mardi 19 janvier 2016

EINSTEIN E OS CAMINHOS DA CRIAÇÃO, texto final

 EINSTEIN E OS CAMINHOS DA CRIAÇÃO
A COSMOGONIA JUDAICA E O CONCEITO 
ESPAÇO-TEMPO EM GÊNESIS UM

 

Jorge Pinheiro, PhD



Aos olhos de Hitler e de seus fiéis, conforme descreve Raphaël Draï [La Pensée Juive et L’Interrogation Divine, Exégèse et Épistémologie, Paris, Presses Universitaires de France, 1966, p.1], existia um perigoso pensamento judaico, caracterizado por sua essência maléfica, inspiradora da física de Einstein, da literatura de Kafka, da música de Schoenberg e da psicanálise de Freud.

Deixando de lado os delírios hitlerianos, podemos dizer que há um criativo pensamento judaico, que através dos séculos soube combinar Torah e conhecimento, ética e epistemologia. Nosso propósito é, numa primeira aproximação, mostrar que os estudos judaicos dos conteúdos de Gênesis Um produziram uma epistemologia que interliga o conceito espaço/tempo em Gênesis Um com a teoria da relatividade. Essa dialética tem especial importância para a teologia, já que a partir dela podemos entender melhor a literalidade poética de Gênesis Um.

No começar Deus criando o fogoágua e a terra.

E a terra era lodo torvo e a treva sobre o rosto do abismo

E o sopro-Deus revoa sobre o rosto da água.
[Tradução de Augusto de Campos in Bere’shith, A Cena da Origem, SP, Perspectiva, 1988, p. 45].

O desafio maior para quem analisa significações é o próprio exercício da leitura. O desejo de conservar a linguagem pode levar a uma solução oposta àquela se pretende. Considerar o simbólico como abstrato e irrelevante é, em última instância, separar signo e objeto. Assim quando um texto passa a ser apenas e somente um conjunto fechado costumamos dizer que compreendemos o referido texto. Mas ao fazer isso, na verdade, eliminamos a possibilidade de restaurar sua intenção original e de ultrapassar a letra para captar o sentido primeiro de seu autor. Logicamente, esse midrash tem como ponto de partida, e exige como garantia, a compreensão do primeiro discurso.

Em novembro de 1942, o poeta e crítico Ezra Pound afirmava que “o mistério profundo da vida é descobrir porque os outros não compreendem aquilo que se escreve e diz. A coisa parece simples e clara ao escritor, mas outros o tomam em sentido diferente. E se gastam anos para saber porque e como” [Ezra Pound, Lettere 1907-1958, Milão, Feltrinelli Editore, 1980, p. 7].

Logicamente, como autor e crítico, Pound falava de hermenêutica em seu sentido laico, que não implica na inesgotabilidade do texto sagrado. Produto não inspirado, esse texto, fruto da inteligência e arte de um homem, pode ser percorrido por outro homem em sua totalidade, arrancando do discurso poético os elementos lógicos que lhe deram constituição, interpretando-o com tal maestria e clareza quanto poderia fazê-lo seu próprio autor. Mas mesmo assim, como alerta Pound, isso pode transformar-se em tarefa de anos.

Interpretar o texto bíblico, decifrá-lo, arrancar dele significações é um desafio que não se resume a um homem ou a um curto período de anos. É nosso pressuposto que Gênesis Um enquanto palavra/ordem do Deus criador apresenta mais conteúdos do que é perceptível na leitura de toda uma geração. Aqui há uma dialeticidade que permanecerá no equilíbrio de seus contrários, sem solução ou síntese enquanto houver história: a revelação do que é perfeito dá-se através de um instrumento imperfeito, a linguagem humana. Nossa necessidade histórica de interpretar nasce daí, dessa inadequação entre significante e significado.

“A tarefa do intérprete consiste, pois, na explicitação da mensagem divina, através do raciocínio bem dirigido. As conclusões a que se chega nada acrescentam ao significado do texto, pois já estavam contidas ali desde sempre; embora para ele sejam novas, uma vez que diferem do que está escrito, em si mesmas não o são, porque estavam gravadas no subsolo do texto que se interpretou. Contudo, sendo a Bíblia obra de um ser infinito, as interpretações jamais se esgotam. Cada novo corte no texto aprofunda o seu sentido, mas é sempre possível avançar mais. Elas se sucedem através do tempo, porém, por mais surpreendentes que pareçam, têm a garantia de se situarem no mesmo campo inicial”. [Renato Mezan, Freud: A Trama dos Conceitos, SP, Perspectiva, 1982, p. 342].

Exatamente, por isso, parto do pressuposto de que a teologia judaica nos últimos mil e novecentos anos apresenta uma hermenêutica bastante criativa do Gênesis Um. Essa hermenêutica ou midrash não ficou restrita aos círculos rabínicos, mas fez parte da tradição e da cultura do judaísmo através dos séculos. Escritores, artistas e cientistas judeus utilizaram esses conhecimentos em seus campos de trabalho. Einstein conhecia essas fontes, em parte desconhecidas para o mundo cristão, mas ricas e cheias de significados para todo intelectual judeu. Por isso, esta releitura da teoria do caos tem como roteiro a cosmogonia judaica e as idéias centrais da teoria da relatividade.

Albert Einstein era judeu, acreditava em Deus criador, mas não aceitava o conceito bíblico de Deus pessoal. Foi um sionista militante durante toda sua vida, a ponto de em 1952 lhe ser oferecida a presidência de Israel. Não aceitou. Estava casado com a física. “As equações são mais importantes para mim porque a política é feita para o presente, ao passo que uma equação é algo para toda a eternidade”. [Stephen W. Hawking, Uma Breve História do Tempo, RJ, Rocco, 1988, pp. 240-241].

DO TZIMTZUM AO PROCESSIO DEI AD EXTRA

Apesar de seus matizes, o judaísmo mostrou uma coerência em relação à hermenêutica de Gênesis Um, a defesa da criação ex nihilo. Assim, o recuo de Deus para permitir que surgisse o vazio, o nada, e nele o universo finito, é desenvolvido na teoria da contração, em hebraico tzimtzum. Essa teoria formalizada pelo rabino Luria (1534-1572) é uma das concepções mais surpreendentes do pensamento judaico. Isaac Luria, um dos maiores expoentes da tradição mística no judaísmo, nasceu no Cairo, mas desenvolveu seu ministério em Safed, na Palestina.

A expressão tzimtzum significa originariamente concentração, mas acabou sendo entendida como retirada. Segundo Scholem, Luria partiu de textos do Midrash, onde encontramos que Deus concentrou sua Shekiná, sua presença divina, no Santo dos Santos, assim todo seu poder retraiu-se num único ponto. É assim que surge a expressão tzimtzum. [Exod Raba ao Êx 25:10, Lev. Raba ao Lv  23:24; Pessikta de Rab Kahana, Ed. Buber 20 a; Midrasch Schir Ha-Schidim, Ed. Griinhut (1899), f. 15b, citado por Gershom Scholem, A Mística Judaica, SP, Perspectiva, 1972, p. 263].

"O que aconteceu antes do começo dos tempos para que houvesse um começo?" Até que Isaac Louria se interessasse por essa questão, o Deus das religiões só interessava desde que ele se manifestasse pelos homens. A Deus pré-criação não era uma preocupação nem um grande problema, de acordo com Charles Mopsik1.

"Como Deus criou o mundo? Como um homem que se concentra e contrai a respiração, para que o menor possa conter o maior. Assim, concentrou sua luz em uma mão, à sua medida, e o mundo ficou na escuridão, e nessa escuridão ele esculpiu as pedras e esculpiu a pedra ”, explica Isaac Louria2. Louria concebe assim a primeira manifestação de Deus. Nahmanide, um cabalista do século XIII, imaginou um movimento original de contração, mas até Louria, essa idéia nunca havia se tornado um conceito cosmológico fundamental, observa Gershom Scholem.

"A principal originalidade da hipótese lurânica é que o primeiro ato da divindade transcendente - o Ain Sof, o Infinito - não é" um ato de revelação e emanação, mas, pelo contrário, um ato de ocultação e restrição.

Esta tese parte da idéia de que a transcendência divina, o Ain Sof, não deixa espaço para a criação, porque não é possível imaginar que seja um domínio que ainda não esteja nele, pois esse domínio , então, contradiz o infinito de Ainn Sof. Conseqüentemente, a criação só é possível pela "retirada de Deus em si mesmo", ou seja, pelo tzimtzum pelo qual Deus contrai ou se concentra em si mesmo para permitir algo que não é o Ain Sof que existe.

Essa contração ou concentração cria o vazio, ou seja, o espaço dentro do qual o cosmos ocorre e é organizado aos poucos, desdobrando-se por toda uma série de mundos entrelaçados1. Parte da divindade é retirada, a fim de deixar espaço para o processo criativo do mundo, uma retirada que precede toda emanação, segundo Louria.

A tradição talmúdica já envolvia tzimtzum. Assim, de acordo com o Talmude, Deus contratou em si mesmo para encontrar acomodação em um único lugar, o Santo dos Santos no templo de Jerusalém. Mas Isaac Louria dá ao tzimtzum o significado oposto, observa Scholem: "Não se trata de concentrar o poder de Deus em um único local", mas de sua retirada de um local".

O lugar de onde Deus se retira consiste apenas de um "ponto", comparado ao seu infinito, mas esse ponto vazio, esse ponto espacial, inclui o mundo e todos os seus graus de existência, tanto espirituais quanto corporais, segundo Louria. É o espaço primordial, chamado tehiru, de Louria, um termo retirado do Zohar.

É a partir dessa concepção que o Ain Sof é esclarecido na teoria lurianiana. O Ain Sof, segundo Louria, inclui imediatamente dois aspectos fundamentais: o da misericórdia, o aspecto masculino, e o do Julgamento, o aspecto feminino. Ambos estão nele desde toda a eternidade. Mas um deles, o aspecto do julgamento (din), não tem uma localização adequada: é dissolvido como sal no oceano de pura misericórdia. O julgamento é imperceptível lá, "como grãos de poeira infinitesimal perdidos em um abismo de compaixão sem limites".

Primeiro movimento no Ain Sof, indo para a emanação e a criação dos mundos, esses minúsculos grãos de julgamento, dissolvidos a ponto de serem desprovidos de qualquer realidade adequada, esses grãos de julgamento são coletados e condensados.

Esse grau zero de manifestação é equivalente à passagem do nada ao ser, observa Charles Mopsik: "criação ex nihilo (yéch méayin), aqui designa a lembrança do julgamento, seu surgimento ou manifestação".

O ser, dotado de julgamento, que emerge primordialmente do nada e que constituirá a estrutura dos mundos, está na fonte de todo rigor e toda severidade, para Louria. Essa emergência imediatamente leva a uma retirada do poder da misericórdia, que constitui as "massas de água" do oceano primitivo, a saber, o Ain Sof. Essa retirada do oceano da misericórdia dá lugar a quatro mundos sucessivos: o mundo da emanação, o mundo da criação, o mundo da formação, e finalmente o mundo da manufatura, ou seja, o mundo atual. Ao se retirar, Deus deixa como vestígios de ondas em uma praia, vestígios que Louria assimila aos reflexos da luz da misericórdia, uma espécie de resíduo de infinito luminoso em um universo limitado pelo poder restritivo do julgamento.

