lundi 20 juin 2016

Globalização e o ensino da teologia

A GLOBALIZAÇÃO

E O ENSINO DA TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA
Por Jorge Pinheiro*


Pra refazer o trabalho
pra semear minha vida
já bate a cancela
bate o tempo do pilão
já bate o atabaque
rebatendo a imensidão
o céu pegando fogo
uma estrela vai queimar
eu sou de quem me chama
eu não sou desse lugar
Serra do mar noite alta
vou preparar minha volta (...)
Na volta do caminho
tem os anjos pra velar
a gente lá de casa
bate roupa pra lavar
Pra renascer todo dia
pra descobrir o compasso
já bate a correnteza
bate asa no sertão
o boi puxando o carro
o candeeiro a direção
Cacaso1


Um poema de Cacaso pode parecer estranho como abertura de um trabalho que pretende analisar questões referentes à ideologia2 no ensino teológico. Mas método e conteúdo fazem parte da mesma totalidade. Por isso, assuntos focalizados neste artigo, como globalização,  intelectualidade e missão profética, e os desafios da brasilidade não estão separados da emoção, da ação em comunidade e objetivamente do ensino teológico. Ao contrário, nos dão elementos para entendermos por que e quando nossa pedagogia e didática descambam para a falsa consciência e alienação.
Descartamos a possibilidade de uma pedagogia formadora e transformadora no ensino teológico brasileiro e latino-americano, sem a compreensão de que o desafio consiste em pensar globalmente, mas agir localmente. Por isso, a universalidade do trabalho, da volta ao espaço de vida e do renascimento a cada dia, traduzidos no poema de Cacaso, norteiam o caminho que desenvolvemos neste estudo.

