidade social, que denuncie a exclusão e se mobilize pela transformação das estruturas sociais e políticas da sociedade brasileira que geram exclusão social.

Nossa análise parte de uma visão reformada e acreditamos que assim fazendo oferecemos ao conjunto dos cristãos brasileiros uma perspectiva que enriquece a discussão no que se refere a proposição de ações conjuntas para a transformação solidária de nosso país. 

Em 1974, quatro mil delegados, representando o cristianismo reformado de quase todos os países do mundo, reuniram-se na cidade de Lausanne, na Suíça, no Congresso Internacional de Evangelização Mundial. Desse conclave resultou uma série de documentos sobre a evangelização do mundo no final de século, assim como de temas intrinsecamente ligados a ela.

O congresso desmembrou-se, anos mais tarde, em reuniões regionais, que analisaram e desenvolveram temas não definidos no chamado Pacto de Lausanne. Para o cristianismo reformado a reunião de Lausanne tem um significado normativo e prático, já que a partir de definições teológicas abrangentes chegou-se a propostas objetivas para a evangelização do mundo.

Passados mais de um quarto de século da reunião de Lausanne, consideramos que suas preocupações continuam vigentes como reflexão para a práxis cristã neste início de século. Assim, partindo de documentos elaborados em Lausanne e nas consultas regionais posteriores, fizemos uma releitura dessas reflexões visando elaborar um chamado à ética cristã da responsabilidade social no Brasil.

Partimos então da atual realidade brasileira, numa rápida e abrangente análise de conjuntura, detectando as três grandes calamidades sociais que nosso país enfrenta: ainda temos miséria, estrutura agrária opressora e injustiça social.

Sem dúvida, estamos arranhando problemas que necessitam um pensar profundo e uma práxis transformadora permanente. Mas, achamos por bem começar...

Pobres e miseráveis
Mais de um bilhão de pessoas em todo o mundo vive abaixo do nível de pobreza. Ou seja, fora do mercado de consumo, sem nenhuma forma de rendimento, desamparadas, sem as condições básicas para sobreviver. E todos os dias milhares delas morrem de fome. Cerca de um vinte por cento dos brasileiros, ou seja, 40 milhões de pessoas estão nestas condições.

É importante aqui separar dois fenômenos: um é que existem aqueles que não participam do mercado de consumo e que nunca tiveram um emprego na vida, fato verificável principalmente nas áreas rurais dos terceiro e quarto mundos; o outro, é o desemprego, que se refere à perda do trabalho para aqueles que participavam do mercado de consumo. Em todo o mundo, segundo dados do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, 800 milhões de pessoas estão nessas condições. E alerta: o aumento da produtividade, o avanço tecnológico e a globalização da economia são algumas das principais causas da redução do emprego no mundo. O Brasil, além de enfrentar esse problema, precisa criar cerca de três milhões de empregos por ano.

Segundo o IBGE, q maior taxa de desemprego registrada entre 2002 e 2010 foi a do mês de abril de 2004 (13,1%) e a menor foi a de dezembro de 2010 (5,3%). Somente duas vezes, em 2006 e 2009, a taxa subiu em relação ao ano anterior.

Quando falta trabalho, falta comida
O desemprego nos grandes centros urbanos, principalmente no triângulo da produção brasileira, região dinamizadora do parque industrial do país, formado pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, está intimamente ligado à abertura indiscriminada às importações, e à inibição de investimentos em setores estratégicos, como bens de capital, máquinas, equipamentos e energia.

Logicamente, tal situação produz concentração de poder e renda, produzindo um nivelamento social por baixo. É verdade que a corrupção é uma das alavancas desse processo.

Mas se esta é a realidade dos grandes centros produtivos e das médias e pequenas cidades brasileiras, não podemos nos esquecer de outra chaga social: a lastimável situação do campo brasileiro. Segundo o professor José Vicente Tavares dos Santos, pró-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em entrevista a revista Veja, o  "problema agrário no país está na concentração de terra, uma das mais altas do mundo, e no latifúndio que nada produz", afirma o professor José Vicente Tavares dos Santos, pró-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em comparação com os vizinhos latino-americanos, o Brasil é um campeão em concentração de terra. Não sai da liderança nem se comparado com países onde a questão é explosiva, como Índia ou Paquistão. Juntando tanta terra na mão de poucos e vastas extensões improdutivas, o Brasil montou o cenário próprio para atear fogo ao campo. É aí que nascem os conflitos, que nos últimos vinte anos fizeram centenas de mortos”.