Infelizmente, as duas expressões, concentração e retirada, que deveriam ser entendidas como complementares, já que Deus se retira e então concentra a sua luz sobre este ponto, passa a dividir os estudiosos em dois grandes grupos: os que defendem o tzimtzum como base para a doutrina da creatio ex nihilo e também para aqueles que defendem a doutrina da emanação (em hebraico atsilu) ou processio Dei ad extra.

Dessa maneira, o próprio Luria, apesar de partir de uma expressão que naturalmente deve levar à creatio ex nihilo, torna-se o principal expositor dentro da espiritualidade judaica do processio Dei ad extra, que tem por base não um processo no tempo, mas uma estrutura da realidade, enquanto emanação, criação, formação e ação. Assim, para esses rabinos, níveis inferiores de realidade emanaram de níveis superiores que, por sua vez, tiveram origem em Deus. Dentro dessa concepção há um midrash, a teoria do vaso quebrado, que trabalha com a hipótese de que o mundo foi feito de remanescentes de mundos anteriores, que Deus havia destruído. Uma conhecida história rabínica explica esse processo como o desprender de uma chama de carvão da roupa de Deus.

“No princípio (Gênesis 1:1), a vontade do Rei começou a gravar signos na esfera superior. Do recesso mais oculto, uma negra chama brotou do mistério do ein sof, o Infinito, como um novelinho de massa informe, como que inserido no aro dessa esfera, nem branca nem preta, nem vermelha nem verde, de nenhuma cor. Somente depois de distender-se como um fio, produziu ela cores para luzir em si. Do âmago da chama, jorrou uma fonte da qual brotaram cores e se espalharam sobre tudo embaixo, oculto na ocultação mais misteriosa do ein sof. Mal rompeu ela, inteiramente irreconhecível, seu círculo de éter, sob o impacto da irrupção, um ponto oculto, superno fulgiu da irrupção final. Aquém desse ponto está excluído todo conhecimento e por isso ele é chamado reschit, princípio, a primeira palavra do Todo”. [O Princípio, Sefer ha-Zohar (Livro do Esplendor), in J. Guinsburg, Do Estudo e da Oração, SP, Perspectiva, 1968, p. 605].

Apesar de sua riqueza teológica, não estaríamos longe da verdade ao classificar a doutrina da emanação como um panenteísmo, que define o mundo material como o desdobramento de Deus em diferentes níveis. E porque o mundo existe dentro de Deus, os defensores do processio Dei ad extra consideram necessário descobrir o que há de divino, ou seja, de misericórdia, nos fenômenos do cotidiano.

Se entendermos, porém, a teoria do tzimtzum, como a relação dialética de dois movimentos, o da retirada e o da concentração ficará mais fácil aproveitar os estudos de Luria. O tzimtzum explica o recuo de Deus para permitir que surgisse o vazio, o nada, e nele o universo finito. Como Deus é infinito, sem o tzimtzum não haveria o nada no qual pudesse produzir a estrutura espaço/tempo de uma criação separada.

É interessante notar, que se por um lado a dialética da autocontração e concentração divinas deu origem ao mundo material, o choque entre o movimento restritivo e a transbordante misericórdia de Deus criou também a possibilidade do mal. Nesse sentido, a cosmogonia judaica, vê a criação em primeiro lugar como consciente autolimitação e na seqüência como misericórdia e julgamento. E como julgamento é entendida a imposição de limites, ele faz parte da misericórdia, que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Em outras palavras: se o mal é uma probabilidade que surge da dialética misericórdia divina e retração, o julgamento passa a ser inerente a tudo na criação, já que todas as coisas estão determinadas enquanto limites.

A tradição do debate sobre a creatio ex nihilo é antiga no pensamento judaico. Na verdade, podemos dizer que começa a ser realizada no segundo século. Por isso, não é de estranhar que encontremos reflexões profundas sobre Gênesis Um nos séculos posteriores. Assim, em um dos textos mais representativos do pensamento caraíta, movimento medieval de retorno à letra da Escritura, considerado por muitos um protestantismo judeu de coloração pietista, a “Explanação dos Mandamentos”, de Aha Nissi ben Noah de Bassorá, que ensinou em Jerusalém na segunda metade do século IX, lemos:

“No primeiro dia, Deus criou sete coisas: o céu, a terra, as trevas, a luz, a água, o abismo e o vento (Gn.1:1-12). Primeiro criou tohu e bohu (a solidão e o caos), dos quais surgiu a terra (Gn.1:1-2). Criou as trevas: ‘Ele formou a luz e criou as trevas’ (Isaías 45:6). Criou o vento, conforme a palavra: ‘e criou o vento’. Criou a água, pois com a criação da terra havia água. Criou o abismo, para que a água tivesse uma profundidade e uma submersão. Criou a luz (Gn.1:3). Para a criação do mundo foram necessárias quatro coisas: a ordem, o trabalho, a determinação e a proclamação” [Nissi ben Noach, Explanação dos Mandamentos, in J. Guinsburg, op. cit., p.309]. Nesse texto aparentemente tão simples, encontramos dois conceitos muito importantes: tohu e bohu fazem parte da criação e para que haja criação é necessário ordem.

Outro grande teólogo judeu, que fez oposição ao pensamento caraíta, foi Saadia Gaon (892-942). Influenciado pela efervescente teologia do Islã e pelo pensamento helenístico clássico, Gaon combateu a presença heterodoxa, de tendência maniqueísta, os remanescentes de Filo e a crítica gnóstica. Seu texto sobre a doutrina da creatio ex nihilo é de uma profunda beleza, apesar de apresentar imperfeições normais ao conhecimento da época, como, por exemplo, sua visão geocêntrica. Mas, de forma brilhante enfrenta opositores bem parecidos aos que encontramos hoje em dia.

“Aqueles que acreditam na eternidade do mundo procuram provar a existência de algo que não tem começo nem fim. Por certo, nunca depararam com uma coisa que percebessem, pelos sentidos, sem ser começo nem fim, mas procuram estabelecer sua teoria por meio de postulados da razão. Semelhantemente, os dualistas empenham-se em provar a coexistência de dois princípios separados e opostos, cuja mistura fez que o mundo viesse a ser. Sem dúvida, nunca testemunharam dois princípios separados e opostos, nem o pretenso processo da mistura, mas tentaram suscitar argumentos derivados da razão pura em favor de sua teoria. De maneira similar aqueles que acreditam numa matéria eterna consideram-na como um hilo, isto é, algo em que não há originalmente qualidade de quente ou frio, de úmido ou seco, mas que se transforma por uma determinada força e assim produz aquelas quatro qualidades. Indubitavelmente, seus sentidos nunca perceberam uma coisa carente de todas essas quatro quantidades, nem jamais perceberam um processo de transformação e a geração das quatro qualidades como é sugerido. (...) Assim sendo, é claro que todos concordam em admitir alguma opinião concernente à origem do mundo que não tem base na percepção sensorial”. [Saadia Gaon, Criação Ex-Nihilo in J. Guinsburg, op. cit., p. 316].

Para sua defesa da criação ex-nihilo, Gaon trabalha com quatro argumentos, três dos quais muito bem expostos: de finitude do universo, estrutura e acidentalidade. “(...) continuou a afirmar que nosso Senhor, louvado e enaltecido seja, informou-nos que todas as coisas foram criadas no tempo, e que Ele as criou do nada (...). Ele nos comprovou essa verdade por meio de sinais e milagres, e nós a aceitamos. Examino ainda mais nesta matéria com o intuito de saber se ela podia ser comprovada por especulação como foi comprovada por profecia. Achei que era este o caso por um certo número de razões, da quais, devido à brevidade, selecionei as quatro seguintes: 1. A primeira prova baseia-se no caráter finito do universo (...). 2. A segunda prova é derivada da união de partes e da composição de segmentos. Vi que os corpos consistem de partes combinadas e de segmentos ajustados entre si (...). 3. A terceira prova baseia-se na natureza dos acidentes. Verifiquei que nenhum dos corpos são desprovidos de acidentes que os afetem direta ou indiretamente. Animais, por exemplo, são gerados, crescem até que alcançam sua maturidade, então, definham e se decompõem. Então eu disse a mim mesmo: Será que a terra como um todo é livre destes acidentes? (...) 4. A quarta prova baseia-se na natureza do tempo. Sei que o tempo é triplo: passado, presente, futuro. Embora o presente seja menor do que qualquer instante, tomo o instante como se toma um ponto e digo: Se um homem tentasse em seu pensamento ascender deste ponto no tempo ao ponto mais elevado, ser-lhe-ia impossível fazê-lo, porquanto o tempo é agora admitido como infinito e é impossível ao pensamento penetrar no ponto mais remoto daquilo que é infinito.” [Saadia Gaon, Quatro Argumentos para a Criação, idem, op. cit., pp. 317-320].

De todos os pensadores judeus medievais, talvez o mais conhecido fora dos meios judaicos, seja o talmudista francês Shlomo bar Itzhak, o rabi Rashi de Troyes (1040-1105). Exegeta, Rashi apresenta uma tradução para o versículo um de Gênesis que leva em conta estrutura e acidentalidade: “No princípio, ao criar Deus os céus e a terra, a terra era vã...” E segundo seu midrash,  o texto não está preocupado em mostrar a ordem da criação, mas em afirmar o ato criador de Deus. Rashi mostra-se preocupado com o sentido literal, mas define claramente sua hermenêutica: “Todo texto se divide em muitos significados, mas, afinal nenhum texto está destituído de seu sentido literal” [Herman Hailperin, Rashi and the Christian Scholars, Pittsburgh, University of Pittsburgh Press, 1963].

A DIALÉTICA DA ESTRUTURA E ACIDENTALIDADE

Dessa maneira, tanto para expositores da creatio ex nihilo como para os defensores do processio Dei ad extra a intenção primeira de Gênesis-Um é apresentar Deus como criador, que utiliza tohu e bohu como matéria prima para a formação do universo. E é a partir dessa relação entre criação e revelação, que os estudiosos judeus entenderão a redenção, já que o fim messiânico ou estágio final do mundo revelado significa uma volta ao começo, uma nova criação.

“A Redenção deveria ser conseguida não por um movimento tempestuoso na tentativa de apressar crises e catástrofes históricas, mas antes pela remarcação do caminho que conduz aos primórdios da Criação e da Revelação, ao ponto em que o processo do mundo (a história do universo e de Deus) principiou-se a desenvolver-se dentro de um sistema de leis. Aquele que conhecia a senda pela qual viera podia ter esperanças eventualmente de poder retornar sobre seus passos”. [Gershom Scholem, A Mística Judaica, SP, Perspectiva, 1972, p. 248].