As contradições da globalização

O planeta mudou de cara com o fim da Segunda Guerra Mundial. Uma grande parte do mundo tornou-se comunista, incluindo mais da metade da Europa, a maior parte da Ásia e um país latino-americano.3 Durante 40 anos, os países comunistas transformaram-se em um pólo, exercendo o papel de centro político no mundo, cuja expressão espacial e física se encontrava em Moscou. De outro lado, os países democráticos consolidaram-se em bloco opositor de poder político, expresso através da hegemonia norte-americana. Essa polaridade do poder político e militar desenhou a face mundial durante esses anos.
No mundo comunista, a igreja enfrentou a perseguição. Milhares de cristãos foram presos, internados em campos de trabalhos forçados e mortos. No mundo democrático, construiu-se um muro de separação entre o estado e as igrejas nacionais. O liberalismo deu origem ao secularismo e ao individualismo ególatra da sociedade de consumo.4
Mas com a derrota da democracia ocidental,5 capitaneada pelos Estados Unidos, no Vietnã,6 e com o desmoronamento do bloco comunista fez-se um vazio de poder político no conjunto do planeta. Mais rapidamente do que poderíamos imaginar, à cavalo da informatização e da verticalização da informação, a democracia do livre comércio ocupou o vazio existente. Desaparecia um mundo liderado pela polarização política, dando lugar à livre expressão econômica do capital financeiro. Por isso, no mundo atual as relações de força não mais se realizam de maneira centralizada, como eram antes. Temos um mundo que desorganiza centros, mas que se organiza a si mesmo.
Hoje, as empresas globais, supranacionais, realizam uma nova centralidade, atuam a partir de centros frouxos, mas são socialmente cegas, já que abandonaram qualquer objetivo ético ou solidário. A idéia de finalidade inexiste para esses condutores na economia globalizada. Para a democracia de livre comércio não há nacionalidade. Por isso, quando falamos em benefícios para o Brasil, num mundo globalizado pela não espacialidade do capital financeiro, estamos seqüestrando o conceito de nacionalidade. Haverá benefícios, sem dúvida, mas não para a nação nomeada e sim para os agrupamentos supranacionais. Algumas migalhas poderão chegar à população, mas não enquanto finalidade.
O conceito de nação implica em territorialidade, isto porque é a partir dela que temos a expressão mais ampla de uma comunidade. Território é isso, a área através da qual um estado exerce sua força e poder. Nesse sentido, a globalização choca-se com um adversário, que é a realidade do território. Não há, em termos de globalidade, a possibilidade de se definir o que deve ser feito dentro de cada território, em todos os territórios existentes no mundo. Atualmente, os estados são coadjuvantes da democracia de livre comércio. Aceito esse papel, os presidentes de repúblicas tornaram-se caixeiros viajantes ou meros executivos das empresas supranacionais. Mas a nacionalidade continua existindo porque a sua base é o território e como conseqüência temos a realidade do estado, ainda hoje um elemento de força expressiva.
A tradução viva do território é a sociedade, enquanto maioria da população, das empresas e instituições. As empresas supranacionais não necessitam de território, mas de centros frouxos que são as alavancas da realização de sua riqueza. Dizer que o estado nacional acabou, que não é possível um projeto nacional é, ao menos até agora, uma afirmação superficial. O estado planetário, no nível atual de previsão, é uma fantasia.
Nossa terceira onda urbanizatória, fruto direto da industrialização dos anos 50/60, aliada ao movimento migratório, principalmente nordestino, e à expressão democrática de novas correntes de pensamento, mudou a cara das cidades brasileiras e por extensão do país. Esse fenômeno, uma versão indígena da secularização global golpeou a estrutura familiar, fortaleceu o individualismo e aumentou o fosso social entre participantes do mercado e deserdados do capital.
Esse processo, que coincidiu a nível latino-americano com a revolução cubana, produziu em nosso país um comunismo mulato, que mais tarde foi traduzido em teologia da libertação por brasileiros como Rubem Alves e Leonardo Boff, na trilha do teólogo católico peruano Gustavo Gutierrez. Profundamente influenciada pelo marxismo, essa teologia define-se em primeiro lugar pela práxis da ação social. Teve muita importância nos anos 70 e 80, quando criou e desenvolveu as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que serviram como elemento dinamizador, ao lado dos sindicatos, para a formação do Partido dos Trabalhadores. Apesar desse fortalecimento no campo político, a igreja católica começou a viver um refluxo de vocações, baixa freqüência à missa e fortes pressões a favor do sincretismo.
No campo protestante, os evangelicais—aqueles que crêem na Bíblia como regra da fé e prática inspirada e infalível, na expiação vicária e na ressurreição de Cristo, no novo nascimento e numa vida transformada pelo poder do Espírito Santo—ganham um peso até então inédito enquanto setor de expressão na sociedade. Divididos em dois grandes grupos, históricos e carismáticos, incluídos aí pentecostais clássicos e neopentecostais, cada vez mais deram as costas a sua origem social, desenvolveram um discurso dirigido à classe média e lançaram-se a uma experiência denominacional fracional e sectária.
Atualmente, quarenta anos depois da eclosão desses fenômenos, podemos dizer que os extremos entraram em caducidade: a teologia da libertação e as pressões favoráveis ao fracionalismo e sectarismo denominacional estão em pleno declínio. Da mesma maneira, o liberalismo e as correntes neo-ortodoxas entraram em franco esgotamento. Há uma busca crescente pelo dinamismo religioso da cruz.
A traição da intelectualidade
O profetismo bíblico traduz a inquietude e o descontentamento da população em relação a acontecimentos sociais e religiosos concretos. Os profetas hebreus, no cumprimento de sua missão, não entram em choque físico, militar, como em outros lugares, com as barreiras intransponíveis levantadas pelos governos centrais. Ao invés disso, utilizam a palavra, o discurso crítico, como forma de trazer à superfície novas soluções e de influenciar aqueles que exercem o poder.
Há uma semelhança metodológica entre o profetismo bíblico o conceito de intelectual, desenvolvido a partir dos trabalhos de Gramsci.7Assim, para esse pensador italiano, o intelectual representa organicamente uma determinada comunidade, tem função superestrutural e, apesar de sua organicidade, precisa exercer autonomia em relação às pressões sociais que sofre. É dessa postura que nasce sua força crítica e sua compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes daquelas expressas pelo poder.
Quando ao profeta bíblico, sem negar sua característica enquanto homem de Deus8, expressão humana e verbal da vontade divina,9é importante analisar também o fato de que possuía uma concepção unitária do fato e que constantemente procurava a síntese entre política e ética.
“Para Jacob10, eram ao mesmo tempo revolucionários voltados para o passado e conservadores impulsionados pela paixão do porvir; igual julgamento vemos em L. Ramlot11: os profetas nada fazem sem invocar a tradição, no entanto, sua grande mensagem são os novos tempos. Outros exegetas julgam que os profetas sabiam servir-se do passado para as necessidades do presente. (...) Todos parecem ter algo em comum: uma atitude realista. Abominam o palavreado inútil, a eloquência abstrata. Ao contrário dos falsos profetas, interessam-se pelo concreto e procuram não viver envoltos em véu de ilusões. A pregação do futuro não constitui o essencial de suas prédicas; é antes, o fruto e o resultado final de conhecimento aprofundado no mundo adjacente, da atualidade e do passado”12.
É desesperante ver que a intelectualidade brasileira, hoje, esteja sendo cooptada pelo establishment, perdendo assim sua força crítica e sua capacidade de elaborar e apresentar alternativas diferentes daquelas colocados pelo status quo. Nossa intelectualidade  é formada, tradicionalmente, por filhos da oligarquia, o que faz dela uma expressão ideológica ligada ao poder. O que em parte explica a realidade desse tropismo em direção ao poder. E quando os intelectuais optam por ser poder, abandonam de fato sua vontade crítica, sua missão.
É próprio do profeta e do intelectual criar o desconforto. Ambos têm que ser fortes para trabalhar se necessário na solitude e continuar exercendo seu papel. O que outros pensam, no imediatismo do presente, deve ser indiferente para eles. É um equívoco pensar que vantagens imediatas sejam uma vantagem política. O fruto da política é sempre abrangente, realiza-se enquanto totalidade. Assim, quanto maiores os frutos ou vantagens que uma determinada política produz, maior a sua abrangência social.
O trabalho do intelectual é plantar idéias políticas e lutar para que elas floresçam. Trocar essa missão por benesses e imediatismos é um trágico equívoco. A defesa de idéias corretas de transformação social tem um custo, que pode ser a perda momentânea de privilégios pessoais, imediatos, quando a preocupação é participar do establishment. Mas se o intelectual tem consciência de seu papel na sociedade, não há de fato uma perda.
Atualmente, na sociedade secular brasileira, a traição de um número crescente de intelectuais, em relação à missão que receberam da sociedade, tem como pano de fundo a globalização. Há uma forte tendência, subjetiva, para a cooptação. É essa realidade que faz o profeta superar, transcender e substituir objetivamente o intelectual de corte gramsciano na sociedade globalizada.13
É claro que nem sempre foi assim. No fim dos anos 50 e começo dos anos 60, a comunidade intelectual brasileira buscou contribuir para um projeto de desenvolvimento nacional. A diferença básica entre aquele momento e os posteriores vividos pelo Brasil é, em essência, o projeto. Naquela época havia a busca de um projeto nacional, sem uma preocupação unívoca, ou seja, ninguém desejava uniformizar uma solução. Em torno do poder aconteceram discussões e floresceram divergências que permitiram à sociedade como um todo construir um alternativa. E havia os partidos que tinham credibilidade social e participavam de todo o processo de discussão. Tínhamos uma gama muito ampla de opiniões, indo de uma União Democrática Nacional até o Partido Comunista do Brasil, todos com projetos explícitos.
Hoje não temos projeto explícito, nem por parte do poder, nem dos agrupamentos políticos existentes. Sem projetos políticos não pode haver discussão política. Num país onde o aparelho de estado não tem um projeto, os partidos ficam capengas. Não há o que discutir. Sempre foi, dentro da democracia burguesa, função do estado a produção de um projeto próprio de governo. A política é exatamente isso, a discussão dos vários projetos existentes e o exercício da escolha e apresentação desses projetos para a sociedade.
Há uma diferença entre profeta e professor. Nossas faculdades teológicas formam ambos. Mas o número de profetas, enquanto elemento crítico, produtor de desconforto, dentro e fora das faculdades será sempre bem menor que o de professores. Mas isso não quer dizer que sua produção seja menos importante. A faculdade não é unívoca. Abriga quadros diferentes, teólogos, professores, pastores, missionários, ministros de música e de educação cristã, com perspectivas e compreensões diferentes da realidade. É necessário entender que o ensino teológico brasileiro tem cerca de cinqüenta anos e seu desenvolvimento traduz uma produção carente de caminhos próprios.
Outro problema é o isolamento do ensino e da produção teológica brasileira. Nossas faculdades e seminários acabam existindo enquanto entidades fechadas, que de forma consciente ou não deixam de lançar suas idéias ao debate acadêmico e nacional. Correm assim o risco de transformarem-se em grupos sectários, fechados em si mesmos, que por isso deixam de pensar criticamente a sociedade, apresentar alternativas e pressionar positivamente governo e establishment.
Diante da crise estrutural da intelectualidade, nossas faculdades de teologia estão desafiadas a produzir profetas. Homens de Deus, conscientes de seu papel histórico, que sob a luz do Evangelho, façam a crítica cristã das políticas reducionistas e antipopulares. Tal postura deve nascer de um ensino teológico que responda aos desafios da globalização e da pós-modernidade14: necessidade e urgência para a reconstrução da intelectualidade e desenvolvimento do conjunto da sociedade brasileira.15
Os desafios da brasilidade
No mundo secular, a difusão do saber produzido não é tarefa exclusiva das universidades. A mídia, por exemplo, deveria ser um dos agentes principais nessa tarefa. Acontece, infelizmente, que a mídia transformou-se em traidora de sua missão original, clássica. E todos sabemos que essa omissão é fruto de sua dependência intrínseca, e cada vez maior, das empresas globais, que direcionam a democracia do livre comércio.
Tal fato gerou um desequilíbrio, que pode ser equacionado da seguinte forma: quanto maior o peso da estrutura global menor é a responsabilidade ética da mídia na difusão do saber produzido. Há uma redução da qualidade de pudor e de indignação. Assim, ao invés da palavra profética temos um cronista do establishment.
A questão da justiça social parte de três realidades que estão imbricadas, nesse fim de século, com a globalização. São elas, a materialidade de nosso corpo, a individualidade e a cidadania. A corporeidade é a minha primeira expressão enquanto pessoa, a forma que possibilita a minha comunicação com os outros, com a minha espacialidade e com o meio.16 Essa possibilidade de comunicação é limitada ou facilitada pela minha individualidade, que socialmente, traduz-se enquanto cidadania. Ou seja, pela maneira como participo, pela sociabilidade.
O problema é que no Brasil a cidadania não se completou. De tal maneira que meu corpo aparece como diferença central em relação a outros corpos. Não importa que minha individualidade cresça, enquanto consciência que tenho de minha realidade e de minhas possibilidades, inclusive através da ampliação de meus conhecimentos, se a cidadania me escapa por falta de espacialidade, de geografia. Quando alguém tem o poder de tirar a minha espacialidade, de me colocar para fora de minha casa e de meu espaço de produção, dentro da realidade urbana, ou de minha casa e da terra onde produzo, dentro da realidade rural,  minha corporeidade torna-se inferior às demais, porque deixo de ser cidadão.
A grande possibilidade do futuro está na comunicação, mas não na comunicação à distância, e sim na comunicação na proximidade. O que não falta hoje é informação, divulgação de dados e fatos verticalizados, numa rapidez e quantidade assombrosos. Isso produz alienação, já que não há discussão de metas, prioridades ou contexto em que esses dados e fatos devam ser inseridos. Nesse sentido, a globalização permite falar na construção antecipada de violência deliberada.17 É assim que atuam os grandes conglomerados da indústria editorial no mundo. Decidem a priori quais serão os best sellers. Criaram um fosso entre o mercado das idéias e a produção teórica do saber.18
Por isso, a comunicação está na comunidade, 19 nos conglomerados, entre os povos do mundo. São eles que criam, já que a comunicação é a expressão da solidariedade de preocupações, do fato de viver juntos, de depender para continuar vivendo.20 E aí está, sem dúvida, o caminho para uma outra globalização, que não precisa necessariamente de toda essa sofisticação pós-moderna.
Até agora, o mundo da globalização é verticalizado, tem preocupações pragmáticas, localiza-se em centros frouxos, de onde comanda a violência da informação e a violência do dinheiro. Mas isso é uma transição. As comunidades, os grandes centros urbanos, as grandes massas, no entanto, estão criando outra coisa. Respondem à informação e ao pragmatismo com comunicação e emoção. Abandonaram, sem terem consciência disso, a epistemologia do iluminismo.
A emoção permite a liberação de quadros estabelecidos, por isso tem um papel motor na produção do conhecimento. Quando falamos de emoção estamos realçando tendências motivadoras, quer sejam imitação, defensiva, agressiva, gregária, de propriedade, de domínio, de submissão. Isto porque a iniciativa da vontade ou da atividade pode ser insuficiente ou deficiente na descoberta e criação do conhecimento.
O Antigo Testamento é rico nesse tipo de experiência vivencial que faz cruzar emoção e comunicação. O povo israelita se movimenta, sacrifica, luta, vence, num processo contínuo de novas emoções e conhecimentos para obter uma conquista final. A fé se constrói dentro do mesmo princípio, dando forças para suportar, em Jó, no agir, em José, e na obediência como fruto da confiança, em Abraão. A própria assinatura da aliança no Antigo Testamento acontece no contexto de uma crise emocional sem precedentes na vida do herói da fé. E como ponto alto dessa dialética emoção/conhecimento na cultura judaica-cristã temos o sermão do monte, onde todo o discurso é carregado de beleza motivadora: dos pobres de espírito é o reino dos céus; os mansos herdarão a terra; os que choram serão consolados, os que têm fome e sede de justiça serão saciados, etc. Assim, as escrituras bíblicas têm transmitido confiança e esperança ao comunicar emoção. E isso não acontece por acaso. É Deus quem leva à emoção. Ele criou o homem com possibilidades que não se restringem à razão e à lógica. O mundo é um incentivo à vida. Nesse sentido, toda a criação é um desafio às nossas emoções.
Os setores médios da sociedade estão alicerçados no consumo, que é um redutor do pensamento, por isso tendem a ver o mundo como uma realidade estática, onde nada muda. A mídia, através do massacre da informação, aprofunda essa falsa consciência e fortalece o enquadramento dos setores médios. É desse enquadramento que nasce sua prosperidade e, como conseqüência, sua dificuldade para pensar a realidade. E a universidade, como centro pensante dos setores médios, perde sua capacidade de gerar reflexão crítica e indignação.
O que vemos, no que se refere às grandes massas, é a racionalidade ceder lugar à emoção,21 enquanto geradora de atividades sociais produtivas. Temos, então, uma produção que nasce das entranhas das massas, a partir de baixo, num nível e intensidade até agora desconhecidas na história humana.
Numa sociedade aparentemente rica,22 a sabedoria passa a ser privilégio daquele que conhece a experiência da escassez. É o caminho da descoberta, do que valho realmente enquanto ser. Nesse sentido, tanto o continente latino-americano, como o Brasil passam a ser historicamente afortunados, por serem potencialmente produtores de sabedoria.
Nesse sentido, estamos deixando a era tecnológica e entrando na era da democracia das grandes massas. O que é uma mudança de qualidade nas relações humanas. As grandes massas, que estão em movimento desde os anos 50, começam agora a fazer uso da comunicação, enquanto linguagem transformadora da situação dos deserdados da terra. Esse fenômeno que se expande, mas ao mesmo tempo se aprofunda, aponta para algo inteiramente novo no cenário latino-americano.
Ensinar teologia pode ser emocionante
Exatamente porque a função da faculdade de teologia é desenvolver a capacidade crítica e criadora, informar e formar hábitos e habilidades, desenvolver atitudes e ideais, deve procurar romper com a tradição racionalista da modernidade. O futuro pastor, missionário, ministro e teólogo vivem num mundo real e querem transformá-lo,23 ganhando vidas para Jesus Cristo. A faculdade de teologia que funciona enquanto realidade isolada não entendeu uma das exigências da pós-modernidade: o ensino que não se integra na vida real, em sentido horizontal e também vertical, não é motivador, abandonou o fator experiência. Por isso, enumeramos sete recursos pedagógicos que favorecem a mediação da emoção na produção do conhecimento teológico:
1. Fracasso e sucesso estão carregados de conteúdos emocionais. Na discussão de questões do Antigo Testamento, seja a aliança abraâmica, o êxodo ou a reforma de Esdras e Neemias não importa se o aluno se embaraça em entender os sentidos mais profundos de cada teologia, por desconhecer os pontos de partida: ele sente-se desafiado em descobri-los, se as aulas foram emotivamente dirigidas nesse sentido. É necessário, porém, equilibrar sempre fácil e difícil, levando em conta que os mais inseguros são estimulados pelo sucesso e os mais seguros com a possibilidade do fracasso.
2. A segurança depende do conhecimento de possibilidades e realizações, não do conhecimento das teologias da aliança, do êxodo ou das reformas de Esdras e Neemias. Para manter o aluno motivado, para explorar ao máximo suas possibilidades criadoras, o professor deve visualizar uma espécie de conta corrente: onde o ativo são os resultados dos esforços do aluno ao competir consigo mesmo e o passivo sua preparação em direção à autodeterminação.
3. Competir faz parte da vida, mas nem sempre há justiça na premiação. A faculdade de teologia deve preparar os futuros pastores, missionários, ministros e teólogos para a competição da vida, que é inevitável. Eles vão competir consigo mesmos, vão competir enquanto indivíduo no grupo, vão competir com outros grupos. Como eles têm um ministério cristão é importante ter claro que vão concorrer com outros grupos do ponto de vista teológico, mas não apenas, também vão fazê-lo ao nível social, cultural e político. Sabemos porém que é quase impossível prever como vão participar dessa concorrência e até onde vão conseguir realizar seus interesses particulares, e como tal competição se transformará em mola propulsora de desenvolvimentos posteriores.
4. Prêmio e castigo sempre fizeram parte da educação judaico-cristã. Nos últimos anos, andaram em desuso, mas a realidade tem mostrado que os prêmios satisfazem a tendência natural de auto-afirmação e de obtenção de prestígio, enquanto os castigos contrariam essas necessidades. Assim, quando um estudante erra e não recebe a reprimenda esperada estamos enevoando seu sistema de valores. Estamos confundindo e não educando. Por isso, principalmente numa faculdade de teologia é melhor repreender ou elogiar do que ausentar-se de qualquer manifestação diante dos trabalhos realizados. É bom lembrar que o castigo reforça o desprazer de um mau resultado e o prêmio faz a transição da ansiedade à liberação.24
5. O aproveitamento da experiência prévia do aluno é um fator espetacular de motivação, mas deve ser reinterpretado, retificado e ratificado. Sua experiência de vida religiosa, social, cultural e política, soluções encontradas para problemas reais vividos na família, na igreja e na comunidade em geral não somente favorecem a integração do aluno no grupo, mas produzem um sentido de correlação entre o meio social e a faculdade. É necessário aproveitar a tendência gregária dos alunos no planejamento e discussão dos cursos, na sua execução e controle, completando-se com o trabalho socializado. Os grupos estruturam-se visando atender a soluções intelectuais e afetivas. E as atividades extra-classe, desde que levem em conta essas motivações,  podem ter um importante papel didático.
6. As diferenças individuais devem ser levadas em conta e compensadas através de dois recursos: as entrevistas e a graduação de tarefas. Na primeira, os estímulos tornam-se diretos, mas o sucesso depende em muito da simpatia e da habilidade psico-pedagógica do professor. Na graduação de tarefas oferecemos uma oportunidade de autodeterminação, um incentivo a aprendizagem afetiva.
7. A crítica, enquanto construção aluno-professor, é imprescindível à segurança afetiva. O amor é a grande motivação. O amor permite ao professor encontrar os recursos necessários para educar os futuros pastores, missionários, ministros e teólogos em hábitos, atitudes e ideais, e orientá-los no caminho da verdade e da justiça.
Para terminar, gostaria que meditássemos, enquanto homens e mulheres envolvidos no ensino da teologia, num pequeno texto de Russell Shedd. Diz o professor:
“Segundo Karl Barth, a função da teologia evangélica é formular uma pergunta concernente à verdade, significando com isso que a tarefa do teólogo é inquirir se a igreja está compreendendo e comunicando (com sua palavra e sua vida) corretamente o evangelho. É possível crer na Bíblia de capa a capa e, mesmo assim, deixar de descobrir a verdade fundamental nela contida. Uma entrega ao Autor e Senhor da Bíblia, que produza transformação de vida, assim como uma submissão contínua ao Espírito Santo regenerador, o intérprete divino da Bíblia, são pré-condições essenciais quando os desafios da Escritura são ouvidos e atendidos. Não obstante, devemos precaver-nos do perigo da cultura obscurecer nosso reconhecimento da vontade de Deus em sua Palavra revelada. A justiça social apresenta exatamente este desafio. Os que se apegaram com maior tenacidade ao plano elevado da inspiração bíblica, com freqüência sufocaram as exigências divinas para que seu povo exemplificasse a sua profunda preocupação com a justiça”.25
A preocupação de Shedd nesse texto é a justiça social, mas seu alerta quanto à cultura são válidos para a pedagogia voltada ao ensino teológico. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, essa deve ser a diretriz. Por isso, toda crítica à falsa consciência e à alienação no âmbito do ensino teológico deve ter como base a verdade e a justiça, enquanto inquirição da compreensão e proclamação do evangelho por parte da igreja, corpo de Cristo no mundo. Mas se a tarefa é formar e transformar através da verdade e da justiça, o caminho, o método, a pedagogia é o amor.

