jeudi 13 juillet 2017

Introdução ao estudo do Apocalipse


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO APOCALIPSE

Jorge Pinheiro[1]



Primeira parte



O livro do Apocalipse não deve ser lido como fonte de argumentos em prol de iminente fim do mundo. Para fundamentar tal visão, partimos da análise de teólogos como Agostinho, de reconhecido peso na história da Igreja, e de teólogos contemporâneos, como Hans Schwarz[2]. O núcleo do Apocalipse dispõe-se em três septenários, que recapitulam a história da humanidade e da Igreja sob forma simbólica, mostrando que as calamidades da história estão englobadas num plano sábio de Deus. Este dirá a última palavra, mas o livro não permite calcular a data da consumação dos tempos ou da segunda vinda de Cristo. O Apocalipse é um livro de conforto e esperança e não um livro de desgraças. Deve ser lido dentro dos parâmetros do gênero literário apocalíptico, que tem estilo e linguajar próprios. Quem não leva em conta tais peculiaridades corre o risco de deduzir do texto o que ele não quer dizer.


O Apocalipse, com seus símbolos, leva muita gente à tentativa de calcular a data do fim do mundo. Por isso, antes de qualquer coisa, vamos trabalhar com os critérios deduzidos do próprio gênero literário apocalíptico e apresentar os problemas suscitados pelo livro e as soluções mais plausíveis para o mesmo.

Dividiremos a nossa exposição em cinco partes:


1.              Que é um apocalipse?
2.              O contexto histórico do Apocalipse de João
3.              A interpretação do Apocalipse
4.              Questões especiais
5.              Considerações finais



1.              QUE É UM APOCALIPSE?


A palavra grega apokálypsis quer dizer revelação. O gênero literário apocalíptico esteve voga entre os judeus nos dois séculos anteriores e posteriores a Cristo. A sua origem se deve ao fato de que os profetas foram escasseando em Israel após o exílio babilônico (587-538 a.C.); os últimos profetas bíblicos, Ageu, Malaquias e Zacarias, exerceram o seu ministério nos séculos seis e cinco antes de Cristo.

Após o século V o povo de Israel continuou sujeito ao jugo estrangeiro: retornando do exílio babilônico em 538 a.C., ficou sob o domínio persa até Alexandre Magno (336-323 a.C.) da Macedônia, que conquistou a terra de Israel, anexando-a ao Império Macedônico.

Após a morte do Imperador, a Palestina ficou sob os egípcios (dinastia dos Ptolomeus) até o ano de 200 a.C. Nesta data, os sírios ocuparam e dominaram a terra de Israel, constituindo aí o período dos Antíocos ou Selêucidas.

As novas idéias


As questões escatológicas que surgem durante o período macabeu traduzem três tipos de preocupações: 1. Como Israel se libertará da dominação pagã e o reino de Deus se realizará? 2. Qual o destino último dos justos e dos pecadores? 3. Quando terminará o caos e a maldade na história?

Acontece que as guerras e as violentas transformações sociais vividas por Israel não levantaram apenas questões escatológicas, mas também éticas e políticas. Assim, durante esses anos de crise generalizada, a visão espiritual rompeu suas cadeias formais e permitiu uma produção multifacetada até então inédita na história judaica. Esquematicamente, podemos agrupar este processo de produção de novas idéias em três grandes grupos: nacionalista, de sabedoria e apocalíptico.

Para falar dos três é preciso entender que a visão profética clássica nasce de uma profunda compreensão do momento presente e do coração de Deus. Nesse sentido, o profeta clássico tem sempre um conhecimento da dialética do momento presente e, chamado por Iaveh, apresenta sua vontade aos homens. Mas, o profeta não é apenas um analista crítico e sim um atalaia que prega uma postura correta diante de Iaveh. Nesse sentido, a profecia clássica sempre foi também um exercício ético.

A história de Israel sob os macabeus foi uma história de crise social. Tempo que permitiu o surgimento e necessitou a presença de profetas. Tempo onde a memória dos servos de Iaveh emergiu com toda a sua radicalidade: Ele está ao lado do perseguido e contra o perseguidor. Esta memória se transformou numa visão global da história. E não nasceu da acomodação, nem da alienação diante da injustiça, mas da compreensão daquele momento presente e da vontade de Iaveh para seu povo escolhido.

Sem dúvida, Iaveh falou a seu povo através de sábios e mestres, mesmo quando estes, para evitar a perseguição e o martírio, reeditavam antigos manuscritos, traduziam para a realidade presente histórias memoriais, e, sobretudo, omitiam seus verdadeiros nomes. Durante todo o período, antigas promessas foram apresentadas com maiores detalhes. Avivados pela palavra profética, o povo tomou conhecimento da revelação de Iaveh. Se há na história da revelação um desenvolvimento gradual e se a base histórica da revelação é linear, mas o desenvolvimento da fé não o é, no período macabeu chegou-se a um processo combinado, onde aspectos até então pouco definidos emergiram com claridade.

Dessa maneira, quer nos escritos éticos, quer nos escritos políticos, encontramos uma visão profética, resgatada da memória dos textos bíblicos antigos. Mas, sem dúvida, essa revolução do pensamento religioso judaico alcançará seu momento de maior expressão com a literatura apocalíptica.

Situamos na época dos Macabeus, período que vai da ascensão dos selêucidas até 67 a.C., a seguinte literatura:

  1. Apócrifos Éticos (literatura de sabedoria): Tobias; Sentenças de Ieshua ben Sirah (Eclesiástico); Livro da Sabedoria de Salomão.

  1. Apócrifos Políticos (literatura nacionalista): I Macabeus, II Macabeus.

  1. Apócrifos Apocalípticos (literatura de revelação): Judite, II Esdras e Baruch. Entre os pseudepígrafos da era dos macabeus, temos a Carta de Aristéia; O Livro dos Jubileus; Os Oráculos Sibilinos; Enoque (etiópico); e o Testamento dos Doze Patriarcas. E um apocalíptico canônico, O Livro de Daniel.

A tensa atmosfera e o choque durante os três anos em que o templo foi um santuário pagão, com o banimento do judaísmo, abriu caminho para um livro peculiar, talvez o mais importante do período, enquanto literatura apocalíptica: Daniel.

Situamos o livro nesse período[3], entendendo que é uma edição de antigos fragmentos do período babilônico, compilados, organizados e contextualizados àquele momento histórico descrito no capítulo onze. Nesse capítulo, as guerras entre lágidas e selêucidas, assim como as investidas de Antíoco IV Epifânio contra Jerusalém e o templo são narradas com riquezas de detalhes. Ao contrário do que acontece nos livros proféticos anteriores, aqui o autor cita fatos aparentemente insignificantes, querendo demonstrar que é uma testemunha ocular da história. Dessa maneira, a edição que conhecemos do livro de Daniel deve ser situada no período da grande perseguição de Antíoco IV Epifânio, possivelmente entre os anos de 167 e 164 a.C. [4]

Assim para muitos especialistas, os capítulos sete a 12 de Daniel, enquanto reedição são chamados de “vaticinia ex eventu”, dado que o autor viveu depois e não antes dos fatos históricos que descreve.

Esses capítulos são uma reação contra a declarada helenização da Judéia e das perseguições em curso, mas, paradoxalmente, uma forma de pensamento afetado pela civilização helenística.

A partir da segunda metade do livro, o autor trabalha sobre dois temas registrados na primeira metade: que o judeu deve ser fiel a Iaveh em meio à tentação e à provação; e que Iaveh defende o servo leal que prefere morrer a violar os mandamentos.

Nos seis capítulos finais, o sábio (ou grupo de sábios, cujos escritos foram compilados por um redator) retoma o conteúdo das visões que teve em relação à profanação do templo, em 167 a.C., e o erguimento da “abominação desoladora”.

Não é nossa intenção aqui analisar os capítulos finais do livro de Daniel, que permitem várias interpretações escatológicas, quer para judeus, quer para cristãos, mas entender a característica dessa literatura. Como a profecia anterior, o apocalipse é uma revelação de aviso do julgamento de Iaveh e promessa de salvação. Mas sob vários aspectos, é uma transformação na forma e conteúdo da experiência revelatória do judaísmo anterior.

Os profetas clássicos, por exemplo, falavam à sua própria sociedade, o que requeria imediatas escolhas políticas e éticas, que podiam afetar ou modificar o juízo divino iminente. Para eles, o futuro permanecia aberto, porque a decisão de Iaveh poderia mudar, caso o homem se arrependesse.

Os apocalípticos, no entanto, encaram a história como um processo fechado e unificado, vendo a sua própria era como derradeiro elo de eventos que se desenrola em seqüência pré-ordenada. As visões de Daniel implicam uma divisão tripartida da história do mundo. Em primeiro lugar, há o período que vai da formação de Israel, seu estabelecimento em Canaã, até a destruição de seus reinos e do primeiro templo. O segundo período, que se entremeia ligeiramente com o primeiro, era o tempo dos quatro impérios mundiais. O terceiro período, que se sobrepõe ligeiramente com o segundo, é escatológico e derradeiro: o clímax da história. Ao contrário das promessas escatológicas da profecia clássica, que viam um “fim dos dias” no futuro distante, o autor apocalíptico crê que a meta está a seu alcance: está aqui o fim da dominação pagã, a completa salvação de Israel, a manifestação final do reino Iaveh na terra. O escritor apocalíptico oferece um panorama muito mais amplo da ascensão e queda de vastos impérios, mas seu interesse em relação ao mundo real e imediato é muito menor que o do profeta clássico. Seu olho focaliza outro mundo.

Outra diferença entre a profecia clássica e a literatura apocalíptica envolve sua proximidade com o reino do céu. Os profetas clássicos, com exceção de Ezequiel, eram reticentes nos relatos do que viam durante a revelação. Sua tarefa principal era comunicar a ordem oral e não apresentar uma descrição visual da corte divina. Já o apocalíptico descreve suas visitas ao céu com pormenores, mencionando os anjos pelos nomes e falando dos palácios, sala do trono e membros da corte celestial que cercam o divino rei.

O simbolismo misterioso e a ênfase na escatologia indicam uma ligação com a profecia tardia do pré-exílio, mas o pensamento apocalíptico deve muito à tradição da sabedoria helenística. Convém notar que Daniel é um sábio, não um profeta, e que seu livro está incluído nos ketuvim, escritos, e não nos neviim, profetas.

O ponto mais importante de contato entre a literatura apocalíptica e a sabedoria grega é a idéia de uma ordem cósmica predeterminada. Anteriormente, foi a idéia de inacessibilidade que levou às meditações de Eclesiastes sobre a ilusão do esforço humano. Agora, a literatura apocalíptica traduz essa ordem em plano providencial de Iaveh para a história.

A preocupação do escritor apocalíptico com o definitivo não cessa com a história. O poder de Iaveh não pode ser limitado pela morte, de modo que a escatologia política é tanto pessoal como histórica. Assim, o capítulo 12 de Daniel é o primeiro texto bíblico a referir-se claramente à ressurreição dos mortos: “alguns para a vida eterna, outros para a vergonha e desprezo eternos” (Dn 12:2). No final dos dias, os justos “que dormem no pó da terra” retornarão para “brilhar como as luminárias do firmamento... como estrelas, para todo o sempre” (Dn 12:3).

É importante notar que é no período macabeu que a idéia da ressurreição toma corpo, a ponto de transformar-se numa idéia-força do judaísmo popular daí para a frente. A fé na ressurreição dos mortos aparece de forma muito clara em II Macabeus 7:9 e 14:46 e é o fundo da história do martírio dos sete irmãos (II Mc.7:11, 14, 23, 29 e 36). Antes, só temos em todo o Antigo Testamento dois versículos que falam da ressurreição (Is 26:19 e Jó 19:26s).

Outras obras importantes que fazem parte da literatura apocalíptica da época -- embora considerados apócrifos e pseudepígrafos, por não estarem no cânon judaico -- são os livros de Enoque, II Esdras e Baruch.

Enoque é uma obra longa, uma edição de fragmentos vários, da qual certas partes podem até ser anteriores a Daniel. No correr do livro, o narrador Enoque (Gn. 5:21-24) descreve suas visitas aos extremos da terra e sua ascensão aos palácios celestiais. O livro inclui um tratado sobre astronomia, poemas sobre o destino derradeiro do justo e do pecador, e uma seção chamada Similitudes, referente ao eleito ou Filho do Homem, que será mandado por Hwhy nos últimos dias para julgar a humanidade.

Em II Esdras, o narrador sente-se perplexo ante as calamidades que recaem sobre Israel, o aparente abandono em que Hwhy deixa seu povo amado e pergunta por que tão poucos merecerão a vida eterna. Um anjo dá a Esdras conta do significado da história e seu fim, instruindo para que escreva e esconda “setenta livros” que consolarão os que viverem antes dos últimos dias.

Baruch, de quem se diz ter sido escriba de Jeremias, trata de questões similares. Contém uma oração de confissão e de esperança, um poema sapiencial, no qual a sabedoria é identificada com a Lei, um trecho profético, onde Jerusalém personificada se dirige aos judeus da diáspora e onde o profeta a encoraja com a evocação das esperanças messiânicas.

A importância dessa coleção de textos sob o nome de Baruch é nos levar às comunidades da diáspora e de nos mostrar como a vida religiosa também lá, distante, estava relacionada com Jerusalém, pela oração, pelo culto à Lei, pelas promessas proféticas e pelo espírito messiânico.

Assim, a partir dos diferentes textos apocalípticos analisados podemos definir os elementos formais desse gênero de literatura:

a.                                A pseudonímia do autor. É um contemporâneo dos seus primeiros leitores, mas fala como se fosse um personagem antigo. É o que se vê no livro de Daniel. No Apocalipse de João é um anjo quem revela.

b.                                O caráter reservado das revelações. Estas foram comunicadas ao personagem da Antigüidade; deviam, porém, ficar em segredo até os dias do autor do apocalipse. Veja-se, por exemplo, Dn 8.26; 12.9.

c.                                Freqüentes intervenções de anjos. Estes aparecem, nos apocalipses, ora como ministros de Deus que colaboram com a Providência Divina na dispensação da salvação aos homens, ora como intérpretes das visões ou revelações que o autor do livro descreve. Cf. Ez 40.3; Zc 2.1s; 2.5-9; 5.1-4; 6.1-8; Ap 7.1-3; 8.1-13.

d.                                Simbolismo singular. Animais podem significar homens e povos; feras e aves representam geralmente as nações pagãs; os anjos bons são descritos como se fossem homens, e os maus como estrelas caídas. O recurso aos números é freqüente, explorando-se então o simbolismo dos mesmos (3, 7, 10, 12, 1000 como símbolos de bonança; 3 ½, como símbolo de penúria e tribulação). É a exuberância do simbolismo dos apocalipses que torna difícil a compreensão dos mesmos. O leitor deve entender esse simbolismo a partir de passagens bíblicas e extrabíblicas paralelas (há símbolos que se repetem com a mesma significação: gafanhotos, águias, cedro, três anos e meio, mil anos...). Os autores de apocalipses são assaz livres ao conceber seus símbolos, suas visões e personificações; propõem cenas estranhas sem se preocupar com a sua verossimilhança: cf. a Jerusalém nova em Ap 21.1-7; Ez 47.1-12.

e.                                Forte escatologia. Os apocalipses se voltam todos para os tempos finais da história e os descrevem apresentando a intervenção de Deus em meio a um cenário cósmico, o julgamento dos povos, o abalo da natureza, a punição dos maus e a exaltação dos bons, estando reservado para Israel nesse contexto um papel de relevo e recompensa.

Este traço diferencia a profecia do apocalipse. A profecia é sempre uma palavra dita em nome de Deus (propheemi = dizer em lugar de). Nem sempre visa ao futuro, refere-se muitas vezes a situações do presente, procurando sacudir os homens de sua indiferença ou da hipocrisia de vida, levando-os a conduta moral digna e correta. A profecia tem um caráter moralizante, válido para os contemporâneos, mas nem sempre voltado para a escatologia.

Nos apocalipses a índole moralizante desaparece: o que preocupa João são os acontecimentos finais da história, que redundarão em derrota definitiva dos maus e prêmio para os bons. As visões, os sonhos e os símbolos fantasistas, que os profetas já cultivavam, tornam-se elementos dominantes na forma literária dos apocalipses.

Assim, durante o período macabeu muitas idéias novas afloraram em meio à vida judaica. Podemos citar desde o ressurgimento da figura da mulher, com a história de Judite e a personificação da sabedoria (Eclesiástico 24), o casamento monogâmico[5], o batismo[6], e elementos conceituais da doutrina do Espírito Santo[7]. Mas, sem dúvida nenhuma, duas idéias revolucionaram o judaísmo:

  1. A recompensa apresentada pelas profecias apocalípticas, que se traduz concretamente na ressurreição[8];

  1. E a promessa da autoridade profética, restauradora da justiça, apresentada na figura do Messias[9].

Essas duas idéias deram uma vida nova ao judaísmo, fazendo com que transcendesse às formalidades das leis e rituais. A partir desse momento, surgiu um judaísmo do homem comum, cheio de fé na aparição iminente do Messias e na recompensa divina através da ressurreição. Esse judaísmo ocupou as ruas, subiu os montes, fugiu para o deserto.

Os Romanos em 63 a.C. invadiram o território palestino e impuseram seu jugo aos judeus, jugo que perdurou até que o povo de Israel foi expulso da sua terra em 70 d.C. (queda e ruína de Jerusalém revoltada). Nessas circunstâncias de vida o povo de Israel, não tendo profeta, sentia necessidade de ser consolado e alentado para não desfalecer. Foi então que autores judeus se puseram a cultivar o gênero literário apocalíptico, que tem afinidade com a profecia, mas não se identifica com esta.

João tinha razões para consolar seus companheiros perseguidos e predizer a vitória final do bem sobre o mal, porque esta é anunciada por todas as profecias e promessas feitas a Israel. O autor de um apocalipse nada acrescenta de novo a essas promessas, apenas as tornam atuais, repetindo-as de maneira solene e enfática em momento penoso da história do seu povo e anunciando para breve o cumprimento das mesmas. De resto, a Salvação, já oferecida por Deus em fases anteriores de tribulações de Israel, era penhor de que o Senhor não abandonaria seu povo.


