samedi 17 octobre 2020

Primeira Carta aos Coríntios, do apóstolo aos gentios

 1a. Coríntios, uma carta do apóstolo aos gentios

Pr. Jorge Pinheiro

 

 

À guisa de introdução

 

1. Esta é uma carta pastoral, que hoje nós estudamos como um dos fundamentos de nossa teologia pastoral. Mais do que apresentar “porquês”, mais do que responder questões teóricas da teologia cristã, Paulo nos mostra “como” agir pastoralmente. Mas aborda questões teológicas, como quando discorre sobre a unidade cristã, os dons e a ressurreição.

 

2. Esta é uma carta que nos ensina como fazer missão. O grande desafio da missão em todos os tempos é como relacionar a cultura onde estamos plantando uma igreja, a cultura da cidade, de um povo, de um país, com a contra-cultura cristã. Sempre vão existir pontos de aproximação, mas também distanciamentos que devem ser conhecidos e entendidos como inadimissíveis para nós cristãos e para nossas igrejas.

 

3. O cristianismo é uma contra-cultura. Desde Paulo, atravessando os séculos sempre foi assim. O que nós chamamos de “o mundo” é, em outras palavras a cultura daquele lugar onde estamos. E o cristianismo é uma contra-cultura porque tem por base o “viver segundo o Espírito”, que é diferente do viver segundo o mundo e segundo a carne.

 

4. Na época de Paulo, Corinto era a capital da província de Acaia. Era muito importante em termos comerciais, principalmente por seu porto. Tinha cerca de 300 mil habitantes, o que era muito para a época, dos quais 3/4 eram escravos. Sua cultura grega repousava sobre o pensamentos dos filósofos clássicos, em especial sobre o epicurismo, uma forma de existencialismo, que favorecia a libertadade sexual, a homossexualidade e a pedofilia, aceitos culturalmente e presentes socialmente. O templo de Afrodite tinha cerca de mil prostitutas cultuais, que serviam sexualmente os homens que se dirigiam ao templo e profetizavam sobre o futuro deles. Entre aspas, “curas, milagres e línguas” estavam presentes nas religiões de mistério, sincretismo das religiões de origem oriental, cultos persas, frígios, babilônicos, egípcios, e nos cultos mediterrâneos, etruscos e gregos. Os mais conhecidos foram os cultos de Elêusis, o orfismo, o pitagorismo, o culto a Ísis, o culto a Mitra e os movimentos gnósticos. 

 

Algumas questões de teologia pastoral tratadas por Paulo nesta carta

 

1. A primeira questão de teologia pastoral colocado por Paulo é que a unidade cristã (ver Anexo 1) está fundada em Cristo. Essa questão ele apresenta nos capítulos de 1 a 4. Paulo exorta a não se dividir sobre mestres espirituais, sejam eles Apolo, Pedro ou Paulo, porque a igreja tem um só Senhor, Cristo (cf. cap. 1.10-16). E não é a filosofia grega, nem a inteligência que deve unir os cristãos de Corinto, mas a fé no Cristo crucificado (cf. cap. 1.17-31).

 

Assim, Paulo lembra que não fez um discurso filosófico para anunciar o evangelho a eles, mas que foi inspirado pelo Espírito Santo (cf. 2.1-5). E esta sabedoria de Deus, ensinada pelo Espírito, só pode ser compreendida pelo cristão espiritual (cf. 2.6-16).

 

Paulo os desafia novamente em suas divisões (cf. 3.1-4). Sendo Cristo o único alicerce, não importa quem nele edifica o templo de Deus a que são chamados (cf. 3.5-17). Ele então os adverte contra a sabedoria deste mundo (cf. 3.18-23).

 

Os mestres espirituais dos cristãos de Corinto são apenas servos de Cristo (cf. 4.1-5), por isso não devem se orgulhar de pertencer a um ou a outro, principalmente porque, embora apóstolos, devem ser considerados os últimos dos homens (cf. 4.6-13).