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* Jorge Pinheiro, 54, pastor batista, jornalista, é professor de Teologia Sistemática (Graduação e Mestrado) na Faculdade Teológica Batista de São Paulo, de Antigo Testamento na Faculdade Teológica Batista Paulistana e professor convidado da Missão Antioquia (SP) e do Centro de Estudos Teológicos (SC). Cursou Jornalismo na Universidade Católica (RJ), Ciências Sociais na Universidade do Chile, e Teologia (Graduação e Mestrado) na Faculdade Teológica Batista de São Paulo. É casado com Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos e tem três filhas: Marcela, Patrícia e Paloma.

 1  Cacaso, Um Canto de Trabalho, in Mar de Mineiro, Rio de Janeiro, 1982.

2  O termo ideologia foi criado por Destutt de Tracy (1754-1836), a quem Marx chama de “frio zelador da doutrina burguesa” em O Capital. v. I, Paris, Gallimard, 1965, p. 1166. Nesse trabalho, o conceito ideologia será usado sempre no sentido de falsa consciência geradora de alienação histórica, conforme desenvolvido por Marx/Engels em L’Idéologie Allemande, Paris, Gallimard, 1982. Levamos em conta, ainda, dois outros trabalhos: o primeiro de Claude Lefort, Les Formes de l’histoire, Essai d’anthropologie politique, Paris, Gallimard, 1978, e o segundo de L. Althusser, Pour Marx, Paris, Maspero, 1965.

3  A transformação de diversos estados da Europa central e oriental em repúblicas, a partir de 1945, alterou o equilíbrio de poder entre os países socialistas e capitalistas, condicionando a política do mundo inteiro e gerando um estado de tensão permanente que ficou conhecido como Guerra Fria. Os laços entre a União Soviética e os países satélites foram estabelecidos através de acordos militares como o Pacto de Varsóvia e econômicos como o Comecom. De forma geral, a política estratégica de Moscou caracterizou-se pela tentativa de conter, na ONU, a política externa das grandes potências capitalistas; estímulo aos movimentos de oposição ocidentais contrários à expansão armamentista; confronto ideológico com o bloco ocidental dentro de suas esferas de influência; e reforço de seus próprios interesses dentro do bloco socialista.

 4 “Essa cisão dramática entre ética e civilização manifesta-se de modo particularmente agudo quando se tem em vista o problema da comunidade ética no contexto da modernidade, ou quando é colocada a questão sobre o destino da comunidade ética numa civilização regida pelo pressuposto da práxis. A experiência milenar das sociedades humanas logrou constituir no curso da história formas de comunidades éticas como a família, os grupos religiosos, as tradições culturais e outras, onde os indivíduos se acolhiam para buscar uma razoável satisfação de suas necessidades simbólicas. O enfraquecimento ou a dissolução dessas comunidades é, talvez, o efeito mais visívil do processo de integração das sociedades mais diversas no âmbito e no espírito (ou na ideologia) da civilização universal moderna. Tornou-se banal a afirmação de que a ideologia verdadeiramente representativa da modernidade é o individualismo”. Henrique C. de Lima Vaz, Ética e Comunidade, in Síntese / Revista Trimestral da Faculdade de Filosofia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus, BH, no 52, jan./mar. 1991, p.7.

5  “O cristianismo e o judaísmo floresceram ou pelo menos sobreviveram em toda espécie de sistema social conhecido da humanidade. Se o capitalismo democrático perecesse durante os próximos cinqüenta anos, como bem poderia acontecer, o cristianismo e o judaísmo ainda sobreviveriam; segundo a promessa de Deus, sobreviverão até o fim dos tempos. É essencial, portanto, não confundir a transcendência do cristianismo e do judaísmo com a sobrevivência do capitalismo democrático. Se o capitalismo democrático desaparecesse da terra, a humanidade mergulharia em trevas relativas e judeus e cristãos sofreriam em regimes bem mais hostis às suas liberdades e capacidades. No entanto, judaísmo e cristianismo não requerem capitalismo democrático. Ocorre somente que, sem ele, ambos seriam mais pobres e menos livres. Entre as economias políticas pode haver alguma coisa melhor que o capitalismo democrático auto-regulador. Se existe, ainda não está à vista”. Michael Novak, O Espírito do Capitalismo Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica, 1982, p. 392.

 6 A retirada americana deu início à fase final da guerra do Vietnã e ao enfraquecimento do governo de Nguyen Van Thieu, que não resistiu ao avanço das tropas vietcongues. O Acordo de Paris, negociado por Henry Kissinger e Le Duc Tho, foi assinado a 21/1/1973. O documento estabelecia o cessar fogo, a retirada das tropas americanas, a convocação de eleições para o Vietnã do Sul e a libertação dos presos de guerra. Os EUA perderam quase 46 mil soldados e tiveram cerca de 300 mil feridos. No dia 21/4/95 deu-se a arrancada final dos comunistas. Van Thieu fugiu para os EUA e o general Duong Van Minh rendeu-se incondicionalmente ao vietcongue a 30/4/75.

7 Se a relação entre intelectuais e povo-nação, entre dirigentes e dirigidos - entre governantes e governados -, é dada por uma adesão orgânica, na qual o sentimento paixão torna-se compreensão e portanto saber (não mecanicamente, mas de forma viva), é somente então que a relação é de representação e que se produz o intercâmbio de elementos individuais entre governados e governantes, entre dirigidos e dirigentes, isto é: que se realiza a vida conjunta que, só ela, é a vida social, cria-se um bloco histórico”. Antonio Gramsci, Il Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto Croce, Turim, Einaudi, 1966, p. 115.

 8 “A seleção de pessoas que devem se candidatar para aproveitar a educação teológica merece muita atenção. Ninguém pensaria em mandar um time de futebol para representar seu país se não tivesse as qualificações que o destacam da maioria dos jogadores. Paulo salienta fidelidade e idoneidade (2Tm 2:2). Jesus aponta para humildade ou pobreza de espírito. Refere-se à pessoa que é vulnerável, totalmente dependente, no sentido de que não tem nada de si que acha poder oferecer a Deus em troca de qualquer favor dele”. Russell P. Shedd, O Fundamento e Finalidade Última da Educação Teológica, in Vox Scripturae, dez/1966, p. 291.

 9 M. Buber, The Prophetic Faith, Nova York, 1949, citado por León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, São Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 113.

 10 E. Jacob, Les Prophètes bibliques sont-ils des révolutionnaires ou des conservateurs, in Csoc, 71, 1963, p. 194.

11 L. Ramlot, Histoire et mentalité symbolique, Exégese et theéologie, Mélanges Coppens, t. III, 1968, p. 188.

 12 León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, São Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 115.

13 ”Cada instituição teológica, consciente ou inconscientemente, também tem suas pressuposições e tendências ideológicas, mas duvido que a maioria desses centros educacionais tenham refletido com muita claridade e seriedade sobre essa realidade. Essa orientação ideológica estaria vinculada à história da instituição, à formulação da missão da igreja e o papel da educação teológica no cumprimento dessa missão. Donde, cada instituição educará seus estudantes para certa classe de leitura popular de acordo com suas obrigações. Tenho a impressão de que as instituições ecumênicas articulam com maior claridade seus compromissos ideológicos e que se esforçam para que esses se reflitam em seu propósito, curriculum e estruturas. (...) Quanto às leituras de uma orientação ideológica, existem dois perigos possíveis. Uma instituição pode enfocar tanto a convicção de sua responsabilidade sociopolítica que perde sua relação com a igreja nacional e suas congregações. (...) É importante que a instituição teológica vá adiante da igreja e que a oriente, mas que não se adiante a tal ponto que a igreja a perca de vista (...)  Por outro lado, uma instituição teológica de convicções mais conservadoras pode cair na armadilha de preparar ministros de molde histórico de acordo com modelos eclesiásticos que funcionaram nas igrejas por longos anos. Declarações do propósito da instituição e de sua filosofia educacional podem limitar-se a critérios denominacionais e à esfera da igreja local. Essas áreas são importantes e fundamentais, mas pode ocorrer que se preste pouca atenção ao contexto maior na qual se encontra a instituição, e seus graduados não estejam adequadamente preparados para ajudar aos membros das igrejas locais ou a igreja nacional a confrontar a realidade nacional”. M. Daniel Carroll R., Leituras Populares da Bíblia: Seu Significado e Alerta Para a Educação Teológica, in Vox Scripturae, set/1995, pp.139-140.