2.              CIRCUNSTÂNCIAS DE ORIGEM DO APOCALIPSE DE JOÃO


1.              No fim do século primeiro d.C. tornava-se cada vez mais penosa a situação dos cristãos disseminados no Império Romano. Em verdade, o Senhor Jesus deixou este mundo, intimando aos discípulos para que aguardassem sua volta gloriosa; não lhes quis indicar, porém, nem o dia nem a hora de sua vinda, pois esta deveria ser tida como a de um ladrão que aparece imprevistamente à meia-noite (cf. Mt 24,43; 1 Ts 5,2s); vigiassem, pois, e orassem em santa expectativa. Todavia, apesar da sobriedade das palavras de Jesus, os discípulos esperavam que a sua vinda se desse em breve, enquanto ainda vivesse a geração dos Apóstolos mesmos. À medida, porém, que se passavam os decênios, essa esperança se dissipava; a não poucos parecia que Cristo havia esquecido a sua Igreja e que vão era crer no Evangelho.

A situação se tornara ainda mais angustiosa desde que Nero, em 64, desencadeara a primeira perseguição violenta contra os cristãos.

"Ser discípulo de Cristo" equivalia, daquela ocasião em diante, a ser tido como "inimigo do gênero humano": manifestava-se cada vez mais a oposição entre mentalidade cristã e mentalidade pagã, de modo que, vivendo em plena sociedade pagã, os cristãos tinham não raro que se abster das festas de família, das celebrações cívicas, dos jogos públicos, até mesmo de certas profissões e ramos de negócio (pois através de todos esses meios se exprimia a mentalidade politeísta e supersticiosa reinante).

Em particular, na Ásia Menor o ambiente era carregado de maus presságios: lá ia tomando proporções cada vez mais avultadas o culto dos Imperadores, a ponto de se tornar a pedra de toque da fidelidade de um cidadão romano à pátria. Desde 195 a.C. a cidade de Esmirna possuía um templo consagrado à deusa Roma; em 26 d.C. os esmimenses ergueram outro santuário em honra de Tibério, Lívio e do Senado. Em Pérgamo, desde 29 a.C., fora instituído o culto do Imperador. A cidade de Éfeso, nos inícios do reinado de Augusto, construíra um altar dedicado a este soberano no recinto do "Artemision" ou templo de Diana. Os habitantes da Ásia Menor eram especialmente inclinados a tal forma de culto, pois se sentiam altamente beneficiados pelos governantes de Roma, que haviam posto termo às guerras civis na região, assegurando à população prosperidade na indústria, no comércio e na cultura em geral.

Outro perigo para o Cristianismo se fazia notar na Ásia Menor em fins do século I. A gente dessa região era profundamente religiosa, de sorte que dava acolhida não somente às religiões tradicionais do Império e ao Cristianismo, mas também às formas de culto "dos mistérios" (de Mitra, Cibele, Apolo...), recém-trazidas do Oriente. Tais mistérios fascinavam pela sua índole secreta e por sua promessa de divinização.

Esse estado de coisas permite tirar a seguinte conclusão: na Ásia Menor uma religião que, como o Cristianismo, professasse rigorosamente um Deus único e transcendente manifestado por um só Salvador, Jesus, devia necessariamente defrontar-se em breve com formidável aliança de todas as forças do paganismo: sistemas religiosos, interesses políticos, planos econômicos deviam armar-se num combate unânime e cerrado contra o monoteísmo cristão; ser discípulo de Cristo, em tais circunstâncias, significaria sofrer o ódio e o boicote geral de parentes, amigos e concidadãos não cristãos, de tal modo que até mesmo na vida cotidiana do lar o cristão se sentiria sufocado por causa de sua fé.

Assim, o Império Romano realizou dez perseguições contra os cristãos, dirigidas por Nero (64), Domiciano (95), Trajano (112), Marco Aurélio (117), Sétimo Severo (fim do segundo século), Maximiano (235), Décio (250), Valeriano (257), Aureliano e Diocleciano (303).

A situação sugeria a não poucos discípulos de Jesus ou a apostasia em relação ao Divino Mestre ou uma espécie de pacto com as idéias do paganismo, de sorte a dar origem ao sincretismo religioso (caracterizado principalmente pelo dualismo ou o repúdio à matéria que a mística oriental muito propalava). Foi em tais circunstâncias sombrias que João[10] quis escrever o Apocalipse.


2.              A finalidade do livro torna-se assim evidente. O autor visava, acima de tudo, a alentar nos seus fiéis a coragem; o Apocalipse, em conseqüência, é essencialmente o livro da esperança cristã ou da confiança inabalável no Senhor Jesus e nas suas promessas de vitória. Pergunta-se então: como terá João procurado levantar o ânimo e corroborar a esperança dos leitores? Haverá, em nome de Deus, prometido dias melhores aqui na terra em recompensa da fidelidade a Cristo, de maneira que quem fosse hostilizado por causa do Senhor Jesus viria a ser estimado pelos concidadãos e acariciado por prósperas condições de vida temporal (economia feliz, saúde, sucesso nos empreendimentos...)?



3.              A INTERPRETAÇÃO DO APOCALIPSE


Como se sabe, grande é o número de sistemas que tentam interpretar o Apocalipse. Todos concordam sobre o sentido geral do livro, que quer anunciar a vitória do Bem sobre o mal, do reino de Cristo sobre as maquinações dos pecadores. Divergem, porém, quando tentam indicar a época precisa em que o Apocalipse situa essa vitória. As diversas teorias se agrupam sob os títulos seguintes:

a.                                Sistema do fim dos tempos: João estaria descrevendo os embates finais da história. Esta interpretação esteve em voga na Antigüidade; foi posta de lado na Idade Média; do século XVI aos nossos dias é mais e mais prestigiada principalmente por parte de correntes que profetizam o fim do mundo para breve;

b.                                Sistema da história antiga (do século I aos séculos IV/V): o Apocalipse descreveria a luta do judaísmo e do paganismo contra os discípulos de Cristo, luta que terminou com a queda da Roma pagã (476) e o triunfo do Cristianismo;

c.                                Sistema da história universal: o Apocalipse apresentaria, sob a forma de símbolos, uma visão completa de toda a história do Cristianismo; descreveria sucessivamente os principais episódios de cada época e do fim do mundo.

Todas estas interpretações são, de algum modo, falhas, pois não levam em conta suficiente o estilo próprio do livro e querem deduzir do Apocalipse notícias que satisfaçam aos anseios de concreto ou mesmo à curiosidade do leitor. Por isto, deixando-as de lado, proporemos a teoria da recapitulação, que tem seu grande mestre no Pe. E. B. Alio O.P., professor da Universidade de Friburgo (Suíça) e autor do livro: Saint Jean. L'Apocalypse. Paris, 1933 (4á edição)'. Examinemos essa teoria:


A Recapitulação


Antes do mais, é necessário observar que nem todo o livro do Apocalipse está redigido em estilo apocalíptico. Compreende duas partes anunciadas em Ap 1.19:

·               1.4-3.22: as coisas que são (revisão da vida das sete comunidades da Ásia Menor às quais João escreve); o estilo é sapiencial e pastoral;

·               4.1-22.15: as coisas que devem acontecer depois. Esta é a parte apocalíptica propriamente dita, para a qual se volta a nossa atenção. Observemos a estrutura dessa parte:

·               4.1-5.14: a corte celeste, com sua liturgia. O Cordeiro "de pé, como que imolado" (5.6), recebe em suas mãos o livro da história da humanidade. Tudo o que acontece no mundo está sob o domínio desse Senhor, que é o Rei dos séculos. Notemos assim que a parte apocalíptica do livro se abre com uma grandiosa cena de paz e segurança; qualquer quadro de desgraça posterior está subordinado a essa intuição inicial.

a.                                                  O corpo do livro, que se segue, compreende três septenários: 6.1-8.1: os sete selos 8.2-11.18: as sete trombetas 15.5-16.21: as sete taças. Reflitamos sobre este núcleo central (de sentido decisivo) do Apocalipse.

Pergunta-se: uma estrutura construída de forma tão sofisticada poderá ainda ser o reflexo imediato da história tal como ela é vivida pelos homens? Não seria, antes, o fruto de um arranjo lógico ou do trabalho de alguém que reflete sobre os acontecimentos e procura discernir alguns fios condutores por debaixo das diversas ocorrências da vida cotidiana?

Sabemos que o estilo de João é comparado ao vôo de uma águia que gira em torno do objeto contemplado até finalmente dar o bote ou dizer claramente o que quer. Levando em conta esta peculiaridade de estilo, podemos dizer que o autor não expõe os sucessivos acontecimentos concretos da história do Cristianismo, mas apresenta a realidade invisível que se vai afirmando constantemente por detrás dos episódios visíveis da história.

Em outros termos: o Apocalipse apresenta (sob forma de símbolos) a luta entre Cristo e Satanás, luta que é o fundo e a coluna dorsal de toda a história. Cada septenário (o dos selos, o das trombetas e o das taças) é uma peça literária completa em si mesma; o número sete, aliás, significa plenitude ou totalidade, segundo a mística dos antigos.

b.                                                  A seguir, de 17.1 a 22.15, ou seja, após os três septenários, ocorre a queda dos agentes do mal:

§                    17.1-19.10: a queda de Babilônia (símbolo da Roma pagã);

§                    19.11-21: a queda das duas feras que regem Babilônia (o poder imperial pagão e a religião oficial do Império);


§                    20.1-15: a queda do Dragão, supremo instigador do mal.

c.                                                  Em contra-parte, a seção final (21.1-22.15) mostra a Jerusalém celeste, Esposa do Cordeiro e antítese da Babilônia pervertida. Os vv. 22,16-21 constituem o epílogo do livro. Aprofundemos um pouco mais o sentido do tríplice septenário central do Apocalipse.

O primeiro, o dos selos (6,1-8,1), nos dá a ver a paulatina abertura do livro que está nas mãos do Cordeiro. É o septenário mais sóbrio e nítido, que, pode-se dizer, resume o livro inteiro; examinemo-lo de perto:

§                    O primeiro selo corresponde a "um cavalo branco, cujo cavaleiro tinha um arco. Deram-lhe uma coroa e ele partiu vencedor e para vencer ainda" (5,2). O cavalo branco reaparece em 19,11-16; seu montador é o Senhor dos Senhores e o Rei dos Reis (19,16). - Conseqüentemente dizemos que o primeiro septenário se abre com uma figura alvissareira: a do Verbo de Deus ou Evangelho que, vencedor (porque já propagado no mundo), se dispõe a mais ainda se difundir. Sobre este pano de fundo vêm os três flagelos clássicos da história:

§                    O segundo selo corresponde ao cavalo vermelho, símbolo da guerra (6,3s);

§                    O terceiro selo é o do cavalo negro, símbolo da fome negra e da carestia que a guerra acarreta (6,5s);

§                    O quarto selo é o do cavalo esverdeado, símbolo da peste e da morte decorrentes da guerra e da fome (6,7s).

Aí estão os três flagelos que afligem os homens em todos os tempos e que a Bíblia freqüentemente menciona; cf. Lv 26,23-29; Dt 32,24s; Ez 5,17; 6,11-12; 7,15; 12,16.

§                    Depois disto, o quinto selo apresenta os mártires no céu pedindo a Deus justiça para a terra ou o fim da desordem que campeia no mundo. Reproduzem o clamor dos justos de todos os tempos ansiosos de que termine a inversão dos valores na história da humanidade. Em resposta, é-lhes dito que tenham paciência e aguardem que se complete o número dos habitantes da Jerusalém celeste; cf. 6,9-11.

§                    O sexto selo já nos põe em presença do desfecho da história: chegou o Grande Dia do juízo final (6,17). Aparecem então os justos na bem-aventurança celeste: os judeus representados por 144.000 assinalados, e os provenientes do paganismo, a constituir "uma multidão inumerável de todas as nações, tribos, povos e línguas" (7,9); celebram a liturgia celeste.

Aqui se encerra propriamente o primeiro septenário; compreende em suas grandes linhas os aspectos aflitivos da história da humanidade e o anseio dos justos para que a ordem se restabeleça; a consumação da história é, para os fiéis, vitória e felicidade. A consolação que João quer transmitir aos seus leitores, consiste precisamente em mostrar que as calamidades sob as quais os homens gemem, estão envolvidas num plano sábio de Deus, onde todos os males estão dimensionados para que sirvam à salvação das criaturas e à glória do Criador. Eis aí a síntese do Apocalipse apresentada com clareza no primeiro septenário.

§                    E o sétimo selo (8,1)? Corresponde a um silêncio de meia-hora. Sim, o livro se abriu por completo. João espera a execução dos desígnios de Deus contidos no livro aberto. Este silêncio de meia-hora é o "gancho" do qual pende o segundo septenário. O segundo e o terceiro septenários (8,2-11,18 e 15,5-16,21) retomam o conteúdo do primeiro com algumas variantes. Observemos, para começar, que terminam cada qual com a consumação da história (sétima trombeta em 11,1418 e sétima taça em 16,17-21). O segundo septenário tem em vista principalmente os flagelos que afligem o mundo profano: a terra, a vegetação, as águas, os astros... Ao contrário, o terceiro septenário tem em mira as sortes da Igreja perseguida pelo Dragão (Satanás) e seus dois agentes (o poder imperial pagão, que manipula a religião oficial do Estado pagão). Observemos dentro do segundo septenário o "gancho" do qual pende o terceiro septenário: em Ap 10,8-11 é entregue a João um livrinho, doce na boca e amargo no estômago. Como entender isto? -- O segundo septenário apresenta a execução do plano de Deus contido no livro cujos selos se abriram. Portanto, se deve haver outra série de revelações, deve haver também outro livro que as traga; é precisamente este que João recebe em 10,811 (amargo no estômago, porque portador de notícias pesadas para os cristãos fiéis).

Merece atenção especial o intervalo ocorrente entre o segundo e o terceiro septenários, ou seja, a secção de 11,19 a 15,4. Ele prepara a série das taças, apresentando os grandes protagonistas da história da Igreja: a Mulher e o Dragão no capítulo 12; as duas Bestas, manipuladas pelo Dragão, sendo que a primeira sobe do mar (quem olha da ilha de Patmos para o grande mar, se volta para Roma) e representa o poder imperial perseguidor, ao passo que a segunda Besta sobe da terra (quem de Patmos olha para o continente próximo, volta-se para a Ásia Menor, onde campeia o culto religioso do Imperador); ver respectivamente Ap 13,1 e 11.

A sede capital destes dois agentes é Babilônia (= a Roma pagã). O cap. 12, ao apresentar a Mulher e o Dragão, é também uma síntese da mensagem da Apocalipse e da história da Igreja, que será comentada na quarta parte deste estudo. - Como dito, os agentes do mal estão fadados a perecer, como se lê em 17,1-20,15, dando lugar à Jerusalém celeste e à bem-aventurança dos justos.

Por conseguinte as calamidades que o Apocalipse apresenta a se desencadear sobre o mundo, não hão de ser interpretadas ao pé da letra; antes, depreender-se-á o seu sentido à luz das cenas de paz e triunfo que João intercala entre as narrativas de flagelos (enquanto os justos padecem na terra, há plena segurança no céu, conforme o Apocalipse). Justapondo aflições (na terra) e alegria (no céu), João queria precisamente dizer aos seus leitores que as tribulações desta vida estão em relação estrita com a Sabedoria de Deus; foram cuidadosamente previstas pelo Senhor, que as quis incluir dentro de um plano muito harmonioso, plano ao qual nada escapa.

Em conseqüência, ao padecer as aflições da vida cotidiana, os cristãos se deviam lembrar de que tais adversidades não esgotam toda a realidade, mas são apenas as facetas externas e visíveis de uma realidade que tem seu aspecto celeste e grandioso. As calamidades sob as quais os cristãos do primeiro século se sentiam prestes a desfalecer, não os deveriam impressionar, constituíam como que o lado de baixo de um tapete que, visto no seu aspecto autêntico e superior, é um verdadeiro tapete oriental, cheio de ricas cores e belos desenhos.

Eis a forma de consolo que João queria incutir aos seus leitores (não só do séc. I, mas de todos os tempos da história): os acontecimentos que nos acometem aqui na terra são algo de ambíguo ou algo que tem duas faces: uma exterior, visível, a qual é muitas vezes aflitiva e tende a nos abater; outra, porém, interior, invisível aos olhos da carne (mas perceptível aos olhos da fé), a qual é grandiosa e bela, pois faz parte da luta vitoriosa do Bem sobre o mal; é mesmo a prolongação da obra do Cordeiro que foi imolado, mas atualmente reina sobre o mundo com as suas chagas glorificadas (cf. c. 5). Por isto, enquanto os cristãos na terra gemem (Ai, ai, ai!), os bem-aventurados na glória cantam (Aleluia, aleluia, aleluia!).

No céu os justos não se acabrunham com o que acontece de calamitoso na terra: continuam a cantar a Deus porque percebem o sentido verdadeiro das nossas tribulações. No dizer de João, essa mesma paz e tranqüilidade devem tornar-se a partilha dos cristãos na terra, pois, embora vivam no tempo e no mundo presentes, já possuem a eternidade e o céu sob forma de semente (semente da graça santificante, que é semente da glória celeste).

Assim o Apocalipse oferece uma imagem do que é a vida do cristão e a vida da Igreja: é uma realidade simultaneamente da terra e do céu, do tempo e da eternidade. Na medida em que é da terra e do tempo, apresenta-se aflitiva. Este aspecto, porém, está longe de ser essencial: no seu âmago, a vida do cristão é celeste e, como tal, é tranqüila, à semelhança da vida dos justos que no céu possuem em plenitude aquilo que os cristãos possuem na terra em germe.


3.              DOIS TEXTOS EM PARTICULAR


Examinaremos Ap 12.1-17 e 20.1-10.