 

Anexo 1

A igreja como corpo de Cristo

 

2. A cultura sexual de Corinto tinha entrado na igreja (cf. 5-6). Um exemplo da presença da cultura grega na igreja de Corinto, foi o fato de um homem ter se casado com sua madrasta. O texto não fala se o primeiro marido já tinha morrido ou não, mas a partir da lei dada a Moisés, conforme Levítico 18, Deus disse: “6 Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne para descobrir a sua nudez. Eu sou o Senhor. 7 Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe; ela é tua mãe; não descobrirás a sua nudez. 8 Não descobrirás a nudez da mulher de teu pai.” Assim, Paulo considera que aquele cristão cometeu uma abominação, e sobre isso Deus tinha dito: “29 Porém qualquer que fizer alguma dessas abominações, as almas que as fizerem serão extirpadas do seu povo. E Paulo pede que exclusão daquele homem (cf. capítulo 5).

 

Outro problema na igreja de Corinto, era que irmãos estavam levando irmãos aos tribunais da cidade. Paulo exorta à fraternidade, ao perdão, e pede que, se o conflito permanecer, tenham sua disputa arbitrada pelos santos na congregação (cf. 6.1-11).

 

3. Os cristãos e a sexualidade. A questão anterior, da abominação cometida por um irmão, leva Paulo a falar sobre a vida conjugal dos cristãos. Realça os benefícios do casamento e, de forma prática, pastoral e não teológica, relaciona casamento e sexualidade (cf. 7.1-16). Mas chama os cristãos a assumirem o seu estado de vida (cf. 7.17-28), sem perder de vista que a vida eterna tornará o estado atual secundário (cf. 7.29-33). E destaca a virgindade como estado que agrada a Deus (cf. 7.34-40).

 

4. Cuidado para não cair, ou seja, a não se submeterem aos aspectos negativos da cultura de Corinto. Assim, convida os cristãos a não capitularem às pressões culturais e sociais daquela sociedade (cf. 10.1-10). E devem ter em conta que Deus não permite que as tentações estejam além de nossas forças (cf. 10.11-14).

 

5. A comunhão que existe entre os cristãos (cf 10.15-18) implica em reconhecer que a liberdade dos cristãos está ao serviço da edificação do nosso próximo, para a glória de Deus (cf. 10.23-33).

 

6. Devemos participar dos cultos de forma digna. O véu para as mulheres era uma forma de se diferenciar as prostitutas cultuais, que não cobriam a cabeça e raspavam os cabelos. E também para cobrir os cabelos, que traduziam naquela cultura a sensualidade (cf. 11.1-16). E recorda a necessária dignidade dos cristãos que participam na Ceia do Senhor (cf. 11.17-34).

 

7. Para ilustrar a diversidade de dons espirituais, recebidos para o bem comum (cf. 12.1-7), Paulo toma o exemplo do corpo humano, que é composto por diferentes membros, mas conduzido por uma vontade (cf. 12.8-31).

 

Anexo 2.

O Espírito Santo e seus dons, uma leitura neotestamentária.

 

8. As virtudes teologais. Os dons mais brilhantes não têm valor sem o amor (cf. 13.1-3) que Paulo então destaca citando um louvor da época (13.4-7). E afirma é eterno (cf. 13.8-13). 

 

9. Na continuação (cf. cap. 14), discute o dom de profecia e o falar em línguas. Ele recomenda particularmente, depois das palavras em línguas, que as palavras ditas sejam interpretadas. E no versículo 34 pede às mulheres que não falem nos cultos, em oposição à presença marcante das profetisas, prostitutas cultuais, que ocupavam lugar de destaque no templo de Afrodite.

 

10. Os cristãos de Corinto, seguindo a tradição helênica, tinham dificuldade em compreender a ressurreição de Cristo. Paulo mostra que esta verdade constitui o fundamento da fé cristã (cf. 15.1-19). A ressurreição de Cristo nos diz respeito e nossa vida terrena deve ser colocada em perspectiva da vida eterna (cf. 15.20-34). Paulo então explica a natureza do corpo espiritual que será ressuscitado (cf. 15.35-50) e as modalidades da ressurreição (cf. 15.51-58).