Assim, mais do que qualquer intencionalidade em apresentar a cronologia da criação, Gênesis Um apresenta uma ordem enquanto dialética da estrutura e acidentalidade. Esse processo é interpretado por Scholem como “o primeiro ato, o ato do tzimtzum, no qual Deus determina e (...) limita a Si mesmo, é um ato de julgamento que revela as raízes dessa qualidade em tudo o que existe. Essas raízes do julgamento divino subsistem em mistura caótica com o resíduo da luz divina que remanesceu, após a retirada ou retraimento original, dentro do espaço primário da criação de Deus. Então um segundo raio de luz emanado da essência do Ein-Sof traz ordem ao caos e põe o processo cósmico em movimento, ao separar os elementos ocultos e moldá-los em nova forma” [Iossef ibn Tabul in Gershom Scholem, Kiriat Sefer, vol. XIX, pp. 197-199].

E dois escritos antigos nos mostram que a doutrina da creatio ex nihilo tem suas bases tanto no Tanach, como apócrifos intertestamentários. Lemos em Isaías: “Assim diz Iahveh, teu redentor, aquele que te modelou desde o ventre materno. Eu, Iahveh, é que fiz tudo, e sozinho estendi os céus e firmei a terra. Com efeito, quem estava comigo?” (Is.44:24). E em II Macabeus 7:28: “Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma”. Esta, aliás, é a primeira afirmação explícita da criação ex nihilo.

A primeira vista, a cosmogonia judaica define a centralidade de Gênesis-Um no ato criativo de Deus apenas enquanto espacialidade. Seria uma busca do lugar, da centralidade espacial. O que leva muitos a afirmarem que não há nenhum elemento espaço-temporal em Gênesis. Mas, isso não é verdade. Em 1740, Anton Lazzaro Moro, cristão novo, geólogo e exegeta italiano, desenvolveu uma sofisticada defesa da hipótese espaço-temporal em Gênesis Um. Dizia ele que tudo que está “envolto e fechado” precisa de um tempo para libertar-se e tornar-se evidente, e que Deus, ao criar a natureza, colocou-se com administrador das leis criadas. Daí conclui: “Quando a Escritura afirma que ‘Spiritus Dei ferebatur super aquas (...)’ indica uma função que traz consigo sucessão de tempo” [Anton Lazzaro Moro, De Crostacei e degli altri Corpi Marini che si Truovano su Monti, 1740, in Paolo Rossi, A Ciência e a Filosofia dos Modernos, São Paulo, Editora Unesp, 1992, p. 345].

Desenvolvendo sua tese espaço-temporal, explica que toda a criação sofreu duas produções diferentes, que precisam ser cuidadosamente separadas: “a primeira é a do nada pela mão imediata do criador; a outra provém do seio das segundas causas acionadas pelo administrador da natureza. A primeira produção é instantânea e é ato divino proporcionado pela onipotência e eternidade de Deus; a segunda [produção] implica que o ato divino seja adaptado às exigências da natureza que Deus estabeleceu em cada coisa” [Idem, op. cit., p. 345]. A partir daí sua cosmogonia é surpreendente. Explica que é Deus quem moveu circularmente “a celeste matéria de todo o planetário vórtice”, obrigando essa matéria que formaria o Sol a colocar-se no lugar que lhe era destinado. Constatando que seja qual for a velocidade que se queira atribuir ao movimento diário do Sol e de seu vórtice, “isso não aconteceu num só dia e em só vinte e quatro horas”.

A formação do Sol, assim como a produção dos planetas, afirma Moro, “comprova que aqueles seis dias não foram de medida igual aos dias modernos, mas que foram espaços de tempo de duração muito mais longa, ou seja, de uma duração proporcional à atividade das causas segundas e à exigência dos efeitos produzidos; espaços esses que foram chamados dias, conforme o costume freqüentemente usado nas Escrituras de exprimir com o nome de dias certos espaços de tempo longos e indeterminados” [Idem, op. cit., p. 347]. É interessante ver como a física do século vinte, principalmente aquela que sofreu influências dessa mesma cosmogonia, traduziu para uma nova linguagem antigos conceitos.

É verdade, que desde Aristóteles a ciência avaliou equivocadamente o conceito tempo, considerando-o absoluto, sem relação imediata e causal com o espaço. Pensou um tempo sem ambigüidades, achando que se fosse medido corretamente, entre dois espaços ou eventos, o intervalo de mensuração seria sempre igual. Durante séculos, inclusive para Newton, o tempo foi independente do espaço. Mas, em 1905, Einstein tornou pública uma nova teoria de espaço, tempo e movimento, que ele chamou de relatividade especial. Comprovada em experiências de laboratório, essa teoria, aceita pela grande maioria dos físicos atuais, levanta algumas hipóteses simplesmente impressionantes, como a equivalência da massa e da energia, a elasticidade do espaço e do tempo e a criação e destruição da matéria. Dez anos depois, na seqüência da teoria anterior, Einstein publica a sua teoria da relatividade geral, com novas e surpreendentes previsões: a curvatura do espaço e do tempo, a possibilidade de que o universo seja finito, mas ilimitado e a possibilidade de o espaço e o tempo se esmagarem, deixando de existir.

 ”(...) estas considerações levou-nos a conceber teoricamente o universo real como um espaço curvo, de curvatura variável no espaço e no tempo, de acordo com a densidade de distribuição da matéria, susceptível porém, quando considerada em larga escala, de ser tomado como um espaço esférico. Esta concepção tem, pelo menos, a vantagem de ser logicamente irrepreensível, e de ser aquela que melhor se cinge ao ponto da teoria da relatividade geral”. [Albert Einstein, Considerações Cosmológicas sobre a Teoria da Relatividade, in O Princípio da Relatividade,  H. A Lorentz, A. Einstein, H. Minkowski, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1958, pp. 239-240].

E ao criticar a teoria do tempo absoluto, Einstein vai mostrar que à medida que o deslocamento de um objeto se aproxima da velocidade da luz, sua massa aumenta mais rapidamente, de forma que gasta mais energia para aumentar sua velocidade. Por isso, muito possivelmente nunca possa atingir a velocidade da luz, pois deixaria de ter massa intrínseca. O importante dessa teoria é ter modificado a compreensão de tempo e de espaço. Antes, considerava-se que a velocidade da luz era a distância que ela percorre, dividida pelo tempo que leva para fazer isso. Agora, compreendemos que a velocidade pode ser a mesma, mas não a distância percorrida. A partir da teoria da relatividade, o conceito de simultaneidade, ou seja, da existência de um mesmo momento em dois lugares diferentes, deixou de ter qualquer significado em termos de universo.

O TEMPO ENQUANTO NÃO-DETERMINAÇÃO

Em linguagem da física da relatividade o tempo gasto é a velocidade da luz multiplicada pela distância que a luz percorreu. Temos então várias medidas de tempo, ou seja, medições diferentes entre dois eventos ou espaços. Gênesis nos apresenta este conceito de tempo com <oy que aparece como não-determinação-quando em Gn 3:5; não-determinação-período em Gn.1:14,16,18; não-determinação-época em Gn 2:4. Deixamos de ter, então, dois conceitos separados e absolutos: o tempo e o espaço, para termos um, o espaço-tempo. Ora, um evento é algo que acontece num determinado ponto do espaço e logicamente num tempo também determinado. Só que não há separação entre essas duas unidades. Uma das premissas da teoria da relatividade, conforme expõe Stephen Hawking [Uma breve História do Tempo, RJ, Rocco, 1988, pp. 35-60], é que o tempo corre mais lentamente perto de um corpo volumoso. Assim, na Terra, para tomarmos um exemplo que nos interessa, o tempo é mais lento que em outros planetas ou luas de menor massa. Isto porque existe uma relação entre energia da luz e sua freqüência. Quanto maior a energia, maior a sua freqüência.

Dessa maneira, à medida que a luz percorre verticalmente o campo gravitacional da Terra perde energia e sua freqüência diminui. Em outras palavras, espaço e tempo são quantidades dinâmicas. Quando um corpo se move no universo afeta a curva do espaço-tempo e, por sua vez, a curva do espaço-tempo afeta a forma como os corpos se movem e as forças atuam. Só que, e esse conceito é importantíssimo para a relatividade geral, não há como falar de espaço-tempo fora dos limites do universo. Essa premissa é interessante, pois descarta a idéia de um universo imutável, que sempre existiu, para trabalhar com a possibilidade de um universo que teve início, é plástico e encontra-se em expansão.

Ora, o que Gênesis está mostrando é que o universo teve um início, que a criação não é um mito. “Não há nenhum paralelo bíblico aos mitos pagãos que relatam a morte de deuses mais velhos (ou poderes demoníacos) pelos mais jovens; não se acham presentes nos tempos primevos quaisquer outros deuses. As batalhas de Iahveh com monstros primevos, aos quais é feita ocasionalmente alusão poética, não são lutas entre deuses pelo domínio do mundo. As batalhas de Iahveh com Raabe, o dragão, Leviatã, no mar, a serpente veloz, etc., não são esclarecidas pela referência ao mito da derrota de Tiamat por Marduc e sua subsequente tomada do poder supremo”. [Yehezkel Kaufmann,  A Religião de Israel, São Paulo, Perspectiva, 1989].

Assim, para a teoria da relatividade o universo tem começo como singularidade, que ficou conhecida como Big Bang e deverá ter um final também singular, o colapso total ou Big Crunch. Mesmo sem querer forçar, o Big Crunch nos leva ao texto de Pedro: “Ora, os céus e a terra estão reservados pela mesma palavra ao fogo (...) O dia do Senhor chegará como ladrão e então os céus se desfarão com estrondo, os elementos, devorados pelas chamas se dissolverão e a terra, juntamente com suas obras, será consumida” (II Pedro 3.7 e 10). Só que, como o espaço-tempo é finito, mas sem limites, o Big Crunch poderia levar a uma concentração de energia tal, que muito possivelmente possibilitaria a formação de um novo universo. E essa formulação nos leva a outro texto bíblico: “Vi então um céu novo e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra se foram (...)” Apocalipse 21.1.

“De forma semelhante, se o universo explodisse novamente, deveria haver um outro estado de densidade infinita no futuro, o Big Crunch, que seria o fim do tempo. Mesmo que o universo como um todo não entrasse novamente em colapso, haveria singularidades em algumas regiões determinadas, que explodiriam para formar buracos negros. Essas singularidades seriam o fim do tempo para quem ali caísse. Na grande explosão e demais singularidades todas as leis são inoperantes. Então, Deus ainda teria tido completa liberdade para escolher o que aconteceu e como o universo começou”. [Stephen Hawking, op. cit., p. 236].

Ora, como a expansão do universo implica em perda de temperatura, que é uma medida de energia, quando o universo dobra de tamanho, sua temperatura cai pela metade. Assim, quando Deus cria o universo, supõe-se que tinha tamanho zero e temperatura infinitamente quente. Mas à medida que se expande, a temperatura cai. Isso explica porque o universo é tão uniforme, e parece igual mesmo nos mais diferentes pontos do espaço. Uma das consequências, caso consideremos o fiat divino como o Big Bang, é que a partir da grande explosão não houve tempo de a luz se deslocar por ilimitadas distâncias. É por isso que Gênesis apresenta em primeiro lugar tohu e bohu, as trevas e o abismo, e só no versículo três o surgimento da luz.