Ap 12.1-17

Este capítulo sintetiza toda a história da Igreja sob a forma da luta entre a Mulher e o Dragão, figuras paralelas às da Mulher e da serpente em Gn 3.15. Este trecho apresenta uma Mulher gloriosa e sofredora ao mesmo tempo. Está para dar à luz um filho que um monstruoso Dragão espreita para abocanhá-lo. A Mulher gera seu Filho, que tem os traços do Messias. Ele escapa ao Dragão e é arrebatado aos céus. Dá-se então uma batalha entre Miguel com seus anjos e o Dragão, que acaba sendo projetado do céu sobre a terra, onde procura abater a Mulher-Mãe, perseguindo-a de diversos modos. Mas o próprio Deus se encarrega de defender a Mulher no deserto durante os três anos e meio ou os 42 meses ou os 1260 dias de sua existência.

Vendo que nada pode contra essa figura grandiosa, a Serpente antiga atira-se contra os demais filhos da Mulher, tentando perdê-los. Que significa este capítulo? Está claro que o Dragão representa Satanás, aquele que é "mentiroso e homicida desde o início" (cf. Jo 8.44).

Quanto à Mulher, não pode ser identificada com algum personagem individual, mas é a Mulher que perpassa toda a história da salvação. Com efeito; já à primeira Eva (mãe dos vivos) Deus prometeu um nobre papel na obra da Redenção. A primeira Eva se prolongou na Filha de Sião, o povo de Israel, do qual nasceu o Messias. A filha de Sião culminou na segunda Eva, a Igreja de Cristo. Por isso, em Ap 12.1 e seguintes, a Mulher é gloriosa, mas sofredora como o povo de Israel, pois os filhos que ela gera estão sujeitos a ser atingidos pela sanha do Dragão, que age neste mundo como um Adversário já vencido, mas desejoso de arrebanhar os incautos que lhe dêem ouvidos. Agostinho diz que o demônio é um cão acorrentado: pode ladrar, fazendo muito barulho, mas só morde a quem se lhe chegue perto. Por último, esta Mulher-Mãe, Igreja que exerce sua maternidade por toda a história da salvação, se consumará na Jerusalém celeste, a Esposa do Cordeiro (Ap 21 s).

A batalha entre Miguel e o Dragão não corresponde à queda original dos anjos, mas significa plasticamente a derrota de Satanás, vencido quando Cristo venceu a morte por sua Ressurreição e Ascensão. Deus permite Satanás tentar os homens nestes séculos da história da Igreja, com um fim providencial, provar e consolidar a fidelidade dos crentes. Satanás só age por permissão de Deus.

A duração de 1260 dias ou 3 anos e meio que a Mulher passa no deserto, não significa cronologia, mas tem valor simbólico. Com efeito, três anos e meio, 42 meses e 1260 dias são termos equivalentes entre si: correspondem à metade de sete anos. Sete é o símbolo da totalidade, da perfeição, da bonança e, por conseguinte, a metade de sete é o símbolo do que está inacabado, da dor. Portanto, três anos e meio (e as expressões equivalentes em meses e dias) no Apocalipse traduzem toda a história da Igreja na medida em que não é algo concluído, que é a penosa luta da Igreja entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, no deserto deste mundo.

Ap 20.1-10

É este o trecho que fala de um  aparente reino milenar de Cristo sobre a terra, estando Satanás acorrentado. O milênio seria inaugurado pela primeira ressurreição, reservada aos justos apenas, aos quais seria dado viver em paz e bonança com Cristo. Terminado o milênio, Satanás seria solto para realizar a seu ataque final, que terminaria com a sua derrota definitiva. Dar-se-iam então a segunda ressurreição, para os demais seres humanos, e o juízo final.

A teoria milenarista, entendida ao pé da letra, foi professada por antigos escritores da Igreja: Justino (+165), Irineu (+202), Tertuliano (+ após 220), Lactâncio (+ após 317). Agostinho (+430) propôs novo modo de entender o texto, a partir a leitura de João 5.25-29, onde se lê:

Em verdade, em verdade vos digo, aquele que ouve a minha palavra... passou da morte para a vida. Em verdade, em verdade vos digo, que vem a hora, e já veio, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus e os que a ouvirem viverão”.

“Não vos admireis disto, pois vem a hora em que ouvirão sua voz todos os que estão nos sepulcros. Os que praticaram o bem sairão para a ressurreição da vida, os que, porém, praticaram o mal, sairão para a ressurreição do juízo".

Nesse trecho, o Senhor distingue duas ressurreições: uma, que se dá "agora" ("e já veio"), no tempo presente, quando ressoa a pregação da Boa Nova: é espiritual e publicitada através do batismo; equivale à passagem da vida no pecado para a vida na graça que santifica. A outra é futura e se dará no fim dos tempos, quando os corpos forem transformados pela vida na graça por enquanto latente nos salvos.

Assim, no Apocalipse a ressurreição primeira é a passagem da morte para a vida que se dá na conversão de cada cristão, quando este começa a viver a vida sobrenatural ou a vida do céu em meio às lutas da terra. A segunda ressurreição é, sim, a ressurreição dos corpos, que se dará quando Cristo vier em sua glória para julgar todos os homens e por termo definitivo à história.

Mil anos, em Ap 20.1-10, designam a história da Igreja na medida em que é luta vitoriosa ("mil" é um símbolo de plenitude, de perfeição; "mil felicidades", na linguagem popular, são "todas as felicidades"). Pela redenção na cruz, Cristo venceu o príncipe deste mundo (cf. Jo 12.31), tornando-o semelhante a um cão acorrentado, que muito pode ladrar, mas que só pode morder a quem voluntariamente se lhe chegue perto (Agostinho).

É justamente esta a situação do Maligno na época que vai da primeira à segunda vinda de Cristo ou no decurso da história do Cristianismo. Por isto os três anos e meio que simbolizam o aspecto doloroso desses séculos (já estamos no vigésimo-primeiro século), são equivalentes a mil anos, caso queiramos deter nossa atenção sobre o aspecto feliz, transcendente ou celeste da vida do cristão que peregrina sobre a terra: a graça santificante é a semente da glória do céu.

Assim se vê quanto seria contrário à mentalidade de João tomar ao pé da letra os mil anos do capítulo 20 e admitir um reino milenário de Cristo visível na terra após o término da história atual.


4.              Considerações finais

O sistema da recapitulação proposto merece a preferência aos demais, pois é o que mais leva em conta a mentalidade e o estilo de João. Este, também no seu Evangelho, recorreu ao estilo da recapitulação em espiral. Contudo não se pode negar as alusões do Apocalipse aos personagens e situações da história antiga (Nero, a invasão dos bárbaros, Roma, Babilônia...).

Mediante essas referências, João não tinha em vista deter a atenção do seu leitor sobre episódios da Antigüidade, mas mencionar tipos característicos de mentalidades humanas ou de situações de vida que acompanham toda a história da Igreja: assim Nero vem a ser o protótipo dos soberanos políticos que persigam a Igreja em qualquer época (há muitas reproduções de Nero através da história). Por isto também o número 666 da Besta do Apocalipse, adversária dos cristãos, equivale, segundo a interpretação mais provável, à expressão Kaisar Neron (Imperador Nero).

Roma e Babilônia, por sua vez, designam de maneira típica o poderio deste mundo que, com seus mil atrativos de esplendor e prazer, procura seduzir os discípulos de Cristo para o pecado. A luta a que João assistiu, entre Roma pagã e a Igreja, é evocada no Apocalipse não por causa da luta propriamente dita, mas dentro de uma perspectiva mais ampla, isto é, a fim de simbolizar e predizer o combate perene que se vai travando entre o poder diabólico e Cristo através dos séculos, até terminar com a plena vitória do Senhor Jesus.

Estas considerações concorrem para evidenciar quanto é vã a tentativa de descobrir a predição de fenômenos estranhos da hora presente (bombas atômicas, explosões, enchentes e secas, discos voadores) nos quadros do Apocalipse. Estes são quadros típicos e perenes, quadros que se reproduzem por todo o decorrer da história, variando apenas de aspectos.

A sua mensagem abrange todas as situações análogas: querem, sim, dizer que as desgraças da vida presente, por mais aterradoras que pareçam, estão sujeitas ao sábio plano da Providência Divina, a qual tudo faz concorrer para o bem daqueles que 0 amam (cf. Rm 8.28).


INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO APOCALIPSE

Segunda parte


O Apocalipse passo a passo
Estamos então nos últimos anos do primeiro século, no fim do reinado do imperador Domiciano. O culto do imperador divinizado se espalha e torna-se o teste da lealdade política: todo bom cidadão deve participar dele. Os cristãos professam a existência de um só Deus e um só Senhor. Recusam esta idolatria que é o culto imperial, expõem-se ao martírio. Para compreender o Apocalipse é preciso que esta situação seja lembrada.[11]

"O que diz o espírito às igrejas”

Ler o cap. 1.

A obra se apresenta como uma carta: tem um endereço (1,4); como uma profecia: é a Palavra de Deus (1,2-3), e João arrebatado pelo Espírito, escuta e vê (1,10 e 12) como os profetas de outrora; como um apocalipse (revelação, 1,1); por isso a visão de João (1,12-20) se sobrecarrega com elementos simbólicos.
  • A saudação da carta tem uma estrutura trinitária; Deus e o Espírito têm uma breve menção (1,4). João se detém mais no Cristo: três títulos lhe são dados, sua obra é resumida, sua vinda anunciada.
  • Na primeira visão, é o Cristo que se manifesta. Qual o sentido dos elementos descritos nos versículos 13-16? (cf. BJ notas). Como ele se apresenta nos versículos 17-18?

Ler os cap. 2 e 3.

Cada uma das sete cartas às Igrejas se compõe dos mesmos elementos: escrita em nome do Cristo evoca a situação concreta da Igreja a que se dirige e termina com uma promessa.
  • De que maneira Cristo é designado em cada carta? Diante das tribulações suscitadas pelos pagãos ou falsos doutores as Igrejas reagem com fidelidade, ou relaxamento. Que promessas são feitas aos vencedores?

"Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro, louvor e glória”.

Ler os cap. 4 e 5.

Com o quarto capítulo, o céu se abre e João é convidado a entrar (4,1). O desenrolar e o objetivo da história, visto do lado de Deus lhe vão ser revelados. Assim ele poderá fazer compreender às Igrejas o sentido do que estão vivendo.
No céu, João vê primeiro celebrar-se um culto em torno de um trono, no qual alguém está sentado.
  • Que representam as personagens que a celebram? Como se exprime sua adoração?
Deus tem na mão um livro selado que ninguém pode abrir enquanto Cristo não tiver vindo. Somente ele revelará o seu conteúdo, entre as aclamações dos personagens celestes (5,1-14).
  • Por que Cristo é chamado Leão, depois de Cordeiro?
  • Que significa a posição e o estado do Cordeiro no versículo 6?
  • Conforme os cânticos que o aclamam, é digno de que e por que?

Ler os cap. 6 e 7.

O Cordeiro abre sucessivamente os sete selos do Livro. A abertura dos quatro primeiros provoca na terra a saída de quatro cavaleiros, cujo simbolismo é indicado por uma expressão tirada de Ezequiel (6,8; cf. BJ).
  • À oração dos mártires, convidados a esperar ainda a vingança (5º selo), responde a cólera divina que começa a se desencadear (6º selo): contra quem?
Diante da cólera de Deus, quem pode resistir (6,17)? O resto da visão nos vai contar. Ela distingue na terra (7,1-8) o grupo dos 144.000, pertencentes às 12 tribos de Israel, o povo que Deus elegeu (marcou com seu selo). Aparece em seguida, no céu, uma grande multidão, que ninguém podia contar, vinda de todos os povos cuja identificação é fácil. Esta multidão passou pela tribulação: agora está salva e canta (7,9-17).
  • De quem lhe veio a salvação (10)? E de que modo (14)?
Ao 7º selo segue-se um tempo de silêncio (8,1). Novas visões explicitarão o que estava apenas esboçado na visão dos selos.



"Será consumado o mistério de Deus"

Ler os caps. 8-9 e 11-14-19.

Novamente tudo parte de Deus, que age através de seus anjos (8,25). Estes, ao som de suas trombetas (ainda uma série de sete) desencadeiam sobre a terra quatro espécies de flagelos paralelos aos quatro primeiros selos, mas que se inspiram nas pragas do Egito (8,6-12; cf. Ex 7-10). A quinta e a sexta trombeta fazem surgir batalhões demoníacos, cujo aspecto é horrível e a ação maléfica (9,1-19).
  • Contudo, Deus tem intenções de salvação deixando o campo livre a esse monstro. Qual é, conforme 9,20-21?
A sétima trombeta suscita cantos de louvor, no céu.
  • Qual o objeto desses cantos em 11,15 e 17?
O terceiro "Ai" chega. A sétima trombeta, como o sétimo selo, não põe fim a nada. Ela abre novas perspectivas de julgamento, mas também de salvação (11,18-19).

Ler o cap 10,1-11.13.

Entre o soar da 6ª e da 7ª trombeta, dois episódios se intercalam: o do "primeiro livro" (10,1-10) e o das duas testemunhas (11,1-13). O primeiro prepara o futuro (a seqüência dos capítulos do Apocalipse), o segundo explicita um passado ainda recente.
O anjo do arco-íris tem uma dupla função: traz um livrinho aberto e faz uma proclamação.
  • Como a postura do Anjo e suas palavras indicam o soberano domínio de Deus?
João recebe a confirmação de sua missão de profeta (10,8-11). Ela é dirigida "contra" povos e reis.
  • Que sorte está reservada à cidade santa? (v. 2 e 13) e por que? O texto não é esclarecido por 21,24 e 13,35?
  • Os adoradores, no entanto, são poupados e há sobreviventes. Ter-se-á notado igualmente que as "testemunhas" partilham o destino de seu Senhor (7,12). Assim estabelece-se o seu reino (cf. sétima trombeta).




"A hora da perseverança e da fé"

Ler o cap. 12.

Centro e talvez chave do Apocalipse joanino, este capítulo dá a conhecer, numa visão grandiosa, as razões da perseguição dos cristãos.
Dois sinais antagônicos aparecem: uma Mulher, um Dragão (v. 1-5).
O menino arrebatado para junto de Deus é o sinal da queda do dragão (v. 7-9). Enquanto o céu aplaude (12,10-12), terríveis ameaças pesam sobre a Mulher e sobre o resto de sua "descendência": os cristãos.
  • Mas a vitória de seu Filho está assegurada. A Mulher encontra um refúgio no deserto, onde Deus protege e alimenta seu povo (12,6 e 13-16).

Ler o cap. 13.

Depois desta revelação capital sobre a luta que continua por detrás dos acontecimentos da história, podemos, com toda serenidade, ver aparecer dois animais monstruosos (tudo o que é demoníaco é hediondo, cf. 12,3 ou 4,2-19). Eles representam duas realidades de todos os tempos: o poder político e as ideologias religiosas e todas as que o poder põe a seu serviço. (João pensa no culto imperial favorecido pelas religiões da época).
  • Que relações existem entre o Dragão e os animais? [E] Entre os dois animais? Qual é a tática de cada um dos Animais e como se comportam os homens diante deles?

Ler o cap. 14.

Em face dos animais e de seus partidários, se levantam o Cordeiro e os que O seguem, já vistosos, cantando o cântico novo (14,1-5). Esta visão vem acompanhada de aclamações angélicas (14,6-13).
  • Que dizem estas, nos desígnios de Deus, a propósito dos adoradores da Besta e dos fiéis do Senhor?
Em seguida dois quadros paralelos vêm simbolizar o julgamento divino (a ceifa e a vindima; 14,14-20).



“Caiu Babilônia, a grande!”

Ler os cap. 15 e 16.

João contempla no céu anjos portadores de taças, mas antes mesmo que eles tenham derramado seu conteúdo (a cólera de Deus) sobre a terra, o povo dos vencedores entoa no céu o cântico do Cordeiro (15,1-4).
  • Este cântico exalta a obra de Deus: em que termo e por que?
Depois as sete taças das últimas sanções divinas se derramam, em rápida sucessão.
  • A quem elas atingem (v. 2.6.10)? Obtêm o resultado esperado (v. 9.11)?
O Dragão e seus animais tentam, como último estratagema (12,16) lutar ainda, mas em vão: está terminado! A sétima taça produz o terremoto que o número sete traz habitualmente (17-21), mas desta vez ele é o sinal do fim.

Ler o cap. 17,1-19,10.

Uma nova figura aparece, que lembra o primeiro animal (cf. 13,1-10): a figura feminina de "Babilônia", personificando Roma, a capital do Império.
Ela ocupa o trono com uma glória insolente; por isso sua queda é espetacular, enquanto o povo de Deus, para não partilhar seu destino, se afasta dela (18,1-8).
Então se eleva a tríplice lamentação dos reis, dos mercadores e dos marinheiros, surpreendidos diante do fim súbito de uma tão poderosa cidade (18,9-20), enquanto há júbilo no céu.
  • Um anjo, com um gesto simbólico, proclama a ruína definitiva. Qual é o refrão?
  • Então ressoa a aclamação litúrgica (qual?) da multidão celeste, louvando a Deus por seus julgamentos e a glória de seu reino.
  •  
"As núpcias do Cordeiro"
Uma deslumbrante visão se apresenta subitamente: o céu se abre para dar passagem a um cavaleiro resplandecente, que vai travar os últimos combates.




Ler o cap. 19,11-20,15.

O cordeiro se transformou em guerreiro.
  • De onde vem o sangue que tinge o seu manto? Com que arma combate? Os nomes que lhe são dados são suficientes para defini-lo? Cf. 19,12.
Tudo cede diante dele; seus inimigos são sucessivamente eliminados: os reis, os animais, e por fim, depois de um último combate, o dragão (19,19-20,10).
  • Agora já estamos no fim dos tempos. Satã está completamente vencido, mas já o estava há muito tempo (cf. 12,5) apesar das aparências contrárias. Da mesma forma, os mártires não cessaram nunca de partilhar o triunfo do Cordeiro e sua vida (20,4.6). A morte, por seu turno, é vencida e os homens julgados segundo suas obras (20,11-15).

Ler o cap. 21,1-22,5.