 

Anexo 3

A ressurreição, a partir das fontes utilizadas por Paulo. Da anástase. Pede-se ser levantado. 

 

Observação: as traduções do texto grego bíblico neste anexo foram feitas pelo autor, Jorge Pinheiro, e visam facilitar a compreensão do que Paulo estava dizendo aos coríntios.

 

Anexos

 

1.

 

A igreja como corpo de Cristo

 

 

Designativos figurados que ressaltam aspectos particulares da comunidade cristã. 

 

1) Templo do Espírito Santo. I Co 3:16.

2) Habitação de Deus. Ef 2:22.

3) Edifício de Jesus. I Co 3:09; Mt 16:16-18.

4) Casa de Deus. Hebreus 3:06

5) Povo de Deus. I Pedro 2:9-10

6) Universal assembleia. Hebreus 12:22

7) Esposa. Ap 19:07; Ef 5: 25-32.

8) Coluna e baluarte da verdade. I Timóteo 3:15

9) Jerusalém de cima ou Nova Jerusalém ou Jerusalém Celestial. Gl 4:26; Hb 11:22; Ap 21:01.

10) Corpo de Cristo. Ef 1:22-23; I Co 12:27

 

Texto fundante

"Ora vós sois corpo de Cristo; e individualmente membros deste corpo." I Co 12:27

 

A Igreja é um corpo. Somos um corpo com um objetivo específico. O principal objetivo do corpo é expressar a vida do Espírito Santo de Deus, a vida de Cristo. O contato de Cristo com o mundo se dá por meio do corpo. Em outras palavras, o propósito do corpo é de se relacionar com o mundo exterior. O corpo é a expressão do Espírito. Esta é a principal responsabilidade da Igreja como corpo; expressar a vida e a glória de Deus. O contato do mundo com Deus se faz pela Igreja. Anjos não pregam o Evangelho.

 

Fazer parte do Corpo de Cristo significa ser representante de Deus no mundo em que habitamos. Em I Co 5:20, o Apóstolo Paulo diz que somos embaixadores do Reino de Deus. E como embaixadores temos a responsabilidade de representar o nosso Senhor diante de toda a humanidade. Jesus deu-nos poder e autoridade afim de que tornássemos seus representantes. 

 

De que maneira o membro do corpo de Cristo deve viver ? 

1- Com a consciência de que o corpo de Cristo não é formado por um só membro, mas sim por vários. I Co 12: 12-14. 

2- Com a consciência de que o corpo é de Cristo. I Co 12:27.

3- Com a consciência de que cada membro do corpo tem uma função e que não há necessidade de competição entre os membros. I Co 12:14-15

4- Com a consciência de que não existe membro desnecessário. I Co 12:22.

5- Com o entendimento de que todos os membros devem obedecer a cabeça. Ef 5:23.

6- Com o entendimento de que quando um membro sofre todos sofrem.

7- Com o entendimento de que quando um membro é honrado todos são também honrados. I Co 12:26.

8- Com o entendimento de que os membros são diferentes e têm funções diferentes. I Co 12:13,17.

9- Com o entendimento que fomos chamados por Deus para cooperar uns com os outros.

 

Jesus, o Senhor dos senhores, se fez servo a fim de servir os homens.

"Não será assim entre vós, antes qualquer que entre vós que quiser tornar-se grande entre vós será esse que vos sirva (diáconos) e qual dentre vós que quiser ser o primeiro será esse vosso servo (doulos); assim como o filho do homem não veio ser servido (diáconos) mais para servir (diáconos) e para dar a vida a favor de muitos." Mt 20:26-27.

 

Um exemplo paradigmático:

A última Ceia: Jo 13:1-20

 

Jo 13:04 - "Levantou-se da ceia tirou o manto e tomando uma toalha cingiu-se". Esta expressão tirou no grego tithmi, é a mesma palavra usada em Jo 10:11 com referência a dar a vida pelas ovelhas. Ou seja, quem serve deve fazer de seu serviço uma doação de vida.