14 ” O espírito pós-moderno resiste às explicações unificadas, abrangentes e universalmente válidas. Ele as substitui por um respeito pela diferença e pela celebração do local e do particular à custa do universal. (...) A compreensão moderna associava a verdade à racionalidade e fazia da razão e da argumentação lógica os únicos árbitros da crença correta. Os pós-modernos questionam o conceito de verdade universal descoberta e provada graças aos esforços racionais. Eles não estão dispostos a conceber que o intelecto humano seja o único determinante daquilo em que devemos crer. Os pós-modernos olham para além da razão e dão guarida a meios não-racionais de conhecimento, dando às emoções e às intuições um status privilegiado. A busca de um modelo cooperativo e de uma maior valorização das dimensões não-racionais da verdade emprestam uma dimensão holística à consciência pós-moderna. O holismo pós-moderno implica a rejeição do ideal iluminista do indivíduo fleumático, autônomo e racional. Os pós-modernos não procuram ser indivíduos totalmente dedicados a si mesmos, desejam, isto sim, ser pessoas ‘completas’. (...) Os pós-modernos estão bem cientes da importância da comunidade e da dimensão social da existência. A concepção pós-moderna da totalidade estende-se também ao aspecto religioso ou espiritual da vida. Na verdade, os pós-modernos asseveram que a existência pessoal pode se dar no âmbito da realidade divina”. Stanley J. Grenz, Pós-Modernismo, Um Guia para Entender a Filosofia de Nosso Tempo, São Paulo, Edições Vida Nova, 1997, pp. 30, 32, 33.

 15  ”Poucas instituições (teológicas) na AL procuraram e conseguiram o reconhecimento das autoridades ou dos sistemas educacionais de seus países. Inclusive, algumas das mais prestigiadas não têm esse reconhecimento. Isto significa que temos certa liberdade para repensar a estrutura e as formas de nossa educação teológica, de maneira que corresponda melhor às necessidades de nossas igrejas. Tanto o crescimento numérico dos evangélicos, como a crescente profissionalização do ministério cristão, empurrarão nossas instituições a buscar o reconhecimento dentro dos sistemas educacionais de seus países.  Isso tem vantagens e desvantagens. Uma desvantagem é que, como nos EUA e Europa, limitará a liberdade e funcionalidade da educação teológica em relação à missão das igrejas. No entanto, temos tempo para repensar de maneira funcional, as condições dentro das quais nossas instituições vão se inscrever dentro do sistema educacional de cada país”. Samuel Escobar, Fundamento e Finalidade da Educação Teológica na América Latina, in Vox Scripturae, mar/1966, pp. 72-73.

16 ”São de enorme valor as contribuições de Emmanuel Mounier e Paul Tournier à plena compreensão da ‘pessoa’ como um todo integral. Esses pensadores cristãos nos convidam a superar os reducionismos, como por exemplo aqueles que em nome da espiritualidade negavam a materialidade ao ponto de negar a liberdade e a realidade do espiritual. Uma formação autenticamente cristã tem que regressar à riqueza da antropologia bíblica. Aqui temos que reconhecer que nossa pastoral evangélica foi muitas vezes muito espiritualizante”. Samuel Escobar, idem art. cit.,  p. 64.

17 ”Só recentemente começou a emergir com clareza a dimensão comunicação/publicidade/cultura como parte integrante do instrumental transnacional. É cada vez mais evidente que o sistema transnacional de comunicação se desenvolveu com o apoio e a serviço dessa estrutura transnacional de poder. É parte integrante do sistema, e por meio do qual é controlado o instrumento fundamental que é a informação na sociedade contemporânea. É o veículo para transmitir valores e estilos de vida aos países do Terceiro Mundo, que estimula o tipo de consumo e o tipo de sociedade requeridos pelo sistema transnacional, em seu conjunto. Politicamente, defende o status quo quando este apoia seus próprios interesses; economicamente, cria condições para a expansão transnacional do capital. Se o sistema transnacional perdesse seu controle sobre a estrutura de comunicações, perderia uma de suas armas mais poderosas; daí, a dificuldade de mudanças”. Juan Somavía, A Estrutura Transnacional de Poder e a Informação Internacional, in Meios de Comunicação: Realidade e Mito, org. Jorge Werthein, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979, p. 131.

18 ”Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, a indústria da consciência converteu-se em marca-passos do desenvolvimento sócio-econômico na sociedade pós-industrial. Infiltra-se em todos os demais setores da produção, assume cada vez mais funções de comando e de controle, e determina a norma da tecnologia dominante. (...) Além do mais, os meios de comunicação também suprimem a velha categoria da obra que só se pode conceber como objeto isolado, não independente de seu substrato material. Os meios não produzem tais objetos. Criam programas. (...) Os programas da indústria da consciência têm que absorver seus próprios efeitos, as reações e as correções que provocam. Do contrário, tornam-se antiquados de imediato. Por conseguinte, não se podem considerar como meios de consumo, e sim, meios para sua própria produção”. Hans Magnus Enzensberger, Elementos para uma teoria dos meios de comunicaçãp, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978, pp. 43, 139-140.

 19 ”Um elemento valioso dos grandes movimentos de renovação espiritual foi criar meios que permitem que a ação pedagógica e pastoral se personalizem. Os pequenos grupos dentro da igreja, onde se vive o ‘cara a cara’ da vida em comunidade não são uma invenção de algum especialista em psicologia social ou das comunidades de base no Brasil. Foram a prática dos anabatistas do século XVI, os pietistas e dos metodistas primitivos. Sua intenção era precisamente buscar o avivamento da fé e a piedade através do estímulo mútuo que personaliza a vivência da fé na comunidade. Em especial, no modelo wesleyano, através dos pequenos grupos como células, ligas e classes, a ação pastoral se ampliava e possibilitava um pastoreio mútuo dentro das grandes linhas teológicas desenvolvidas pela pregação de John Wesley e a hinologia de Charles Wesley”. Samuel Escobar, Fundamento e finalidade da Educação Teológica na América Latina, in Vox Scripturae, mar/1966, p. 63.

     20”A fim de criar riqueza, os indivíduos devem ser livres para serem outros. Não devem ser compreendidos como fragmentos de uma entidade, membros de um grupo consangüíneo ou enclave étnico, mas como indivíduos - fontes originadoras de discernimento e opção. Tais pessoas não estão isoladas nem são estranhas entre si. Simpatia, cooperação e associação são para elas tão naturais e tão necessárias, como o ar que se respira. No entanto, quando formam comunidades, elas as escolhem, elegem-nas, contratam em seu nome. O estado natural da comunidade política de pessoas chegou a se constituir não através de posse primordial, mas por compactação constitucional. Antes que a raça humana escolhesse suas comunidades, havia somente uma forma de pietas, um tipo de amor, o amor ao país. Ainda não fora vislumbrada a possibilidade de dilectio. O amor primordial ao país é bom. Mas a escolha, a compactação, a eleição são melhores”. Michael Novak, O Espírito do Capitalismo Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica, 1982, p. 415, 416.

21 ”Ambos os autores, Heller e Wallon, apontam para a estreita relação entre emoção, linguagem e pensamento, o que torna impossível seu estudo isolado, pois, desde muito cedo na vida do indivíduo, a sociedade, por meio da linguagem, integra-se no todo que constitui. (...) Por intermédio destes autores reforçamos a nossa constatação da natureza mediacional das emoções na constituição do psiquismo humano. Elas estão presentes nas ações, na consciência e da identidade (personalidade) do indivíduo, diferenciando-se social e historicamente por meio da linguagem. (...) Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à ação, portanto somos as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que reflete o mundo e somos a afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta bagagem nos identificamos e somos identificados por aqueles que nos cercam”. Sílvia T. Maurer Lane, A Mediação Emocional na Constituição do Psiquismo Humano, in Novas Veredas da Psicologia Social, Sílvia T. Maurer Lane e Bader Burihan Sawaia (orgs.), São Paulo, Educ/Brasiliense, 1995, pp. 58, 59, 62.

22 ”Outros vícios sociais produto desse ‘cultivo da riqueza’ não podem ser ignorados. Alimentam-se exponencialmente do ‘amor ao dinheiro’ (1 Tm 6:10); generaliza o equívoco que privilegia o ter sobre o ser; desdenha a posição cristã de ter muito e viver com menos do que se tem; promove a cultura do ócio que gasta em prazeres sensuais (Lc 12:16-21). Tudo isso termina destruindo os valores e princípios que fazem possível o próprio crescimento econômico. Qual a melhor medicina contra esses vícios da alma? A Igreja que possui uma mensagem vibrante e realista no social, político e econômico.” Guillermo W. Méndez L., Propostas Para Um Fundamento Teológico da Economia, Vox Scriputurae, mar/1966, p. 95.

23 ”(...) Farei algumas citações do matemático, filósofo e professor, Alfred North Whitehead, extraídos de sua obra The aims of education - ‘Os objetivos da educação’: ‘(...) a compreensão que desejamos é a compreensão do presente insistente. A única utilidade do conhecimento do passado é a de equipar-nos para o presente. Nenhum mal é mais mortal às mentes jovens do que a depreciação do presente. Qualquer mudança fundamental na visão intelectual da sociedade humana deve ser necessariamente acompanhada de uma revolução educacional. Não é possível a existência de um eficaz sistema educacional no vácuo, vale dizer, de um sistema divorciado do contato imediato com a atmosfera intelectual existente. A educação moral é impossível sem uma visão constante de grandeza. Se não somos grandes, pouco importa o que fazemos ou debatemos e o sentido da grandeza é uma intuição imediata e não a conclusão de uma argumentação lógica’. Nós precisamos criar um Brasil - e não ensiná-lo”. Décio Pignatari, Contracomunicação, São Paulo, Editora Perspectiva, 1971, p. 61.

24 ”Do respeito às delimitações advém a verdadeira coragem ante a vida. Inclusive advém a elaboração daquilo que talvez nos seja mais difícil: os limites da própria vida individual, a morte. Os poucos indivíduos que conseguem realizar esta elaboração atingem uma admirável e generosa coragem de viver, a possibilidade de plenamente exercer a vida. Advém-lhes daí a sua dignidade. Os limites não são áreas proibitivas, são áreas indicativas. São meios e modos de identificar um fenômeno. Ao encontrar os limites, podemos configurar o fenômeno e, mais importante, ao esclarcer os limites, qualificamos o fenômeno”.  Fayga Ostrower, Criatividade e Processos de Criação, Petrópolis, Vozes, 1986, p.160.

25 Russell Shedd, A Justiça Social e a Interpretação da Bíblia, São Paulo, Edições Vida Nova, 1993, p. 1.

jeudi 16 juin 2016

Une mission radical

UNE MISSION RADICAL
Défis à un jeune pasteur baptiste

Pr. Jorge Pinheiro, PhD


Ouvrons nos Bibles dans Luc 4:16 à 21.

" Il se rendit à Nazareth, où il avait été élevé, et, selon sa coutume, il entra dans la synagogue le jour du sabbat. Il se leva pour faire la lecture, et on lui remit le livre du prophète Ésaïe. L'ayant déroulé, il trouva l'endroit où il était écrit: L'Esprit du Seigneur est sur moi, Parce qu'il m'a oint pour annoncer une bonne nouvelle aux pauvres; Il m'a envoyé pour guérir ceux qui ont le cœur brisé, Pour proclamer aux captifs la délivrance, Et aux aveugles le recouvrement de la vue, Pour renvoyer libres les opprimés, Pour publier une année de grâce du Seigneur. Ensuite, il roula le livre, le remit au serviteur, et s'assit. Tous ceux qui se trouvaient dans la synagogue avaient les regards fixés sur lui. Alors il commença à leur dire: Aujourd'hui cette parole de l'Écriture, que vous venez d'entendre, est accomplie ".

Nous sommes à Montpellier, en France, mais nous sommes invités à regarder un pays de l'hémisphère sud appelé le Brésil. Et nous le faisons deux questions :

Quel est le rôle d'un jeune pasteur baptiste brésilienne, après deux ans d'immersion dans la culture française, de retour dans son pays, une société en développement, mais en crise éthique et sociale profonde ?