O mundo antigo desapareceu e uma visão radiosa ocupa seu lugar. João contempla, vinda do céu, em todo seu esplendor, a Cidade Santa que é a Esposa do Cordeiro.
  • A primeira representação dela é destinada a por em relevo o poder criador de Deus (21,1 e 5,6) e a nova Aliança que acaba de instaurar. Por que termos esta é evocada nos versículos 3 e 7?
A descrição da Nova Jerusalém se inspira largamente em Ezequiel (cf. Ez 40-48). Como ele, João examina a cidade do exterior até o coração da cidade.
  • Por que se interesse ele pelos fundamentos da muralha (21,24), pelas portas (21,12-13.25), pelos materiais de construção? Qual é o sentido das imagens de luz?
  • João suprimiu o Templo (por quê?), mas guardou a fonte: de onde brota ela? Quais os habitantes da cidade e qual sua ocupação?
No epílogo de sua obra (22,6-21) João atesta com firmeza a autenticidade de suas visões e a urgência de sua mensagem. O próprio Jesus anuncia sua vinda. Para lhe responder, exprimindo o voto de todos os que têm sede, o Espírito se une à Esposa:
"Amém! Vem, Senhor Jesus!"






Bibliografia para aprofundamento

Apocalipse
2002

ARENS, Eduardo. El cordero y el dragón: el Apocalipsis, ¿una teología política? In: Yachay - Revista de cultura, filosofía y teología. Universidad Católica Boliviana, Cochabamba, Bolívia, 2002. v.19, n.35, p.109-137 (Artículo "que destaca la importancia que tiene considerar la situación vital e ideológica del género apocalíptico para responder a la pregunta por lo que Juan propugnaba y defendía en su Apocalipsis. El lenguaje de este libro nos muestra, entre otras cosas, señala Arens, numerosos términos 'provenientes del mundo político y afines'; contraposiciones o antagonismos muy marcados (como los del cordero y la bestia, de Jerusalén y Babilonia), que simbolizan los reinados de Dios y de Satanás y otras tantas cuestiones de poder y soberanía; una terminología cultual; y la actitud anticristiana de Roma; que dan cuenta de la mencionada situación a la vez que enseñan el marco 'profundamente político', de dicho género. El reinado de Dios, soberano y liberador, y toda la cristología del Apocalipsis de Juan, significarían principalmente, en este contexto, el triunfo de la justicia de Cristo sobre 'los poderes políticos y económicos opresores' de la humanidad, no la destrucción de este mundo") (SA) [Imágenes - Símbolos - Soberanía de Dios - Babilonia - Soberanía - Libertad]

CHEVITARESE, André Leonardo. I. Literatura do cristianismo primitivo - Dragão, serpente e mulher. As bases helenísticas do capítulo 12 do Apocalipse de João, o visionário. In: Estudos de Religião. Universidade Metodista de São Paulo - UMESP - Campus Rudge Ramos, São Bernardo do Campo/SP, Brasil, 2002. v.16, n.22, p.11-36 ("Texto apresentado e discutido no grupo de pesquisa Estruturas Religiosas Convergentes no Judaísmo e Cristianismo do Primeiro Século (UMESP/FAPESP)". "O texto procura verificar a conexão entre as imagens descritas no capítulo 12 do livro do Apocalipse de João, o Visionário, e os seus primeiros leitores e ouvintes situados na Ásia Menor, na última década do I d.C. Para esse fim, foi feito um levantamento dos significados das palavras gregas correspondendo a 'dragão' e 'serpente' na literatura grega, em toda a sua extensão. Os principais tópicos dizem respeito a: caracterização física, lugar de habitação, conexões temáticas, relação com deuses ou heróis, presença nos escudos, sinonímia, sacralidade, simbolismo. A comparação com o texto de João permite levantar uma série de pontos de convergênca e divergência e de chegar a algumas conclusões afirmativas sobre interações culturais e influências helenísticas no capítulo 12 do Apocalipse") (SA) [Dragão - Universo divino - Universo heróico - Serpente - Simbolismo]

FELIX, Isabel Aparecida. A terra e a mulher. Uma leitura ecológica de Apocalipsis 12,1-18. In: A Palavra na Vida. Centro de Estudos Bíblicos - CEBI-RS, São Leopoldo/RS, Brasil, 2002. n.177/178, p.55-60 (A Palavra na Vida, 177/178) (Reflete a partir de Apocalipse 12,1-18: "pensamos que no Apocalipse de João, concretamente no capítulo 12, os mitos são leituras da realidade vivida pelas mulheres sob o domínio do Império Romano") (SA) [Mito - Mulher Terra - Ecofeminismo - Dragão]

FIORE, Joaquim de. Introdução ao Apocalipse. In: Veritas - Revista de filosofia. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS, Porto Alegre/RS, Brasil, 2002. v.47, n.3, p.453-471 ("O livro do Apocalipse é o último de todos os livros escritos com espírito de profecia incluindo no catálogo das Sagradas Escrituras. E, por isso mesmo, o livro é chamado de Revelação, pois é através dele que se pode desvendar as obras de Cristo que, neste momento de plenitude dos tempos, estão completas ou estão se completando") (SA) [Livro da Revelação - Tradução]

FRIEDRICH, Nestor Paulo. A besta (OHPION) no Apocalipse: uma descrição. In: Estudos Bíblicos. Editora Vozes, Petrópolis/RJ, Brasil, 2002. n.74, p.96-106 ("Neste estudo é apresentado um quadro comparativo daqueles textos no Apocalipse em que ocorre uma referência à besta. A análise procura mostrar como o próprio livro do Apocalipse desmascara este poder demoníaco antagônico a Deus e ao Cordeiro, apontando simbolicamente para sua dimensão interior (ideologia) = besta, e sua manifestação exterior concreta = reis, Roma, poder do Império Romano") (SA) [Besta da terra - Falso profeta - Símbolo - Mito]

GALVÃO, Antônio Mesquita. Apocalipse ao alcance de todos. In: O Recado. O Recado Editora, São Paulo/SP, Brasil, 2002. n.179, p.1-95 (Estudo sobre o livro de Apocalipse. "O Apocalipse não é um livro de segredos, mas uma revelação que nos apresenta Cristo como chave para compreensão e julgamento da história. Trata-se de uma linguagem simbólica, empregada por causa das condições de perseguição que afligiam a igreja, no tempo em que foi escrito. Deus foi se revelando aos poucos, através da história, e no Apocalipse ele completa essa revelação. Por uma linguagem cifrada, é verdade, Deus revela o quanto nos ama, e como, através do Cristo vitorioso, prepara a nossa salvação. Apokálipsis em grego quer dizer revelação. O verbo apo-kalyptôo significa revelar algo obscuro. O Appocalipse é um livro que retrata uma relação entre o passado, o presente e o futuro. Ele se abre com a revelação de Jesus, como Messias, a testemunha fiel e verdadeira, o Primogênito dos mortos, o Rei dos Reis e o Senhor dos Senhores, o Libertador e aquele que criou, para o Pai, um povo santo. Embora o autor chame o livro de profecia, alguns exegetas vêem nele também um estilo semelhante às Epístolas do NT. Alguns estudiosos vêem no Apocalipse uma releitura interpretativa que os cristãos do primeiro século teriam feiito do AT. Na verdade, essa visão tem, de certa forma, algum fundamento, pois o livro usa o evento do êxodo como protótipo das grandes libertações que vêm de Deus. A escatologia do Apocalipse realiza-se privilegiadamente no tempo presente. O incidente central do livro, transformador da história, é a morte e a ressurreição de Jesus. A revelação centra sua pregação na presença do ressuscitado, que ocorre no mundo e na história. O Apocalipse une escatologia e política, práxis e mito, consciência e transformação histórica. A mensagem dos mártires vencendo a Besta, por exemplo, é uma lição de fé e libertação. O livro foi escrito no tempo em que a Igreja se instaurava. O cristianismo foi, desde o início, um movimento profético-apocalíptico... O Apocalipse não tem uma exegese padrão, uniforme e consolidada. Existem teorias de interpretação bem diversas, algumas até opostas. É preciso ir com cuidado e observar as diversas fontes") (SA) [Visões - Cristo - Igreja - Cartas à Igreja - Mundo - Selos - Trombetas - Mulher vestida de sol - Anticristo - Povo do cordeiro - Sete taças - Ira de Deus - Consumação final - Cristo vencedor - Celebração da vitória - Jerusalém celeste - Atos 1,1-8 - Atos 1,9-3,22 - Atos 4,1-16,21 - Atos 17,1-20,15 - Atos 21,1-27 - Atos 22,1-5 - Atos 22,6-21 - Atos 22,16-21]

THOMPSON, Alvin. G. K. Beale, The Book of Revelation (New International Greek Testament Commentary; Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 1999), 1245 págs. In: Revista Kairós. Seminario Teológico Centroamericano, Guatemala, Guatemala, 2002. n.30, p.128-129 (Una reseña; "en este comentario masivo sobre el Apocalipsis Beale ha creado un recurso valioso para los estudiantes serios. Aunque el comentario de Beale (así como otros libros de esta serie) tiene su base en el texto griego, no llega a ser tan técnico como para resultar ininteligible a los que tienen poco conocimiento del griego... Aunque no se aconseja que el libro de Beale sea su único comentario sobre Apocalipsis, los estudiantes serios de Apocalipsis hallarán en este volumen una herramienta de mucho valor") (SA) [Reseña]

Apocalipse
2001

ADRIANO, José Filho. À queda da Babilônia em Apocalipse 18. Uma crítica das relações comerciais de Roma. In: Revista Teológica Londrinense - RTL. Seminário Teológico Reverendo Antônio de Godoy Sobrinho, Londrina/PR, Brasil, 2001. n.1, p.107-130 (Leitura bíblico-teológica de Apocalipse 18 desde uma ótica econômico-social. O pano de fundo que perpassa o artigo é o do Império Romano e sua marcante presença em todas as províncias, incluindo a da Ásia Menor. O artigo navega pelas águas turbulentas e agitadas do Apocalipse. Relaciona um capítulo com outro e ambos com o contexto social-político-econômico e religioso que está presente no livro todo) (DG) [justiça de Deus - símbolos - cântico fúnebre - anjos - julgamento - lamento - lamento dos reis - lamento dos marinheiros - Apocalipse 17,1 - Apocalipse 18,1 - Apocalipse 19,1 - apocalipse 18,1-24 -Apocalipse 17,1-6 - Apocalipse 17,8-14 - Apocalipse 17,7.15-18 - Apocalipse 16,19 - Ezequiel 26,15-18 - Ezequiel 27,1-8 - Ezequiel 27,26-36 - Apocalipse 18,1-3]

ÁLVAREZ VALDÉS, Ariel. ¿Quién es la bestia del Apocalipsis? In: Actualidad Pastoral. Actualidad Pastoral, Morón, Argentina, 2001. n.281-283, p.220-221 ("En diversos momentos del libro del Apocalipsis, aparece la bestia así como la descripción de su actividad en contra de los cristianos y de la iglesia de Jesús. Pero son dos lugares claves para poder descifrar el misterio que encierra su figura: los capítulo 13 y 17. En los dos el autor aporta los datos suficientes para que el lector que no conozca el sentido de este símbolo, pueda descubrirlo.... Adelantemos ya ahora el final: la bestia es, en el Apocalipsis, nada más ni nada menos que el Imperio Romano") (SA) [simbología - exploración]

FERNÁNDEZ, Laurén y CASTILLO, Jaime. Signos de esperanza. In: Revista de Interpretación Bíblica Latinoamericana - RIBLA. RECU - Editorial Dei, Quito, Equador, 2001. n.39, p.130-143 (También en portugués: In: Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana. Petrópolis/São Leopoldo, 1998. n.39, p.139-153; "El imperio se ha declarado la verdad última, se trata del fin de las alternativas y de las utopías que no sean las suyas. Esta situación actual, ya era vivida por las comunidades del Apocalipsis. La cotidianidad lo demostraba, era el ámbito en el que de manera absoluta se expresaba el poder de Roma, no había alternativa (esperanza), que pudiera ser oposición articulada. La experiencia cristiana de tribulación y muerte, vivida desde la experiencia del Mártir muerto y resucitado, logra volverse resistencia y esperanza salvando a la misma cotidianidad del imperio de lo efímero. Las visiones de 1,9-19 y 12,1-18 son una lectura - contemplación de la cotidianidad, que logran cambiar la tribulación y muerte, en resistencia, y esperanza en el triunfo de la vida y de la justicia") (SA) [Vida - Muerte - Desesperanza - Bien - Mal - Figuras - Mujer - Monstruo - Batalla - Dragón - Persecución - Canto de victoria - Jesús - Llaves de lectura - Vida de las comunidades - Visión]

GRINGS, Dadeus. A igreja de Cristo x plano pastoral. In: Teocomunicação. Faculdade de Teologia e Ciências Religiosas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC-RS, Porto Alegre/RS, Brasil, 2001. v.31, n.131, p.13-20 ("Ao iniciarmos o estudo para o grande projeto pastoral, que deve nortear, coordenar e harmonizar nossas atividades eclesiais, abrimo-nos à voz do Espírito, para ouvir o que ele diz á nossa igreja, á semelhança das mensagens dirigidas ás 7 igrejas da Ásia , exaradas nos primeiros capítulos do Apocalipse". Aborda "A igreja do Pai misericordioso"; "Igreja missionária" e "A igreja do Espírito participativo") (SA) [trindade]

RIBEIRO, Ricardo. La esperanza. In: Página Valdense. Iglesia Evangélica Valdense, Paysandú, Uruguai, 2001. n.60, p.2 (Una reflexión a partir de Apocalipsis 21,1: "la fe y la esperanza son las guías provisorias que nos conducen a la práctica del amor") (SA)

SANTIAGO, William Soto. Entrando a tempo na arca da salvação. 1.ed., Missão Apocalíptica Internacional, São José dos Campos/SP, Brasil, 2001. 33p. (Reflexão bíblico-pastoral - inspirada no capítulo 7 do livro do Apocalipse. O autor oferece uma análise bíblica e uma proposta de atualização para os/as cristãos/as que procuram no texto bíblico iluminação para sua vida. Exemplos da vida cotidiana enriquecem o texto e o aproximam do leitor/ª) (DG) [ - Apocalipse 7,1-17 - Apocalipse 19,7-10 - Efésios 2,19-22 - Hebreus 3,5 - 2 Coríntios 3,10-11 - Mateus 25,10-13 - Lucas 21,36 - Lucas 14,11]

SAUER, Erich. O triunfo do crucificado. In: A Candeia. Editora Conhecer a Bíblia, Gramado/RS, Brasil, 2001. v.14, n.53, p.1065-1066 (Reflete a partir de Apocalipse 13: escreve "acerca da natureza do sistema anticristão") (SA) [linguagem - profecia bíblica]

Apocalipse
2000

CÁRDENAS PALLARES, José. Carlos Mesters y equipo de la CRB. El sueño del pueblo de Dios. Las comunidades y los movimientos apocalípticos, México, Ed. Dabar, 1999, 352p. (Tu Palabra es Vida, 7). In: Efemérides Mexicana. Universidad Pontificia de México, México DF, México, 2000. v.18, n.53, p.253-258 (Quiere "compartir algunas reflexiones sobre este libro tan interesante y tan desigual... A pesar del gran parecido entre el portugués y el español la traducción es deficiente... El libro es de calidad desigual, al grado que a veces parece estar escrito por mentes opuestas, hay muchas inexactitudes... Al principio del libro hay unas orientaciones prácticas para la lectura de la Biblia en común. Por lo general son muy valiosas. Se trata de no leerla en un ficticio vacío histórico. Además, recomiendan estudiar la situación en la que surgió el texto. Se invita a leerlo en un ambiente de oración, con miras a un compromiso en la fe y en la misión, y expresar ese compromiso en forma de ofertorio. Estas recomendaciones son el antídoto contra un exégesis estéril. La guía a la lectura del Apocalipsis es excelente. Explica a grandes rasgos el movimiento apocalíptico, aclara el contexto socioeconómico en que surge el libro, hace notar los peligros del movimiento apocalíptico hoy en día; en concreto, de cómo se distorsiona el mensaje de este libro") (SA)

CUNHA, Elenira. Maravilhar-se com mulher? Por que não? Imagens da mulher no livro do Apocalipse. In: Estudos de Religião. Universidade Metodista de São Paulo - UMESP - Campus Rudge Ramos, São Bernardo do Campo/SP, Brasil, 2000. v.14, n.19, p.175-183 ("A autora analisa imagens de mulheres no livro do Apocalipse. Mostra como a mulher era vista como um ser que prejudicava a pureza masculina e sua devoção a Deus - Apocalipse 14,1-5. Mas, por outro lado, ela era vista como muito sedutora, digna do maravilhamento do visionário - Apocalipse 17,1-7. Para uma religiosidade que requeria o ideal da abstinência sexual, o simples 'olhar' para a mulher e maravilhar-se com ela constituía-se em grande problema") (DG) [mulher - imagem de mulher - renúncia sexual - sexualidade - literatura apocalíptica - leitura de gênero - Apocalipse 17,1-8 - Apocalipse 21,1-22,5 - Apocalipse 17,1-6 - Apocalipse 14,4]

FRIEDRICH, Nestor Paulo. Apocalipse 2-3: sete cartas? Uma análise literária. In: Estudos de Religião. Universidade Metodista de São Paulo - UMESP - Campus Rudge Ramos, São Bernardo do Campo/SP, Brasil, 2000. v.14, n.19, p.149-173 ("Este artigo analisa o gênero literário de Apocalipse 2 e 3, mostrando que, apesar das analogias judaicas e helenistas, trata-se de um texto sui generis, constituídas de um misto de gêneros. Formalmente, as sete proclamações são muito semelhantes aos antigos editos reais e imperiais; no que se refere ao conteúdo, possuem características da profecia cristã-primitiva. Esta forma literária evidencia o caráter polêmico da obra: o fato de ter emoldurado sua obra em uma estrutura epistolar, inspirar-se nos profetas do Antigo Testamento e construir as sete proclamações em analogia com editos imperiais indica que tinha em vista um endereço concreto, uma situação específica e um momento histórico peculiar") (DG) [gênero literário - cristianismo da Ásia Menor - promessa - dimensão profética - Apocalipse 2,14-20 - Apocalipse 2,18-29 - Apocalipse 1,1-3 - Apocalipse 1,4-5b - Apocalipse 1,7 - Apocalipse 1,19-20 - Apocalipse 1,11 - Atos 21,11 - Amós 1,3-2,5 - Marcos 15,39 - Apocalipse 4-22 - Apocalipse 2,14-20 - Atos 2,14-26 - Atos 3,12-26]