Jo 13:05 - "E começou a lavar os pés dos discípulos." Lavar os pés era uma função destinada aos escravos.

 

Por quais motivos se devia lavar os pés ?

1- Por causa da sujeira das estradas.

2- Por causa dos ferimentos provenientes da caminhada. Isto também significava prevenção de certas enfermidades que poderiam infeccionar os pés.

 

Jesus lavou os pés de todos os discípulos, independente de ideologia, cultura, caráter e etc.

1) João- O discípulo amado.

2) Pedro- O falador compulsivo.

3) Mateus- O ex-cobrador de impostos.

4) Simão, o zelote - Militante do farisaísmo de esquerda.

5) Judas Iscariotes - O traidor.

Será que teríamos a mesma disposição de lavar os pés de Judas assim como teríamos de lavar os pés de João?

 

 

2.

 

O Espírito Santo e seus dons. Uma leitura neotestamentária.

 

 

Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. O Espírito Santo examina tudo, até mesmo os planos mais profundos e escondidos de Deus. Quanto ao ser humano, somente o espírito que está nele é que conhece tudo a respeito dele. E, quanto a Deus, somente o seu próprio Espírito conhece tudo a respeito dele. Não foi o espírito deste universo que nós recebemos, mas o Espírito mandado por Deus, para que possamos entender tudo o que Deus nos tem dado. Portanto, quando falamos, nós usamos palavras ensinadas pelo Espírito de Deus e não palavras ensinadas pela sabedoria humana. Assim explicamos as verdades espirituais aos que são espirituais. Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucuras para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual”. 1Coríntios 2.10-14.

 

O Espírito é Pessoa da trindade de Deus. É Pessoa que dá vida nova (Is 63.11-14) e consola os que sofrem (Jo 14.16; 16.7). O Espírito adota (Rm 8.16) e enche de amor (2Tm 1.7). Transmite conhecimento, sabedoria e justiça (Is 11.2-5). Derrama arrependimento e graça (Zc 12.10; 13.1), dá poder e torna as pessoas prudentes (2Tm 1.7). Ele vive em nós (Jo 14.17; 16.13; 1Jo 4.6): pertencemos a Ele (Ef 1.13). 

 

Mas como viver isso em nossas comunidades de fé? Qual é a importância desse Espírito, teologicamente correto, mas afastado do dia a dia de nossas vidas? Será que vida no Espírito não significa experiência religiosa?

 

Vemos essa ação e voz do Espírito na vida dos profetas, que se tornavam porta-vozes de Deus, quando o Espírito descia sobre eles. Isaías profetizou sobre a vinda do Cristo e disse que o Espírito do Senhor estaria sobre Jesus (Is 61.1). Ezequiel revelou que o Espírito o levou a lugares distantes, numa visão dada pelo próprio Espírito de Deus (Ez 11). 

 

E mesmo pessoas que não tinham o título de profeta, proferiram mensagens por meio do Espírito Santo. O rei Davi pronunciou seu último testemunho poético antes de morrer e disse: "O Espírito do Senhor fala por meio de mim, e a sua mensagem está nos meus lábios" (2Sm 23.2). José interpretou os sonhos de Faraó, e o próprio rei exclamou que o Espírito de Deus estava sobre o filho de Jacó (Gn 41.38,39).

 

Depois que Samuel ungiu a Saul rei de Israel, o Espírito do Senhor desceu sobre ele e profetizou. Deus o transformou numa pessoa diferente, de maneira que os israelitas perguntaram: “Será que Saul também virou profeta?”. (1Sm 10.5-13). Essa pergunta foi repetida quando o Espírito do Senhor desceu novamente sobre Saul, quando perseguia Davi. O rei tirou sua túnica e profetizou (1Sm 19.23,24). 

 

No acampamento de Israel, durante o Êxodo, Deus multiplicou o Espírito que estava sobre Moisés e o colocou sobre setenta anciãos: eles então profetizaram, bem como Eldade e Medade. Quando ouviu sobre isso, Moisés disse que seu desejo era que o Senhor colocasse o seu Espírito sobre todo o povo, para que todos profetizassem (Nm 11.25-29). 