Comme le Christ, cœur de l'action et de la foi baptiste, peut être la solution aux problèmes du Brésil ?

Et devant ces questions que nous recevons juste en haut,
TROIS QUESTIONS DOIVENT ÊTRE PRIS EN COMPTE

• La première est qu'il y a effectivement une révolte généralisée de grandes villes brésiliennes contre la situation actuelle face à une grande partie de la population. Par conséquent, nous sommes exhortés à réfléchir à une réforme radicale dans le sens protestant, Baptiste, avant que le cri de révolte d'une population qui éveille à la réalisation que l'exclusion des biens et possibilités ne peuvent pas être une situation irréversible et permanente.

• Le deuxième problème est que les manifestations et mobilisations soulignent ce que Thomas d'Aquin dit : "il y a un minimum de conditions pour la pratique de la vertu." Ainsi, l'existence de la vie dans des conditions inhumaines, injustes, moins, prend des millions de Brésiliens sont commettre des actes contraires à la morale.

• Et le troisième problème est que le Brésil veut définir son identité en tant que nation: que sommes-nous ? Quel rôle avons-nous dans le concert des nations ?

Maintenant, comme nous le savons tous, il y a un conflit aujourd'hui au Brésil entre les désirs de réformes et une forte résistance au changement social.

Mais il est bon de préciser que le Brésil ne fait pas face à un problème de sous-développement, mais d'autre, plus complexe, qui est le développement inégal.

La résistance au changement au Brésil se trouve principalement dans le caractère patrimonial du Brésil et sa pensée archaïque. Et il suffit de penser seulement dans les zones rurales traditionnelles -- le Nord-Est et d'autres régions -- mais dans la même zone urbaine du Brésil.

Face à cette situation, quelle est la mission d'un jeune pasteur baptiste? Une réponse cohérente, de présenter des solutions aux grands dilemmes brésiliens possible?

La situation brésilienne fait partie d'un contexte mondial, qui est le résultat des transformations sociales et les impératifs moraux et religieux découlant de l'utilisation étendue de la science pour les moyens de production. En fin de compte, la technique est bonne, car il modifie les conditions de vie, mais, paradoxalement, a transformé le monde à l'envers.

Nous sommes exhortés à vivre la réforme radicale dans le sens Baptiste, en cours, car il n'est plus possible de tolérer l'exclusion de millions de Brésiliens.

Les jeunes pasteurs baptistes ne peuvent pas divorcer la lutte pour la justice et cette lutte se traduit par les attributs de niveau réel du Christ lui-même, comme il le faisait. Ce Christ rédempteur jette sur nous le défi du Brésil, car il est impossible d'adopter l'enfant Jésus et d'oublier la réalité, mis en place sous la croix et oublier la société où nous vivons.

La vie est la première étape pour construire l’action transformatrice en Christ. Nous pensons dans le texte de Luc 4. 16-21.

"Jésus est allé à la ville de Nazareth, où il avait grandi. Le sabbat, selon sa coutume, se rendit à la synagogue. Là, il se leva pour lire les Écritures et lui donna le livre du prophète Esaïe. Il ouvrit le livre et il trouva le passage où il est écrit : "Le Seigneur m'a donné Son Esprit, Il m'a choisi pour apporter de bonnes nouvelles aux pauvres et m'a envoyé pour proclamer aux captifs la liberté, la vue aux aveugles, pour libérer ceux qui sont opprimés et annoncer que le temps il est venu quand le Seigneur qui sauvera son peuple. "Jésus referma le livre, il a donné à l'aide de la synagogue et assit. Tous les gens là-bas ont regardé Jésus sans quitter des yeux. Puis il a commencé à parler. Il a dit: - Aujourd'hui a été accompli ce passage de l'Écriture que vous venez d'entendre ".

Les études sur la marginalisons sociale de Jésus, des accusations qui lui sont faites par la hiérarchie sacerdotale du temps (comme Jean 8:41, ils ont dit: " Ils lui disent: nous ne sommes pas d’enfants illégitimes "), nous conduirons à quelques considérations intéressantes. En omettant, par exemple, le père méconnu, Jésus n'avait pas le droit à un nom. Donc, il était considéré comme quelqu'un d'origine inconnue. Et le fait d'être nommé "de Nazareth" (Luc 04:34, 18:37, 24,19; et Jean 8:48), vient d'un village de paysans et d'artisans, d'une pertinence insignifiante et loin des routes commerciales, signifiait que son identité géographique aussi déclassifiasse comme quelqu'un qui pourrait jouer un rôle important dans la vie politique et sociale de la Palestine. Donc les seigneurs de la loi l'accusent disant, « n'avons-nous pas de raison à dire que tu es un samaritain? " comme Jean 8:48.

La généalogie géographie méconnue et périphérique fait de Jésus un palestinien socialement à la marge, qui, dans ses origines, ne méritait pas de crédit.

Qu'en est-il de lire le livre Isaïe, qui marque son entrée dans son ministère politique et sociale, il convient de rappeler qu'à l'époque, il y avait une lecture dans les synagogues des prophètes régulièrement prescrits. Et le fait que ce passage ne vient pas au présent dans Lectionnaires connus plus tard, tend à indiquer que Jésus a choisi de dessein. Cette hypothèse repose sur la déclaration de Luc "ouvrant le livre, il trouva l'endroit où il a été écrit." Voici deux détails méritent d'être soulignés: d'abord, est la seule référence claire dans les Evangiles que Jésus savait lire. Et deuxièmement, pourquoi, lors de la lecture Isaïe 61,1 à 2, il a omis une phrase, de guérir les cœurs brisés et a ajouté un autre, libérer les opprimés, qui sont dans Ésaïe 58.6? En fait, il a utilisé les textes considérés comme l'exposition la plus utile de sa plate-forme politique sociale.

Au cours de son ministère, qui a fait usage de termes politiques, comme l'Évangile et Uni, montre que cette sélectivité avait un seul but: parler d'une politique d'intervention sociale promesse alternative à ceux de la présente délégation à l'époque. Donc, si nous lisons le texte présenté par Jésus, une perspective rabbinique, nous sommes confrontés à une récidive aux promesses du Jubilé, lorsque les injustices accumulées pendant des années devraient être corrigées. Le discours qui remettait en question l'identité de l'homme n'a pas prétendu que la Palestine serait sauvée en échelle de temps, mais il faut aller dans la vie des Palestiniens de l'impact favorable de l'année sabbatique.

De même, le royaume à venir est venu compréhension prophétique de l'année sabbatique. En ce sens, le sabbat hebdomadaire élargi durant l'année sabbatique, où le septième doit se reposer et de la réforme, depuis la restauration de ce qui avait été épuisé, la nature et les gens. Cette réglementation actuelle de collecte dans Lévitique 25,1 à 26, concerne le droit de propriété foncière et les gens des terres, qui ont formé la base de la richesse. Le but était de mettre des limites au droit de propriété, puisque tous les biens, la nature et les gens, appartiennent à Dieu. Donc, personne ne pouvait posséder la nature et les gens en permanence, que ce droit appartient à Dieu. Et les sept années du cycle sabbatique coulait dans la cinquantième année, le Jubilé messianique (Lévitique que 25,8 à 24), qui apparaîtront seulement à nouveau tout au long de l'Ancien Testament que dans les numéros 36.4. Mais Jérémie, chapitre 34,8 à 17 parle de la réforme sociale dans ce Jérusalem assiégée quand Sédécias a proclamé la liberté des esclaves hébreux. De même, dans Isaïe 58,6 à 12 nous avons trouvé la réforme dans le cadre de la vision prophétique. En ce sens, la réforme du Jubilé a fait de la restructuration économique et les relations socio-politiques entre les peuples de Palestine.

Fait intéressant, l'historien juif Flavius Josephe a déclaré ans après le ministère de Jésus à Nazareth, qu'il est un hébreu qui, aujourd'hui encore, ne pas obéir aux règlements concernant la sabbatique comme si Moïse étaient présents pour le punir pour les violations et que même dans les cas qu'une violation passerait inaperçu.

Malgré la déclaration de Josephe, nous savons que d'un cadre économique et social des dispositions de Lévitique 25, qui a même inclus la redistribution de la propriété n'a jamais été littéralement vécue parmi les Juifs. Donc, il est tombé à un « migrant sans terre " lever l'année de la libération de la parole.

La proposition de réforme de ce Jésus marginal a été l'annonce prophétique de l'entrée en vigueur d'une nouvelle ère, si les auditeurs acceptent les nouvelles. Je ne parlais pas à un événement historique, mais un espoir réaffirmé connu de ses auditeurs: la réforme économique et socio-politique qui devrait changer les relations entre le peuple palestinien.

Et il interroge la généalogie de cet homme et la géographie périphérique placé de la réforme sur lui-même pour dire que, à ce moment, dans la synagogue de Nazareth, la promesse prophétique a été remplie. Voilà ce que Luc montrera la suite de son Évangile: le réformateur marginal était le Messie promis.

Et donc le Messie, l'homme des migrants sans terre sans nom, a présenté aux Juifs et aux Palestiniens un programme politico-social de la réforme radicale. Ce programme est présenté et justifié par l'évangéliste Luc (4,14 à 30) et il y a une grève de la justice comme central.

Et cette prédication de la justice, tout le monde, les Juifs et les Palestiniens, doit jouir de la liberté particulière et profiter de la nature des marchandises - le don de Dieu pour répondre aux besoins humains. Et quand se référant aux promesses du Jubilé (Luc 4:19), que « Nazaréen» - et qui était une malédiction - paysans sans terre et sans nom dit que la nature était de tous et pour tous et condamné le monopole qui empêchait cette destination universelle. De cette façon, la justice, car cela dans ce texte Luc, né du message prophétique dans ce discours de Jésus et de reconnaître la gratuité de l'amour de Dieu en Palestine et plus tard dans le monde. Donc, le discours de Jésus est le discours de la justice, l'action juste, qui se réfère à la paix.

Si le discours de Jésus a présenté une portée immédiate palestinienne, de la réalité très expérimentée par le Nazaréen, un tel discours se réfère à la catholicité de la promesse messianique: la restauration du monde. Autrement dit, un tel discours vu dans la perspective théologique du texte de Luc dit que la fin de la discrimination et de la violence.

La proposition de réforme Jésus marginal a été l'annonce prophétique de l'entrée en vigueur d'une nouvelle ère, si les auditeurs acceptent les nouvelles. Je ne parlais pas à un événement historique, mais un espoir réaffirmé connu de ses auditeurs: la réforme économique et socio-politique qui devrait changer les relations entre le peuple palestinien.

Et le Messie a mis la réforme radicale sur lui de dire que, à ce moment, dans la synagogue de Nazareth, la promesse prophétique a été remplie. Voilà ce que Luc montrera la suite de son Évangile: le réformateur marginal a été universellement Christ qui est promis.

De la compréhension du texte de Luc, nous pouvons dire que les trois premiers points du programme concernent les aspects matériels de la vie humaine, la salle - qui nous appelle à annoncer que le temps il est venu où le Seigneur qui sauvera son peuple - il est l'engagement du Christ dans la vie chrétienne, la possibilité d'être dans les tranchées aux côtés de ceux qui luttent pour la dignité et la justice.

Ici, à la manière protestante radicale, les graines du cœur offres par Christ dans nos vies et dans la vie de la nation.

Et nous pouvons tirer quelques conclusions de cette approche prophétique.

Alef. La foi doit interpréter la condition humaine à la lumière de l'objectif de Christ. Et donc nous sommes les porte-parole du Christ aux conditions spécifiques de la vie humaine.

