O
ESPÍRITO SANTO À LUZ DE UMA TEOLOGIA LUTERANA REFORMADA
Pelo Prof. Ms. Sergio Moreira dos Santos [1]
Prolegômenos
Robert
W. Jenson é professor de teologia sistemática na Luther Northwestern
Theological de St. Paul – Minnessota – EUA.
O
presente artigo tem como pretensão analisar o “Locus 8 – O Espírito Santo”,
escrito por Jenson em colaboração para o livro “Dogmática Cristã”, onde, além
de autor, é co-editor com Carl E Bratten, da edição original de 1984 com título
Christian Dogmatics – Philadelphia – EUA. A edição em português é de 1995,
co-editado pela editora Sinodal e IEPG (Instituto Ecumênico de Pós-Graduação)
da Escola Superior de Teologia da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no
Brasil.
Jenson
trabalha sobre o assunto, ou como o próprio autor define “o fenômeno” Espírito
em cinco blocos: introdução; no primeiro bloco trata sobre O Espírito que falou
pelos profetas (onde define o Espírito da sua atuação no Antigo Testamento, no
Novo Testamento e através dos credos); no segundo bloco ele propõe sua
soteriologia pneumatológica (tratando da graça, justificação e predestinação);
no terceiro bloco o autor fala do discurso (palavra) sobre o Espírito como
auto-interpretação da igreja (propõe uma cristologia eclesial e trabalha o tema
Espírito e seu relacionamento com Deus, com a letra, com a palavra e com a
historia), e no ultimo bloco trata do Espírito Cósmico (a sua universalidade
onde trabalha a lógica da pneumatologia cósmica, a liberdade da historia, a
espontaneidade do processo natural culminando na beleza de todas as coisas).
INTRODUÇÃO
Jenson
define o Espírito como fenômeno universal na experiência humana e
universalmente observado, ou seja, na palavra de Jenson o espírito é
autotranscendência ; a vivacidade de
toda vida é justamente sua origem e seu fim de além de si própria. Com isso o
Espírito é um ser pessoal, criativo, participativo, presente para o outro e no
outro e o deixa como é. O Espírito interfere na vida, a humanidade é Espírito.
Dessa
forma nenhum modo de vida humana está
tão preso à tradição ou entorpecido que não seja um vento soprado
a nós por nós, para escapar da própria apreensão e que não experimentamos isso
em nós mesmos.
De
forma, Jenson afirma Deus se for o Deus dos vivos e não dos mortos, deve ser
espírito tão certamente que todos os demais espíritos são, diante dEle,
não-espírito, “carne” (Is 31.3). O fato de que nós também somos espíritos torna
possível que Deus esteja presente conosco como espírito. É fundamental
salientar que na Escritura Deus seria Deus mesmo que não houvesse outros
espíritos e que a realidade deste Deus como espírito constitui justamente essa
independência.
Jenson
diz que, ao falar a uma congregação
sobre Deus, enfrentaremos mais cedo ou mais tarde a pergunta em relação a
importância ao ‘Espírito’, e, ao aprofundarmos nisso, descobriremos que o que
se quer de fato é uma análise da experiência religiosa, um empreendimento que,
em si, é perfeitamente legítimo e necessário.
Cabe
salientar que quando o Novo Testamento chama de “Espírito” é o “espírito de
Javé”, distinto e independente, o Espírito
particular de Jesus e seu Pai, distinto de nós como nós somos um do outro. E o modo da presença deste
Espírito Santo junto a outros espíritos é sempre o do Criador em relação às
criaturas.
I -
O ESPÍRITO QUE FALOU PELOS PROFETAS
Para
entender a experiência cristã do Espírito e o ensinamento cristão a respeito
dele, o ponto de partida sucinto é o relato neotestamentário de Pentecoste, não
a história do vento, das chamas e de um milagre lingüístico, mas a interpretação
bíblica que se segue e por causa da qual Lucas narra história (At 2.16-33). Na
igreja primitiva, os fenômenos religiosos ocorridos nas reuniões dos discípulos
do Senhor recém-ressuscitado foram interpretados como o cumprimento de um tema
fundamental da vida de Israel: A Vinda do Espírito de Javé para constituir
profetas.