Um ultimato
Como disse o teólogo Howard Snyder, não somos os primeiros cristãos a viver os tempos apocalípticos [Tive Fome, Um Desafio a Servir a Deus no Mundo, vários autores, Série Lausanne, ABU Editora, São Paulo, 1986, in Prefácio, p.5]. A primeira igreja viveu tempos terríveis. Mas agora, no início do terceiro milênio da história cristã, somos mais uma vez desafiados. E tendemos a oscilar entre dois perigos: perder a esperança e cruzar os braços ou acreditar num clímax iminente da história humana. Em ambos os casos, caímos numa cilada, que é virar às costas para a realidade social de milhões de pessoas.

É impressionante notar que o Brasil é um dos três maiores países em população protestante em todo o mundo. E se somamos a este número a população católica, muito possivelmente o segundo maior país cristão do mundo. O que pode ter um significado estratégico para a causa da justiça social não somente em nosso país, mas em todo o continente. Mas para que isso aconteça é necessário uma compreensão da ética cristã em relação próximo.

Apocalipticismo ou acomodação, eis os dois inimigos que ameaçam o evangelho de Cristo no Brasil. O primeiro deixa o amor ao próximo para depois, e o segundo está tão desesperançado que nem o próximo consegue enxergar. Por isso, precisamos desenvolver uma ética que norteie o diálogo inter-religioso, mostrando às confissões no Brasil que não existe cristianismo sem compromisso social.

Evangelização e responsabilidade social devem andar juntas. Na história do cristianismo reformado isso aconteceu no grande despertamento na América do Norte, no movimento pietista na Alemanha e no reavivamento na Inglaterra, durante o século XVIII. Essas atividades geraram o surgimento de sociedades missionárias e fortes mobilizações pela abolição da escravatura e por melhores condições de trabalho nas fábricas.

Responsabilidade cristã
A base dessa responsabilidade social cristã parte de nossa compreensão de Deus. Ele é o Deus da justiça, é o Deus da misericórdia. Há três mil anos, o salmista cantava: “Ele mantém para sempre a verdade, fazendo justiça aos oprimidos, dando pão aos famintos; Iaveh liberta os prisioneiros, Iaveh endireita os curvados, Iaveh protege o estrangeiro, sustenta o órfão e a viúva; Iaveh ama os justos, mas transtorna o caminho dos ímpios” (Salmo 146. 6-9).

Os cristãos em comunidade formam a igreja, e ela é o corpo de Cristo na terra. É através da comunidade cristã que se dá o exercício terreno da graça de Deus. As oito frases de solidariedade dos versículos 7 a 9 do salmo citado são para Jesus padrão da justiça divina, conforme explica em Mateus 25:31-46. E lidas a partir do discurso de Tiago contra a riqueza corrupta e opressora (Tiago 5:1-5), transformam-se na carta magna da responsabilidade ética e social do cristão.

A seguir transcrevemos o parágrafo cinco do Pacto de Lausanne 1974 (Congresso Internacional de Evangelização Mundial), sobre Responsabilidade Social Cristã.

Afirmamos que Deus é o Criador de todos os homens. Portanto, devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela reconciliação em toda a sociedade humana, e pela libertação dos homens de toda forma de opressão. Sendo o ser humano feito à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade, possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos, às vezes, considerado a evangelização e a ação social mutuamente incompatíveis. Embora a reconciliação do homem com o homem não seja reconciliação com Deus, nem ação social evangelização, nem a libertação política salvação, afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-político são ambos partes do nosso dever cristão. Ambos são necessárias expressões de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, do nosso amor para com o próximo e da nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando alguém recebe a Cristo, nasce de novo no seu reino e, conseqüentemente, deve buscar não somente manifestar como também divulgar a sua justiça em meio a um mundo ímpio. A salvação que alegamos possuir deve transformar a totalidade de nossas responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta. [Evangelização e Responsabilidade Social, op. cit., p.16].

Definida a necessidade de uma ética da responsabilidade social cristã, somos levados a estudar a viabilidade da práxis dessa atividade sociopolítica. Partindo de nossa experiência histórica podemos ver que ela se divide em dois grandes grupos: serviço social e ação social.

Por serviço social entendemos uma política para reparar situações: socorro do ser humano em suas necessidades básicas e imediatas, atividades filantrópicas, obras de caridade.

Já a ação social nos leva a procurar eliminar as causas dessas necessidades humanas, e traduz-se em atividades políticas e econômicas, buscando a transformação das estruturas da sociedade e a construção da justiça.

Logicamente, serviço e ação sociais não são excludentes. Ao contrário, são complementares. Afinal, ao lado de uma estratégia política para acabar com a miséria numa região de São Paulo, tenho que ter táticas imediatas para evitar que pessoas moram de fome, hoje. Ninguém pode esperar, sem comer, por uma política cujos frutos levam tempo para serem colhidos.

É preciso, no entanto, esclarecer que mesmo o serviço social pode ser desenvolvido sem um caráter paternalista. A formação de agências de assistência social pode e deve ter base na própria comunidade, de forma que as pessoas aprendam não somente a se ajudarem do ponto de vista econômico, mas em todo o espectro da dignidade humana. Por isso, devem ter como meta a capacitação de todos aqueles que buscam o auxílio dessas agências, fugindo do reforço à dependência e à subserviência.