Bet. Exercer une action éthique et sociale à la lumière de la compréhension du peuple de Christ la destination. Et le fondement de notre prédication est le pacte social dans le sang du Christ.

Gimel. La justice et le jugement, l'amour et l'intégrité sont essentielles pour la construction de la structure politique et l'organisation des institutions économiques de notre pays.

Dalet. Par conséquent, nous pouvons dire sans aucun doute que l'engagement est Christ. Et il participe à la lutte pour la justice et a centralisé de l'ensemble du tollé et l'action.

Mes chers frères et sœurs,
CHRIST, IL EST LE CENTRE de la réforme radicale

Ainsi, les jeunes pasteurs baptistes sont appelés à prendre le fossé social et d'envisager la participation fondamentale dans la vie réelle du pays. Mais encore une fois, revenir à la question: dans quel sens peut-on parler du cœur du Christ dans une réforme radicale de la société brésilienne?

Et cela signifie que, finalement, le cœur du Christ?

Théologiquement, nous faisons la proclamation de la souveraineté du Christ, portant sur les épaules de nos jeunes la tâche de relever le défi du moment, afin de démontrer la preuve de l'action du Christ dans le monde.

Le danger est au milieu de transformations sociales rapides, passer derrière dans notre pensée sociale et prêcher un évangile qui n'est pas compréhensible et adaptée aux besoins d'une société en mutation.

Le rôle des jeunes pasteurs baptistes dans une société en crise est de suivre les traces du Christ, amant passionné des biens et des possibilités.

Christ est au centre de la solution des problèmes du Brésil et par extension l'ensemble de l'ouvrage, car en vertu de sa souveraineté est notre action éthique en faveur de la vie, la réforme permanente du règne de Dieu. Et pour ce faire, nous le faisons tous ensemble de notre action transformatrice en Jésus-Christ le Seigneur.

Pour ça, comme Jésus, nous disons : Il faut aussi que j'annonce aux autres villes la bonne nouvelle du royaume de Dieu; car c'est pour cela que j'ai été envoyé. (Luc 4.44).


lundi 13 juin 2016

A escolha livre

O arbítrio livre é um princípio do judaísmo desde a construção dos textos antigos. Assim, Deuteronômio nos diz "e você vai praticar o que é certo e bom aos olhos de Eterno, para alcançar a felicidade ..." (6.18). Tal princípio é uma idéia-chave na tradição judaica, um pilar da Torá e está presente nos trabalhos do exegeta judeu Moisés Maimônides -- Mishnah Torah Hilkhote Teshuvah 5.3.


האיש הוא חינם

Na verdade, o arbítrio em liberdade é a pedra angular de todos as correntes judaicas, pois compreende que o Eterno deu essa liberdade ao ser humano quando o criou, fornecendo a ele o poder de saber escolher entre o certo e o errado. Confiante na sua criatura, Ele espera que o ser humano naturalmente escolha o bem, ou como diz Eclesiastes, "o Eterno criou o homem certo" (7.29). Mas se em relação a toda a criação, o Eterno disse ki tov --porque é bom – em relação ao humano omitiu tal afirmação. Esta omissão atesta a idéia de que o humano tem em si a possibilidade de escolha de fazer o bem ou o mal, e de reparar os erros cometidos, por ato de desejo intenso, e assim se livre dos grilhões que impedem o seu ser de crescimento, ao fazer dele escravo de sua própria natureza. O conceito de teshuvá, de voltar para o que você deve ser e para o Eterno, traduz esse princípio judaico.

"Mas se o ímpio se converter de todos os pecados que cometeu... praticar a lei e virtude, viverá..." (Ezequiel 18.21). E Simeão ben Zoma diz: "quem é forte? aquele que domina suas paixões?" Quem domina suas paixões supera o guerreiro que domina uma cidade. (Provérbios 16.32 e A ética dos Pais 4.1).

Assim, o Eterno sabendo que Abel corria perigo, após a recusa de ofertar como Caim, apelou para a consciência do irmão mais velho. "Se você fizer o melhor, o bem vai até você, se o pecado jaz à sua porta, ele deseja a chegar até você, mas você, deve saber dominá-lo" (Gênesis 4.7).

ישנם שני נתיבים

De acordo com Maimônides, "dois caminhos se encontram nas mãos do homem e ele é livre para ir aonde ele quer, nada impede, nem homens nem anjos". E o Gaone Vilna explica que o arbítrio livre implica exceder nossa natureza, o que é possível na contínua luta entre forças opostas. E tal idéia está explícita quando o Eterno nos diz "Eu dou hoje uma bênção e uma maldição" (Deuteronômio 11.15). Um primeiro nível de conhecimento do bem e do mal está no coração humano e o leva à sabedoria, onde saber distinguir entre o bem e o mal se torna o prêmio no conhecimento iluminado pelo Eterno.

Mas não nos enganemos. A moralidade não é escolher entre o bem e o mal. Todo mundo decide ser bom, mesmo as pessoas que são más e desprovidas de sentido moral. Hitler tinha concluído que os judeus eram os inimigos da humanidade e, portanto, em sua mente, pensando assim fazia o que era bom. Mas, na verdade, o livre arbítrio é a escolha entre a vida e a morte. Como está escrito na Torah, "Eu pus diante de ti a vida a morte... Escolhe a vida e viverás, então, tu e tua descendência". (Deuteronômio 30.19)

חופשי להיות

Mas os sábios judeus se fizeram uma pergunta, o humano é completamente livre em seus pensamentos, palavras e ações? Ele pode reivindicar a conquista da felicidade perfeita? Não! Ele está sujeito, por um lado, às restrições internas adquiridas pela educação e ditados pelo subconsciente escravizado por necessidades triviais, e em segundo lugar, pelas normas impostas pelo ambiente. Por isso, arbítrio livreé um chamado para que ele domine suas forças internas e impulsos.

E na sequência perguntaram: quais os limites do arbítrio livre? E porque o Eterno não intervém para por fim à iniquidade e parece indiferente à dor humana? "Por que você me deixa ver a iniquidade, e porque testemunha à injustiça?" (Habacuque 1.3). E a ética dos Pais 3.15 diz: "Quando violamos a justiça humana em face do Altíssimo, quando o mal é feito para o homem no seu pleito, o Senhor não vê isso? Quem vai dizer que algo acontece sem que o Senhor ordene? Não é a vontade do Altíssimo fazer surgir o mal e o bem?"

Como a vontade divina, que gera a história deste mundo, está conciliada com a idéia do arbítrio em liberdade? E mais uma vez a Ética do Pais nos orienta: "O mundo é julgado com benevolência e tudo depende da maioria das obras" (3.15). Ou seja, se a liberdade de ação dos seres humanos parece absoluta, a escolha a preferir a vida à morte, de fato, nos é ordenada pelo Eterno: escolha a vida.

Assim, as questões éticas no judaísmo repousam menos sobre a questão do determinismo, ou como o filósofo judeu Yitzchak ben Yehuda Abravanel esclarece, apoia-se em um caminho que conduz à melhoria do ser humano. Toda a bondade e a perfeição do ser humano repousam sobre o livre-arbítrio e sua habilidade sincera em reparar a falha cometida. A culpa de Caim, depois que matou seu irmão Abel, reside na sua recusa em aceitar a oportunidade oferecida pelo Eterno, de arrependimento, de reconhecimento do erro e confessar, de acordo com o princípio da escolha livre, a sua responsabilidade. Caim, sujeito à sua natureza cruel, ao contrário, levanta a questão: sou eu o guarda do meu irmão?

חופש הבחירה

Paradoxalmente, a perfeição, longe de ser o resultado de uma vida sem falhas, é sim uma expressão do poder do arbítrio livre para distinguir o certo do errado. "Dependo do Eterno, exceto do medo do Eterno" (O tratado das bênçãos, Bérakhote 33). "O homem foi criado apenas para deleitar-se com o Eterno e apreciar o esplendor da sua presença", disse o sábio Chaim Luzzatto, em sua Méssilate Yesharim. Na verdade, escravo é aquele que, privado de toda a liberdade de pensamento, está proibido de ação autônoma.

Vejamos um exemplo, o faraó, negou o conhecimento primeiro, ignorou essa tselem Elohim, a imagem do Eterno nos filhos de Israel e no humano em sua dimensão universal, por isso foi punido, perdendo o direito ao arbítrio livre. Gênesis 1.26. Isto se dá porque nas primeiras cinco pragas do Egito, o Eterno diz claramente ao faraó que ainda há tempo para libertar os filhos de Israel. Mas foi em vão, porque o "faraó endureceu o seu coração". E no correr das outras cinco pragas, faraó se torna escravo de si mesmo. "Meu rio é meu, sou eu que me fiz". Ele afasta de si a sua própria consciência e não retorna a ela. Nega sua imago Dei, rechaça sua consciência, faz sua opção pelo mal... E esta realidade é traduzida com a expressão, "o Eterno endureceu o coração de faraó".

Onde o homem decide ir, o Eterno o conduz. Ele paga "a cada um segundo os seus caminhos e de acordo com o mérito de suas obras" (Jeremias 32.19). Assim, os filhos de Israel provaram sua maturidade e mostraram sua grandeza ao firmar a decisão de deixar a escravidão. Esse é o ponto de referência. E no seu arbítrio em liberdade, "tomaram para si um cordeiro, e o sangue foi um sinal para todo o povo". Dessa maneira, o Eterno nunca impõe aos seres humanos a liberdade; eles têm a responsabilidade de aceita-la e impô-la. O Eterno elege aqueles que optam por agir como serres humanos livres.

רצונו של אדם הוא חופשי

E voltemos a Maimônides: "... o homem tem o poder absoluto para agir naturalmente por seu livre arbítrio e sua vontade" (Guia dos Perplexos 3.17). E porque "a felicidade decorre do esforço humano" (A ética dos Pais), a escolha em liberdade é o esforço que só os seres humanos são capazes de fazer e que lhes permite distinguir a vida da morte. 

E como afirma a Declaração Universal dos Direitos, "todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade".

mardi 7 juin 2016

O pensamento político (3)

A finalizar ...

A utopia e o kairós
Jorge Pinheiro, PhD


Cada tensão orientada para adiante comporta uma representação daquilo que deve vir e de como se entende a realização desse ideal. A utopia está presente em todo agir incondicionalmente orientado à transformação do presente.[1] A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o tempo e todos seus conteúdos. É por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. Progresso mitigado é o resultado da utopia revolucionária desencantada.

A idéia do kairós nasce da discussão com a utopia.[2] O kairós comporta a irrupção da eternidade no tempo, o caráter absolutamente decisivo deste instante histórico enquanto destino, mas tem a consciência de que não pode existir um estado de eternidade no tempo, a consciência de que o eterno é, em sua essência, aquele que faz a revolução no tempo, sem, contudo, fixar-se nele. Assim, a realização da visão profética se encontra além do tempo.[3]

Metodologicamente, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro, deve entender que há no espírito profético da responsabilidade inelutável um choque entre este kairós e a utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente. E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito da profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, mas agora com novos conteúdos, construído enquanto responsabilidade inetulável.[4] 

Kairós significa tempo concluído, o instante concreto e, no sentido profético, a plenitude do tempo, a irrupção do eterno no tempo. Kairós não é um momento qualquer, uma parte do curso temporal: kairós é o tempo onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo do destino. Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma decisão inevitável é considerá-lo enquanto espírito da profecia. Tal desafio não pode ser resolvido por um homem ou por uma mulher, por mais que encarnem o espírito da profecia. O sujeito da transformação será, em última instância, a massa.