Através
de toda a escritura hebraica, “ruah Javé” mantém seu impacto original. O
Espírito é experienciado como uma força transcendente que põe em movimento,
para criar ou derrubar, quer na natureza, quer na sociedade, isto é verdade em
especial nos documentos que expressam diretamente a vida religiosa. Na tradição
narrativa de Israel, o Espírito é sobretudo o poder de Deus que atua sobre e
através da liderança carismática de Israel.
Segundo
Jenson decisivo para nós é o fato de que a Vinda do Espírito para evocar a ação
política é regularmente justaposta à sua vinda para evocar a profecia. Só
compreendemos a importância da correlação entre o Espírito e a palavra se nos
lembrarmos de uma característica decisiva da própria palavra profética; não se
trata meramente de uma palavra sobre o futuro, mas de uma palavra que cria
futuro. Sl 33.6, a palavra do Senhor é terminus technicus, designando a palavra
profética. Assim os reis temiam os profetas arcaicos porque seus oráculos não
apenas prediziam a vitória ou derrota mas também faziam com que elas
ocorressem. O Espírito é liberdade para a palavra que abre o futuro e o poder
desta palavra.
A
vinda e a presença do Espírito, características dos anunciadores da promessa se
tornaram também conteúdo da promessa. Isto não requer nenhuma outra explicação
inicial além da idéia básica de Espírito. Visto que o Espírito é poder de Deus
como vida de Israel, uma promessa de vida nova para Israel precisa ser uma
promessa de uma nova Vinda do Espírito. Mas tal promessa não será anunciada até
que for a nova vida que precisa ser prometida, até que a esperança de Israel
tiver se tornado não meramente esperança de ter boa sorte em termos históricos,
mas esperança de ser liberto da morte, até que sua esperança tenha tido que se
tornar escatológica.
Na
profecia pós-exílica afirmam-se, em princípio, as conexões. Deve haver uma
esperança escatológica exatamente porque Deus é o doador do Espírito e por isto
o Deus da Vida, e não da morte (Is 57.16). E a presença do Espírito é a união
das promessas feitas pelos atos passados de Deus com seu triunfo final (Ag.
2.4-8). O Espírito é a realidade presente, em ambos os sentidos, do poder
escatológico de Deus. O Espírito é ao mesmo tempo a garantia e o objeto da
esperança final. Disto resulta duas sínteses: a messiânica – que, no final,
haverá vida triunfante porque o povo de Deus será reunido por e em redor de um último profeta, um portador final do
Espírito. A outra síntese é comunitária – no final a morte será vencida porque
todos os integrantes do povo de Deus serão profetas, portadores da vida. A
esperança da vinda de uma nação de profetas surge tarde na história de Israel e
é rara, mas, quando aparece, é com força total.
Nos
sinóticos, o Espírito Santo significa apenas o Espírito da profecia. O Espírito
inspira pronunciamentos e produz arrebatamento. Mas também a realidade criadora
de vida do Espírito aparece no uso dos evangelhos – notavelmente, porém, só em
contextos ligados de modo estreito à obra profética do Espírito. Essa linguagem
tradicional se concentra quase totalmente em referencias à pessoa de Jesus. Há
três grandes centros de linguagem a
respeito do Espírito na narrativa dos evangelhos: O Batismo de Jesus
(que todos evangelhos descrevem como uma descida do Espírito); O Nascimento de
Jesus (Deus cria esta criança de modo direto como algo completamente novo); e,
As Obras de Jesus (curas de vida, no Espírito de Deus). Em Lucas essas
percepções da comunidade primitiva são elaboradas teologicamente.
Duas
características são constantes e decisivas deste Espírito profético: o Spiritus
Creator, ou seja, o sopro da vida que ressuscita os mortos e pode até dar a
vida a uma estátua. O Espírito é o oposto ontológico da morte, tanto Cristo
quanto nós morremos “pela carne” mas ressuscitamos “pelo Espírito”. A inspiração por este
Espírito é invariavelmente entendida de modo cristológico. A segunda é o
batismo. A convicção de que todos os batizados possuem o Espírito precisa
significar ou que todos os membros da congregação são explicitamente profetas
ou que a experiência e a compreensão da possessão do Espírito incluem fenômenos diferentes da
profecia manifesta.