Já a ação social cristã não está apenas preocupada com as pessoas, mas com as estruturas de determinada sociedade. Procura a justiça social. Assim, não está preocupada com a reabilitação dos presos (que é tarefa do serviço social), mas com a reforma do sistema penitenciário. Não está preocupada com as melhorias dos salários e condições de trabalho (que é uma atividade de serviço social ao nível do sindicato e da fábrica), mas com a transformação do sistema econômico e político, sejam eles quais forem.

Neste campo há um desafio natural, necessário, para a prática do diálogo estar frente a frente com o outro diferente no Brasil.

É importante ficar claro que nossa responsabilidade social deve levar em conta dois princípios: a justiça e a paz. Nos opomos de forma ativa à miséria e à injustiça social, mas nossa atuação deve sempre se basear na obediência ativa, que, segundo Lourenço Stélio Rega, é um sinônimo para desobediência civil, sempre e quando tiver por base direitos de uma comunidade.

Essa ação política foi defendida e utilizada por homens como Henry David Thoreau (1817-1862), John Ruskin (1819-1900), León Tolstói (1828-1910), Mahatma Gandhi (1869-1948) e pelo pastor batista Martin Luther King Jr. (1929-1968). Uma característica da obediência ativa ou desobediência civil é realizar sua oposição de uma maneira digna, afastando seus defensores da violência, através da ação não violenta.

Está claro que toda decisão a favor da justiça exige não somente uma decisiva postura cristã, mas coragem. Falando do momento presente, a comissão que redigiu o documento de Grand Rapids sobre responsabilidade social, dirigida por John Stott, declarou: Há ocasiões em que a igreja precisa tomar posição firme, em relação a um princípio moral, custe o que custar, pois ela é a comunidade do Servo Sofredor, que é o Senhor, e é chamada a servir e sofrer com ele. A marca autêntica da igreja não é a popularidade, mas o sofrimento profético, e até mesmo o martírio. ‘Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos’ (2Timóteo 3:12).

Eis o desafio: sem ética de compromisso social não há cristianismo transformador e, no Brasil, corta pela raiz qualquer possibilidade prática do estar frente a frente com o outro diferente.

Considerações finais
Posicionar-se no Brasil de hoje, a partir de uma ética cristã de responsabilidade social, a favor do estar frente a frente com o outro diferente implica em entender uma contradição essencial, que muito possivelmente só poderá ser resolvida em longo prazo: vivemos num país onde impera a desonestidade e a prepotência, uma a ética da casa grande & senzala.

Como cristãos, entendemos que o uso egoísta de bens e posses, a corrupção, a discriminação social e a degradação humana só produzem miséria e sofrimentos. Não dizemos que o brasileiro está impossibilitado de criar e produzir coisas boas e belas, mas que sob tais condições, esta ação é efêmera.

Nossa atuação no campo social, a partir do estar frente a frente com o outro diferente, implica em entendermos esta realidade cultural brasileira e optarmos desde o primeiro momento por duas ações evangelizadoras que nos é exigida por Jesus Cristo: a educação solidária permanente e a formação de líderes conscientes de seu papel cristão e histórico.

Só assim, a construção de uma ética cristã de responsabilidade social no Brasil produzirá frutos permanentes e eternos, que florescerão através dos anos para a honra e a glória do nosso Senhor e Mestre. Por isso, não falamos de um momento, mas de um processo, que crescerá conforme cresça também a consciência ética dos cristãos brasileiros, de que fomos chamados pelo Senhor a desenvolver uma tarefa histórica, enquanto igreja, que é a de juntos com os setores éticos da sociedade transformarmos o Brasil num país onde todos tenham acesso a condições dignas de vida, à justiça social e à paz.

Soli Deo gloria!



jeudi 3 novembre 2011


A lembrar a Reforma
A Teologia da Cruz versus a Teologia da Glória

É interessante notar como a teologia da cruz de Martim Lutero atravessou todo o seu pensamento e sem ela conceitos fundamentais da teologia luterana não podem ser compreendidos perfeitamente. Com a teologia da cruz, Lutero se opôs à teologia da glória, que tem por base, entre outros textos, o Salmo 19.2-7:

O céu proclama a glória de Deus, o firmamento anuncia a obra da sua criação. Cada dia o transmite ao dia seguinte e cada noite o repete à outra noite. Não pronunciam discursos, nem palavras, nem fazem ouvir a sua voz. Contudo, a sua proclamação chega até ao fim do mundo e a sua mensagem é ouvida nos confins da terra Deus fez no céu uma morada para o Sol, que aparece de manhã, como um noivo feliz, saindo da sua cama, como um atleta que anseia começar a corrida. Ele sai duma extremidade do céu e alcança, no seu percurso, a outra extremidade. Não há nada que se furte ao seu calor”.