 

Moisés é o protótipo do Messias, pois foi considerado profeta e revelou o Espírito do Senhor. Ele predisse o advento do Cristo, quando falou ao povo que Deus levantaria um profeta como ele próprio, do meio deles (Dt 18.15,18). Além disso, ele repetidamente introduziu a revelação do Senhor com as palavras "disse o Senhor a Moisés" (Nm 8.1,5, 23).

 

Nas línguas utilizadas no Antigo e no Novo Testamento (hebraico e grego), os termos usados para o Espírito Santo enfatizam sua santidade, embora no AT, o adjetivo santo antes do substantivo espírito aparece poucas vezes (Sl 51.11; Is 63.10,11). No Novo Testamento a palavra santo antes do substantivo Espírito está presente na maioria dos livros, especialmente no livro de Atos. Isso não significa que a ênfase ao Espírito seja menor no Antigo do que no Novo Testamento. As expressões mais freqüentes no Antigo Testamento são “o Espírito de Deus” ou “o Espírito do Senhor”. 

 

Mas, é importante entender que a idéia da santidade do Espírito está intimamente ligada à sua eternidade. E, a partir daí, santo é este Espírito que não pode ser violado, cuja ação sobre nós e para nós é benéfica, segura e eficaz.

 

Ora, o Espírito é criador, mas o que significa isso? Bem, poderíamos falar da criação do cosmo: "Por meio da sua palavra, o Senhor fez os céus; pela sua ordem, ele criou o sol, a lua e as estrelas". (Salmo 33.6). E, "Tu lhes deste o teu bom Espírito para lhes ensinar o que deviam fazer" (Neemias 9.20).

 

Lembrar que a primeira vez que a palavra espírito aparece na Bíblia é no relato da criação, em Gênesis, onde o Espírito de Deus pairava sobre as águas como poder criador que traz ordem ao caos (Gn 1.2). E que o salmista faz eco a esse conceito, quando disse: "Por meio da sua palavra, o Senhor fez os céus; pela sua ordem, ele criou o sol, a lua e as estrelas". (Sl 33.6). 

 

Ou ainda, que por meio do sopro de Deus, Hadam tornou-se uma alma vivente (Gn 2.7). Jó afirma que o Espírito do Senhor o criou e que recebeu vida por meio do sopro do Todo-poderoso (Jó 27.3; 32.8; 33.4; 34.14,15). Sabemos, também, que quando Deus retira seu sopro dos seres humanos e dos animais, eles morrem e retornam ao pó (Sl 104.29; Ec 3.19,20; 12.7). 

 

Mas não podemos nos esquecer, que a Pneumatologia deve funcionar como uma Cristologia eclesial, pois a vida é espírito e porque também a comunidade tem espírito. A comunidade de fé, assim como as pessoas, são as criações por excelência deste Espírito criador. E como a comunidade de fé é formada por discípulos do Cristo, seu Espírito está aí presente, criando gente nova e expandindo o reino. Ora isso aconteceu no Pentecostes, na história da jovem igreja cristã e continua a acontecer hoje.

 

É verdade, o Espírito é Pessoa. Mas aqui também somos chamados a dar carne e osso à nossa Pneumatologia. Se partirmos da ênfase sobre o monoteísmo, dada pelos escritores do Antigo Testamento, vamos encontrar uma distinção entre Deus e o Espírito do Senhor. Mas essa distinção, em nenhum momento define o Espírito como emanação de Deus. Tome-se, por exemplo, as referências em Gênesis 1.1-2. Deus criou o céu e a terra, mas o Espírito do Senhor pairava sobre as águas. Ou quando Deus disse que seu Espírito não contenderia para sempre com o ser humano (Gn 6.3). 