Essas duas raízes do pensamento político mantêm entre elas uma relação que é mais do que simples justaposição. A exigência predomina na origem. Considerando as várias tendências políticas, não se pode supor que elas sejam atitudes humanas justificadas. Onde são requeridas decisões, o conceito tradicional de realidade não é aplicável, diferente de quando estamos diante de uma exigência do incondicionado. 

Ninguém pode entender o socialismo se não experimentar a exigência de sua justiça como uma exigência do incondicionado. Quem não é confrontado pelo socialismo não pode falar do socialismo, a não ser enquanto expressão que vem do exterior.[5] Não pode falar dele porque é contrário às tendências políticas que defende. 

Aí está o nó da origem. Mas, todo sistema político requer autoridade, não só no sentido de possuir instrumentos de força, mais também em termos de consentimento tácito das pessoas. Tal consentimento só é possível se o grupo que está no poder representa uma idéia poderosa, que goze de significado para todos. Existe, pois, na esfera política uma relação entre a autoridade e a autonomia. Toda estrutura política pressupõe poder[6] e um grupo que o assume. Mas um grupo de poder é também um conglomerado de interesses opostos a outras unidades de interesses e sempre necessita uma correção. 

A democracia está justificada e é necessária na medida em que é um sistema que incorpora correções contra o uso errôneo da autoridade política.[7] Assim, religião e política não são realidades estanques, porque as raízes do pensamento político não são apenas pensamentos. Religião e política estão imbricadas, mas não existem sem a necessidade de correção, ou seja, da democracia,[8] enquanto grupo no poder. 

Notas

[1] Paul Tillich, Kairós II, op.cit., p. 260. 
[2] Paul Tillich, “Idéologie et utopie. À propos d’un ouvrage de Karl Mannheim” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 320-322. “Ideologie und Utopie”, Begegnungen, Gesammelte Werke XII, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1971, pp. 255-261. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier. 
[3] Paul Tillich, “Kairós II”, op. cit., p. 261. 
[4] Paul Tillich, História do Pensamento Cristão, São Paulo, ASTE, 2000, p. 24. Texto original: A History of Christian Thought, Ed. Carl E. Braaten, Nova York, Harper and Row Publishers, Inc., 1968. Vorlesungen uber die Geschichte des christlichen Denkens, Stuttgart, Evangelische Verlag W., 1971. 
[5] Paul Tillich, “La décision socialiste”, op.cit., p.31. 
[6] Paul Tillich, “Le problème du pouvoir. Essai de fondation philosophique” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 486-488. “Das Problem der Macht”, Christentum und soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp. 193-208. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier. 
[7] Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, op. cit., pp. 239-240. 
[8] Paul Tillich, “Le socialisme” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, p. 346. “Sozialismus”, Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp.139-150. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.


O pensamento político (2)

As concepções conservadoras e progressistas
Jorge Pinheiro, PhD


A concepção conservadora admite o surgimento do eterno no tempo, que repousa no passado. Por essa razão nega toda mudança, presente ou futura.[1] A força dessa concepção repousa no fato de que considera o eterno como dado e não como resultado da ação cultural e religiosa do ser humano. 

Paul Tillich ao falar da plenitude do tempo no evento Jesus, explica a construção de sua concepção de kairós: um tempo carregado de tensão, de possibilidades e impossibilidades, qualitativo e rico de conteúdo. Nem tudo é possível sempre, nem tudo é verdade em todos os tempos, nem tudo é exigido em todo momento. Diversos mestres, diferentes poderes cósmicos, reinam em tempos diferentes, e o Senhor que triunfa sobre anjos e poderes, reina no tempo pleno de destino e de tensões, que se estende entre a Ressurreição e a Segunda vinda. Ele reina no tempo presente que, em sua essência, é diferente dos outros tempos do passado. 

É nessa viva e profunda consciência da história que está enraizada a idéia de kairós, e é a partir dela que deve ser elaborado o conceito de uma filosofia consciente da história.[2] A concepção conservadora também reconhece o kairós, mas o situa no passado. Desconsidera que se aconteceu no passado como acontecimento único, é ele quem se revela em todos os sim e não do passado, do presente e futuro. Sob tal visão repousa o pensamento político conservador. Perdeu o sentido supratemporal do kairós.[3]

O mito expressou com profunda riqueza este estado de coisas, com o testemunho de objetos e eventos nos quais o grupo humano percebe sua origem. Em todos os mitos ressoa a lei cíclica do nascimento e da morte. Todo o mito é mito da origem, responde à pergunta da providência e conta porque somos segurados na origem e estamos debaixo de seu império.[4] 

A consciência mítica original é a raiz de todo o pensamento político conservador e romântico. A consciência mítica não apresenta a origem de forma abstrata, mas concreta, sob a forma de poderes originais determinados. A existência humana distinta e suas origens são diferentes, assim como o são os poderes da origem, percebidos no mito e atualizados no culto. Porém, é possível operar alguns reagrupamentos significantes de poderes originais que têm uma grande importância política. [5]

Embora haja pontos de contato entre os conceitos expressos por Paul Tillich e o pensamento marxista, principalmente no que se refere à construção de um pensamento político conservador, é interessante ver as diferenças. Para Marilena Chauí, filósofa brasileira, teórica do Partido dos Trabalhadores, o mito deve ser entendido enquanto conceito antropológico, no qual a narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade. 

Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais é a repetição de si mesmo.[6]

Dessa maneira, para Marilena Chauí, o mito é sempre falsa consciência. Mas o ser humano vai além do colocar-se como realidade dada, vai além do saber colocar-se diante do ciclo do nascimento e a morte. Faz a experiência de uma exigência que separou o imediato da vida e o leva a colocar-se diante da pergunta da providência uma outra pergunta: por que? Esta pergunta quebra o ciclo de uma maneira fundamental, eleva o ser humano acima da esfera do simples viver. Porque é a exigência de algo que não está aí, que tem que se tornar realidade. 

Quando se faz a experiência desse tipo de exigência não se está mais colado à origem. Vai-se além da afirmação do que já está. A exigência nomeia o que deve ser. E o que deve ser não é determinado com a afirmação daquilo que já é, disso que é, significa que tal exigência impôs ao ser humano o incondicionado. O por que não está dentro dos limites da fonte. É o incondicionalmente novo. Através desse por que o ser humano deve alcançar algo de incondicionalmente novo. Este é o sentido da exigência, quando o humano, por ser dividido, faz esta experiência. Ele detém um conhecimento próprio, por isso é possível ir além da realidade, além daquilo que o cerca. 

Tal é a liberdade do ser humano: não que ele tenha uma vontade livre, mas não está preso, enquanto humano, ao que está dado. O ciclo do nascimento e morte foi quebrado, sua existência e sua ação não estão amarradas na simples propagação de sua origem. Quando esta consciência se impõe, são rasgados os laços da origem, o mito original está quebrado. A ruptura do mito original pela exigência incondicional é a raiz do pensamento político liberal, democrático e socialista. 

A concepção progressista considera o eterno um alvo infinito, existente em cada época, mas que não se apresenta enquanto revolução. Assim, os tempos tornam-se vazios, sem decisão, sem responsabilidade. Na concepção progressista existe uma tensão diante do que foi. Mas a consciência de que o alvo é inacessível a debilita e produz um compromisso continuado com o passado. A concepção progressista não oferece nenhuma opção ao que está dado. Transforma-se em progresso mitigado, em crítica pontual desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade última. Este progressismo mitigado é a atitude característica da sociedade burguesa. É um perigo que ameaça constantemente, é a supressão do não e do sim incondicionais, a supressão do anúncio da plenitude dos tempos. É o verdadeiro adversário do espírito profético.[7] 

A exigência que o ser humano faz na experiência diante do incondicionado não é estranha a ele. Se fosse estranha à sua essência, não lhe seriam concernentes e ele não poderia discernir tal coisa como exigência. Se ela lhe toca é porque coloca diante de seus olhos sua essência enquanto exigência. Funda-se a incondicionalidade, a irrevogabilidade com que o dever-ser aborda o humano e exige ser afirmado por ele. Se a exigência é a própria essência do humano, então ela encontra seu fundamento na sua origem, e então a providência e o destino não pertencem a mundos diferentes. Ainda, diante do original, o que é requerido é o incondicionalmente novo. Assim, a origem é ambígua. Há nela uma separação entre origem verdadeira e a origem real. 

O que é realmente original não é o que é original de verdade. Dessa maneira, a realização da origem é esta exigência e este dever-ser pelo qual o humano é confrontado. O por que do ser humano é a realização da sua providência. A origem real é negada pela origem verdadeira; mas certamente, não é uma pura e simples negação. A origem real tem que levar à verdadeira, ela é sua expressão, mas também disfarce e distorção. A pura consciência mítica original ignora todas as ambigüidades da origem. É por isto que esta consciência está presa à origem e considera sacrilégio toda a ultrapassagem da origem. Só a consciência que, fazendo a experiência da exigência da incondicionalidade, se livra dos laços de origem e se apercebe da ambigüidade da origem. 

A exigência quer a realização da origem verdadeira. Porém o ser humano não recebe uma exigência incondicionada de outros. É no reencontro do "eu e você" que a exigência torna-se concreta. Seu conteúdo é reconhecido no você com a dignidade do "eu", a dignidade para ser livre, portador da realização daquilo que apontada à origem. Reconhecer no você uma dignidade igual a do eu, isto é justiça. A exigência que nos arrasta à ambigüidade da origem é a exigência de justiça. A origem não rompida conduz a poderes em tensão que procuram a dominação e destroem um ao outro. 

Quando a origem é rompida vem o poder do ser, o declínio dos poderes que expiam e são julgados por seu sacrilégio, de acordo com a ordem do tempo, como já evocou a filosofia grega. A exigência incondicional eleva acima deste ciclo trágico. Diante do poder e da impotência do ser, opõe a justiça, que provém do dever-ser. Mas essa teoria tillichiana de uma justiça criativa não deve levar aquele que a pratica ao esquecimento das violências do passado, quando grupos se lançaram uns contra os outros, mas nos opormos a essas ações e outras semelhantes, pois o amor pode ir além da separação, não ignorando diferenças, mas dirigindo as partes aos valores mais elevados. 

Esse é o desafio da justiça criativa: trabalhar a partir das relações pessoais e comunitárias para sobrepujar os problemas do passado e as estruturas existentes, a fim de desenvolver novos modelos de relacionamento e criar leis novas que contribuam para unir as pessoas e os povos, e aumentar o poder. A justiça criativa constitui a última interrelação do amor, do poder e da justiça, mas podemos senti-la e mesmo experimentá-la de maneira fragmentária e momentânea, em meio às ambigüidades da vida. A justiça criativa põe em evidência o poder transformador do amor.[8] 

Portanto, não há oposição entre justiça e poder, porque o dever-ser é a realização do ser. A justiça é o verdadeiro poder do ser. Nisto se torna realidade o que é apontado na origem. Na relação entre os dois elementos da existência humana e as duas raízes do pensamento político, a exigência predomina sobre a pura origem, e a justiça, sobre o puro poder do ser. A pergunta do por que é superior à da providência. O mito original não deve representar no pensamento político mais do que uma crença rompida, uma crença desvelada. Esse é o caminho da utopia. Sem o espírito utópico não há protesto, nem crítica profética. Para Tillich, esse espírito profético está envolvido na situação histórica concreta, tem coragem de decidir e colocar-se sob julgamento ao nível do particular, sem esquecer que sua relação aponta ao incondicionado, e que o ponto mais elevado que é possível alcançar no tempo está submetido ao não. Por isso, o espírito profético não deve perder a audácia do não e do sim concretos. 