A teologia da glória fundamentou a Escolástica e foi central no pensamento de Tomás de Aquino. Considerava que a revelação do Eterno estava prioritariamente na natureza e que através da razão, corretamente dirigida, poderíamos conhecer o Criador.

Já para o reformador, o Eterno é “Deus abs­con­di­tus”, conforme encontramos em Isaías 45.15: “Na verdade, tu, és um Deus escondido, o Deus de Israel, o Salvador”.

Este Deus abs­con­di­tus Deus Israhel sal­va­tor se revelou na cruz. Lutero dizia que o Evangelho é para o ouvido. Só o coração contrito ouve o Evangelho. As coisas do mundo, crimes, desastres, guerras, não convencem do amor do Eterno. Temos medo do amor do Eterno é só confiamos nEle quando fechamos os olhos e abrimos os ouvidos.

A teologia da cruz de Lutero faz um versus com a teologia de glória. Isto porque a teologia da glória confunde o Eterno que se entregou à cruz e ao sofrimento com o Deus da filosofia grega, Deus de glória e poder, mas indiferente e impassível. O Deus da filosofia é diferente do Eterno na cruz, que se esvaziou de atributos divinos por amor.

Para entender a teologia da glória é importante compreender como se via a justificação na Idade Média. O conceito de justificação que prevaleceu na Patrística e na Escolástica partia da filosofia da divinização do ser. Agostinho defendia a idéia da infusão da justiça de Cristo no humano através do sistema sacramental da igreja ocidental romana. Para ele, a justificação era um processo que tinha início com a regeneração batismal.

Embora Lutero e sua teologia da cruz tenham sido influenciados por Agostinho, mais tarde, revendo a doutrina da justificação  disse que Agostinho havia chegado bem perto da compreensão paulina, mas que não alcançara Paulo. Por isso, se no começo de seus estudos devorava Agostinho, quando descobriu Paulo e entendeu o que era a justificação pela fé, descartou Agostinho.

Lutero se separou da teologia agostiniana ao ler a epístola de Paulo aos Romanos, em especial, 1.17: “Nele se revela a justiça de Deus por meio da fé. Como está escrito: aquele que é justo pela fé viverá”. Convenceu-se de que a justificação não era progressiva, e afirmou que “sola fide justificate”, isto é, só a fé justifica. Deixou de lado a justificação infundida, e passou a defender a justificação imputada pela fé. (1)

Para Agostinho e a tradição escolástica o sentido era “tornar justo”, por isso infusão. Para Lutero, o que Paulo dizia é “declarar justo”, ou seja, imputação, pois a justiça não é humana, não é inerente, mas colocada na conta. Dessa maneira, abandonou a doutrina da igreja ocidental romana da infusão da justiça, pois se a justiça de Cristo fosse infundida e não imputada, deveríamos crer que os pecados não foram imputados em Cristo, mas infundidos. Ou seja, são inerentes a Cristo, e Ele não foi feito à semelhança da carne pecaminosa, mas o pecado foi infundido nEle. Temos, então, um problema teológico: Cristo está desqualificado para ser a oferta aceitável pelo pecado, pois como o Eterno aceitaria um pecador para morrer pelos pecadores? Isso levaria o Eterno a afastar-se de sua justiça, a salvar de forma imoral.

Lutero descreveu a economia da salvação como uma “doce troca” entre Cristo e o humano, ao fazer uma paráfrase de trecho da Epístola de Mathetes a Diogneto: “Oh! doce troca! Oh! operação inescrutável! Oh! benefícios que ultrapassam todas as expectativas! Que a impiedade de muitos fosse oculta em apenas um justo, e que a justiça de um justificasse a muitos transgressores”, e então ele conclama: “aprenda Cristo e o aprenda crucificado, aprenda a orar a Ele, perdendo toda esperança em si mesmo e diga: Tu Senhor Jesus, és a minha justiça, e eu sou o teu pecado; tomaste em Ti mesmo o que não eras e deste-me o que não sou”.

A teologia da glória levou a igreja ocidental romana a erros em sua eclesiologia e teologia prática, entre elas à venda de indulgências. Mesclou sua ação com poder econômico e político. Ignorou o testemunho do Eterno de que o Cristo é o Filho, a Palavra, a revelação especial e perfeita, e procurou Deus na face da natureza. Não viu o Eterno agindo na história, não entendeu o clamor da Reforma.

A teologia da cruz (2) proclamou que toda ação do Eterno é amor e que sua obra é a redenção do mundo, que tem seu centro na cruz (3), quando, sob olhos humanos, o Filho do Eterno parecia abandonado. Por isso, como Lutero devemos ouvir.