 

Isso significa que os escritores bíblicos viam ações e personalidades divinas distintas. Entendiam que o Espírito era Deus, o qual exercia funções que os escritores bíblicos expressaram em termos humanos. Isso fica claro em algumas passagens. Os levitas oraram: "Tu lhes deste o teu bom Espírito para lhes ensinar o que deviam fazer" (Ne 9.20). Davi perguntou: "Aonde posso ir a fim de escapar do teu Espírito?" (Sl 139.7) e Isaías escreveu que o povo entristeceu o seu Espírito Santo e Deus (o Pai) tornou-se inimigo deles (Is 63.10-12; veja também 48.16).

 

Mas a pessoalidade do Espírito pode melhor ser compreendida na comunidade de fé, pois cada comunidade de fé possui um só Espírito. E todas as comunidades de fé têm Deus. Inversamente, o espírito de uma comunidade é ou o Espírito de Deus ou um dinamismo ameaçador, quem sabe demoníaco. Assim todas as comunidades se confrontam com a transcendência, e o Espírito aparecerá ou como a defesa da comunidade contra o espírito que ameaça, ou como a própria desorientação. As comunidades de fé reivindicam seu estabelecimento como cumprimento da pessoalidade do Espírito prometido. Assim a identidade de Deus e do Espírito é clara para as comunidades de fé. E essa pessoalidade do Espírito se dá como Trindade. No chão das comunidades de fé, na carne e osso da Igreja, o Espírito procede do Pai e do Cristo; o Cristo foi gerado pelo Pai e pelo Espírito; e o Pai é fruto do amor de Jesus e do Espírito. Assim, podemos dizer que na Igreja, de forma existencial para cada um de nós, o Espírito é Pessoa. 

 

E a pessoalidade do Espírito nos leva à questão da espiritualidade. Quando dizemos espiritualidade queremos dizer uma vida no Espírito, um intenso convívio com o Espírito: esse é o sentido cristão da palavra. Dessa maneira, a idéia de uma vida forte, a idéia da vitalidade de uma vida criativa a partir de Deus nos leva à espiritualidade, ou seja, a uma vida espiritualizada por Deus. 

 

Por isso, podemos dizer: as pessoas procuram a Deus porque o Espírito as atrai para si. Estas são as primeiras experiências do Espírito no ser humano. E o Espírito as atrai como um imã atrai as limalhas de ferro. O íntimo e suave atrativo do Espírito é experimentado pela pessoa em sua fome de viver e em sua busca de felicidade, que nada no universo pode satisfazer ou saciar.

 

A espiritualidade da vida se opõe à mística da morte. Quanto mais sensíveis as pessoas se tornam para a felicidade da vida, mais sentem a dor pelos fracassos da vida. Vida no Espírito é vida contra a morte. Não é vida contra o corpo, mas a favor de sua libertação e sua glorificação. Dizer sim à vida significa dizer não à fome e suas devastações. Dizer sim à vida significa dizer não à miséria e suas humilhações. Não existe uma afirmação verdadeira da vida sem luta contra tudo que nega a vida.

 

A recepção universal de tal espiritualidade foi anunciada séculos antes do derramamento do Espírito no dia de Pentecostes (At 2.17-21). Deus falou por meio do profeta Joel: "E depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões. Até sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito" (Jl 2.28,29). Joel não estava sozinho na predição da espiritualização futura do planeta.

 

Isaías também fez uma ilustração do Senhor derramando correntes de água sobre terras secas e seu Espírito sobre os descendentes de Jacó (Is 44.3). Por meio de Ezequiel, Deus disse aos judeus do exílio que o Senhor os tomaria de todas as nações e os reconduziria à sua própria terra. Colocaria seu Espírito sobre eles e os motivaria a obedecer à sua Lei (Ez 36.24-28; 39.29). Deus revelou que o Messias, quando viesse, seria cheio do Espírito (Is 11.2), que também seria derramado sobre o povo da aliança (Is 32.15; 59.21; Ez 37.14). E esse Espírito permaneceria com os filhos de Deus (Ag 2.5).