Paulo,
segundo Jenson, dá dois passos em relação ao Espírito. Primeiro ele separa de
fato, aquilo que constitui a atividade profética em “dons” distintos, de
maneira que haja pelo menos um dom para cada crente, até para o menos extático.
Segundo, ele identifica o traço comum que qualifica todos estes como dons do
Espírito afirmando que se trata de contribuições para o “bem comum”, de
“edificação” da comunidade e sua unidade. O Espírito é o poder da ressurreição
tanto agora quanto eternamente.
Além
disso, temos a pneumatologia patrística, que se localiza nas mesmas áreas como
no Novo Testamento: profecia e batismo. O Espírito inspira a palavra, cria a
igreja, é dado por ocasião do batismo, vence a morte e é uma antecipação da
vida final.
II - SOTERIOLOGIA PNEUMATOLÓGICA
Jenson
declara que a salvação, a justificação, a graça
sacramental, a fé, a predestinação etc. foram os temas que fascinaram os
pensadores ocidentais, e não tanto a trindade divina ou a união hipostática.
Isto é, o trabalho teológico do Ocidente
tem se voltado principalmente
para o terceiro artigo.
Em
contrapartida, a igreja latina tinha preocupações mais práticas, Tertuliano,
por exemplo, declara: “todo homem deve prestar satisfação a Deus na mesma
questão em que o ofendeu”. O cristianismo latino se traduziu numa justiça pelas
obras. Agostinho juntou as preocupações práticas da Igreja latina com a
doutrina de Deus e de suas obras transformadoras desenvolvidas no Oriente que
foi criado o cristianismo ocidental como o conhecemos, em que a preocupação é
justamente o efeito prático da realidade viva de Deus em nossa vida. Antes da
reforma, no entanto, este empreendimento teológico foi encetado não como
doutrina do Espírito, mas como uma doutrina da graça.
A
doutrina da trindade elaborada pelos pais gregos conceptualizou a relação
criativa de Deus com seu povo fiel de uma maneira especificamente bíblica. Para
Agostinho, as três pessoas, em relação a nós, são indistinguíveis quanto à sua
função. Assim, Agostinho não tinha mais condições de conceptualizar a relação salvífica entre Deus e as criaturas
dizendo que o Pai e o Filho estão presentes de forma transformadora no Espírito, como o fizeram os gregos que
deram origem ao trinitarismo. Tendo obstruído assim a compreensão
especificamente cristã da relação de Deus com os fiéis, Agostinho acabou se
posicionando como é de costume na religião cultural do Ocidente: de um lado
está Deus, concebido como uma entidade sobrenatural que age sobre nós de maneira causal; de outro lado estão, entre
nós, os resultados desta causalidade. Na tradição latina subseqüente, tanto Deus quanto os objetos
desta causalidade são, por conseguinte,
interpretados de acordo com esse esquema: eles são “substâncias”, entidades
fundamentalmente auto-sustentadoras e auto-suficientes, que “atuam” uma em
relação à outra, sendo que o resultado dessa ação é, em nós, um habitus, uma
disposição adquirida para portar-nos e reagir em obediência à vontade de Deus.
Tomás
de Aquino declara que a graça pode ser entendida em dupla acepção: como auxilio
divino que nos move a querer e agir retamente, e como um dom habitual
(habituale donum) que Deus infunde. Segundo Jenson isto cria ou leva ao
problema da cooperação entre o Deus gracioso e a criatura agraciada. O problema
tem sido crucial em toda teologia ocidental. Aquino continua dizendo que a
graça como uma qualidade divina é uma qualidade dos fiéis tomadas em conjunto,
é dividida por uma distinção que o divide em operante e cooperante. Pois a
operação que produz o efeito pelo qual a nossa alma é movida e não motora, pois
só Deus é quem move; e tal é a graça operante. Porém não só Deus, mas também à
alma é atribuída a operação causadora do
efeito pelo qual a nossa alma é motora e movida; e tal é a graça cooperante.
Deus é o único agente da salvação, mas não existe nenhuma maneira em que uma
vontade possa ser “movida” autenticamente a não ser que ela própria também
queira.