Sugiro, como exercício de teologia prática, que você trabalhe a teologia da cruz neste sermão, que procura exemplificar a relação culpa versus graça, e que você pode usar na sua comunidade:

Ofensa e Culpa nos relacionamentos
· Mascaramento
· Transferência
· Fuga e manipulação

1. Traição e culpa
O exemplo de Judas, o Iscariotes.
Mateus 27.3-5
Quando Judas, que o havia traído, viu que Jesus fora condenado, foi tomado de remorso e devolveu aos chefes dos sacerdotes e aos líderes religiosos as trinta moedas de prata. E disse: "Pequei, pois traí sangue inocente". E eles retrucaram: "Que nos importa? A responsabilidade é sua". Então Judas jogou o dinheiro dentro do templo e, saindo, foi e enforcou-se”.

Para você desenvolver: Judas traiu sangue inocente. Pecou. Foi-se enforcar (5). Segundo At 1.18 ele se enforcou e a corda rompeu-se e Judas caiu no abismo rasgando o peito e o abdômen e tendo suas entranhas derramadas no solo. Estamos diante da culpa sem arrependimento, que leva à morte.

2. Traição e arrependimento
O exemplo de Pedro, o pescador.
João 21.15-17
(Jesus restaura Pedro) “Depois de comerem, Jesus perguntou a Simão Pedro: Simão, filho de João, você me ama mais do que estes? Disse ele: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse Jesus: Cuide dos meus cordeiros. Novamente Jesus disse: Simão, filho de João, você me ama? Ele respondeu: Sim, Senhor, tu sabes que te amo. Disse Jesus: Pastoreie as minhas ovelhas. Pela terceira vez, ele lhe disse: Simão, filho de João, você me ama? Pedro ficou magoado por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez Você me ama? e lhe disse: Senhor, tu sabes todas as coisas e sabes que te amo. Disse-lhe Jesus: Cuide das minhas ovelhas”.

Para você desenvolver: você é meu amigo, fileo? Você me ama, agapao, amar sem segundas intenções?

3. Arrependimento e perdão
1João 1.8-9
Se afirmarmos que estamos sem pecado, enganamos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça”.

Para você desenvolver: quando há arrependimento e confissão pecado, o Eterno é fiel e justo para nos perdoar de todos nossos pecados.


Notas
(1) Ronaldo Cavalcante, A doutrina da justificação pela fé – um exercício de diálogo teológico bilateral, Fides Reformata et semper reformanda est, v. 7, no. 1, p. 62-63.
(2) Carl E. Braaten e Robert W. Janson, Dogmática Cristã, Vol. 2, Sinodal, 1984, pp. 61-62.
(3) Joaquim J M Neto, A ótica da cruz, uma inversão da teologia. Londrina. Unifil. 
Site: eReformatio, No. 1, Março 2005, p. 4. web.unifil.br/docs/revista_eletronica/teologia/2005/a_otica_da_cruz_joaquim.pdf



Bibliografia recomendada
Carl E. Braaten e Robert W. Janson, Dogmática Cristã, São Leopoldo, Sinodal. 1984.
Gustav Aulén, Christus Victor: An Historical Study of the Three Main Types of the Idea of Atonement, trad. para o inglês por A. G. Hebert SSM, Londres, SPCK, 2010.
Helmar Junghans, Temas da Teologia de Lutero, São Leopoldo, Sinodal, 2001.
Oswald Bayer, A Teologia de Martim Lutero, São Leopoldo, Sinodal, 2007.
Ricardo Willy Rieth, Martim Lutero, Discípulo, Testemunha, Reformador, São Leopoldo, Sinodal, 2007.
Wilhelm Wachholz, História e Teologia da Reforma, “Introdução”, São Leopoldo, Sinodal, 2010.

Textos na internet
Christus Victor, in Wikipedia (04.11.2011).
Gilson Santos, Martinho Lutero: A Teologia da Cruz em Contraste com a Teologia da Glória. WEB: http://pt.gospeltranslations.org/wiki/Martinho_Lutero:_A_Teologia_da_Cruz_em_Contraste_com_a_Teologia_da_Gl%C3%B3ria (04.11.2011).
Mark Shaw, Uma Lição Sobre a Verdade: A Teologia da Cruz de Martinho Lutero. Site: Monergismo. WEB: www.monergismo.com/textos/cruz/teologia_cruz_lutero_shaw.pdf (04.11.2011).