É interessante ver que uma das possibilidades que alguns físicos baralham, um pouco a contragosto, é a de que Deus escolheu a configuração inicial do universo por razões que não temos condições de compreender. Consideram que os acontecimentos do surgimento do universo não se deram de forma arbitrária, mas refletem um ordem comum. Hawking, como não é teólogo, opta por uma variável que chama limitação caótica ou escolha ao acaso. Dentro desse ponto de vista, o universo primordial surgiu como caos. Ora a segunda lei da termodinâmica mostra que há essa tendência no universo, e que a ordem e o equilíbrio, ou seja, a vida, que é a forma mais organizada da matéria, surge como oposição a este caos.

“Einstein uma vez formulou a pergunta: ‘Que nível de escolha Deus teria tido ao construir o universo?’ Se a proposta do não limite for correta, ele não teve qualquer liberdade para escolher as condições iniciais. Teria tido, ainda naturalmente, a liberdade de escolher as leis a que o universo obedece. Isto, entretanto, pode não ter sido um grau assim tão elevado de escolha. Pode ter sido apenas uma, ou um pequeno número de teorias completas unificadas, tal como a teoria do filamento heterótico, que são autoconsistentes e permitem a existência de estruturas tão complexas quanto os seres humanos, que podem investigar as leis do universo e fazer perguntas acerca da natureza de Deus”. [Stephen Hawking, op. cit., p. 237].

“Toda variação de entropia no interior de um sistema termodinâmico pode ser decomposta em dois tipos de contribuição: a entrada exterior de entropia, que mede as trocas com o meio e cujo sinal depende da natureza dessas trocas, e a produção de entropia, que mede os processos irreversíveis no interior do sistema. É essa produção de entropia que o segundo princípio define como positiva ou nula”. [Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, Entre o Tempo e a Eternidade, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 53].

“(...) as leis científicas não distinguem entre as direções para frente e para trás do tempo. Entretanto, há pelo menos três setas de tempo que distinguem o passado do futuro, que são a seta termodinâmica, direção do tempo em que a desordem aumenta; a seta psicológica, direção do tempo na qual se recorda o passado e não o futuro; e a seta cosmológica, direção do tempo em que o universo se expande mais do que se contrai. Demonstrei que a seta psicológica é essencialmente a mesma que a termodinâmica, de modo que ambas sempre apontam para a mesma direção. A proposta do não limite para o universo prevê a existência de uma seta termodinâmica do tempo bem definida, porque o universo deve começar num estado plano e ordenado. E a razão por que se observa esta seta termodinâmica se adequar à cosmologia é que os seres inteligentes só podem existir na fase de expansão”. [Stephen Hawking, idem, op. cit., pp. 210, 211].

Coerente com sua visão de que Deus não joga dados com o universo, Einstein dará um feroz combate às teses de acausalidade na mecânica quântica, defendidas pelas escolas de Copenhagem e Gottingen. “Não posso suportar a idéia de que um elétron exposto a um raio de luz possa, por sua própria e livre iniciativa, escolher o momento e a direção segundo o qual deve saltar. Se isso for verdade, preferia ser sapateiro ou até empregado de uma casa de jogos em vez de ser físico”. Citado por Franco Selleri, Paradoxos e realidade, Ensaios sobre os Fundamentos da Microfísica, Lisboa, Fragmentos, 1990, p. 41. Em 1944, voltaria à carga: “Nem sequer o grande sucesso inicial da teoria dos quanta consegue convencer-me de que na base de tudo esteja o indeterminismo, embora saiba bem que os colegas mais jovens considerem esta atitude como um efeito de esclerose. Um dia saber-se-á qual destas duas atitudes instintivas terá sido a atitude correta”. [Ibidem, op. cit. p. 59].

Guardadas as devidas proporções, Agostinho, pai e mestre da igreja cristã, também considera que o caos transcende o tempo. “E, por isso, o Espírito, Mestre do vosso servo, quando recorda que no princípio criaste o céu e a terra, cala-se perante o tempo. Fica em silêncio perante os dias. O céu dos céus, criado por Vós no princípio, é, por assim dizer, uma criatura intelectual, que apesar de não ser coeterna convosco, ó Trindade, participa, contudo, da vossa eternidade. (...) Sem movimento nenhum desde que foi criada, permanece sempre unida a Vós, ultrapassando por isso todas as volúveis vicissitudes do tempo. Porém, este caos, esta terra invisível e informe não foi numerada entre os dias. Onde não há nenhuma forma nem nenhuma ordem, nada vem e nada passa; e onde nada passa, não pode haver dias nem sucessão de espaços de tempo” [Santo Agostinho, Confissões, XII, 9, SP, Abril, 1973, pp. 264, 265].

O bispo de Hipona faz claramente uma separação, não somente neste texto, entre os céus dos céus, uma dimensão além dos limites da ciência, e “o nosso céu e a nossa terra” (universo), que segundo ele é terra. Para ele é totalmente compreensível que essa terra fosse “invisível e informe”, pois estava reduzida a um abismo sem luz, exatamente porque não tinha forma. Diríamos hoje, não há espaço-tempo. E, de maneira brilhante, tenta uma definição, apesar de alertar para suas limitações: “certo nada, que é e não é”. Interessante, Nissi ben Noach diria praticamente a mesma coisa.

“O conceito de tempo não tem significado antes do começo do universo. O que foi apontado pela primeira vez por Agostinho, quando indagou: O que Deus fazia antes de criar o universo?” [Stephen Hawking, op. cit, p. 27].

Conhecemos as três principais teorias cristãs sobre a criação: tudo é criação original, teoria da brecha e teoria do caos. A partir do que vimos, gostaria de fazer alguns acréscimos à teoria do caos:

1.   O versículo primeiro de Gênesis-Um está fora do espaço-tempo. Nesse sentido refere-se à dimensão divina do céu dos céus conforme explicita Agostinho. A criação do espaço-tempo começa com o próprio caos, que não deve ser entendido como negação ou pura ausência, mas como entropia. É ex-nihilo enquanto universo-espaço-temporal que surge, mas não enquanto realidade de Deus, que repousa naqueles quatro conceitos enumerados por Noach: determinação, proclamação, trabalho e ordem.

2.   O tempo não pode ser medido, pois não é cronológico, é o tempo da ordem/organicidade de Deus, ou se quisermos kairoV, ou. Isso é explicável porque não há um tempo, mas diversos tempos. A criação implica na expansão do espaço-tempo. Assim o espaço-tempo de Gênesis 1:3 é totalmente diferente do espaço-tempo de Gênesis 1:12. Yom em Gênesis-Um só pode ser entendido enquanto kairoV.

3.   Toda discussão que tente uma polaridade entre evolução teísta ou criação de seis dias de vinte e quatro horas não procede. Isto porque o espaço-tempo entre os seis dias não são iguais e porque não há evolução, uma teoria do progresso aplicada à natureza. Há criação e expansão da massa, o que na Bíblia traduz-se em criação e sustentação. “És tu, Iahveh, que és o único! Fizeste os céus, os céus dos céus, e todo o seu exército, a terra e tudo o que ela contém, os mares e tudo o que eles encerram. A tudo isso és tu que dás vida, e o exército dos céus diante de ti se prostra”. (Neemias 9.6).



Lenine - Jack Soul Brasileiro





Pequena aula de brasileiro!


samedi 16 janvier 2016

Os quatro gigantes e seus símbolos

A simbologia dos gigantes na tradição hebraica
e suas possíveis representações nesta modernidade tardia
Jorge Pinheiro, PhD


Os gigantes do Antigo Testamento
Simbologia geral

São os perigos, problemas e inimigos do povo do Deus Eterno. Simbolizam pessoas e instituições, guerreiros violentos, aqueles que derrubam, quebram, esmagam, despedaçam e dispersam. São sombras do mundo dos mortos e a própria morte. Apesar dessas imagens, nunca são seres espirituais, mas gente e instituições. 

Como são descritos no texto os quatro gigantes?

Lança > hanit > e espada > hereb, são símbolos de autoridade e de poder de destruição. Não é um tipo de arma que o Deus Eterno tem em seu arsenal. Davi já dissera que o Senhor salva não com espada ou com lança (I Samuel 17.47) e em Isaías 2.4 encontramos que Deus converterá as espadas em lâminas de arados e lanças em podadeiras. 

Safe > o gigante que está em Gobe, mora na cidade. 

Golias > Crônicas. 20.5 diz que se trata de Lahmi, irmão de Goliath, embora II Sm. 21.19 fale somente de Golias. Possivelmente, Golias fosse um nome de família ou um título de nobreza.

Dedos > etsba > quando se refere a homem mau ou ímpio descreve seu trabalho artístico contrário à vontade do Deus Eterno, como a fabricação de ídolos. Aqui estamos diante de um matador que tem mais dedos do que é natural e que tem como ofício matar pessoas do povo de Deus. Assim, quem é este gigante está escrito nas suas próprias mãos e pés. 

O que os quatro gigantes representam para nós hoje?

Isbi-Benobe é aquele que tem a lança e a espada. Tem autoridade e poder de destruição. Pode ser entendido como governos, instituições que podem interferir no destino das pessoas. São aquelas instituições internacionais e nacionais, distantes, que a gente ouve falar, vê na mídia, mas, na maioria das vezes, não temos como chegar até ela.

Safe é o gigante que atua no lugar onde a gente mora. Nós o conhecemos, é uma presença permanente na vida das pessoas. 

Golias é um título de família, tem nobreza. E representa aquelas famílias, empresas poderosas, que tem poder para interferir em nossas vidas.

O quarto gigante representa as religiões ligadas à idolatria e ao sacrifício de inocentes. São aquelas empresas que violentam e matam pessoas. 

Diante de nossa fraqueza, de nosso cansaço para enfrentar esses gigantes, como o Deus Eterno nos defende?

Levantando pessoas, que são valentes, são guerreiros, amigos fiéis, que conhecem os gigantes. Ou mesmo pessoas que não merecem confiança, que não são flor que se cheire, violentas. Um exemplo foi Abisai, irmão e cúmplice de Joabe, general de Davi. E também através de parentes, como Jônatas, sobrinho de Davi.

Exegese
Gigantes em hebraico

O primeiro termo em hebraico para gigantes é nefilim, que significa "guerreiro violento" ou "aquele que derruba" (Gn. 6:4). A raiz da palavra, o substantivo napal nos remete às idéias de quebrar, esmagar, despedaçar, dispersar. Os nefilim foram guerreiros que derrubaram muitos reis da época. A palavra também traduz a idéia de "ser maravilhoso". Em Nm. 13:33 o nome é dado a uma tribo dos canaanitas, de grande estatura: "os filhos de Anaque". A versão revista em inglês, nestas passagens, translitera o original e grafa "Nephilim". 