Além
disso, quando se compreende a relação
salvífica entre Deus e os crentes como a causalidade de uma substância em
relação à outra, a salvação é necessariamente entendida como um processo. Isto
é a graça é compreendida como a causa primária de uma seqüência de evento, dos
quais cada um precisa acontecer para que o próximo se torne possível. A
tradicional doutrina da graça é uma estrutura de justificação pelas obras alojada
no centro da preocupação e realização teológica principal da Igreja Ocidental.
De
acordo com Jenson foi exatamente essa perversão que tornou a reforma
necessária. A reforma foi um protesto contra toda maneira de pensar e proclamar
a fé, e contra as estruturas correspondentes das liturgias ocidentais medievais
da penitência e da Ceia. Assim, uma conseqüência imediata da descoberta de
Lutero foi a recuperação do discurso bíblico é pré-agostiniano sobre o
Espírito, uma capacidade quase extraordinária de simplesmente falar e escrever a linguagem bíblica e
patrística sobre o Espírito.
A
mera substituição do termo ‘graça’ por ‘obra do Espírito Santo’, como os
teólogos que seguiram Lutero passaram a fazer regularmente, não é , no entanto,
uma garantia de que a antiga perversão
tenha sido superada. O pietismo luterano ortodoxo transformou-se numa
fixação tradicional de uma seqüência normal na experiência cristã. Começando
com a proposição, ortodoxa em termos de descrição, de que a ‘imputação da
justiça de Cristo’ é prometida apenas ao “arrependimento não-fingido”. A
calamidade se completa então com alguém como August Hermann Francke, que,
apesar de toda a sua apropriada insistência luterana em afirmar que o evangelho
sempre é decisivo, determinou de maneira categórica que o evangelho
simplesmente não pode ser ouvido até que a ‘batalha do arrependimento’ tenha
terminado, fazendo a terminação da batalha depender da sinceridade e
persistência do penitente.
O
que se faz necessário em face de toda a doutrina tradicional da graça é um
deslocamento total no discurso pneumatológico, passando desse ponto de
observação da terceira pessoa, de uma tentativa de descrever um processo entre
Deus e a criatura, para um local dentro da execução da proclamação e do ensino
na primeira e segunda pessoas.
A
pneumatologia deve tornar-se uma reflexão hermenêutica, reflexão sobre o
discurso cristão feita durante seu decorrer, como parte do que esse discurso
realiza, reflexão sobre como falar o evangelho feita internamente a esse falar
– o que nos leva ao segundo modo teológico da Reforma: o dogma proposto da
‘justificação somente pela fé’. A doutrina da justificação da Reforma não é uma
nova tentativa de descrever um processo da graça. A doutrina é, antes, uma
instrução hermenêutica para pregadores, mestres e confessores: falem de Cristo
e da vida de sua comunidade de tal maneira que a justificação para aquela vida
aberta por suas palavras seja do tipo que é apreendido pela fé e não do tipo
constituído em obras.
Chamamos
a doutrina reformatória da justificação de ‘proposta dogmática’. Se
descrevêssemos a asserção central da Confissão de Ausburgo, a justificação
somente pela fé, simplesmente como um dogma, excluiríamos da Igreja verdadeira
a maior parte do cristianismo ocidental que não aceitou a asserção.
Jenson
lembra que a instrução não deve induzir à conversão ou manipular para
consegui-la mediante nosso discurso; a conversão dos ouvintes precisa
realizar-se como o próprio ato de anúncio do evangelho. A conversão é uma
mudança na situação de comunicação dentro da qual toda pessoa vive.
Outro
ponto enfatizado por Jenson é a predestinação, onde ele afirma que a
predestinação é simplesmente a doutrina da justificação formulada na voz ativa.
Se mudamos: “somos justificados somente por Deus” do passivo para o ativo,
obtemos: “somente Deus nos justifica”. Nenhum pensamento cristão, nem mesmo um
pensamento remotamente cristão, pode evitar uma doutrina da predestinação. Se o
Deus da Bíblia existe, não pode haver qualquer coisa parecida com o livre-arbítrio
(liberum arbitrium) da discussão tradicional.
Deus
não apenas ordena absolutamente minha salvação na palavra cristológica dirigida
a mim: como Criador ele ordena absolutamente todos os eventos. O falar do
evangelho é o evento da predestinação pelo fato de que o evangelho concede
aquilo de que fala, mas esta eficácia escatológica do evangelho é o Espírito.