mercredi 2 novembre 2011

PROGRAMAÇÃO DO PR. DIDIER ROCA NO BRASIL


Nosso desejo é que você o conheça e traga seus amigos para as atividades públicas 
que serão realizadas na Faculdade Teológica Batista de São Paulo
e em igrejas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Quarta-feira 09/11/2011 - (05:35h) Chegada a Guarulhos 
À tarde, encontro com pastores em Perdizes. À noite participação no culto de oração.
Quinta-feira 10/11/2011
Almoço com a participação de todos os envolvidos no Projeto A Cruz Huguenote
À tarde, passeio pela Avenida Paulista. 
À noite, fala sobre "O enigma das parábolas", no culto da Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
Sexta-feira 11/11/2011
Pablo e Patrícia Sacilotto passam o dia com o casal Didier e Catherine Roca.
Sábado 12/11/2011
Livre
Domingo 13/11/2011
Manhã IB em Perdizes - Participa do culto e prega
Noite IB em Vila Gerty – Participa do culto e prega
Segunda-feira 14/11/2011
Viagem para o Rio de Janeiro
Terça-feira 15/11/2011
Praia e passeio à tarde no Rio
Quarta-feira 16/11/2011
Praia e passeio à tarde no Rio
À noite participa em culto de oração
Quinta-feira 17/11/2011
Retorno a São Paulo
Sexta-feira 18/11/2011
Reunião com o Pr. Eli Fernandes e equipe ministerial.
Sábado 19/11/2011
Livre
Domingo 20/11/2011
Manhã – Participa do culto e prega
Noite – Participa do culto e prega na Igreja Batista da Liberdade
Segunda-feira 21/11/2011
Livre
Terça-feira 22/11/2011
Retorno para Paris



la croix huguenote*
Convergence pour l´appui et le développement des églises françaises et brésiliennes





mardi 1 novembre 2011

O catolicismo, análise e perspectivas – parte II

Por Jorge Pinheiro
(continuação do artigo publicado na edição anterior de ViaPolítica) 

III. A reforma católica 

O catolicismo romano não pode ser visto como um sistema teológico monolítico. Por isso, vamos analisar suas duas principais tendências teológicas e ver como, a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965), a tendência minoritária cobra alento e passa a nortear o pensamento católico rumo à alta modernidade. 

A tradição principal do catolicismo romano ressalta a transcendência de Deus e da Igreja como instituição divinamente convocada, é a Igreja vertical. Essa tradição teológica, autoritária e centralizadora, foi duramente combatida pela Reforma, mas predominou desde o Concílio de Trento (1545-1563) até o Concílio Vaticano II. 

A outra tradição teológica – conhecida como princípio do desenvolvimento doutrinário – que sempre existiu, embora tenha sido minoritária durante séculos, ressalta a imanência de Deus e da Igreja como comunidade, é a Igreja horizontal. 

A característica do catolicismo romano sempre foi sua eclesiologia, que realçou o papel da Igreja como mediadora da salvação. A vida sobrenatural era assim apresentada aos fiéis através de sacramentos, que são ministrados pela hierarquia. 

O documento mais importante do Concílio Vaticano II, aConstituição Dogmática da Igreja, revolucionou a eclesiologia católica romana. A ênfase tradicional na Igreja como meio de salvação foi substituída por uma compreensão da Igreja como mistério, “uma realidade imbuída da presença oculta de Deus” (Paulo VI). 

A concepção hierárquica foi substituída pelo conceito da Igreja como povo inteiro de Deus, e a rígida visão universal suplementada pela aceitação de sua plenitude em cada congregação local. 

E, no Decreto sobre o Ecumenismo, o Concílio Vaticano II afirmou que, por ocasião da Reforma, os dois lados estavam errados, passando a procurar a restauração da unidade cristã. Dessa maneira, reconheceu que a Igreja é maior do que a Igreja católica romana. 

Vejamos agora como o Concílio do Vaticano II viu e reinterpretou as bases teológicas do catolicismo romano: 

Papa 

É a “fonte e alicerce perpétuo e visível de unidade dos bispos e da multidão dos fiéis”. O Concílio também fortaleceu o colegiado dos bispos, modificando o governo monárquico da Igreja: “Juntamente com sua cabeça, o pontífice romano, e nunca sem sua cabeça, a ordem episcopal é revestida de supremo e pleno poder sobre a Igreja universal”. 

Os sacramentos 

O Vaticano II em nada mudou o princípio sacramental do catolicismo romano. O sistema sacramental foi elaborado durante a Idade Média, pelos escolásticos. Para o Concílio de Trento, os sacramentos são causas da graça e, por isso, podem ser recebidos independentemente do mérito do fiel. Segundo a teologia sacramental católica, os sacramentos conferem graça porque são expressões cristológicas do sacrifício de Jesus no calvário. Hoje em dia, os teólogos católicos preferem ligar os sacramentos à eclesiologia: não nos encontramos com Jesus, diretamente, mas com sua Igreja. Os sacramentos são sete. O batismo, a crisma e a eucaristia fazem parte da iniciação cristã. 