O segundo termo em hebraico para gigantes é refaim, um dos povos pré-semiticos mais antigos da Palestina (Dt. 3:11), que habitaram a oeste do rio Jordão, e de quem Ogue foi descendente. Mais tarde, com a chegada dos canaanitas, foram submetidos por Quedorlaomer (Gn. 14:5), e seus territórios foram prometidos como possessão a Abraão (15:20). Conforme Dt. 2:20, os amonitas os refaim de zanzumim, que por isso tornou-se outro sinônimo para gigantes. Anaquim, Zuzim e Emim tiveram origem nesse povo. Em Jó 26:5, refaim aparece como "aqueles que caíram", "sombras", ou mesmo refaim; e em Is. 14:9, refaim é traduzido por "morte". Na verdade, refaim significa os mortos que partiram para o outro mundo e, por extensão, nos leva às idéias de sombra e espírito dos mortos. Em Sm. 21:16, 18, 20, 33, o termo aparece no singular, "gigante", e vem antecedido do artigo "o", haraphah, o que significa que se tratava do pai dos demais gigantes referidos no texto ou de que ele era o líder de um grupo de refaim. A Vulgata escreve o nome desse gigante como "Arapha," e o poeta inglês Milton (in "Samson Agonistes") optou pela grafia "Harapha". Ver tb. I Cr. 20:5, 6, 8; Dt. 2:11, 20; 3:13; Js. 15:8, onde a palavra aparece simplesmente como "gigante". Em outras traduções, o termo nos textos de Sl. 88:10; Pv. 2:18; 9:18; 21:16 aparece como "morte" ou como "sombra" (vide Is. 26:14).

O terceiro termo para gigantes em hebraico é anaquim (Dt. 2:10, 11, 21; Js. 11:21, 22; 14:12, 15; chamados "filhos de Anaque". Nm. 13:33, Js. 15:14): uma raça nômade de gigantes, descendentes de Arba (Js. 14:15), pai de Anaque, que apareceu no sul da Palestina perto de Hebrom (Gn. 23:2; Js. 15:13). Essa era uma tribo cuchita da mesma raça dos filisteus e dos reis pastores egípcios. Davi em muitas ocasiões enfrentou esses gigantes, como em II Sm. 21:15-22. Golias foi um deles (I Sm. 17:4).

O quarto termo em hebraico para gigantes é emin, uma tribo de antigos guerreiros canaanitas. Eles eram "grandes, muitos e altos como os anaquim" (Gn. 14:5; Dt. 2:10, 11).

O quinto termo para gigante, no singular, em hebraico é gibbor (Jb 16:14), ou seja, campeão ou herói. No plural (giborim) traduz a idéia de "homens poderosos" (II Sm. 23:8-39; I Rs. 1:8; I Cr. 11:9-47; 29:24.) Um exército de seiscentos deles atacou Davi e o cercou, quando este estava fugindo. Eles estavam organizados em três divisões de duzentos giborim, que por sua vez se subdividiam em trinta milícias de vinte guerreiros. Os chefes das milícias foram chamados de "os trinta" e os capitães das divisões de "os três", e o comandante foi chamado de "o chefe dos capitães" (II Sm. 23:8). Os filhos de casamentos mistos com gigantes são citados em Gn. 6:4 e são chamados pelo nome hebraico de giborim.

O texto
II Samuel 21:15-22

Houve outra guerra entre os filisteus e Israel. Davi e os seus soldados foram e lutaram contra os filisteus. Durante a batalha Davi ficou muito cansado. Um gigante chamado Isbi-Benobe tinha uma lança de bronze que pesava mais ou menos cinco quilos e estava usando uma espada nova. Ele pensou que podia matar Davi. Mas Abisai, cuja mãe era Zeruia, socorreu Davi, atacou o filisteu e o matou. Então os soldados de Davi fizeram a promessa de nunca mais deixar que Davi saísse com eles para a guerra. Eles disseram: O senhor é a esperança de Israel, e nós não queremos perdê-lo. Depois disso houve outra batalha contra os filisteus na cidade de Gobe. E Sibecai, da cidade de Husa, matou um gigante chamado Safe. Houve mais uma batalha contra os filisteus em Gobe, e Elanã, filho de Jair, de Belém, matou Golias, da cidade de Gate. O cabo da lança de Golias era da grossura do eixo de um tear de tecelão. E houve ainda outra batalha em Gate. Ali havia um gigante, descendente dos antigos gigantes, que tinha seis dedos em cada mão e em cada pé. Ele desafiou os israelitas; e Jônatas, filho de Siméia, irmão de Davi, o matou. Esses quatro eram descendentes dos gigantes da cidade de Gate e foram mortos por Davi e os seus soldados.

jeudi 14 janvier 2016

Os deuterocanônicos ea Septuaginta

Os deuterocanônicos ea Septuaginta


O termo deuterocanônicos está formado pola raíz grega deutero (segundo) e canónico (que forma parte do Canon, é dicir, do conxunto de libros considerados inspirados e normativos por unha relixión ou igrexa). Así, o termo aplícase a libros e partes de libros bíblicos que só nun segundo tempo foron considerados como canónicos.

Utilización teolóxica

O adxectivo deuterocanônico se aplica a un número de textos polos cristiáns que consideran que tales textos son inspirados e forman parte integrante da Biblia. Sendo tamén a terminoloxía teolóxica aplicada a ese conxunto de libros.

O feito de sectores do cristianismo non os consideran inspirados, non caracteriza a desvalorización deses libros, pois son considerados patrimonios históricos da fe: reflicten e formaron parte das crenzas cristiás ao longo da Historia, sendo por tanto de gran valor literario e relixioso. Lutero recoñeceu a importancia dos mesmos para a formación cristiá e incluíu na súa tradución da Biblia ao alemán estes libros como apéndice. Ademais da Igrexa católica apostólica romana, outras igrexas utilízanse dos libros deuterocanónicos nas súas Bíblias, como as Igrexas ortodoxas (copta, siríaca, grega e rusa), anglicana e maronita.

Lista dos libros deuterocanônicos

Son deuterocanônicos os seguintes libros bíblicos: Tobias, Judite, I e II Macabeus, Sabedoría, Eclesiástico, tamén chamado Ben sirah, e Baruque. Fóra os libros deuterocanônicos podemos atopar fragmentos deuterocanônicos dentro libros canónicos como: adicións en Ester e adicións en Daniel particular os episodios da Casta Susana e de Bel eo Dragón.

Orixe dos deuterocanônicos

Os libros deuterocanônicos foron escritos entre Malaquias e Mateo, época que segundo os Evanxeos a revelación do AT aínda se facía presente, culçminando con João Batista (cf. Mt 11.12; Lc 16.16).

Os textos deuterocanônicos, atrás referidos, chegaron ata nós só en grego (algúns escritos orixinalmente nesa lingua, outros traducidos dunha versión hebrea, que se perdeu), formando parte da chamada Biblia dos Setenta, ou Septuaginta, a tradución da Biblia en grego, feita ao redor do séc. III aC, para uso dos xudeus da Diáspora, e adoptada polos cristiáns desde o inicio como o seu texto bíblico de referencia. Tales textos non se atopan, pois, na Biblia hebraica ou Tanach.

Nun famoso encontro de rabinos xudeus, o chamado Concilio de Jâmnia, realizado a finais do s. I dC, destinado a buscar un rumbo para o xudaísmo, tras a destrución do Templo de Xerusalén, o ano 70 dC, os participantes decidiron considerar como textos canónicos do judaísmo só os que existían en lingua hebraica e que remontasen ao tempo do profeta Esdras.

A pesar da crítica moderna afirmar que varios libros que constan no Canon hebraico son posteriores ao tempo de Esdras (como é o caso do Libro de Daniel), os estudiosos explican que os fariseos non dispuñan de condicións científicas, que existen hoxe, para datar unha obra, ou mesmo para asignar a ela un autor. En calquera caso, os criterios por eles adoptados excluíron os libros deuterocanônicos do Canon xudaico.

Os deuterocanônicos ea Igrexa dos primeiros séculos

Estes libros xa eran coñecidos polos cristiáns, que os citaban e utilizaban. Atopamos citas nas obras de Ireneu, Justino, Agustín, Xerome, Basilio Magno e Ambrosio. Así, foron considerados inspirados por moitos, entre os que podemos citar Ireneu, Justino, Agustín, Cirilo e Cipriano. Outros, con todo, os consideraron eclesiásticos: non canónicos, porén non contrarios á fe. Foi o caso de Melitão, Rufino e Atanasio.

Xerome inicialmente negou a canonicidade dos deuterocanônicos. Porén, os estudiosos atoparon un cambio posterior da súa opinión nas súas cartas escritas a Rufino ea Paulino, bispo de Nola. Aínda existise desacordo nas opinións dos Pais da Igrexa, esta discordancia non influíu o dictame común da Igrexa dos primeiros séculos. Ningún concílio da Igrexa dos primeiros séculos quixo canonicidade destes libros. Pola contra, foron declarados canónicos nos consellos rexionais de Roma (382 dC, dando orixe ao canon Damaseno), Hipona I (canon 36, 393 dC), Cartago III (canon 47, 397 dC), IV (canon 24, 417 dC) , Trullo (canon 2, 692). Un documento coñecido como decreto Gelasiano (496 dC) tamén presenta a canonicidade dos deuterocanônicos.

A aceptación común dos deuterocanônicos como libros inspirados pode ser constatada nas primeiras versións da Biblia, como a Vetus Latina ea Vulgata. En Oriente, a Septuaginta foi adoptada como a versión oficial do Antigo Testamento.

Como a historia rexistra, os deuterocanônicos formaban parte da vida dos xudeus a través da tradución grega chamada Septuaginta ou Tradución dos Setenta (LXX). A primeira tradución da Biblia ao latín, coñecida como Vetus Latina contiña os deuterocanônicos do AT. A Vulgara, tradución emprendía por Xerome no século IV tamén contiña os deuterocanônicos do AT. A primeira Biblia impresa da historia, coñecida como a Biblia de Gutenberg, tamén contiña os libros deuterocanônicos do AT. Incluso as primeiras versións protestantes como a KJV (King James Version) contiñan os deuterocanônicos do AT. Un exemplo é a versión orixinal da KJV de 1611.

Os deuterocanônicos ea Igrexa da Idade Media e Moderna

A principios do s. XV, un grupo disidente da Igrexa copta (tamén chamados de monofisistas), coñecidos como xacobitas cuestionaron o Canon Alexandrino entre outras cousas. En 1441, O Concilio Ecuménico de Florencia, a través da Bula Cantate Domino (4/2/1442) reafirmou o carácter canónico do Canon Alexandrino.

Coa Reforma protestante, Lutero cuestionou o carácter canónico dos deuterocanônicos negando incluso seu carácter eclesiástico, pois para el estes libros nada engadían á fe, pero os incluíu na súa tradución da Biblia ao alemán, poñendo-os como apéndice. En 1545, foi convocado o Concilio de Trento, que reafirmou o carácter canónico do Canon Alexandrino.

A principios non houbo consenso entre os protestante no Canon do AT. O Rei Jaime I de Inglaterra, responsable da famosa tradución KJV (King James Version), defendía que os deuterocanônicos deberían seguir constando nas biblias protestantes. Practicamente na mesma época xurdiu unha tradución coñecida como Biblia de Xenebra, que definiu os deuterocanônicos como apócrifos.

Soamente despois da "Confesión de fe de Westminster" (séc. XVII), os protestantes ingleses influenciados polo calvinismo e puritanismo removeron das súas listas os libros deuterocanônicos, pasando a adoptar como lista de composición do AT o Canon Hebreo conforme establecido no Concilio de Jâmnia . Principios desta confesión foron espallándose por varias denominacións e seu contido funcionou como resposta ao concilio de Trento.