Devemos parodiar Barth: o Espírito Santo é o Deus que elege.
Só
Deus ordena todas as coisas’ é um corolário necessário do mesmo.
III
- DISCURSO SOBRE O ESPÍRITO COMO AUTO-INTERPRETAÇÃO DA IGREJA
Nesta
altura Jenson entra no terceiro bloco que trata do Espírito e a Igreja.
Lembra-nos que a pneumatologia funciona como uma cristologia eclesial, toda
comunidade tem espírito, portanto, a minha vida também é, ela própria espírito.
A igreja, assim como qualquer comunidade, tem um espírito. E como a igreja
simplesmente é os discípulos de Jesus, seu espírito e o Espírito de Jesus são
idênticos. O ponto crucial é a prometida vinda do Espírito em termos materiais
na linguagem do poder e dos sinais de Mateus e Marcos, explicitamente por
Lucas.
O
fato de sermos comunidade de Jesus define a Igreja. Quando a igreja se defronta
com decisões e problemas que fazem refletir sobre o seu próprio propósito e
caráter, ela deve refletir cristologicamente e interpretar a si própria à luz
do fato e da identidade do Jesus ressurreto; a Igreja desenvolve
necessariamente uma espécie de cristologia eclesial.
Cada
comunidade possui espírito, de fato um espírito. E cada comunidade tem algum
deus. Inversamente, o espírito de uma comunidade é ou o espírito de seu deus,
ou um dinamismo ameaçador e misterioso – talvez demoníaco. Assim a comunidade
se confronta com a transcendência, e a transcendência aparecerá ou como a defesa
da comunidade contra o espírito que assim a desorienta, ou como a própria
desorientação. A igreja reivindica ser estabelecida como comunidade pelo
cumprimento da esperança final de Israel em relação ao Espírito. Assim a
identidade de Deus e Espírito é obrigatória também para a Igreja. Só mais um
fator determinante deve ser lembrado: na igreja há um termo médio. O Espírito é
o Espírito de Jesus; o Pai é o Pai de Jesus; e assim o Pai e o Espírito são um
só Deus. A unidade de Deus e do Espírito é trinitária. Na Igreja, o Pai é o
estar dado de Deus e o Espírito é a futuridade de Deus; e estes se opõem apenas
pelas maneiras diferentes em que cada um é o único e mesmo Deus.
O
Espírito da Igreja deve estar sujeito à letra sobre Cristo e justamente assim
ser o Espírito livre de Cristo. Compreender e praticar essa dialética é uma
tarefa pneumatológica essencial e permanente da Igreja. A identificação de Deus
e Espírito e de Cristo e Espírito por Israel e pela igreja é simultânea com a
identificação de palavra e Espírito e dependente dela.
Onde
há comunidade, aí há comunicação. E ou a palavra é, ela própria, espírito, ou
então é resistência ao espírito; inversamente, ou o espírito é a palavra, ou
então subverte a palavra. A palavra é, em todo caso, a realidade de nossa
relação uns com os outros e assim com o futuro; é pela linguagem que temos um
mundo, de sorte que possivelmente nos encontremos nele. A missão da igreja só
pode ser descoberta num ato de linguagem, de interpretação.
Jenson
chega a afirmar que não pode haver dúvida quanto à opção da Igreja. Ninguém
entra na Igreja ou recebe seu espírito a não ser pelo Batismo, isto é,
historicamente, por um evento na vida da pessoa. Mesmo a prática do batismo de
infantes não muda isso; ela apenas reconhece que o nascimento num lar que já
está sob a disciplina da Igreja pode implicar um direito de iniciação.
O
Espírito é a liberdade ilimitada de Jesus, libertada pela ressurreição. O que
as pessoas fazem em sua liberdade é história. Assim também no caso de Jesus: o
Espírito é a liberdade de Jesus efetuar realidade histórica. O Espírito é
exatamente o contrário de uma libertação da história, ou de uma esfera de ser
além da história. O Espírito é precisamente a liberdade de Jesus de ser pão e
vinho, de viver em nossas congregações historicamente efetivas.