O batismo 

Todos devem ser batizados (ad remissionem), caso contrário não poderão entrar no reino do céu. Mas, além do batismo pela água, há o batismo pelo sangue (os mártires, Mt 2.16-18) e o batismo do desejo, recebido por aqueles que desejam o batismo, mas que estão impedidos de recebê-lo sacramentalmente. “Até mesmo aqueles que, sem culpa pessoal, não conhecem Cristo e Sua igreja podem ser contados como cristãos anônimos se os seus esforços para viver uma vida virtuosa realmente são uma reação favorável à Sua graça, que é dada a todos em medida suficiente”. 

Temos ainda a confirmação (ad robur); a eucaristia (natureza sacrificial da missa e transubstanciação); a penitência (satisfação, confissão, contradição e absolvição – a partir do Vaticano II o papel do sacerdote na penitência é visto como terapêutico, e o propósito do sacramento é a reconciliação com a igreja), a unção dos enfermos (esse sacramento hoje é ministrado durante a missa), o casamento (indissolúvel, mas permite as dispensações delimitadas pela Lei Canônica), as ordens (sacerdócio conferido pela ordenação), a lei canônica (jurisprudência católica romana), o culto à virgem Maria (o Vaticano II dissociou a mariologia da cristologia, removendo a ênfase do papel dela em nossa redenção e ligando-a à eclesiologia – é vista como modelo, mãe e membro destacado da Igreja), e a revelação (o Vaticano II definiu a tradição como interpretações sucessivas das Escrituras). 

Dessa maneira, o catolicismo romano, através do Concílio Vaticano II, deu início a uma reforma teológica: propôs a volta à Igreja horizontal, lançou as bases para um diálogo com "os irmãos separados" e preparou-se para reconquistar o terreno perdido nos últimos séculos. Mas, com a morte de Paulo VI, um novo papa, João Paulo II, de teologia tridentina, quer dizer, calcado nas doutrinas conservadoras do Concílio de Trento, colocou-se como opositor ao reformismo proposto pelo Concílio Vaticano II. E, agora, Bento XVI segue a mesma linha de seu antecessor. 

IV. O aggiornamento como solução 

Os bispos latino-americanos e, em especial brasileiros, sempre viram com bons olhos o reformismo e o progressismo do Concílio Vaticano II. E foi a partir daí, e de uma leitura das doutrinas sociais da Igreja, que nasceu seu envolvimento com as questões sociais.1 

Assim, para o frei Leonardo Boff,2 expoente da Igreja horizontal, a partir da Reforma no século 16 predominou, na Igreja Católica romana, a atitude de confronto: primeiro com as Igrejas protestantes e depois com a modernidade. Face à Reforma houve excomunhões, e face à modernidade, condenações contra a ciência, a democracia, os direitos humanos, a industrialização. 

"Em seu documento de 2000, Dominus Jesus, o cardeal Ratzinger reafirma tal visão com a máxima clareza e laivos de fundamentalismo". Esta atitude belicosa predominou até os anos 1960, quando foi eleito o papa João XXIII. Seu propósito era passar do anátema ao diálogo. Quis escancarar as portas e janelas da Igreja para arejá-la. Considerava blasfêmia contra o Espírito Santo imaginar que os modernos só pensam erros e praticam o mal, afirma Boff. 

É por isso que Carlos Signorelli, presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil, diz que, desde Puebla, em 1978, "há uma disputa de modelo de Igreja na América Latina. Um dos lados aposta no compromisso com os mais pobres, outro critica o uso de métodos sociológicos para a compreensão da Igreja e aposta na evangelização da classe média". 3 

Para Leonardo Boff, há bondade no mundo, como há maldade na Igreja. Importa é dialogar, intercambiar e aprender um do outro. A Igreja que evangeliza deve ela mesma ser evangelizada por tudo aquilo que de bom, honesto, verdadeiro e sagrado que puder ser identificado na história humana. 

"Deus mesmo chega sempre antes do missionário, pois o Espírito Criador sopra onde quiser e está sempre presente nas buscas humanas suscitando bondade, justiça, compaixão e amor em todos. A figura do Espírito ganha centralidade". 

Assim, o Concílio Vaticano II optou pelo diálogo com as igrejas protestantes e com a modernidade, através do mútuo reconhecimento e pela colaboração em vista de algo maior que a própria Igreja Católica romana, uma humanidade mais dignificada e uma Terra mais cuidada. 

Este aggiornamento, segundo Boff, trouxe vitalidade em toda a Igreja, especialmente na América Latina, que criou espaço para aquilo que se chamou de Igreja da base ou da libertação e da Teologia da Libertação. Mas acirrou também as frentes. Grupos conservadores, incrustados na burocracia do Vaticano, conseguiram se articular e organizaram um movimento de restauração, de volta à grande tradição. 