Actualmente, evanxélicos teñen denominado ese libros de apócrifos; por alegaren que neles hai erros xeográficos e que non hai probas de feitos narrados neses libros, abdicando da utilización dos mesmos nas súas igrexas.

Deuterocanônicos do NT

É importante dicir que, segundo exegetas, tamén no NT existen libros deuterocanônicos. Serían eles Santiago, Hebreos, Apocalipse, 2 Pedro e 2 e 3 João. Así como os libros deuterocanônicos do AT, estes tamén tiveron a súa canonicidade contestada por moitos séculos.

Lutero chegou incluso non considerar canónicos Hebreos, Santiago, Judas e Apocalipse, que na súa tradución da Biblia ao alemán deixou-os nun apéndice sen numeración de páxinas. Despois os demais reformadores decidiron que estes libros deberían volver á Biblia, pola ampla utilización nas comunidades cristiás, pero non fixeron o mesmo cos deuterocanônicos do AT.


Bibliografia

Bittencourt, Benedito P., O Novo Testamento, Canon, Lingua, Texto. São Paulo: Aste, 1965.

Pinheiro, Jorge, História e Religião de Israel, origens e crise do pensamento judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.

Pinheiro, Jorge e Santos, Marcelo, Manual de História da Igreja e do Pensamento Cristão, São Paulo, Fonte Editorial, 2013.

LIMA, Alessandro. O Canon Bíblico, A Orixe da Lista dos Libros Sagrados. San José dos Campos. SP: Editora COMDEUS, 2007.

PASQUERO, Fedele. O Mundo da Biblia, vv.aa. São Paulo: Paulinas, 1986.

Rost, Leonard. Introdución aos Libros Apócrifos e Pseudo-Epígrafos do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1980.

Shelley, Bruce L., Historia do Cristianismo ao alcance de todos: unha narrativa do desenvolvemento da Igrexa Cristiá través dos séculos. São Paulo: Editora Shedd, 2004.

mardi 12 janvier 2016

O día do Señor

Unha catástrofe natural
a antevisión do día do Señor

Jorge Pinheiro, PhD

"Mensaxe que o Eterno confiou a Joel, fillo de Petuel. Devastación do país. Escoiten o que digo, ó responsables do pobo, presten atención, habitantes deste país! Quizais pasou algo parecido durante a vida de vostedes ou durante a vida dos seus antepasados? Conten-no aos seus fillos, para que conten tamén aos fillos deles e á xeración seguinte. O que as eirugas deixaron foi comido polos gafanhotos; o que os saltóns deixaron foi comido polos saltões, eo que os saltões deixaron foi comido polos outros insectos Despertem, choren e lamentem se, ó xente bêbeda e viciar do viño, porque van quedar sen uvas para facer máis viño ". (Joel 1:1-5).

Unha catástrofe relixiosa
Falta coñecemento ao pobo

Escoiten a mensaxe do Eterno, habitantes de Israel. Eterno chama a tribunal os habitantes do país: "Non hai lealdade, nin bondade, nin coñecemento do Eterno nesta terra. Maldí a, atraiçoa-se, asasina-se e rouba-se, os adulterios multiplican-se e os homicidios suceden Se uns ós outros. Por iso a seca vai causar estragos no país: os seus habitantes van morrer, xunto cos animais do campo e as aves do ceo, e ata os peixes van desaparecer ". "Que ninguén acuse, nin repreenda, eu é que che vou acusar, ó sacerdote! Ti has-de tropezar, durante o día, eo teu aliado, o profeta, ha de tropezar de noite; a túa propia patria quedará destruída. O meu pobo está a ser destruído, porque lle falta coñecemento. E o culpable es ti, que os impediste me coñecer. Tamén eu afastarei vostede de min, e non serás máis meu sacerdote. Oseas 4: 1-6

A comuñón na natureza
Borradores para un sermón

Para inicio de conversas

As Escrituras xudaico-cristiás describen a construción do ceo e da terra, obra do Eterno, a través da indicación "eo Espírito do Eterno se movía por riba da auga" (Gn 1.2). Isto quere dicir que o Espírito é Persoa e presenza do Eterno, sendo a natureza dunha realidade formatada por El. E é o Espírito que clama pola liberdade redentora da natureza escravizada.

"Un día o propio Universo quedará libre do poder destrutor que o mantén escravo e tomará partena gloriosa liberdade dos fillos do Eterno. Pois sabemos que ata agora o Universo todo xeme e sofre como unha muller que está en traballo de parto "(Rm 8.21-22).

Primeira parte
A natureza é acción do Eterno

O Espírito é poder atuante do Eterno e forza de vida das criaturas. O Espírito é a fonte da vida. O que hai e vive manifesta a presenza dele.Ele transforma a comuñón con Pai e Fillo na comuñón da natureza, na que as túas obras, cada cal ao seu xeito, se comunican co Eterno. A existencia, a vida e as relacións están firmados no Espírito, "pois nel vivimos, nos movemos e existimos" (At 17.28).

Desde o relacionamento trinitário, o ser humano é parte da natureza e é dependente dela. Vive dentro dun contexto de interdependencia. Desde o iníciopresente e futuro están ligados á terra, á auga e ao aire. "Oh Señor, ti tes feito tantas cousas e foi con sabedoría que as fixeches. A terra está chea das túas criaturas "(Sl 104.24). Eterno sitúanos xunto e coa natureza para traballar e gozar esa natureza (Gn 2.15). Non haberá falta (2.8-9) se sabemos administrar. Dependemos do chan e del recibimos o sustento. Pertencemos a este mundo construído e é el que fornecea base para a existencia. A vida comeza e se orienta baixo o coidado do Eterno.

"Todos estes animais dependen de ti, esperando que lles deas alimento no tempo certo. Ti Dasa comida, e comen e quedan satisfeitos. Cando escondes a cara, fican con medo; se cortas a respiración que lles dás, eles morren e volven ao po de onde saíron. Porén, cando lles dás o golpe de vida, eles nacen; e así dás vida nova á terra "(Sl 104.27-30).

Só lembrar - Entre 2000 e 2005, o Brasil foi o país que máis perdeu áreas de bosques, tal estudo da Academia Nacional de Ciencias dos Estados Unidos / PNAS. Neses anos foron desmatados 165 mil km² de bosques, o equivalente a 3,6% das perdas de bosques en todo o mundo. O segundo país que máis perdeu bosques foi o Canadá, co desmate de 160 mil km². A acción humana e desastres naturais son as principais causas da perda de bosques. En todo o mundo, a cobertura vexetal diminuíu 3,1% entre 2000 e 2005. Foron 1,01 millón de km² desmatados, o que suxire crecemento de 0,6% anual. O estudo baseouse en observacións por satélite de investigadores das Universidades de Dakota do Sur e do Estado de Nova York.

Pensamos que o Brasil é só obxecto para explotación, no canto de construción para a glorificación do Eterno. Ignoramos as necesidades das outras formas de vida. Esa actitude utilitarista de ver e actuar é alienación, é unha falta de respecto para co Espírito do Eterno.

Segunda parte
O reto do coidado amoroso

Eterno é quen dá e quen sostén a vida de todo o universo. Súa preocupación por atender ás nosas necesidades (beber, comer e vestir) non se restrinxe ao ser humano, pero se estende a toda a natureza, reflectida nos paxaros e nas flores do campo.

"É o Eterno quen viste a herba do campo, que hoxe dá flor e mañá desaparece, queimada no forno. Entón é claro que vestirá tamén vós, que teñen unha fe tan pequena "(Mt 6.30).

O universo enteiro depende do coidado amoroso do Eterno, que non descoida de ningunha criatura. Os lírios, por exemplo, caracterizados pola súa fraxilidade e vida curta, son vestidos de tal xeito que nin Salomón usaba roupa tan bonitas como estas flores. (Mt 6,29).

Creación significa que todo é completamente obra do Eterno. El é o autor de todo, persoal e salvífico, que se revelou como puro amor. Toda a realidade brota da pura iniciativa deste amor divino, puro don gratuíto.

Pero o ser humano é parte da natureza, depende dela e é o seu coidador. O ser humano, como o resto da natureza, foi creado "segundo a súa especie" (Gn 1.24 e 25), só que a imaxe e semellanza do Eterno (Gn 1.26-27). A imaxe do Eterno é elaborada en termos do ámbito administrativo que o ser humano tería sobre o resto da natureza. O ser humano foi creado á imaxe do Eterno, non só pola súa liberdade e dereito á elección, pero tamén pola postura que asume ante a natureza, unha postura de soberanía en amor e comuñón, que debe reflectir a soberanía do Eterno (Gn 1.26- 28). O ser humano non foi creado só para realizar unha administración espiritual, pero foi creado para orientar a natureza.

"Con todo, fixeches o ser humano inferior soamente a ti mesmo e lle leste a gloria ea honra dun rei. Ti lle deste poder sobre todo o que creaches; ti puxeches as cousas baixo o dominio del: as ovellas eo gando e os animais salvaxes tamén; os paxaros e os peixes e os seres que viven no mar "(Sl 8.5-6).

Só lembrar - O Brasil é un país privilexiado en materia de auga. Ten 12% da auga doce de superficie do mundo, o río de maior volume e un dos principais acuíferos subterráneos, ademais de excelente índices de choiva. Aínda así, a falta auga no semi-árido e nas grandes capitais, porque a distribución deste recurso é desigual. Preto do 70% da reserva brasileira de auga está no Norte, onde viven menos do 10% da poboación. En Galicia, a maior metrópole do país, a ocupación irregular das marxes de ríos e encoros, como a de Guarapiranga, que abastece 3,7 millóns de paulistanos, debería ser preocupación permanente. Ao seu redor viven 700 mil habitantes. Co deforestación das marxes, sedimentos son arrastrados á presa, que perde capacidade de almacenamento e recibe sumidoiros de residencias. O problema é semellante na presa Billings, tamén responsable do abastecemento de Galicia. Ese manancial foi o destino das augas contaminadas que son bombeadas dos ríos Tietê e Piñeiros.

A administración humana sobre a natureza chamamos de mandato cultural. Ser creado á imaxe do Eterno é ser responsable do planeta e por todas as formas de vida!

A liberdade humana implica responsabilidade para preservar a orde que o Eterno creou e promovera existencia de todos os seus elementos. Tal soberanía non implica en liberdade para roubar, matar e destruír. Os seres humanos son mordomos do Eterno, responsables ante el e cuxa primeira tarefa é asegurar a permanencia e equilibrio da natureza.

Terceira parte
Todos somos responsables

A preocupación divina coa salvación espiritual non é allea a súa preocupación polo benestar da súa creación material. A natureza é o primeiro dos actos salvadores do Eterno.