HOEFELMANN, Verner. Como entender os símbolos do Apocalipse. In: 22 perguntas e respostas da fé. Editora Sinodal, São Leopoldo/RS, Brasil, 2000. p.44-47 (Breve aproximação à simbologia do Apocalipse e explicação de algum desses símbolos do livro) (DG)

HOLMES, Raymond. La adoración en el libro de Apocalipsis. In: Theologika - Revista Bíblico-Teológica. Universidad Unión Incaica, Lima, Peru, 2000. v.15, n.1, p.2-32 ("La adoración en el libro de Apocalipsis - uno de los libros bíblicos donde más aparece el motivo de la adoración es el Apocalipsis. De hecho el libro empieza con una escena de adoración al resucitado por Juan y esta acción de adoración se manifiesta a lo largo del libro llegando al clímax de la adoración cuando los redimidos los hacen ante el trono de la deidad. El autor acertadamente menciona que la adoración cristiana ha decaído tremendamente y sugiere que, ésta debe de seguir los patrones bíblicos de adoración si es que los adoradores desean recibir las bendiciones que realmente implican adorar 'en espíritu y en verdad'") (DG) [adoración teocéntrica - liturgia - majestuosa - humillación - cordero - Babilonia - remanente - Apocalipsis 1,17 - Apocalipsis 4,10 - Apocalipsis 5,14 - Apocalipsis 14,1-5 - Apocalipsis 13 - Apocalipsis 14,6-12]

MOURA, Arlindo. A desmistificação dos poderes bestiais - Apocalipse 13. In: Estudos Bíblicos. Editora Vozes, Petrópolis/RJ, Brasil, 2000. n.68, p.89-101 (Estudo do capítulo 13 que busca, entre outros aspectos, desmascarar a falsidade e as ilusões que as bestas e as bestinhas de ontem e de hoje carregam em si, para se perpetuar e consolidar seu poder. "O presente comentário, porém, não pretende abordar todo o livro do Apocalipse, mas, de maneira peculiar, o capítulo 13, em que as imagens referidas acima são destaques centrais... o capítulo 13 é dotado de uma simbologia extraordinária formada por números e animais. Esses elementos são contributos que fazem ver o destino final do dragão, das bestas e também daqueles que são por elas perseguidos") (DG [dez chifres - dez diademas - besta - cordeiro - 666 - dragão]

RUBEAUX, Francisco. "Caiu, caiu a Babilônia, a grande..." - Apocalipse 18,2. In: Estudos Bíblicos. Editora Vozes, Petrópolis/RJ, Brasil, 2000. n.68, p.80-88 ("A partir do capítulo 18 do Apocalipse, ele nos mostra que o desafio é não cair nas ciladas e ilusões de força e poder das bestas imperiais, que se renovam a cada etapa da história, mas conseguir resistir na vivência de algo alternativo e novo, com fé na vitória final, que será do Cordeiro e de seus seguidores!") (DG) [sistema econômico romano - império romano - Apocalipse 13 - Apocalipse 18,9-10 - Apocalipse 18,11-16 - Apocalipse 18,17-20]

SANTIAGO, William Soto. A materialização do céu na terra. 1.ed., Missão Apocalíptica Internacional, São José dos Campos/SP, Brasil, 2000. 27p. (Estudo sobre o livro de Apocalipse. Centra sua atenção no capítulo 21,1. A chave de leitura ou o tema é: "A materialização do céu na terra". São 27 páginas onde é apresentada a riqueza do capítulo 21 do livro de Apocalipse que trata da Nova Jerusalém) (DG) [lágrima - livro da vida - Cordeiro - milênio - Espírito Santo - Verbo - templo - cidade - imortal - profeta - reino de Deus - cavalo - Apocalipse 5,21 - Apocalipse 19,11 - Apocalipse 19,11-21 - Apocalipse 17,14 - Apocalipse 7,14].

SAUER, Erich. O triunfo do crucificado. In: A Candeia. Editora Conhecer a Bíblia, Gramado/RS, Brasil, 2000. v.13, n.51, p.1027-1030 (Estuda "O sistema do Anticristo" a partir de Apocalipse 13; "conforme o Apocalipse 13 o Anticristo virá como cabeça de um sistema humano que é inimigo de Deus, em oposição e imitação aberta à trindade divina") (SA)

SILVA, João Artur Müller da (editor). 22 perguntas e respostas da fé. Editora Sinodal, São Leopoldo/RS, Brasil, 2000. 94p. (Breve aproximação à simbologia do Apocalipse e explicação de algum desses símbolos do livro) (DG)

STAM, Juan. Los siete mundos de Juan de Patmos. In: Signos de Vida. Consejo Latinoamericano de Iglesias - CLAI - Ecuador, Quito, Equador, 2000. n.16, p.29-33 (Presenta los siete mundos de Juan de Patmos: "El mundo del imperio romano"; "El segundo mundo de Juan es el mundo de las escrituras hebreas"; "El tercer mundo de Juan era el de literatura apocalíptica"; "El mundo de Qumran enriquecía también el pensamiento de Juan de Patmos"; "Otro mundo tangencial al Apocalipsis es el de la tradición rabínica"; "Otro mundo que definitivamente habitaba Juan de Patmos era el mundo de la liturgia, tanto judía como cristiana" y "Finalmente, otro mundo en que vivía Juan de Patmos, y donde tendremos que entrar si queremos compartir sus visiones y su mensaje, es el mundo de la imaginación") (SA)

SZCZERBACKI, Rubens. Revelando os mistérios do Apocalipse. 2. ed., Editora Betel, Rio de Janeiro/RJ, Brasil, 2000. 342p. (A 1a. impressão é de 1986; "é um livro de contornos simples e uma ferramenta para que o cristão não encare o Apocalipse como um filme de terror, mas como parte integrante das Escrituras Sagradas. É um livro onde, versículo por versículo, o autor explica os fundamentos de palavras, signos e figuras, de modo a servir como fonte de consulta tanto para estudiosos em escatologia como para leigos em geral. O Apocalipse é um livro de consumação, pois revela o plano final de Deus para a igreja e para Israel... O objetivo é desmistificá-lo a partir de uma visão histórico-judaico-profética, conclamando o povo de Deus a assumir uma postura responsável diante do seu Senhor para uma vida santa e piedosa, a fim de não passar pelo tempo de grande angústia reservado brevemente para este planeta"; divide o livro em diversos capítulos: "1 - As coisas que tens visto"; "As coisas que são - Introdução"; "2 - Carta às igrejas em Éfeso, Esmirna, Pérgamo e Tiatira"; "3 - Carta às igrejas em Sardes, Filadélfia e Laodicéia"; "4 a 22 - Introdução"; "4 - A visão do trono da majestade divina"; "5 - O livro selado com sete selos"; "6 - A abertura dos seis primeiros selos"; "7 - O ministério dos 144 mil israelitas"; "8 - O sétimo selo - As quatro primeiras trombetas"; "9 - A quinta e a sexta trombetas"; "10 - O livrinho doce amargo"; "11 - As duas testemunhas e a sétima trombeta"; "12 - A mulher e o dragão"; "13 - As duas bestas"; "14 - O evangelho eterno - A ceifa e a vindima"; "15 - Os sete anjos com as sete taças cheias das últimas pragas"; "16 - As sete taças são derramadas"; "17 - A queda de Babilônia espiritual"; "18 - A destruição de Babilônia mística: Roma"; "19 - Alegria e triunfo nos céus - A vitória de Cristo"; "20 - Satanás é amarrado por mil anos - O juízo final"; "21 -O novo céu e a nova terra - A Nova Jerusalém"; "22 - O rio da água da vida - Admoestações e promessas finais - Conclusão" e o "Apêndice - Os cinco anjos dos continentes") (SA).




Notas

[1] Jorge Pinheiro é doutor e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo/  UMESP, teólogo pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo, professor de Teologia e História na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e pastor auxiliar na Igreja Batista em Perdizes.
[2] O mistério das sete estrelas, São Leopoldo, Sinodal, 1997.
[3] Chifflot, Th.- G / Vaux R. De, La Sainte Bible, Les Editions Du Cerf, Paris, 1973. Tradução: A Bíblia de Jerusalém, Ed. Paulinas, SP, 1985, pág. 1347.
[4] Ibidem, pág. 787.
[5]Escrito de Damasco capítulo 4, Qumran, caverna 1. Analisando o texto de Gênesis 1:27, o Escrito de Damasco interpreta a relação entre Adão e Eva como modelo para o casamento. E diz que em toda sua vida o homem só deve ser casado uma vez. Após a morte de um dos cônjuges, o outro não pode casar de novo. In Berger, Klaus, Qumran e Jesus, Editora Vozes, Petrópolis, 1994, pág. 75-77.
[6]Conforme Escrito de Damasco; Regra da Seita caverna 1; 4 Q 414 (textos da caverna 4, segundo versão de R.H. Eisenmann e M. Wise, The Dead Sea Scrolls Uncovered, 1992); e Rolo da Guerra, caverna 1. A Regra da Seita 4: 21-22 diz: “Ele derramará sobre eles o Espírito da Vida como água purificadora para a purificação de todos os males”. In Berger, Klaus, obra citada, pág. 69.
[7]Em 4 Q 521, fragmento 1, coluna 2, linha 6, o texto afirma, depois de nomear o Messias: “E o seu Espírito vai parar sobre os humildes, e ele restabelecerá os fiéis com seu poder”. In Berger, Klaus, op cit, p. 105.
[8]2 Macabeus 7; Daniel 12:2-3; Escrito de Damasco 4:4.
[9]”O Espírito Santo desceu sobre o seu Messias”. 2 Q 287 3:13. “Céu e terra pertencerão ao meu Messias (...) e tudo o que neles há. Ele não se afastará dos mandamentos dos santos (linha 6) e o seu Espírito estará sobre os humildes e os crentes serão fortalecidos por seu poder”. 4 Q 521 (fragmento 1, coluna 2). “O Messias da justiça, o rebento de Davi”. 4 Q 252. “Assim ele (Deus) o glorificou, quando tu te santificaste para ele, quando ele te tornou um santo dos santos (...) ele decidiu sobre o teu destino e em muito multiplicou a tua glória, e te tornou primogênito para ele eternamente”. 4 Q 416 1:4-5. In Berger, Klaus, obra citada, págs. 90-92, 96-97.
[10] Irineu, bispo de Lion, na Gália, no segundo século escreveu: “Ele (o Apocalipse) surgiu não faz muito tempo, perto do fim do reinado de Domiciano, quase na nossa geração”. (Contra Heresias, V.xxx.iii). Vitorino (no terceiro século) escreveu: “Quando João escreveu estas coisas ele estava na lha de Patmos, condenado por César Domiciano a trabalhar nas minas”. (Comentário ao Apocalipse 10:11).
[11] Louis Monloubou e Dominique Bouyssou, Encontro com a Bíblia, Novo Testamento, São Paulo, Editora Lumen Christi, pp. 96-102.






Jorge Pinheiro: A interpretação do Apocalipse


Escatologia 

A INTERPRETAÇÃO DO APOCALIPSE 
Prof. Dr. Jorge Pinheiro 

Primeira parte 
Como se sabe grande é o número de sistemas que tentam ...


mardi 11 juillet 2017

Os quatro gigantes

Os quatro gigantes
Jorge Pinheiro, PhD


Os gigantes do Antigo Testamento
Simbologia geral

São os perigos, problemas e inimigos do povo do Deus Eterno. Simbolizam pessoas e instituições, guerreiros violentos, aqueles que derrubam, quebram, esmagam, despedaçam e dispersam. São sombras do mundo dos mortos e a própria morte. Apesar dessas imagens, nunca são seres espirituais, mas gente e instituições. 

Como são descritos no texto os quatro gigantes.

Lança > hanit > e espada > hereb, são símbolos de autoridade e de poder de destruição. Não é um tipo de arma que o Deus Eterno tem em seu arsenal. Davi já dissera que o Senhor salva não com espada ou com lança (I Samuel 17.47) e em Isaías 2.4 encontramos que Deus converterá as espadas em lâminas de arados e lanças em podadeiras. 

Safe > o gigante que está em Gobe, mora na cidade.  

Golias  > Crônicas. 20.5 diz que se trata de Lahmi, irmão de Goliath, embora II Sm. 21.19 fale somente de Golias. Possivelmente, Golias fosse um nome de família ou um título de nobreza.

Dedos > etsba > quando se refere a homem mau ou ímpio descreve seu trabalho artístico contrário à vontade do Deus Eterno, como a fabricação de ídolos. Aqui estamos diante de um matador que tem mais dedos do que é natural e que tem como ofício matar pessoas do povo de Deus. Assim, quem é este gigante está escrito nas suas próprias mãos e pés. 

O que os quatro gigantes representam para nós hoje?

Isbi-Benobe é aquele que tem a lança e a espada. Tem autoridade e poder de destruição. Pode ser entendido como governos, instituições que podem interferir no destino das pessoas. São aquelas instituições internacionais e nacionais, distantes, que a gente ouve falar, vê na mídia, mas, na maioria das vezes, não temos como chegar até ela.

Safe é o gigante que atua no lugar onde a gente mora. Nós o conhecemos, é uma presença permanente na vida das pessoas. 

Golias é um título de família, tem nobreza. E representa aquelas famílias, empresas poderosas, que tem poder para interferir em nossas vidas.

O quarto gigante representa as religiões ligadas à idolatria e ao sacrifício de inocentes. São aquelas empresas que violentam e matam pessoas. 

Diante de nossa fraqueza, de nosso cansaço para enfrentar esses gigantes, como o Deus Eterno nos defende?

Levantando pessoas, que são valentes, são guerreiros, amigos fiéis, que conhecem os gigantes. Ou mesmo pessoas que não merecem confiança, que não são flor que se cheire, violentas. Um exemplo foi Abisai, irmão e cúmplice de Joabe, general de Davi. E também através de parentes, como Jônatas, sobrinho de Davi.

Exegese
Gigantes em hebraico

O primeiro termo em hebraico para gigantes é nefilim, que significa "guerreiro violento" ou "aquele que derruba" (Gn. 6:4). A raiz da palavra, o substantivo napal nos remte às idéias de quebrar, esmagar, despedaçar, dispersar. Os nefilim foram guerreiros que derrubaram muitos reis da época. A palavra também traduz a idéia de "ser maravilhoso". Em Nm. 13:33 o nome é dado a uma tribo dos canaanitas, de grande estatura: "os filhos de Anaque". A versão revista em inglês, nestas passagens, translitera o original e grafa "Nephilim". 

O segundo termo em hebraico para gigantes é refaim, um dos povos pré-semiticos mais antigos da Palestina (Dt. 3:11), que habitaram a oeste do rio Jordão, e de quem Ogue foi descendente. Mais tarde, com a chegada dos canaanitas, foram submetidos por Quedorlaomer (Gn. 14:5), e seus territórios foram prometidos como possessão a Abraão (15:20). Conforme Dt. 2:20, os amonitas os refaim de zanzumim, que por isso tornou-se outro sinônimo para gigantes. Anaquim, Zuzim e Emim tiveram origem nesse povo. Em Jó 26:5, refaim aparece  como "aqueles que caíram", "sombras", ou mesmo refaim; e em Is. 14:9, refaim é traduzido por "morte". Na verdade, refaim significa os mortos que partiram para o outro mundo e, por extensão, nos leva às idéias de sombra e espírito dos mortos. Em Sm. 21:16, 18, 20, 33, o termo aparece no singular, "gigante", e vem antecedido do artigo "o", haraphah, o que significa que se tratava do pai dos demais gigantes referidos no texto ou de que ele era o líder de um grupo de refaim. A Vulgata escreve o nome desse gigante como "Arapha," e o poeta inglês Milton (in "Samson Agonistes") optou pela grafia "Harapha". Ver tb. I Cr. 20:5, 6, 8; Dt. 2:11, 20; 3:13; Js. 15:8, onde a palavra aparece simplesmente como "gigante". Em outras traduções, o termo nos textos de Sl. 88:10; Pv. 2:18; 9:18; 21:16 aparece como "morte" ou como "sombra" (vide Is. 26:14).

O terceiro termo para gigantes em hebraico é anaquim (Dt. 2:10, 11, 21; Js. 11:21, 22; 14:12, 15; chamados "filhos de Anaque". Nm. 13:33, Js. 15:14): uma raça nômade de gigantes, descendentes de Arba (Js. 14:15), pai de Anaque, que apareceu no sul da Palestina perto de Hebrom (Gn. 23:2; Js. 15:13). Essa era uma tribo cuchita da mesma raça dos filisteus e dos reis pastores egípcios. Davi em muitas ocasiões enfrentou esses gigantes, como em II Sm. 21:15-22. Golias foi um deles (I Sm. 17:4).

O quarto termo em hebraico para gigantes é emin, uma tribo de antigos guerreiros canaanitas. Eles eram "grandes, muitos e altos como os anaquim" (Gn. 14:5; Dt. 2:10, 11).

O quinto termo para gigante, no singular, em hebraico é gibbor (Jb 16:14), ou seja, campeão ou heroi. No plural (giborim) traduz a idéia de "homens poderosos" (II Sm. 23:8-39; I Rs. 1:8; I Cr. 11:9-47; 29:24.)  Um exército de seiscentos deles atacou Davi e o cercou, quando este estava fugindo. Eles estavam organizados em três divisões de duzentos giborim, que por sua vez se subdividiam em trinta milícas de vinte guerreiros. Os chefes das milícias foram chamados de "os trinta" e os capitães das divisões de "os três", e o comandante foi chamado de "o chefe dos capitães" (II Sm. 23:8). Os filhos de casamentos mistos com gigantes são citados em Gn. 6:4 e são chamados pelo nome hebraico de giborim.