"Este grupo foi reforçado sob João Paulo II, que vinha da resistência polonesa ao marxismo. Chamou como braço direito e principal conselheiro, seu amigo, o teólogo Joseph Ratzinger, elevando-o diretamente ao cardinalato e fazendo-o presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, a ex-Inquisição. Aí se processou, de forma sistemática, vinda de cima, uma verdadeira Contra-Reforma Católica. O próprio cardeal Ratzinger no seu conhecido Rapporto sulla fede, de 1985, um verdadeiro balanço da fé, dizia claramente: 'A restauração que propiciamos busca um novo equilíbrio depois dos exageros e de uma abertura indiscriminada ao mundo'." 

Ele elaborou teologicamente a opção pelo confronto a partir de sua formação de base, o agostinismo, sobre o qual fez duas teses minuciosamente trabalhadas. Santo Agostinho, diz Boff, opera um dualismo na visão do mundo e da Igreja. Por um lado está a cidade de Deus e, por outro, a cidade dos homens, por uma parte a natureza decaída e por outra, a graça sobrenatural. 

"O Adão decaído não pode redimir-se por si mesmo, seja pelo trabalho religioso e ético (conforme defendia Pelágio), seja por seu empenho social e cultural. Em razão desta chave de leitura, o papa Bento XVI se confronta com a modernidade, vendo nela a arrogância do homem buscando sua emancipação por próprias forças. Por mais valores que ela possa apresentar, não são suficientes, pois não alcançam o nível sobrenatural, único caráter realmente emancipador. Nela vê, mais que tudo, secularismo, materialismo e relativismo. Essa é também sua dificuldade com a Teologia da Libertação. A libertação social, econômica e política que pretendemos, segundo ele, não é verdadeira libertação, porque não passa pela mediação do sobrenatural. Se o atual papa tivesse assumido uma teologia do Espírito, coisa ausente em sua produção teológica, teria uma leitura menos pessimista da modernidade", concluiu Leonardo Boff. 

Algumas considerações 

Assim, podemos ver que a visita de Bento XVI não teve como objetivo apenas enfrentar a crise externa da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, a perda de fiéis. Mas, também, enfrentar internamente um debate teológico sobre os caminhos do catolicismo na América Latina. 

No momento se dá um embate entre as duas posições analisadas. A Igreja latino-americana pende mais pela opção do diálogo. Essa é mais adequada à cultura brasileira, que não é fundamentalista, mas relacional. 

Essa luta interna na Igreja Católica não está resolvida. O certo é que o catolicismo romano, no Brasil, repetiu aqui os mesmos erros que o caracterizavam como sincretismo religioso na Europa medieval. Durante a colonização e o Império, foi considerado como o principal vínculo de unidade nacional, religião do Estado, que não permitia qualquer tipo de liberdade ou mesmo tolerância a qualquer outro pensamento religioso. 

Fruto desse monismo conservador e autoritário, aceitava o sincretismo, desde que acontecessem no seio da Igreja e não fora dela. Essa postura gerou o catolicismo popular brasileiro, que só começou a sofrer mudanças a partir do processo de industrialização, no século passado. 

A luta de teólogos como Leonardo Boff e de outros comprometidos com o Concílio Vaticano II é altamente positiva e se traduz numa aproximação ao pensamento reformado, em especial aquele defendido por Lutero. Mas esta luta não está definida. Podemos dizer apenas que a América Latina é hoje um dos centros onde essa guerra acontece e que, muito possivelmente, o mundo católico acompanhará o caminhar dos católicos latino-americanos e caribenhos. E aí reside a esperança daqueles que defendem oaggiornamento do catolicismo. 

Notas do autor 
1 Jorge Pinheiro, Teologia e Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, São Paulo, Fonte Editorial, 2006, pp. 147-184. 
2 Leonardo Boff, "Bento 16 e a guerra na igreja", Opinião, Folha de S. Paulo, 13/05/2007. 
3 Rafael Cariello, "Igrejas do papa e da América Latina se opõem em encontro", Folha de S. Paulo, 13/05/2007. 

Bibliografia 
Burns, Edward McNall, História da Civilização Ocidental, vol. 2, São Paulo, Editora Globo, 1990. 
Cairns, Earle E., O Cristianismo Através dos Séculos, São Paulo, Edições Vida Nova, 1992. 
Dussel, Enrique e outros, História Geral da Igreja na América Latina, Vozes, Petrópolis, 1985. 
Elwell, Walter (ed.), Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, vol. 1, São Paulo, Edições Vida Nova, 1993. 
Falconi, Carlo, La Chiesa e Le Organizzazioni Cattoliche in Europa, Milano, Edizioni di Comunitá, 1960. 
Lima, Délcio Monteiro de, Os Demônios Descem do Norte, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1991. 
Pinheiro, Jorge, Teologia e Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, São Paulo, Fonte Editorial, 2006. 
Walker, W., História da Igreja Cristã, vol. I, São Paulo, ASTE, 1967.