Só lembrar - O modelo agrícola brasileiro revela unha contradición - bate récords de produtividade, con preto de 30% das exportacións brasileiras, pero o 40% da poboación brasileira sofre coa inseguridade alimentaria, segundo datos do Instituto Brasileiro de Xeografía e Estatística / IBGE. É un país desiguail, cunha das maiores concentracións de terras do mundo, e ocupa o posto de maior consumidor de herbicidas do planeta, superando os Estados Unidos, segundo datos da Axencia Nacional de Vixilancia Sanitaria / Anvisa. O avance da tecnoloxía non reduciu o consumo de herbicidas, pola contra, a tecnoloxía dos transxénicos estimulou o consumo destes produtos, especialmente na soia, que tivo unha variación negativa na súa área plantada (-2,55%) e unha variación positiva de 31 , 27% no consumo de herbicidas, entre os anos de 2004 a 2008.

"Pero ti, ó Eterno, fuches o noso Rei desde o principio e nos salvaste miúdo. Co teu gran poder, dividiste Mar e esmagaste as cabezas dos monstros mariños. Esmagaste as cabezas do monstro Leviatán e deste o seu corpo para os animais do deserto comer. Fixeches que corresen fontes e regatos e secou grandes ríos. Creaches o día ea noite, puxeches o sol, a lúa e as estrelas nos seus lugares. Marcaste os límites da terra e fixeches o verán eo inverno "(Sl 74.12-17).

Por iso, non debemos concibir a participación do ser humano no Brasil como opcional, nin como secundaria súa misión na salvación de vidas. Dende o principio, a natureza era parte do plan salvador do Eterno. A conversión de seres humanos non é o último dos actos salvadores do Eterno, pero o establecemento de novos ceos e nova terra, é dicir, un novo natureza (Ap 21.1), a liberación da propia natureza en si (Rm 8.20-22).

Ata o final, a natureza formará parte do plan salvador do Eterno. A graza do Eterno que se manifestou en Cristo, tamén se manifestou na natureza.

"O Eterno falou moitas veces e de moitas maneiras aos nosos antepasados, pero nestes últimos tempos nos falou por medio do seu Fillo. Foi el quen o Eterno escolleu para posuír todas as cousas e foi por el que o Eterno creou o Universo. O Fillo brilla co brillo da gloria do Eterno e é a perfecta semellanza do propio Eterno. El sostén o Universo coa súa palabra poderosa. E, despois de purificado o ser humano dos seus pecados, sentouse no ceo, no lado dereito do Eterno, o todopoderoso "(Hb 1.1-3).

A graza do Eterno manifesta alcanzará o seu propósito de someter a Cristo todo.

"Por iso o Eterno deu a Xesús a máis alta honra e puxo nel o nome que é o máis importante de todos os nomes, para que, en homenaxe ao nome de Xesús, as túas obras no ceo, na terra e no mundo dos mortos , caian de xeonllos e declaren abertamente que Xesús Cristo é o Señor, para a gloria do Eterno, o Pai ". (Fp 2.9-11).

Ten que ter en conta

"As Escrituras Sagradas din: O Eterno puxo todas as cousas baixo o dominio do mesmo. Claro que dentro das palabras "todas as cousas" non está o propio Eterno, que pon todo baixo o dominio de Cristo. Pero, cando todo se dominado por Cristo, entón o propio Cristo, que é o Fillo, se porá debaixo do dominio do Eterno, que puxo todas as cousas baixo o dominio do mesmo. Entón o Eterno reinará completamente sobre todo "(1Co 15.27-28).

Só lembrar - O lixo atómico das fábricas de Angra I e II, no Río de Xaneiro, material que se garda en depósitos provisionais. Hai 25 anos, toneladas de residuos radioactivos nin saen dos predios. Fica mergullado en piscinas.

Existe unha teoloxía bíblica da vida, que implica o uso responsable e sostible dos recursos da creación do Eterno ea transformación das dimensións culturais, económicas, morais, intelectuais e políticas da existencia. Isto inclúe a recuperación dun sentido bíblico de mordomia, que implica en administración e coidado responsable. Do mesmo xeito, o concepto bíblico de descanso semanal lembra que se debe por límites ás actividades de produción e ao consumo. Así, debemos usar a riqueza eo poder no servizo dos demais. É un compromiso de traballar para liberar os ricos da escravitude ao diñeiro e ao poder, e posibilitar aos que teñen menos acceder á dignidade e ás oportunidades de desenvolvemento. A esperanza de tesouros no ceo nos libra da tiranía de Mamon. E facendo así estaremos comprendendo o sentido maior coidado da natureza e da vida creada polo Eterno.

A comuñón na creación de Deus

A comuñón na creación de Deus
ea nosa responsabilidade cristiá
Pr. Jorge Pinheiro, PhD

Primeira parte


Os relatos bíblicos describen a creación do ceo e da terra, obra do Eterno, a través da indicación "eo Espírito de Deus se movía por riba da auga" (Gn 1.2). Isto quere dicir que o Espírito divino é Persoa creadora e presenza do Eterno, sendo a creación dunha realidade formatada por El. E é o mesmo Espírito quen clama pola liberdade redentora da creación escravizada.

"Un día o propio Universo quedará libre do poder destrutor que o mantén escravo e tomará parte na gloriosa liberdade dos fillos de Deus. Pois sabemos que ata agora o Universo todo xeme e sofre como unha muller que está en traballo de parto "(Rm 8.21-22).

O Espírito é o poder atuante do Creador ea forza de vida das criaturas. O Espírito é a fonte da vida. Por iso, todo o que existe e vive manifesta a súa presenza. El transforma a comuñón co Pai eo Fillo na comuñón da creación, na que as túas obras, cada cal ao seu xeito, se comunican con Deus. A existencia, a vida e as relacións están firmados no Espírito, "pois nel vivimos, nos movemos e existimos" (At 17.28).

Así, desde a comuñón trinitária, o ser humano forma parte da creación e é dependente dela. Vive dentro dun contexto de interdependencia coa creación. Dende o principio, o noso futuro está conectado ao chan, á auga e ao aire. Deus nos pon xunto e coa natureza para traballar esa mesma natureza (Gn 2.15). Non habería falta (2.8-9) se sabemos administrar. Dependemos do chan e del recibimos o noso sustento. Pertencemos a este mundo creado e é el que ofrece a base para a nosa existencia. A vida comeza e se orienta baixo o coidado de Deus.

"Oh Señor, ti tes feito tantas cousas e foi con sabedoría que as fixeches. A terra está chea das túas criaturas "(Sl 104.24).

"Todos estes animais dependen de ti, esperando que lles deas alimento no tempo certo. Ti dás a comida, e comen e quedan satisfeitos. Cando escondes a cara, fican con medo; se cortas a respiración que lles dás, eles morren e volven ao po de onde saíron. Porén, cando lles dás o golpe de vida, eles nacen; e así dás vida nova á terra "(Sl 104.27-30).

Hoxe, pensamos que o mundo é un obxecto para a nosa explotación, no canto de suxeito á glorificación de Deus. En gran parte, ignoramos as necesidades doutras formas de vida. Esa actitude utilitarista de ver e actuar é pecado, é unha falta de respecto para co Espírito de Deus.

O reto do coidado amoroso

É Deus quen dá e quen sostén a vida de todo o universo. Súa preocupación por atender ás necesidades básicas (comer, beber e levar) non se restrinxe ao ser humano, pero se estende a toda a natureza, reflectida nos paxaros e nas flores do campo.

"É Deus quen viste a herba do campo, que hoxe dá flor e mañá desaparece, queimada no forno. Entón é claro que vestirá tamén vós, que teñen unha fe tan pequena "(Mt 6.30).

O universo enteiro depende do coidado amoroso de Deus, que non descoida de ningunha criatura. Os lírios, por exemplo, caracterizados pola súa fraxilidade e vida curta, son vestidos de tal xeito que nin Salomón usaba roupa tan bonitas como estas flores. (Mt 6,29).

Creación significa que todo é completamente obra de Deus. Deus é o autor de todo, o deus persoal e salvífico, que se revelou como puro amor. Toda a realidade brota da pura iniciativa deste amor divino, puro don gratuíto.

Pero o ser humano forma parte da creación, depende dela e é o seu coidador. O ser humano, como o resto da creación, foi creado "segundo a súa especie" (Gn 1.24 e 25), só que a imaxe e semellanza de Deus (Gn 1.26-27). A imaxe de Deus é elaborada en termos do ámbito administrativo que o ser humano tería sobre o resto da creación. O ser humano foi creado a imaxe de Deus, non só pola súa liberdade e dereito á elección, pero tamén pola postura que asume ante a creación, unha postura de soberanía en amor e comuñón, que debe reflectir a soberanía de Deus (Gn 1.26- 28). O ser humano non foi creado só para realizar unha administración espiritual, pero foi creado para ordenar a creación.

"Con todo, fixeches o ser humano inferior soamente a ti mesmo e lle leste a gloria ea honra dun rei. Ti lle deste poder sobre todo o que creaches; ti puxeches as cousas baixo o dominio del: as ovellas eo gando e os animais salvaxes tamén; os paxaros e os peixes e os seres que viven no mar "(Sl 8.5-6).

Esa administración humana sobre a creación chamamos de mandato cultural. Ser creado á imaxe de Deus é ser responsable do planeta e por todas as formas de vida!

A soberanía humana implica responsabilidade para preservar a orde que Deus creou e promover a existencia de todos os seus elementos. Tal soberanía non implica en liberdade para roubar, matar e destruír. Os seres humanos son mordomos de Deus, responsables ante el e cuxa primeira tarefa é asegurar a permanencia e equilibrio da creación.

lundi 11 janvier 2016

A poderosa comuñón de Deus

A poderosa comuñón de Deus connosco
Jorge Pinheiro, PhD


A palabra creadora, chea de poder, converteuse nun ser humano e habitou entre nós. Isto é o que o discípulo amado nos conta en João 1.14-18.

"A Palabra fíxose un ser humano e morou entre nós, chea de amor e de verdade. E vimos a revelación da súa natureza divina, natureza que recibiu como Fillo único do Pai. Xoán dixo o seguinte respecto a Xesús: - Este é aquel de quen eu dixen: "El vén detrás miña, pero é máis importante que, xa antes de nacer xa existía. "Porque todos temos sido bendicidos coas riquezas do seu amor, con bendicións e máis bendicións. A lei foi dada por medio de Moisés, pero o amor ea verdade viñeron por medio de Xesús Cristo. Ninguén nunca viu Deus. Só o Fillo único, que é Deus e está a carón do Pai, foi quen nos mostrou quen é Deus. "

O apóstolo Xoán utilizou unha expresión grega, logos, que traducimos por "palabra", para dicir que Xesús é a poderosa comunicación creadora de Deus. Esa palabra ten o poder de crear a realidade. Vémolo en Xénese (1.3), cando Deus dixo: "Haxa luz. E a luz comezou a existir ".

Logos, no grego 'palabra', foi entendido polo filósofo grego Heráclito de Éfeso, como o principio de unificación, portador do ritmo, da xustiza e da harmonía que rexen o Universo. ["Ben dicía Heráclito: homes son deuses e deuses son homes, porque o Logos, sendo un" (Hipólito, refutações, IX, 10,6)]. Así, Heráclito ante a mobilidade de todas as cousas denominou lume ao elemento primitivo, e viu este comandado por unha lei natural racional, o Logos. 1 Considerouse o Logos dotado de dous principios internos contrarios: discordia e concordia. Estas dúas forzas contrarias transformaban o elemento primitivo, ora na dirección da solidificación, ora de retorno ao estado móbil do lume. Polo tanto, o Logos, concibido por Heráclito como unha lei natural ordenadora, a todo comanda en forma dialéctica. E segundo Platón é o principio de orde, mediador entre o mundo sensible eo intelixible. Así, para a filosofía grega, logos era o principio de razón.