O texto

II Samuel 21:15-22

Houve outra guerra entre os filisteus e Israel. Davi e os seus soldados foram e lutaram contra os filisteus. Durante a batalha Davi ficou muito cansado. Um gigante chamado Isbi-Benobe tinha uma lança de bronze que pesava mais ou menos cinco quilos e estava usando uma espada nova. Ele pensou que podia matar Davi. Mas Abisai, cuja mãe era Zeruia, socorreu Davi, atacou o filisteu e o matou. Então os soldados de Davi fizeram a promessa de nunca mais deixar que Davi saísse com eles para a guerra. Eles disseram: O senhor é a esperança de Israel, e nós não queremos perdê-lo. Depois disso houve outra batalha contra os filisteus na cidade de Gobe. E Sibecai, da cidade de Husa, matou um gigante chamado Safe. Houve mais uma batalha contra os filisteus em Gobe, e Elanã, filho de Jair, de Belém, matou Golias, da cidade de Gate. O cabo da lança de Golias era da grossura do eixo de um tear de tecelão. E houve ainda outra batalha em Gate. Ali havia um gigante, descendente dos antigos gigantes, que tinha seis dedos em cada mão e em cada pé. Ele desafiou os israelitas; e Jônatas, filho de Siméia, irmão de Davi, o matou. Esses quatro eram descendentes dos gigantes da cidade de Gate e foram mortos por Davi e os seus soldados. 

Commentaire

2 Samuel 21.15-22 raconte brièvement quatre batailles pendant lesquelles des géants philistins furent tués; toas étaient de la famille de Rapha, et venaient de Gath comme le célèbre Goliath. Dans la première bataille, qui se prolongeait, David s’épuisa. (Je l’imagine qui marmonne: “Pourquoi cette épée est-elle devenue si lourde? Pourquoi ne puis-je plus me déplacer aussi rapidement qu’avant? Est-ce la vieillesse? Certainement pas!”) Yichbi-Benod, un Philistin, l’un des enfants de Rapha (v. 16), vit que David était épuisé et décida de se faire un nom en tuant celui qui tua le géant. Il s’avança pour frapper David avec son énorme lance (moins grande que celle de Goliath, mais tout de même plus lourde qu’un marteau de forgeron) et son épée neuve. Abichaï, le frère et le complice de Joab, celui qui voulait toujours tuer quelqu’un (I Sm. 26.6-9; II Sm. 16.8-9; 19.22), vit ce qui se passait et courut aider David. Cette fois-ci il ne s’arrêta pas pour demander la permission de David avant de tuer l’ennemi. Cela explique peut-être pourquoi David le gardait près de lui malgré tous les ennuis qu’il causait.

Les hommes de David étaient anxieux parce qu’il l’avait échappé belle. Ils le supplièrent de rester à la maison dorénavant: “Tu ne sortiras plus avec nous pour la guerre et tu n’éteindras pas la lampe d’Israël” (v. 17). Ils se référaient probablement au chandelier d’or pur qui se trouvait dans le lieu saint et qui était le seul éclairage dans cette pièce sombre. Ils reconnurent que David était la plus grande ressource de la nation.

Dans la deuxième bataille, un soldat israélite tua un autre descendant de Rapha (v. 18). Lors d’une troisième bataille, un des “vaillants hommes de David” (II Sm. 23) tua un géant qui était apparemment un proche parent de Goliath. Pendant la quatrième bataille, un géant avec six doigts à chaque main et à chaque pied fut tué par un des neveux de David (vs. 20-21). (David Roper, David, le berger et roi d´Israel, Verité pour aujourd´hui,  2001, 2002).

mercredi 28 juin 2017

A virtualidade evangélica

A virtualidade das religiosidades evangélicas e seus desafios

Uma conversa a partir de Marramao e Taylor
Jorge Pinheiro[1]

Resumo

Nesta conversa Jorge Pinheiro, a partir de Marramao e Taylor, apresenta a virtualidade enquanto pensamento evangélico. E analisa como a imagologia norteia ações políticas e interferências na sociedade civil. Confronta assim a laicidade e pensa uma República evangélica para o país. 

Abstract

In this conversation Jorge Pinheiro, from Marramao and Taylor, presents the virtuality as an evangelical thought. And from there it analyzes how the imagology guides political actions and interferences in the civil society. It confronts secularity and thinks an evangelical republic for the country.


"O PT flertou com os evangélicos ao longo dos mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente afastada Dilma Rousseff. Não fosse o engajamento de pastores e bispos das igrejas pentecostais, provavelmente o partido não teria ganhado quatro eleições seguidas. E para garantir esse apoio, os petistas abriram mão de compromissos históricos, principalmente aqueles relacionados à luta pelos direitos das minorias (mulheres, homossexuais, negros e índios), concentrando esforços na melhoria das condições de vida da população pobre, também público-alvo dos pentecostais. De qualquer maneira, os governos Lula e Dilma, ainda que reféns dos evangélicos, mantiveram uma agenda propositiva no campo social". El País Brasil, on-line, Opinião, Temer inaugura a república evangélica, 8.6.2016.

Para início de conversa

Quando o fenômeno evangélico explodiu no Brasil, a partir dos anos 1950, a academia encontrava-se desarmada para analisar e entender o que estava a acontecer. Isto porque suas bases situavam-se no século dezenove e primeiras décadas do século vinte É verdade que grandes processos de revolução religiosa já tinham acontecido no mundo moderno, a começar pela Reforma na Europa, com seus desdobramentos continentais nos Estados Unidos.

Conhecemos as dificuldades e limitações de Marx para entender o fenômeno religioso como criador e fundante de contextos e novas relações dentro de determinada sociedade. Durkheim embora tenha caminhado no sentido de entender estruturalmente o fenômeno religioso, construindo conceitos e parâmetros a partir das religiões antigas, ditas primitivas, e não monoteístas, formatou leituras que até hoje são recitadas como compreensões definitivas sobre o fenômeno religioso, as estruturas dessas instituições e a relação entre líderes e fiéis.

Depois que o marxismo congelado pela burocracia estalinista entrou em crise, fato notório nas universidades europeias, Weber foi tirado do ostracismo e passou a ser reconhecido, assim como todo o historicismo alemão. Ora, se partimos daqueles que influenciaram o historicismo de Weber, em especial Ritschl e Troeltsch, vemos que eles consideravam o fenômeno religioso que estudavam como típico ao Ocidente e, mais ainda, europeu. Dessa maneira, Weber entendeu o calvinismo como base para a expansão do capitalismo nos Estados Unidos, principalmente.

Assim, o que poderia fazer a academia brasileira diante da explosão do fenômeno evangélico no Brasil a partir dos anos 1950? Ora, voltar aos pais da sociologia. E assim foi. E a explosão d a religiosidade evangélica passou a ser analisada como efeito de causas como a migração, a urbanização e a ruptura com a estrutura agrária e patriarcal.

Mas, com a débâcle daquele marxismo que desabou com o muro de Berlim, nos anos 1980, e com o boom neoliberal que varreu o mundo, a academia trouxe o neoliberalismo travestido de espírito crítico para dentro da casa e passou a ver o fenômeno evangélico no Brasil apenas como um subproduto do mercado capitalista.

Donde, as idéias de mercado e seus componentes se transformaram em conceitos da sociologia e instrumentos de análise para o fenômeno religioso. Vendo dessa maneira o fenômeno evangélico, a academia reduziu o fenômeno, jogou fora todas as experiências anteriores que ajudaram a construir o Ocidente protestante e criou outro conceito, o de trânsito religioso. E tudo que passou a acontecer no Brasil virou trânsito religioso. Mas, e antes em outras regiões do planeta? Foi o trânsito religioso que mudou a cara da Alemanha, dos países nórdicos ou mesmo da Inglaterra e Estados Unidos?

Por que lá podemos utilizar o conceito de conversão[2] trabalhado por Weber e por que não aqui? Sabemos, claro que sabemos, que as condições são diferentes. Mas, em relação ao fenômeno evangélico brasileiro duas componentes dificultam a análise: o preconceito diante de algo que impacta e desnorteia o mundo acadêmico e a limitação de suas bases teóricas.

Definidos assim os limites necessários, afirmamos a importância de Marx, Durkheim e Weber para todos aqueles que se dedicam ao estudo da religião. Mas, nessa conversa queremos utilizar como referencial dois escritos, um de Giacomo Marramao, Potere e secolarizzazione, e outro de Mark C. Taylor, The Moment of Complexity, Emerging Network Culture. Desejamos, dessa maneira, conversar sobre a religiosidade evangélica a partir da virtualidade dos seus fundamentos, e do tempo e presença deste pensamento hoje no Brasil.

Caminhos da religiosidade

"No entanto, não bastasse a vexaminosa performance do presidente interino Michel Temer – dois ministros demitidos em apenas 19 dias, por envolvimento com denúncias de corrupção – é em seu governo que os religiosos vêm conquistando espaço inédito na história da República. Segundo registro na Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar Evangélica – que inclui católicos, protestantes e pentecostais - conta hoje com a participação de 199 membros (39% do total da Casa) e quatro senadores. O primeiro compromisso oficial de Michel Temer, como presidente interino, foi receber alguns membros da bancada evangélica, que o cumprimentaram e oraram por ele". El País Brasil, on-line, texto citado.

Uma das questões que nos perguntamos quando relacionamos cidade e a crescente força da religiosidade evangélica é se, de fato, esta religiosidade outorga sentido às massas urbanas. Na verdade, expoentes da teologia protestante como Paul Tillich, consideram que o ser humano é um ser potencialmente espiritual, e que essa espiritualidade tende a se expressar de diferentes formas de religiosidades. E essas religiosidades nos grandes centros brasileiros ocupam um espaço privilegiado. Ora, se a espiritualidade é a dimensão da profundidade do espírito humano, na urbanidade brasileira essa busca, por várias razões, é incrementada e direcionada ao evangelicalismo[3]. Basta ver que no Brasil urbano a comunidade evangélica cresceu 61,45% em dez anos (IBGE, 2012). Assim, se a população brasileira urbana é religiosa, essa religiosidade foi catalisada pelo permanente processo de evangelização protestante dos últimos cento e cinquenta anos.[4]

A espiritualidade traduzida nas religiosidades das cidades da alta modernidade está presente em todas as ações do espírito humano, na cultura, na educação, na ética e na política. Por isso, cada vez mais expoentes das comunidades se pronunciam publicamente sobre questões que antes pertenciam estritamente a esfera civil não-religiosa. 

De forma geral, numa leitura antropológica judaico-cristã, podemos dizer que espiritualidade é aquela relação da pessoa com a transcendência. Nesse sentido, a espiritualidade é a totalidade da vida. A religião, por sua vez, traduz a dimensão dessa espiritualidade. As experiências humanas com o que é sagrado envolvem escolha, disciplina e prática e levam o ser humano às experiências religiosas, porque a religião traduz o que é sagrado para a vida da pessoa. Dessa forma, a espiritualidade tende a ser traduzida na religiosidade, mas na globalidade de forma mais contundente enquanto fenômeno urbano.

Em relação à realidade brasileira percebemos no cristianismo mais diversidade confessional do que religiosa. Oitenta e nove por cento dos brasileiros confessam ser cristãos, e esta espiritualidade está presente no desejo de justiça social e solidariedade. Diante dessa espiritualidade cristã invisível, podemos dizer que quase todos os brasileiros são cristãos em alguma medida. Tomemos como exemplo a igreja católica, que não pode ser analisada como uma, pois abriga diferentes manifestações de religiosidade. Além dessa pluralidade católica, há centenas de igrejas protestantes e evangélicas que incluem as históricas de migração e missão, as pentecostais históricas e as neopentecostais.

Em razão disso podemos dizer que enquanto fenômeno urbano a religiosidade evangélica é fator de agregação e desagregação. Podemos, até explicitar essa dualidade com um exemplo recente. Durante a redemocratização brasileira, nos anos pós-ditadura militar, evangélicos e suas comunidades se dividiram enquanto forças reformistas de apoio aos governos dos Partidos dos Trabalhadores e forças reativas que ligaram ao governo de Michel Temer. Assim, as religiosidades evangélicas são desagregadoras quando se ligam à corrupção, ao clientelismo e às benesses. Mas agregam quando defendem a vida como valor incondicional humano. Com isso, constatamos que as religiosidades evangélicas podem ser uma coisa ou outra ou mesmo, enquanto comunidades, dialeticamente ambas. Essas são marcas da história protestante/evangélica recente. Mas, é claro que seria um erro uniformizar a atuação dos protestantes e evangélicos. O certo é que evangélicos, em nome dos fundamentos e virtualidades das doutrinas de suas comunidades, confrontam a laicidade no Brasil.

No Brasil de hoje podemos falar de uma multidimensionalidade do tempo na cultura. Ora, antes, sem dúvida, o tempo deveria ser distintamente diferente para cristãos e não-cristãos, mas agora com a criação e combinação dos tempos artificiais produzidos pela tecnologia, os ritmos e tempos se interpenetram.

Em 1983, o cientista político italiano Giacomo Marramao[5] lançou Potere e secolarizzazione[6], em que trabalha a controvérsia sobre tempo pagão e tempo cristão e, como consequência, a questão das imagens do mundo e as representações do tempo.

O conceito secularização não é apenas uma metáfora, que expressa o distanciamento progressivo da esfera religiosa enquanto poder, já que seu significado semântico continua em permanente construção. Para Marramao (1997), "a impossibilidade de reconduzir essa noção a uma concepção unitária não depende meramente, como no caso de outros termos característicos da modernidade, da sua polissemia ou polivalência semântica", mas necessita de uma "estrutural ambivalência de significado, a qual dá lugar a premissas antitéticas ou diametralmente inversas".[7] Assim, o paradoxo maior da secularização mostra-se enquanto conflito igreja versus secularidade, já que a igreja assume um caráter burocrático e a secularidade, cada vez mais, discute, opina e legisla sobre questões religiosas. Ou seja, há ou não uma interseccionalidade de valores? Vemos, então, que a religiosidade evangélica busca institucionalidade e a secularidade cria características religiosas.

É de se entender que a secularização, enquanto fenômeno interseccional, possui significado de afirmação e de oposição entre o espiritual e o secular. Dessa maneira, a secularização se apresenta hoje, na alta modernidade sob três formas, o princípio da ação eletiva, o princípio da diferenciação/especialização progressiva, e o princípio da legitimação. E se falamos do princípio da ação eletiva, estamos a falar da emersão progressiva da pessoa na busca do significado do seu "eu" e da "consciência de si mesmo". Por isso, para Marramao (1995), "este aspecto comporta um modo cultural particular de estabelecer a linha de demarcação entre subjetividade e objetividade e, portanto, de construir a realidade social."

Já o princípio da diferenciação/especialização progressiva nos mostra que quando o princípio eletivo se torna afirmativo, a adoção do critério de escolha fica em aberto. Esse critério de escolha está no âmbito da racionalidade instrumental, assim, Marramao (1995) nos dirá que "a consequência disto é a relação estreitamente biunívoca que se instaura entre secularização e aumento de complexidade do mundo social."

Ao analisar o pensamento político da religiosidade evangélica no Brasil, dois autores traçam linhas demarcadas, sobre como se lançaram contra os direitos civis, democráticos, seculares. Para Cowan, “a direita política evangélica no Brasil tornou-se presuntiva, mas foram prefiguradas durante os processos simultâneos de redemocratização nacional e de politização evangélica na década de 1970. Nesta encruzilhada, os líderes de várias denominações religiosas adotaram a linguagem de uma crise moral aguda, lançando as bases para uma direita evangélica. A própria crise moral tornou-se “nosso terreno”, o ponto de inserção dos evangélicos de direita na esfera política, e uma das várias questões-chave que dividem evangélicos reacionários e seus correligionários progressistas. Até o momento da Constituinte, a posição dos Batistas e Assembleianos, como vozes dos conservadores que apoiaram amplamente o regime militar e se opuseram às iniciativas de justiça social do ecumenismo de esquerda e ao comunismo, tinha sido estabelecida após anos de pronunciamentos que ligavam essas questões à crise moral.”[8]

E para Carneiro, “no Brasil, o evangelicalismo evoluiu cada vez mais para a direita ao longo do período ditatorial e pós-ditatorial, constituindo o que já foi chamado de uma “nova direita” baseada na reação moral e cultural. Na ditadura houve uma distinção clara entre setores protestantes e evangélicos democráticos que se opuseram ao regime, como o pastor presbiteriano James Wright, fundador do Brasil Nunca Mais, e os grupos mais conservadores e anti-ecumênicos que apoiaram os governos militares.

“Esta ala direita se aproveitou de benesses do regime, cresceu e predominou. Sua atuação política mais destacada se deu em torno ao combate à pornografia, o alcoolismo, o tabagismo, o jogo, o divórcio, e a emancipação feminina. Defensores de que o lugar da mulher é no lar, se juntaram à Igreja Católica para se opor ao controle populacional e aos anticonceptivos.”[9]

A Reforma protestante desde os seus primeiros momentos buscou fundações. Conhecemos os princípios basilares apresentados por Lutero: a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame dos textos sagrados cristãos e o sacerdócio universal dos fiéis. A partir desses conceitos de liberdade surgiu um conjunto de princípios em cima do qual se levantou a teologia reformada. Tal construção foi vista como base que legitimou e autorizou a expansão de uma das maiores revoluções religiosas da história humana. E, assim, surgiu a teologia reformada como fundamento de todos os protestantismos e também dos evangelicalismos, com seus diferentes matizes e leituras.

Assim, a academia quando se debruçou sobre o fundamentalismo do movimento evangélico, viu principalmente o seu lado integrista. É certo que a religiosidade evangélica é fundamentalista. Mas Mendonça explica o que isso significa:

“Seu apego à letra da Bíblia, ao mesmo tempo em que a interpreta dogmaticamente, tem engessado o protestantismo no cipoal da ortodoxia mais fria que pode existir. O fundamentalismo, além de violar o sagrado princípio da Reforma, que é livre exame – por ter-se especializado em publicar Bíblias com notas e referências, verdadeiros tratados teológicos --, voltou a submeter o protestantismo a um simples sistema de crenças ao qual o fiel se submete intelectualmente".[10]

Na verdade, a utilização da expressão fundamentalista para a religiosidade evangélica brasileira ou setores dela não está errada, mas se torna reducionista ao prender-se aos aspectos negativos do termo -- conservação, integrismo, retroação – e deixa de ver aspectos relacionais positivos que a busca por fundação implica.