Notas

[1] Paul Tillich, “Kairos II. Idées à propos de la situation spirituelle du temps présent”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 253-267. “Kairos II, Ideen zur Geisteslage der Gegenwart”, Die Widerstreit von Raum und Zeit, Gesammelte Werke VI, 1963, pp. 29-41. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier. 
[2] Paul Tillich, “Kairós II”, in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), op. cit., pp. 259-260. 
[3] Paul Tillich, “Kairós II”, in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), op.cit., p. 260. 
[4] Martin Leiner, “Mythe et modernité chez Paul Tillich”, in Marc Boss, Doris Law, Jean Richard (ed.), Mutations religieuses de la modernité, Actes du XIVe. Colloque International Paul Tillich, Marselha, 2001, Hamburgo, Londres, LIT, 2002, p. 13. 
[5] Paul Tillich, La Décision Socialiste, op. cit., p. 17. 
[6] Marilena Chauí, Brasil, mito fundador e sociedade autoritária, São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2000, p. 9. 
[7] Paul Tillich, “Kairós II”, op.cit., p. 260. 
[8] Mary Ann Stenger, “La justice créative dans les écrits de Tillich sur le socialisme et dans ‘Amour, pouvoir et justice’”, in Etudes théologiques et religieuses, ETR, 79o. ano, 2004/4, p. 527, Montpellier, Institut Protestant de Théologie, 2004.


O pensamento político (1)

A construção do pensamento político
Introdução

Jorge Pinheiro, PhD


Quando se levanta a pergunta pelas raízes do pensamento socialista, faz-se necessário ir mais fundo, porque o socialismo é um movimento de mão dupla: de oposição à sociedade burguesa, mas enquanto mediação uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo possibilita entender as raízes do pensamento político que lhe deram origem. 

Por isso, é necessário procurar pelas raízes do pensamento político no próprio ser humano. Para ele, sem uma imagem do ser humano, de suas forças e tensões, não se pode dizer nada sobre as fundações políticas do pensamento. Sem uma teoria do ser humano não se pode construir uma teoria das orientações políticas. 

Um dos conceitos trabalhados por Paul Tillich é especialmente importante para a construção de nosso referencial teórico: o de socialismo religioso. O socialismo religioso, teorizado por Paul Tillich, parte da consideração de que as forças demoníacas da injustiça, do orgulho e da vontade de poder jamais serão completamente erradicadas da história. Como conseqüência, o socialismo religioso acredita que a corrupção da situação humana[1] tem raízes mais profundas do que as meras estruturas históricas e sociológicas. Estão encravadas nas profundezas do coração humano.[2] 

Para o socialismo religioso, por isso, o momento decisivo da história não foi o surgimento do proletariado, mas o aparecimento do novo sentido da vida na automanifestação de Deus. Essa é uma diferença central com o pensamento de Karl Marx e do marxismo posterior. Para Tillich, é tarefa do socialismo religioso fazer a crítica, trazer à tona as questões últimas e decisivas da sociedade. Assim, o socialismo religioso se faz radical e revolucionário, porque vê a crise social do ponto de vista do incondicionado e a partir do espírito crítico do profetismo e com os métodos do marxismo é capaz de entender e transcender o mundo atual.[3]

Em 1936, Tillich explicou sua visão do socialismo religioso dizendo que não é de surpreender que suas idéias anteriores sobre os papéis da religião e da cultura, sobre o profano e o sagrado, sobre a heteronomia e a autonomia fossem incorporadas à sua compreensão do socialismo religioso, que se tornou o ponto central de todo o seu pensamento.[4] 

O socialismo forneceu a Tillich fundamentos teórico e prático, quando se esforçou para elaborar uma filosofia da história a partir da teonomia. Assim, ao analisar o conceito de tempo histórico, enquanto diferente dos tempos físico e biológico, desenvolveu um conceito de história, onde entrava um componente: o movimento em direção ao novo, que é por sua vez exigência e espera. Esse conteúdo do novo em direção à história, que se movimenta e que pode ser visto através dos acontecimentos, ele chamou de “centro da historia”. E agregou: “do ponto de vista cristão o centro é a aparição de Jesus, o Cristo”.[5]

As correlações entre a religião e a política

Religião e política, para Tillich, não são realidades estanques, isto porque as raízes do pensamento político não são apenas pensamentos. Pensamento político é a expressão de um ser político, de uma situação social. Não se pode entender o pensamento quando se subestimam as realidades sociais das quais vem o pensamento político. 

As raízes do pensamento político não podem agir com uma força igual em todo momento e em todo grupo. Um ou outro pode predominar, depende de uma situação social, grupos ou formas de dominação determinadas, pois dependem de estruturas sociopsicológicas, da interação com a situação social objetiva. Assim, o primeiro referencial é o ser. Nesse sentido, Tillich trabalha com uma fenomenologia política quando analisa questões como o ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político.[6] 

E a questão do ser, presente na teologia, leva a uma antropologia existencial. Ora, a questão existencial é traspassada pela religião, que é a dimensão da profundidade, o espectro da profundidade na totalidade do espírito humano. A metáfora profundidade significa que o aspecto religioso aponta em direção àquilo que, na vida espiritual do ser humano, é último, infinito e incondicional. No sentido mais amplo e fundamental do termo, religião é preocupação última. E a preocupação última se manifesta em absolutamente todas as funções criativas do espírito humano. Assim, a religião constitui a substância, o fundamento e a profundidade da vida espiritual do ser humano.[7]

Nem sempre é necessário perguntar pelas raízes de um fenômeno social, mas quando a existência está sob risco, então é necessário perguntar quais são suas raízes? É necessário procurar pelas raízes do pensamento político no próprio ser humano. Sem uma imagem do humano, de suas forças e tensões, não se pode dizer nada sobre as fundações políticas do pensamento e do ser político. 

Sem uma teoria do humano, não se pode construir uma teoria das orientações políticas. Mas, o ser humano, diferente da natureza, é um ser dividido. Não importa saber onde termina a natureza e onde começa o humano, não importa que a passagem entre os dois se faça através de lentas transições ou por um salto. O importante é que em determinado momento, a diferença ficou clara. Há, no entanto, um processo vital indiviso, que desdobra a natureza sem interrogar nem requerer, um processo que está ligado àquilo que se encontra nele e faz parte do que ele é. Assim, existe um processo vital que deseja saber sobre o humano, e que coloca algumas questões para ele: já não é indiviso, mas também dividido. É idêntico a si mesmo quando diante de si mesmo, no ato de pensar e de conhecer. Mas não apenas isso.

O ser humano tem consciência de si mesmo, ou em outras palavras, distingue-se da natureza enquanto ser que se desdobra, tornando-se um ser consciente de si mesmo. A natureza ignora esta divisão. Por isso, o humano não é uma combinação de duas partes autônomas, tais como natureza e mente ou corpo e alma, mas um só ser, porém fendido em sua unidade. Estas determinações gerais levam a algumas considerações no que se refere à pesquisa do pensamento político. Elas negam qualquer dedução do pensamento político enquanto puro movimento de pensamento, de exigências ético-religiosas, ou considerações ditadas por determinada cosmovisão. 

O pensamento político vem do ser humano enquanto unidade. Está enraizada no ser e na sua consciência, mais precisamente em sua unidade indissolúvel. É por isso que não se pode entender um sistema de pensamento político sem contextualizar seu enraizamento no ser humano enquanto ser social, ou seja, o imbricamento de pulsões e interesses, os constrangimentos e as aspirações constituintes do ser social. Mas também é impossível separar o ser de sua consciência, ou ver o pensamento político como simples subproduto do ser. 

Assim, a consciência estrutura todo o ser do homem, todo o ser social, em cada um de seus elementos, inclusive as sensações pulsantes mais primitivas. Quando se tenta desfazer laços passa-se ao largo da primeira e mais importante característica da essência humana, o que produz uma distorção no quadro geral que ele faz de si próprio, de que há uma consciência inadequada ao ser, uma falsa consciência, mas que não invalida a unidade do ser e da consciência. Isto porque, afirma, o conceito de falsa consciência não é possível quando a coisa que se designa é não conhecível. 

A consciência justa é uma consciência que emerge do ser e ao mesmo tempo o determina. Não pode ser uma coisa sem ser a outra, porque o humano é uma unidade na divisão, e desta unidade nascem as duas raízes de todo pensamento político. O ser humano se encontra enquanto realidade dada, assim como seu ambiente. Mas estar no mundo enquanto realidade significa que não vem de si mesmo, que não é sua própria origem. Conforme diz Heidegger, o humano é um ser lançado. Esta situação leva o ser humano a colocar-se o problema da fonte. O que mais tarde vai aparecer como questão filosófica. Mas tal discussão é uma construção, e o mito apresenta a primeira resposta, enquanto determinante para a discussão de conjunto. 

A origem é o que faz emergir. Este aparecimento dá lugar a algo novo, que não existiu antes, que produz uma consciência própria, diferente da origem. A realidade que somos está colocada, mas também é algo próprio. É uma tensão entre o ser-posto e o ser-próprio. Mas, a origem não nos liberta. Não se pode dizer que era e que não é mais. Constantemente somos puxados pela origem: ela nos faz emergir, nos segura firme. É ela que nos estabelece como algo, enquanto essência. Dessa maneira, ser-posto no mundo supõe caminhar para a morte. 

(continua ...)

Notas

[1] “Como Kierkegaard, Marx fala da situação alienada do homem na estrutura social da sociedade burguesa. Empregava a palavra alienação (entfremdung) não do ponto de vista individual, mas social. Segundo Hegel essa alienação significa a incursão do Espírito absoluto na natureza, distanciando-se de si mesmo. Para Kierkegaard era a queda do homem, a transição, por meio de um salto, da inocência para o conhecimento e para a tragédia. Para Marx era a estrutura da sociedade capitalista”. Paul Tillich, Perspectivas da Teologia Protestante nos séculos XIX e XX, São Paulo, ASTE, 1999, p. 193. Perspectives of 19th. and 20th. Century Protestant Theology, Ed. Carl E. Braaten, Nova York, Harper, 1967. Trad. pt. Jaci Maraschin. 
[2] Paul Tillich, A Era Protestante, São Benardo do Campo, Ciências da Religião, 1992, p. 271. Trad. pt. de Jaci Maraschin. The Protestant Era, Chicago, The University of Chicago Press, 1948. “Die protestantische Ara”, Der Protestantismus als Kritik und Gestaltung, Gesammelte Werke VII, Evangelische Verlag Stuttgart, 1962, pp. 105-123. Trad. al. Walter De Gruyter. 
[3] Paul Tillich, A Era Protestante, op. cit., p. 274. 
[4] Paul Tillich, On the Boundary, An autobriographial sketch, New York, Charles Screibner’s Sons, 1966. “Aux frontières: esquisse autobiographiques“ (1936) in Documents biographiques, Paris, Genebra, Quebec, Les Editions du Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 2002, p. 13. Tradução e introdução da edição francesa de Roland Galibois. 
[5] Paul Tillich, Documents biographiques, Paris, Genebra, Quebec, Les Editions du Cerf, Editions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 2002, p. 52-53. Sein Leben, Frankfurt, Germany, 1993. 
[6] Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, in Écrits contre les nazis (1932-1935), op. cit., p. 27. 
[7] Paul Tillich, Teologia de la cultura y otros ensayos, A dimensão religiosa na vida espiritual do homem, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974, pp. 16-17. Man’s right to knowledge, Columbia University Press, 1954.