Pero, por ser razón e palabra, logos mantén unha relación de complementação con sabedoría e, por iso, é pensada por Heráclito como harmonía, o propio nexo orixinal entre logos e physis. Diante do relativismo dos sofistas, Sócrates e Platón van formular a cuestión: que é? Esta cuestión busca definir iso que permanece sempre idéntico a si mesmo, a esencia, fundamento de toda inestabilidade accidental da existencia aparente. Que en Heráclito se delimitaba como o encontro da harmonía pasa a ser, a partir de Sócrates e Platón, unha busca: nace a filosofía como un desexo de coñecemento. Aristóteles caracteriza esta transformación cando afirma que o que desde sempre foi demandado é a cuestión: o que é o ser? A filosofía constitúese a partir de Sócrates, Platón e Aristóteles como o pensamento que investiga a cuestión do ser.

Pero o concepto razón relaciónase a tres outros: esencia, existencia e essencialização. A esencia non é só o que unha cousa é, pero tamén o que fai que unha cousa que poida ser. Neste sentido, esencia é potencialidade, o poder de ser ea fonte de existencia: orixe do ser. Pero tamén é o reino da cognición, do pensamento, imposible de penetrar. Pari paso esencia, o logos correlaciona mente e realidade, facendo posible o coñecemento. Cando alguén comprende e fala sobre a realidade, fai xuízos e define estándares, que son comúns a outros seres humanos, se comunica. E quen posibilita a comunicación é o logos. Así, o logos é a orixe da razón e tamén do ser. Pero, orixe do ser aquí non significa coñecemento a priori, é estar colocado á parte do reino de finitude e por iso a orixe do ser só é coñecida por un acto de revelación.

A importancia do Logos

De entre as moitas transformacións que xorden coa pólis, a cidade grega, a máis importante é a extraordinaria preeminencia da palabra sobre todos os demais instrumentos de poder.

A palabra deixa de ser o termo ritual e pasa a ser a fonte para o debate, discusión e reflexión, sendo ela, ou mellor, o seu uso de forma máis persuasiva, que pode definir o orador gañador dos embates dialéticos (dialéctica é comprendida como a arte real da discusión: as normas para unha discusión correcta). Todas as cuestións de interese xeral pasan a ser sometidas á arte da oratoria e as decisións son as conclusións dos debates. A política se fai a arte do dominio da linguaxe. Coa popularidade dos debates e das discusións, a polis se fundamenta na publicidade das manifestacións sociais; se distinguen os intereses comúns dos privados, consolídanse as prácticas abertas eo dominio público, a base social da estrutura.

Porén, ese desenvolvemento trae unha profunda transformación, xa que ao facer comúns os elementos dunha cultura, levamos o mesmo á crítica e á controversia. Todos os elementos están expostos a interpretacións diversas ea debates apaixonados. Xa non era posible impoñerse só por prestixio persoal ou relixioso ... Debía haber o convencemento pola dialéctica.

A palabra constituíuse ao instrumento da vida política. Súa vertente escrita trouxo en si a posibilidade dunha completa divulgación do coñecemento. Neste momento, a escrita tornárase pública, non máis estando presente só no palacio - como no período micênico. Neste contexto, o saber pode chegar a ser igualmente público, deixando de estar restrinxido aos maxistrados ou sacerdotes. Tras difundidas, as ideas serán sometidas ao debate político e á aceptación popular.

A Sabedoría

Coa consolidación da importancia da palabra, o saber pasa a ser un ben público. E a sabedoría, tan exaltada por filósofos como Platón, para o que a sabedoría pertencía ao pasado, ofreceu aos seus contemporáneos o amor á sabedoría, á filosofía. Así, a sabedoría percorreu os sendeiros da linguaxe, da palabra, do discurso, do logos, da dialéctica: este camiño converteuse en característico da cultura grega. Pódese, en última instancia, argumentar que a filosofía naceu no momento en que se intentou recuperar algo perdido, a sabedoría, combinada á dialéctica.

Non foi sen resistencia que este percorrido foi seguido. A popularización do saber, antes inaccesible, foi cuestionada. Había unha articulación para que os mitos que chegasen á praza publica e fosen obxecto de exame, pero non deixasen de ser un misterio. A súa reformulación produciu un salto no desenvolvemento humano, mantendo os seus reflexos ata hoxe.

Na contemporaneidade latinoamericana, partindo da dialéctica, Enrique Dussel propón a dialéctica analóxica da alteridade, a apertura da totalidade á alteridade, transcendendo o ámbito do logos. O logos permanece no mundo e non pode avanzar máis aló. O logos que transcende é análogos, máis aló do logos, analoxía que se articula na dialéctica da voz ouvida que leva a escoitar: é dicir, a escoitar a voz. Así, o logos chega ao seu límite, e confía no que escoita do outro pola fe, pois sen a confianza no outro, non se pode escoitar a súa voz. Fe aquí significa ir máis aló do horizonte da physis, ir máis aló do horizonte da ontoloxía do mesmo, afirmando a ontoloxía da negativa, é dicir, xa que o outro non se orixina no idéntico, é diferente. Brota como orella é ámbito ao que a totalidade pode abrirse, e ao abrir-se cambia de estatuto, converténdose no ontoloxía negativa.

Na súa reflexión sobre a superación das totalidade ontológicas dende a apertura á alteridade, Dussel afirma que tal superación dáse coa metafísica, entendida como ademais do fundamento. E se dá así porque a metafísica non é soamente ontológica, pero opera a través do descubrimento dun máis-alá do mundo. E como en grego ana significa máis aló, e logos significa palabra, análogos toma o sentido de palabra que irrompe no mundo desde un máis aló do fundamento. O método ontológico-dialéctico chega ata a base do mundo desde un futuro, porén se detén ante o outro como un rostro de misterio e liberdade, de historia distinta, pero non diferente. 2 Pero se o outro é distinto, non hai diferenza, nin retorno, aínda que haxa historia e crise. Por iso, para Dussel, se este logos irrompe mentres interpelante indo máis alá da comprensión, é análogo.

Esa interpretación de Dussel repousa na comprensión do logos joanino, que repousa Xesús, o Cristo, por enriba da tradición filosófica, tanto de Heráclito, quere de Platón ou do neoplatonismo, e aínda da filosofía xudaica expresada en Filón de Alexandría. Neste sentido, se antes estabamos ante a personificación do logos, aínda así non hai na tradición da filosofía grega ou xudía a idea de encarnación do logos. Ese logos joanino, polo que vai alén de toda a tradición filosófica, aínda João a utilice como ponte para falar á cultura da súa época.

Hai aínda unha ponte co pensamento xudaico, sobre todo no que se refire aos textos de Xénese 1 e de Proverbios 8.22-31. O primeiro ao utilizar a expresión grega "en Arque", presente na Septuaginta, eo segundo ao personalizar a sabedoría. Neste sentido, o logos de Xoán se presenta como análogo. Análogo a Deus, porque é Persoa divina. E análogo aos seres humanos, porque é persoa humana.

Análogo significa que o logos vén de máis-alá, é dicir, que hai un primeiro momento no que xorde unha palabra interpelante, máis aló do mundo, que é o punto de apoio do método dialéctico porque pasa da orde antiga á orde nova. Aínda que, este logos eterno se reflicta a través dos nosos pensamentos e por iso non poida existir un acto do pensamento sen a secreta premisa da súa realidade incondicional [Romanos 12.2 e 1Coríntios 2.16].

Pero o certo incondicional non está ao noso alcance. En nós humanos sempre hai un elemento de aventura e risco en cada enunciado da verdade. Pero aínda así, podemos e debemos usar este risco, sabendo que este é o único xeito que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.

Cando temos relación co logos eterno e deixamos de temer a ameaza do destino demoníaco, aceptamos entón o lugar que lles corresponde ao destino no noso pensamento. Podemos recoñecer que desde o principio estivo sometido ao destino e que sempre desexou librarse del, pero nunca conseguiu.

Tarefa teolóxica da maior importancia, na análise cristiá do destino é saber relacionar logos e kairos. O logos debe alcanzar kairós. O logos debe implicar e dominar os valores universais, a plenitude do tempo, a verdade eo destino da existencia. A separación entre logos e existencia chegou ao fin. O logos alcanzou a existencia, penetrou no tempo e no destino. E isto aconteceu non como algo extrínseco a el mesmo, senón porque é a expresión do seu propio carácter intrínseco, a súa liberdade.

Cómpre, porén, entender que tanto a existencia como o coñecemento humano están sometidos ao destino e que o inmutable e eterno reino de verdade só é accesible ó coñecemento liberado do destino: a revelación. Dese xeito, a diferenza do que pensaban os gregos, todo o ser humano posúe unha potencialidade propia, mentres ser, para realizar o seu destino. Canto maior sexa a potencialidade do ser - que medra a medida que se toma parte e dominado polo logos - máis profundamente está implicado o seu coñecemento no destino.

Noso destino, que aquí pode ser entendido como misión, é servir ao logos nun novo Kairos, que emerxe das crises e desafíos dos nosos días. Canto máis profundamente entendermos noso destino [no sentido de prokeimai, estar colocado, ser proposto] eo da nosa sociedade, tanto máis libres seremos. Entón, o noso traballo será pleno de forza e verdade.

A luz foi creada polo poder do Logos de Deus. Pero a Palabra de Deus, que é a comunicación de Deus, tamén revela o que está oculto. Cando falamos, revela o que está no noso pensamento. Así, a outra persoa só sabe o que pensamos si usamos a palabra.

Cando dicimos que Xesús é a Palabra de Deus, estamos dicindo que El ten o poder de revelar o misterio insondable de Deus e amosar como é. Xesús é a comuñón de Deus connosco e revelou que Deus é amor, xustiza e poder. É por iso que o apóstolo di: "Ninguén nunca viu Deus. Só o Fillo único, que é Deus e está a carón do Pai, foi quen nos mostrou quen é Deus ".

Esa é a realidade maior: Xesús chegou a ser xente para que Deus puidese comuñón connosco e así comunicar á humanidade o seu gran amor.

A Palabra segue entre nós e, na súa comuñón connosco, ten o poder de plantar a fe, converter os corazóns e crear un novo mundo de paz. É o Logos creador de Deus que nos revela os propósitos, as ganas eo amor de Deus pola humanidade.


Notas

1. Evaldo Pauli, O Deus dos presocráticos. Web: www.odialetico.hpg.com.br (acceso en 20/12/2006).

2. Enrique Dussel, O Método de Pensar Latinoamericano: la Analéctica como Ruptura Teórica, conferencia proferida en novembro de 1972, en Introducción a Una Filosofía da Liberación latinoamericana, México DF, Ed. Extemporáneo, 1977, pp. 117 a 138.

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