O Brasil desde 1940 vem numa acelerada marcha de urbanização. Em 1940, 30% da população do país, 40 milhões de pessoas viviam em cidades. Em 2006, 56,3 milhões de brasileiros viviam nas nove maiores regiões metropolitanas do país. Segundo dados do IBGE (2007), hoje 83% da população moram em cidades, 140 milhões de habitantes. Portanto, 8 em cada 10 brasileiros vivem em núcleos urbanos. Parte da população urbana concentra-se no Sudeste do país, em especial em grandes áreas metropolitanas como São Paulo, 17 milhões na Grande São Paulo, e Rio de Janeiro, mais de 10 milhões na Grande Rio.

Além do aumento da população urbana ocorre no país uma urbanização do território: há crescimento da população urbana, do número de cidades, e os núcleos urbanos passam a se espalhar por todos os estados e regiões do país. Surge, então, uma rede urbana ampla, interligada e complexa. Expande-se, assim, o modo de vida urbano, apoiando-se nos sistemas de transportes, telecomunicações e informações. O processo de modernização do país, na segunda metade do século vinte, gerou duas megalópoles, São Paulo e Rio de Janeiro, que foram constituídas coração cultural e econômico do país, concentrando recursos e articulando em seu entorno uma constelação de aglomerações urbanas e cidades médias. Por outro lado, ocorreu nos últimos anos uma tendência à desconcentração de atividades - sobretudo industriais -, com o deslocamento de unidades produtivas do núcleo central de metrópoles como São Paulo para outras cidades e aglomerações urbanas de diferentes portes e localizadas em diferentes estados e regiões. E a redução no ritmo de crescimento populacional de São Paulo e do Rio de Janeiro é fato marcante, embora não signifique a redução do poder e influência nacional e internacional de ambas.

Crescem também outras aglomerações urbanas metropolitanas e não-metropolitanas e também o número de cidades médias por todo o país. Temos, então, uma situação em que permanece o peso acentuado das metrópoles, ao mesmo tempo em que há a desconcentração ou repartição de atividades entre as metrópoles e outros núcleos.

E a religiosidade evangélica montou a cavalo no processo de urbanização. A procura evangélica por fundamentos é uma mostra de que o fenômeno não traduz um movimento espontâneo, mas procura construir raízes que lhe deem estabilidade e permanência. As antigas construções institucionais e religiosas brasileiras, primeiramente calcadas no catolicismo rural e depois no protestantismo de migração e de missão, estão presentes nessa procura evangélica por fundamentos e são um fenômeno urbano. E tal processo nesta alta modernidade não ter definições precisas e sólidas, as religiosidades evangélicas urbanas necessitam de um permanente olhar a frente. Assim, as necessidades estruturais da sociedade brasileira e o descontentamento nem sempre definido e claro das populações urbanas fornecem elementos para a compreensão da busca de fundamentos por parte dos novos movimentos evangélicos presentes no espaço urbano.

Ao acrescentarmos a variável urbanização à alta modernidade, entendemos que a procura por fundamentos é também produto da globalidade e que, embora possa assumir formas antiglobais, sua tendência é partilhar as características da globalidade. Ou seja, a alta modernidade surge como desequilíbrio e traz insegurança para as massas, e o movimento evangélico, calcado em fundamentos, apresenta-se como opção de sentido, esperança e vida para essas mesmas massas. Por isso, não podemos dizer que o fenômeno evangélico urbano brasileiro seja mero produto da correlação entre urbanização e alta modernidade.

Os estudos publicados pelo IBGE mostram que em 1970 a população protestante / evangélica tinha 4,8 milhões de fiéis, e que em 1980 passou a 7,9 milhões. Constatou que na década de 90, a velocidade de crescimento das comunidades protestantes e evangélicas foi quatro vezes maior que a da população brasileira. Assim, em 1991 chegou a 13,7 milhões; em 2000 a 26 milhões. E em 2010, a 42,3 milhões, ou seja 22,2% dos brasileiros. Atualmente, o movimento como um todo caminha para ser um quarto da população.

Devemos reconhecer, porém, que a multiculturalidade brasileira tem suas correlações com a globalidade, e que não há cidades de refúgio na temporalidade globalizada. As culturas brasileiras estão integradas na ordem de um conjunto maior que é a própria brasilidade na alta modernidade, coladas cultural e economicamente à globalidade da produção e do consumo capitalistas. Assim, dentro desse panorama, o protestantismo evangélico, em seus diferentes matizes, leva a uma viagem da tradição em direção à alta modernidade.

Como vimos, uma das características do fenômeno religioso urbano, e aí se enquadra a religiosidade evangélica em seus diversos matizes, é a procura por fundamentos. Tal tendência pode ser ilustrada nas propostas de volta às tradições históricas da Reforma, o que aparentemente entra em choque com a globalidade. Mas essa volta às tradições históricas faz parte da própria globalidade. E é expressão profunda de sua virtualidade.

A virtualidade como razão de ser

"Para o Ministério do Trabalho, o presidente interino convidou o deputado federal pelo Rio Grande do Sul, Ronaldo Nogueira. Nogueira é pastor da Assembleia de Deus, igreja que possui a maior bancada entre os evangélicos - 19 membros da Câmara dos Deputados estão ligados a ela, além do senador Gladson Camelli (AC), que, embora não pertença aos quadros, elegeu-se com seu apoio. Os membros mais destacados da Assembleia de Deus são os deputados Marco Feliciano (PSC-SP), que em sua rápida passagem pela presidência da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias, demonstrou toda a sua homofobia; e as deputadas Cantora Lauriete (PSC-ES), famosa por seu recente casamento com o também evangélico senador Magno Malta (PR-ES) – relação vista com maus olhos pelos seus pares já que ambos são divorciados - e Fátima Pelaes (PMDB-AP).



Fátima Pelaes foi nomeada por Michel Temer secretária de Políticas para as Mulheres, órgão subordinado ao Ministério da Justiça. Ela é investigada pela Justiça Federal por denúncias de envolvimento em um esquema que desviou 4 milhões de reais de verbas do Ministério do Turismo para capacitação de profissionais em seu estado. Além disso, ocupando uma pasta que tem como objetivo implementar políticas destinadas à mulher, Fátima já disse que, por conta de suas convicções religiosas, é contra o aborto (uma reivindicação antiga dos movimentos sociais), mesmo em casos de estupro, direito esse que já é garantido pela legislação." El País Brasil, on line, texto citado.

No protestantismo clássico, os teólogos magisteriais controlaram suas produções a partir de estruturas e procedimentos ordenados. Isso é tudo o que podemos fazer em um mundo complexo? Se for, a institucionalidade das confissões judaico-cristãs estão destinadas a seguir o caminho do Tyrannosaurus rex. A tentativa de estabilizar o sistema leva a torná-lo incapaz de interagir com o mundo e possibilitar a criação de alternativas futuras. Os intérpretes modernos enfatizaram que as culturas e os valores compartilhados são essenciais para fazer a leitura da religiosidade judaico-cristã. Em condições dinâmicas, onde fé e linguagem religiosas são formados por múltiplas e variadas possibilidades, onde hermenêuticas monolíticas falharão na geração da criatividade religiosa necessária para dotar as confissões de compreensões adequadas. Por isso, as diversidades de opiniões e abordagens são importantes. 

O pensamento único, que não comporta diferentes visões, pode ter sido um dos fatores cruciais para a crise de parte das confissões judaico-cristãs no mundo moderno e, em especial, nas últimas décadas do século vinte. Os hermeneutas modernos acreditaram que o sucesso da fé e linguagem religiosas poderia repousar exclusivamente na manutenção do equilíbrio interno da origem fundante, mas se isso fosse possível, a própria fundação teria deixado de apresentar novidade e a liberdade da religiosidade no século vinte deveria ter sido reduzida à escolha da adaptação certa ou errada.

Mas no mundo da complexidade hermenêutica os riscos são muito maiores. Primeiro porque equilíbrio exclusivo e permanente da internalidade religiosa significa morte, exatamente o contrário do que pensava a velha hermenêutica. Segundo porque em condições não-estáveis o ambiente humano também se fez presente na religiosidade, tanto quanto ele no ambiente humano. As implicações disto significam que as compreensões hermenêuticas não podem culpar o mundo por suas falhas: elas devem ser vertiginosamente livres para criar o próprio futuro religioso.

Há um verso de Nietzsche que pode nos servir de guia para uma hermenêutica da religiosidade evangélica na alta-modernidade:

“Agora celebramos, seguros da vitória comum, a festa das festas: O amigo Zaratustra chegou, o hóspede dos hóspedes! Agora o mundo ri, rasgou-se a horrível cortina, É hora do casamento entre a Luz e as Trevas...”[11]

Nietzsche pensava a ausência de horizontes. Em Além do Bem e do Mal, ele pensa contra a modernidade: faz um libelo contra os valores da modernidade, como o sentido histórico, a objetividade científica e, logicamente, a fé numa razão autônoma. Assim, é o caso de perguntar: é possível continuar existindo algum contato com a chamada realidade hermenêutica, quando a virtualidade, por exemplo, fica indistinguível e até mesmo mais autêntica que o original, quando podemos criar mundos sintéticos que são mais reais que o real, quando a tecnologia glosa a natureza? Quando a hermenêutica livre das dogmáticas confessionais faz caminhos como o filme Matrix?

Mark C. Taylor, hermeneuta estadunidense, percorre sob outras condições questionamentos idênticos aos levantados por Nietzsche. Ao trabalhar a questão da virtualidade na comunidade religiosa da alta-modernidade, utiliza um conceito que já vinha sendo usado na crítica literária, a idéia de imagologia. Antes, na teoria literária, e agora na hermenêutica de Taylor, a identidade do texto não pode ser encarada como uma forma de ser plena e apriorística, mas como realidade dinâmica ou relacional, onde se cruzam questões de identidade textual e comunitária, o que também se dá na virtualidade, que acaba sempre por revelar uma dimensão estrangeira, que é manifestação de um outro. Na medida em que há constante busca identitária, o confronto com este outro supõe sempre uma comparação, explícita ou implícita, e se integra naquilo que na terminologia de Taylor será a imagologia, estudo das representações do outro, que também pode ser entendido como virtualidade.

Nos últimos anos essa questão tem sido tema da simbologia da revelação dos textos sagrados, como da própria teologia. As mídias têm demonstrado a força das realidades artificiais. Essa questão, realidade e imagem na comunidade imagológica, já tinha sido analisada por psicólogos da escola piagetiana. Segundo eles, é difícil ensinar a pensar de modo lógico a um menino que está sob o bombardeio de imagens distantes da lógica, como acontece nos programas infantis. E onde até mesmo as entrevistas ao vivo fazem parte da criação de algum gênio da publicidade. A moda e os shows de rock, por exemplo, fazem parte desta realidade onde o que é apresentado pelo entrevistador não tem nada a ver com a realidade da audiência ou com o próprio intérprete/produto, já que suas imagens sofrem uma transformação mágica para poder ser popular, ou pelo menos este é o objetivo.

Para Taylor, a comunidade imagológica leva à ansiedade que circula acima e debaixo do chão, que tem crescido e emaranhou-se num complexo tecnológico e financeiro. 

“Com a informação e o dinheiro que correm ao redor do mundo à velocidade da luz, nenhum de nós está seguro, porque qualquer um está no controle. As redes de terroristas assombram a estrutura e através da Web atuam nas comunicações e sistemas financeiros globais. Eles foram mais efetivos utilizando as tecnologias contra nós do que nós em nossa capacidade de usar essas tecnologias contra eles. Nós não seremos capazes de enfrentar redes de terroristas até que melhoremos a compreensão da lógica e operação de nossas próprias redes. Nestas teias emaranhadas e nas redes, está o limite entre nós e eles, dentro e fora, para quem nada é fixo e imóvel, mas restos fluidos e móveis”.[12]

E essa é uma discussão sobre o sentido da hermenêutica, porque vivemos um momento de complexidade sem precedentes, onde as coisas mudam mais rapidamente que nossa habilidade de compreender. Por isso devemos resistir à tentação de procurar respostas simples, pois o que antes era força interpretativa da hermenêutica moderna agora é fraqueza que nos deixa abandonados à mercê da sorte.[13] Diante disso, será possível distinguir entre realidade e virtualidade na comunidade imagológica evangélica, se a tecnologia constrói a nova realidade? Bem, vivemos um mundo colocado em processo de equilíbrio instável, e para entendê-lo devemos ir às margens do sistema. 

A complexidade hermenêutica, na alta modernidade, é vista como marginal e fenômeno emergente. Não está fixa, porque a complexidade é móvel, momentânea e o momento marginal de seu aparecimento é inevitavelmente complexo. Longe de ser um estado, esse momento emergente da hermenêutica reconstitui o fluxo de tempo, enquanto impulso que mantém a religiosidade em movimento. É significante que a palavra momento derive da idéia de impulso em latim, mostrando movimento como sendo também impulso. Embora frequentemente representasse um ponto simples, o momento hermenêutico é inerentemente complexo. Seus limites não podem ser firmemente estabelecidos, porque sempre estão trocando de modos, que dão fluidez ao momento. Na hermenêutica da alta modernidade vivemos o domínio do intermediário, que a teoria da complexidade procura entender.[14]

A dinâmica do caos e da complexidade da hermenêutica parte de certas características que diferem em importância e modos. Um sistema complexo é um sistema único composto de partes compatíveis, que interagem entre si e que contribuem para sua função básica, sendo que a remoção de uma das partes faria com que o sistema deixasse de funcionar de forma eficiente. Um sistema de tal complexidade não pode ser produzido diretamente, isto é, pelo melhoramento contínuo da função inicial, que continua a atuar através do mesmo mecanismo, mediante modificações leves, sucessivas, de um sistema precursor. O exemplo mais popular de complexidade irredutível foi apresentado por Michael Behe (A caixa preta de Darwin): é a ratoeira. Ela tem uma função simples, pegar ratos, e possui várias partes: uma plataforma, uma trava, um martelo, uma mola e uma barra de retenção. Se qualquer uma dessas partes for removida, o aparelho não funciona. Portanto, é irredutivelmente complexo. Um automóvel, em contrapartida, pode funcionar com os faróis queimados, sem as portas, sem pára-choques, etc, embora chegará um momento em que haverá um mínimo de peças essenciais para seu funcionamento. 

Originariamente, a teoria do caos foi desenvolvida como um corretivo para os sistemas fechados e lineares de físicas de Newton, pois diante da ausência de ordem, caos é uma condição na qual a ordem não pode ser averiguada por causa da insuficiência de informação. Enquanto a física de Newton imagina um mundo abstrato governado por leis definidas, que determinavam completamente as coisas reais, a globalidade não é transparente porque não temos a informação adequada e necessária para estabelecer leis, assim toda operação é sempre inacessível. A partir dessa compreensão da teoria do caos e da complexidade, duas razões hermenêuticas podem ser destacadas na abordagem das religiosidades evangélicas.

Primeiro que os sistemas finitos, como é o caso dessas religiosidades, não estão fechados, mas são sistemas abertos. E segundo que os sistemas ou estruturas das religiosidades evangélicas envolvem relações que não podem ser entendidas apenas em termos de modelos lineares de causalidade. Nos sistemas religiosos evangélicos recorrentes é impossível medir as condições iniciais com precisão para determinar as relações causais num período limitado de tempo.[15] Então, a imprevisibilidade é inevitável. Ao contrário dos sistemas lineares, nos quais causas e efeitos são proporcionais, nos sistemas das religiosidades evangélicas recorrentes, a avaliação é complexa, porque esses sistemas se auto-alimentam da vida de seus fiéis e na recorrência geram causas que podem ter efeitos desproporcionados. Em contraste com a teoria do caos, a teoria da complexidade está menos interessada em estabelecer a fuga ou o caos determinado, pois oscila entre ordem e caos. Assim, o momento de complexidade é o ponto no qual ecossistemas organizados emergem para criar novos padrões de coerência e estruturas de relação.

Embora tenha se desenvolvido fora das investigações hermenêuticas das religiosidades evangélicas, a percepção de teoria da complexidade pode ser usada para iluminar as questões da interpretação desta religiosidade hoje no Brasil. Aliás, poderíamos até nos perguntar o que há de comum entre as moléculas que se apressam em auto-reproduzir metabolismos, as células que coordenam esses comportamentos para formar organismos multicelulares e os sistemas das religiosidades evangélicas? E a resposta, complexa, é óbvia: a possibilidade da vida, que faz a travessia de um regime equilibrado de ordem e caos, é o que há de comum entre esses processos. Donde a hipótese hermenêutica maior é esta: a vida existe enquanto extremidade do caos. Partindo da metáfora da física, a vida existe ao lado de um tipo de transição de fase. A água existe em três estados, gelo sólido, água líquida e vapor gasoso. Começamos a ver que idéias semelhantes podem ser aplicadas aos sistemas hermenêuticos complexos. Sabemos que as redes de genomas que controlam o desenvolvimento do zigoto podem existir em três regimes: ordenado congelado, caótico gasoso e líquido aquoso, localizados na região entre ordem e caos. É uma hipótese impressionante que sistemas de genomas ordenem regimes de transição entre uma ordem e o caos. Em tais sistemas, o regime ordenado congelado também coordena as sucessões complexas das atividades genéticas necessárias. Mas, nessas redes, também o regime gasoso caótico, perto da extremidade de caos, pode coordenar atividades complexas e evoluir. A partir das redes, a análise pode ser estendida às comunidades e às dimensões culturais, ou seja, por extensão às leituras interpretativas. Assim, equilibrado entre uma pequena ou grande ordem, o momento de complexidade da hermenêutica na alta modernidade é o meio no qual emerge a cultura de rede.[16]

Taylor projeta a discussão da teoria da complexidade para a hermenêutica ao afirmar que a noção de que as fundações tenham desaparecido é ameaçadora para muitas pessoas, mas que esse assunto é um tema recorrente nas ciências da religião. Pensadores importantes na história de filosofia ocidental, como Nietzsche, colocaram tal discussão na ordem do dia e influenciaram pensadores da alta modernidade como Derrida. Uma das coisas que golpeia o pensamento moderno é a ênfase desses filósofos na importância de entender que a idéia de fim de fundamentos é uma metáfora, assim como a teoria da complexidade também é uma metáfora. Ou como afirma Derrida, a metáfora é determinada pela filosofia como perda provisória de sentido, economia sem prejuízo irreparável de propriedade, desvio inevitável, mas história com vista e no horizonte da reapropriação circular do sentido.[17] 

É por isso que a avaliação filosófica foi sempre ambígua: a metáfora é estranha ao olhar da intuição, do conceito e da consciência. E por isso Derrida dirá que a metafísica é a superação da metáfora, donde ao discutir a hermenêutica devemos levar em conta que há rastros da metafísica nas palavras que usamos: entender é um exemplo disso. Entender algo é não agarrar alguma coisa superficialmente.