IV -
ESPÍRITO CÓSMICO
Neste
ponto, Jenson amplia a dimensão do Espírito, ou seja, não só particular de
Israel, de Jesus e da Igreja, pois o Deus de Israel é o Criador de todas as
coisas. Assim, se o Espírito Santo é
Deus, o vento deste Espírito, deve soprar sobre e através de todas as coisas.
No Novo Testamento, o Espírito criador é quase exclusivamente proclamado como
Criador da vida nova do povo particular de Deus; mas a própria
significatividade deste discurso do Novo Testamento depende das escrituras
hebraicas, que evocam o Espírito como criatividade universal.
Jenson
diz que na tradição parece haver três temas: o Espírito é a liberdade da historia universal; o Espírito é a
espontaneidade do processo natural (com este termo Jenson, quer dizer que a
realidade não é composta de coisas, mas de eventos, ou , como alguns preferem
dizer, de ocasiões efetivas); o Espírito é a beleza da criação (com este termo,
o espírito cósmico trata do culto, da liturgia, e o seu caráter comunitário, a
beleza de todas as coisas).
Irineu
afirma que, pela palavra, Deus concede a mera existência, pelo Espírito, ele
transforma o que existe num “cosmo”, num todo ordenado cuja ordem é
fundamentalmente uma ordem de adequação e adaptação mútua.
Jenson
faz uso de Hegel para argumentar o Espírito cósmico. Segundo Hegel uma
percepção central da tradição ocidental é que a realidade, no fundo, é
consciente. a consciência universal pela intuição bíblica da consciência como
sendo primariamente espírito. O mundo subsiste pelo fato de ser transformado,
por um Deus que é – longe de uma mente estática – Espírito Vivo. Hegel
formalizou a lógica desse sentido por meio de sua famosa dialética de três passos. A história é feita
de tese e antítese. A história faz sentido porque exatamente de tal contradição
surge uma nova tese, uma síntese.
A
consciência universal evoca o mundo, o mero objeto inconsciente, como seu
próprio contrário. Mas exatamente assim
a Consciência encontra seu próprio Sentido – e sentido é a própria
essência da consciência – nesse objeto, por meio dessa aço transformadora para
realizar-se como Espírito e não mera Mente, e para realizar o mundo como
história e não mero cosmo. Assim, o Espírito não apenas cria, mas também
envolve o mundo; o Espírito é a liberdade da história universal. O Espírito é o
ato em que Deus como Consciência supera os empates aparentemente estáticos da
história, pela descoberta criativa do sentido das contradições. O Espírito é a
liberdade daquilo que meramente é, e justamente assim está envolvido em alguma
contradição, para a nova síntese que resultará em conflito.
Se
Jesus ressurreto é Senhor, ele não é apenas Senhor da Igreja, mas sua vontade
determina a história não apenas dos que crêem, e sim também de todas as nações.
O senhorio específico de Cristo fora da
igreja ocorre quando e onde o milagre da criatividade “sintética” hegeliana
ocorre efetivamente. Vamos postular, sem
ambigüidade, o primeiro, identificando a síntese histórica como ação de Jesus,
como o que é possível apenas para alguém
ressurreto.
Jenson,
usando Hegel, chega a nossa tese: O Espírito de Jesus é a espontaneidade do
processo natural.
A
pneumatologia é a tentativa de explicar toda a obra de Deus como realidade
comunitária entre nós. A pneumatologia é
a tentativa de fazer da própria insistência de Lutero no “para nós”, como
condição de todo discurso significativo sobre Deus, a vantagem desse discurso.
Se a tentativa pode ter êxito, devemos julgar juntos – como uma decisão pelo
Espírito.
Considerações
Finais
Jenson
faz um tratado pneumatológico luterano, onde a expressão inicial “a humanidade
é espírito”, pode ser entendido fora do contexto luterano como uma idéia
panteísta ou panenteísta. Dentro do contexto do pensamento construído por
Jenson a frase simplesmente transmite a verdade da criação. Deus e o Espírito
são um só.
[1]
Sergio Moreira dos Santos, pastor batista, cursou o Bacharel em Teologia
pela FTBSP – Faculdade Teológica Batista
de São Paulo. É professor da Faculdade Evangélica de São Paulo e do Seminário
Teológico Batista do Sudeste do Brasil. É mestre em teologia, na área de
Teologia e História pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Este texto
ele produziu para aula que ministrou em junho de 2004, na FTBSP.