O ato cognitivo envolve apreensão dentro de condições de superfície e relativos à profundidade. A distinção entre informação e entendimento é muito complexa. No domínio onde as pessoas pensam em informação devemos falar de sobrecarga de informação. Somos bombardeados com informação de todos os tipos. Entender é um modo de organizar e estruturar a informação. Na revolução da informação, dispositivos filtrantes estão começando a emergir. É crucial entender o poder das hermenêuticas que criam estas grades culturais. Este é um dos temas de Imagologies.[18] 

E essas grades culturais, por sua vez, desenvolvem-se e mudam para prover vigamentos interpretativos que criam possibilidades de construção da compreensão de informação na qual estamos imersos. Temos, então, dois mundos, um é o mundo tradicional, o mundo da religiosidade protestante histórica tal como o recebemos. É um mundo platônico, no qual o assunto percebido é colocado num nível agradável de fundação. Este mundo está presente, mas também está acima, é a transcendência. Esse modelo se torna um modo de saber. Quando começamos a conceber algo, concebemos figurando em termos de modelo. Através do contraste descrevemos um mundo no qual um modelo diferente predomina. Temos interações de planos, modelos e processos.

As religiosidades evangélicas, assim entendidas, podem ser chamadas de locais de consumo, e apontam para a utopia de uma República evangélica. Mas uma estrutura não é aquilo que alguém busca, pois as religiosidades enfatizam movimento e troca, troca de informação, etc. Os modelos hermenêuticos de que estamos falamos não são apenas conceituais, pois o conhecimento simbólico das religiosidades evangélicas emerge de uma interação entre entendimento e as formas de fé, que são filtros através dos quais foram processadas a informação. Se alguém pensa tais categorias como um vigamento historicamente emergente de interpretação, em constante processo de formação, deformação e reforma, estamos diante de um salto como o das tecnologias de produção e reprodução em uma comunidade determinada. Começamos então a ver os modos em que processamos a experiência, onde o conhecimento é constituído em fluxo constante. Não é apenas uma questão de como pensamos, é uma questão de como vemos, ouvimos e tememos. E aí entram cultura e política, e questões como aborto, feminismo e movimentos gays, entre outros. E neste ver, ouvir e temer, as mídias abrem uma percepção nova e capacidades de apercebimento. O ponto em que se faz a troca também é uma questão importante. Uma das coisas que o estruturalismo nos ensinou é que em lugar de ser um local de origem, a religiosidade deve ser entendida como constituída dentro e pelas redes de troca na qual está imbricada. É um tipo complexo de reversão. Pensando nessas estruturas como criadas por um tema original, temos que pensar no assunto como uma função das redes estruturais nas quais está situada. Essas redes estruturais levam a todos os tipos de formas. São culturais, políticas, sociais. Entender as religiosidades evangélicas como constituídas por redes de troca é muito importante.

Assim, há uma procura pelas tradições históricas do protestantismo, o que implica em ressignificar o estudo da literatura sagrada, a liturgia nas comunidades e até mesmo os currículos dos seminários de teologia. A caminhada em direção às tradições históricas, à nacionalização do culto e à compreensão da teologia parte dessa luta na alta modernidade pela busca da autonomia e da expressão local, mas traduz também o desejo, e aí entra a globalidade, de que a comunidade local contribua para a espiritualidade mundial. O estímulo da alta modernidade às expressões das religiosidades locais implica numa combinação sincrética de práticas ditas locais com adaptações às práticas alheias às circunstâncias locais. Assim, expressões do fenômeno evangélico urbano são ressignificadas. São produções sintetizadas e sincretizadas de diferentes tradições cristãs e, até mesmo, não-cristãs. São formas particulares de adaptação à urbanização e uma resposta aos efeitos da tribalização da alta modernidade.

A maioria do movimento evangélico contemporâneo aparentemente parte das necessidades religiosas dos diferentes estratos urbanos. Mas é, também, multinacional e mantém alianças com instituições forâneas. Nos últimos vinte anos desenvolveu uma solidariedade entre estratos urbanos marcados pelos contatos e pela crescente participação com os Estados Unidos da América. Esses setores do movimento evangélico são conduzidos como opinião mundial, e capitalizam a preocupação geral com uma identidade protestante genérica e dela se alimentam. Tal fenômeno não é negativo, se entendermos que estimula, ao participar da globalidade, o reconhecimento de que a religiosidade evangélica local só é possível numa base cada vez mais global. Ou seja, para os as religiosidades evangélicas urbanas pensar globalmente é cada vez mais necessário a fim de tornar a própria noção de religiosidade urbana viável. 

O evangelicalismo urbano está globalmente institucionalizado, embora apresente complicações dispersas. A urbanização produz variedade e a diversidade é, em muitos sentidos, um aspecto básico da globalidade. Mas, e esta é uma complicação, a diversidade pressupõe na globalização a preservação de enclaves da particularidade em meio à crescente homogeneidade e uniformidade. Ou seja, dentro do conjunto movimento evangélico vamos encontrar singularidades que rompem as uniformidades e também as não-uniformidades. Podemos definir essa idéia dizendo que a urbanização do evangelicalismo envolve simultaneamente globalidade e localidade.

É por isso que, quando falamos em religiosidade evangélica urbana, apontamos para a comunicação entre grupos, comunidades locais e confissões. Tal fenômeno é uma reação ao aumento da compressão do espaço e do tempo urbanos. Essa comunicação, que chamo de interdenominacional, se faz em todos os níveis, está presente nas salas de aula, na mídia, e já chegou aos cultos e às liturgias. Mas na mídia traduz a utopia da diferença e funciona como o espaço aberto dos símbolos. Nesse sentido, não apresenta a diferença autêntica, mas faz uma descrição simbólica ao adequar religiosidade evangélica e religiosidades não-cristãs às características contemporâneas da urbanização das religiões.

E deixamos a conversa

"Para líder da bancada governista na Câmara, Temer designou o deputado federal André Moura, que, embora católico, está filiado ao PSC, partido de maioria evangélica, presidido pelo pastor Everaldo Pereira, importante membro da Assembleia de Deus, e que abriga o pré-candidato à Presidência da República, o fascista deputado federal Jair Bolsonaro (RJ). Moura é autor da Proposta de Emenda Constitucional que diminui a idade penal de 18 para 16 anos – aprovada pela Câmara e em análise no Senado – e da proposta que criminaliza quem “induzir ou instigar a gestante” a praticar aborto e dificulta o aborto mesmo em casos de estupro. Moura é homem de total confiança do deputado afastado Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, réu no Supremo Tribunal Federal (STF) em processo por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O líder do governo na Câmara também é réu em três ações penais no STF sob acusação de desvio de dinheiro público e é investigado em três outros inquéritos por suposta participação em uma tentativa de homicídio e no esquema de corrupção da Petrobras". El País Brasil, on-line, texto citado.

Michael Löwy trabalha o desafio do pensamento das religiosidades evangélicas a partir de uma leitura weberiana, o que matiza os contornos aparentemente demoníacos da presença evangélica na política brasileira. Para ele, “os evangélicos são, no fundo, uma religião mágica. Eles acreditam que, fazendo certos rituais, orações ou mesmo dando dinheiro para a igreja, terão seus problemas resolvidos. Isso, para parte da população, sempre foi assim. Mas devemos reconhecer que os evangélicos, pela ética protestante, calvinista, impõem uma série de proibições aos fiéis: não podem consumir álcool, drogas, ir a prostíbulos, jogar cartas. E isso melhora a situação da família, é fato. Por outro lado, essas igrejas são conservadoras, intolerantes, fundamentalistas e, na maioria das questões sociais, regressivas. Além do quê, desenvolvem uma pretensa teologia da prosperidade que faz elogios ao capitalismo, ao neoliberalismo, ao mercado e ao consumo, que é bastante negativo.”[19]

Podemos, caso utilizemos critérios modernos de análise, falar em tempo da mentalidade conservadora versus tempo da mentalidade progressista. Mas tais critérios de análise, embora sejam aparentemente agradáveis e facilitadores, já não cabem na multidimensionalidade do tempo na cultura, que nos leva, a partir de Marramao, a falar de conflitualidade endêmica do mundo e, como consequência, dos dilemas que traz para a política e para a religião. Assim, faz a crítica da sociedade contemporânea, onde o presente é dominado pelo movimento incessante, onde ninguém consegue saborear o presente. E reconstrói a etimologia do tempo latino, onde são colocados o sentido interno de tempo, a síndrome temporal da pressa e a busca insana para se recuperar a posse da existência.

Temos que ver, a partir de Marramao, que a realidade se expressa de forma imagológica na política das religiosidades evangélicas, fazendo com que as propostas evangélicas interseccionadas enquanto governamentais, quer no que se relaciona à pessoa, à família ou às comunidades, se entrelacem e produzam, como diz Giner, “mutações na vivencia e qualidade desses tempos”.[20] Assim, a bancada evangélica presente no Congresso, ou os ministros de Estado do governo Temer expressem produções imagológicas de tempos, que apesar de suas volatilidades, acumulam de forma caleidoscópica mudanças no momento presente.

Em seu livro Passagem ao Ocidente, filosofia e globalização, de 2003, Marramao faz uma análise do pensamento contemporâneo e como este se debruçou sobre a investigação da globalização. Mas procura evitar a ocidentalização da abordagem, delineando uma política global. Assim fez leituras de F. Fukuyama e Kojève e, consequentemente, do fim da História e à universalidade do individualismo competitivo. Atravessa, então, o conflito de civilizações que, após o colapso do muro de Berlim, viu o globo mergulhado num conflito intercultural mundial. E, chegou com S. Latouche, à concepção da expansão planetária de dominação da tecnologia sob o controle da razão instrumental.

Mas, para Marramao, a globalização deve ser vista como pressuposto típico da modernidade, na transição de um mundo fechado a um universo circum-navegável, que possibilita o encontro, mas também o choque de culturas, levando a sociedade a ser transformada por esse encontro diário, que se espraia a partir das megalópolis, mas que permanentemente desafia a nossa identidade.

No percurso dessa compreensão da globalidade, vai além da crise do Estado-nação, agora personificada pelo Leviatã democratizado de John Rawls.[21] Aqui temos a reconstrução do princípio de universalidade da diferença, que se dá em esfera global, onde o mundo aparece como presença-imagem da racionalidade técnica e econômica, que influencia tudo e todos através da criação de um modelo único de sociedade e pensamento. E que, ao mesmo tempo, tira proveito da riqueza das diferenças para construir uma globalidade cosmopolita, onde todos podemos cultivar nosso politeísmo de valores. Globalidade e temporalidade, para Marramao, estão imbricadas. E para chegar à sua construção da temporalidade da globalização, fez a reconstrução das concepções de tempo nascidas na reflexão ocidental a partir da análise de Timeu de Platão, até chegar às discussões sobre a flecha do tempo na física. Mas, construindo uma reflexão sobre temporalidade / identidade, onde busca os pontos de contato entre as abordagens focadas na pessoa e as sociais.

A síndrome da pressa, do tempo que falta, tornou-se parte do projeto moderno, numa racionalização da escatologia judaico-cristã, onde se busca o fim último do domínio da razão instrumental. Essa homogeneização, que se procura planetária, responde à síndrome da pressa repetindo, eternizando, a mesma cena neurótica, por não ser capaz de parar, considerando normal chegar sempre fora do tempo certo, tarde demais, vivendo a angústia e o trauma permanente da perda da oportunidade certa. Mas este projeto moderno, afirma Marramao, está em crise, e devemos olhá-lo com distanciamento, superando Weber, já que a racionalidade instrumental é um fenômeno típico do Ocidente, que não surgiu em nenhuma outra cultura, nem mesmo na China. É com este distanciamento que devemos analisar o capitalismo, debruçando sobre outras culturas, humildes na certeza de que têm algo a dizer e que podem nos ensinar a escapar da sociedade contemporânea e aprender a viver no presente, renunciando à idéia de que lá na frente algo bom e definitivo deve acontecer.

Donde, o kairós, o tempo bom, tão caro à escatologia judaico-cristã, se apresenta como interseção entre a realidade divergente de tempo privado e tempo público. Ou seja, as religiosidades evangélicas por sua virtualidade colocam desafios culturais – éticos e políticos – à laicidade brasileira, isto porque o tempo privado deixou de ser humano e passou a depender de condições e variáveis que incluem desde a situação mundial às situações físicas e psíquicas, plasmando tempos que esmagam pessoas e comunidades.

E vale a pena lembrar ao deixar esta conversa que não estamos diante de uma teoria do colapso do protestantismo histórico, porém daquilo que ainda não foi examinado com suficiente atenção. Donde estamos desafiados à recolocação de diferentes e novas expressões teóricas. E o caráter desorientador que estudiosos e pesquisadores veem nas religiosidades evangélicas não devem se traduzir em demonização, mas buscar compreensões culturais e históricas que nos levem a uma atualização do pensar a religião no Brasil, reconhecendo que não estamos diante de nuvem passageira, mas de realidades que interagem profundamente com os problemas do estar brasileiro hoje.

Bibliografia

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TILLICH, Paul, Teologia da Cultura, São Paulo, Fonte Editorial, 2009.

Notas

[1] Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). Atua na área das Ciências da Religião, com especialização nas relações entre religião e política. 
[2] É importante notar que o ensino faz parte da ação protestante. E essa ação de ensino potencializa a conversão, que é novo sentido de vida, e deve alcançar todas as pessoas. Assim, a arte do educador está em sua capacidade de transformar o literalismo dos símbolos cristãos em interpretações conceituais sem destruir seu poder simbólico. Mas, nem todos educadores acham que isso seja possível. Outros se recusam a ajudar os alunos no caminho dessa transformação, ou se recusam a transmitir esses símbolos aos jovens enquanto eles não tiverem condições de interpretá-los. Para Tillich, as duas atitudes estão erradas, pois se deixamos de transmitir os símbolos cristãos aos jovens, estes só experimentarão seu poder numa conversão tardia. Paul Tillich, Teologia da Cultura, São Paulo, Fonte Editorial, 2009, pp. 206-207. 
[3] Entendemos religiosidade evangélica ou evangelicalismo conforme situado por Mendonça, quando diz que “a vertente vitoriosa do protestantismo, seu lado conservador, cuja extensão vai do evangelicalismo ao fundamentalismo radical, com sua rigorosa racionalidade, negou-se a rever suas posições tradicionais em relação às mudanças e desafios das novas realidades. Mantendo firme seu perfil de Deus e a correspondente configuração do mundo, perdeu sua maneira de agir e, portanto, a ética dinâmica de que foi portadora. Sua ética ascética mundana cedeu lugar a uma ética monástica”. Antonio Gouvêa Mendonça, Protestantes, pentecostais & ecumênicos, o campo religioso e seus personagens, São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2009, pp. 99. 
[4] O ensino e o evangelismo são funções dinâmicas das comunidades protestantes. Tillich explica que “a igreja tem a função de responder à questão implícita na existência humana, isto é, a questão a respeito do sentido da existência. O evangelismo é um dos meios que ela usa para esse fim. O princípio do evangelismo consiste em mostrar às pessoas fora da igreja que os símbolos que ela usa são respostas às questões implícitas em sua existência. Porque se trata de mensagem de salvação e porque significa cura, a mensagem é apropriada à nossa situação”. Paul Tillich, idem, op. cit., p. 91. 
[5] Nasceu em Catanzaro, a 18 de outubro de 1946, e é filósofo, professor de Filosofia Política na Universidade de Roma III, diretor da Fundação Lelio Basso e membro do Colégio Internacional de Filosofia em Paris. Seus estudos se iniciaram com o marxismo e atualmente versam sobre questões políticas, culturais e simbólicas da globalização. 
[6] Giacomo Marramao, Poder e secularização, as categorias do tempo, São Paulo, UNESP, 1995. 
[7] In Saulo Barbosa, A secularização e seus problemas conceituais. webartigos.com. Acesso 03/10/2015. 
[8] Benjamin Arthur Cowan, Nosso Terreno, crise moral, política evangélica e a formação da “Nova Direita” brasileira, VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 30, no 52, pp.101-125, jan/abr 2014. 
[9] Henrique Carneiro, O proibicionismo na gênese do evangelicalismo na política: a nova direita. WEB: blogconvergência.org. Acesso 03/10/2015. 
[10] Antonio Gouvêa Mendonça, op. cit., pp. 97-98. 
[11] Friedrich Nietzsche, Além do Bem e do Mal, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, p. 205. 
[12] Mark C. Taylor, Awe and Anxiety, Los Angeles, Los Angeles Times, 28.09.2001. 
[13] Mark C. Taylor, About Religion: Economies of Faith in Virtual Culture, University of Chicago Press, 1999. 
[14] Mark C. Taylor, The Moment of Complexity, Emerging Network Culture, Capítulo 1, “From Grid to Network”, University of Chicago, 2002, pp. 19-46. 
[15] Mark C. Taylor, The Moment of Complexity, op. cit., pp. 19-46. 
[16] Mark C. Taylor, The Moment of Complexity, op. cit., pp. 19-46. 
[17] Jacques Derrida, Margens da Filosofia, Campinas, Papirus, 1997, p.312. 
[18] Mark C. Taylor e Esa Saarinen, Imagologies, Routledge, New York, 1994. 
[19] Michael Löwy, À brasileiros, sociólogo Michael Löwy propõe outra alternativa: o ecossocialismo. WEB: Brasileiros. Acesso em 03/10/2015. 
[20] Salvador Giner in Marramao, op. cit., p. 13. 
[21] John Rawls, A theory of justice, Steven M. Cahn (ed.), 1999.



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