 

O Espírito é a fonte de vida (Jo 6.63) e ela é comparada às fontes de águas correntes que, espiritualmente falando, fluem do interior da pessoa (Jo 7.38,39). O discurso de despedida de Jesus, proferido no cenáculo, enfatizou a chegada do Espírito. Ensinou que Ele seria dado pelo Pai e permaneceria para sempre com os fiéis. 

 

Seria outro Consolador, uma Pessoa que personificaria a verdade (Jo 14.16,17). O Consolador sairia do Pai, seria enviado pelo Filho e testificaria sobre Jesus (Jo 15.26). O Consolador também convenceria o universo de seus erros, da justiça e do juízo (Jo 16.7-11). O Espírito guiaria as pessoas em toda a verdade, proporcionaria a revelação futura e glorificaria a Jesus Cristo (Jo 16.13-15). 

 

E, antecipando o Pentecostes, Jesus soprou o Espírito sobre os discípulos, para auxiliá-los na tarefa que receberam de pregar o Evangelho (Jo 20.22). As referências ao Espírito na primeira carta de João não diferem muito de seu evangelho. O Espírito dado às pessoas cria uma consciência de que o Pai vive em nós através do Filho (1Jo 3.24; 4.13). E como somos capazes de reconhecer o Espírito de Deus? Nós O conhecemos pelo reconhecimento de que Jesus Cristo veio de Deus em forma humana: ouvimos a Deus (1Jo 4.2, 6).

 

Podemos dizer, sobre a espiritualidade, que onde há comunidade, há vida e comunicação. E que a comunicação é, ela própria, Espírito ou então resistência ao Espírito. Da mesma maneira, inversamente, ou o Espírito é comunicação, ou então subverte a comunicação. A comunicação é a realidade da relação de uns com os outros e com o futuro. É pela comunicação que temos um mundo e nos encontremos nele. Assim, a missão das comunidades de fé é permanente comunicação no Espírito. 

 

É interessante ver que o Espírito esteve presente no ministério de Jesus desde o início. Ou como diz Mateus, "o céu se abriu, e Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre ele". (3.16). É, o batismo de Jesus foi um evento trinitário: o Pai revelou o Filho, de quem se agrada, e o Espírito Santo desceu sobre ele na forma de uma pomba (Mt 3.16,17; Mc 1.10; Lc 3.22). E tal presença chegou a cada um de nós. O Novo Testamento enfatiza o derramamento do Espírito, seus dons, sua obra, inspiração, comunhão e habitação nos corações dos cristãos. 

 

A fórmula batismal trinitária, mostrada na conclusão do evangelho de Mateus, enfatiza essa mesma idéia (Mt 28.19). Nas cartas, Paulo e Pedro ensinaram o princípio trinitariano, tanto no início como na conclusão de suas cartas (2Co 13.13; Ef 1.2-11; 1Pe 1.1-3). 

 

Além dos relatos do nascimento, batismo e tentação de Jesus, há poucas alusões ao Espírito nos evangelhos de Mateus e Marcos. Comparativamente, o de Lucas está repleto de passagens que falam sobre o Espírito. Mateus e Lucas relatam a concepção de Jesus como obra do Espírito Santo (Mt 1.18, 20; Lc 1.35). João Batista disse ao povo que ele batizaria com água, mas Jesus os batizaria com o Espírito Santo (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16). Antes do Cristo iniciar seu ministério, o Espírito o levou ao deserto para ser tentado pelo diabo (Mt 4.1; Mc 1.12; Lc 4.1).

 

O ministério de Jesus é paradigmático da vida cristã. Entramos para a comunidade de fé pelo Espírito e pelo batismo. Assim, em cada vida, Espírito e batismo são eventos históricos, que marcam e demarcam a caminhada cristã, que é a liberdade em Cristo. O que as pessoas vão fazer com essa liberdade construirá a história de suas vidas e de suas comunidades de fé. E é assim que o Espírito se faz presente, como liberdade do Cristo que vive em comunidades historicamente efetivas.

 

Mas além de ser a liberdade, o Espírito é defensor. Aquele que convence os errados de suas culpas, defende os acusados e julga com misericórdia. A vida humana pode ser negada e, por isso, para ser realmente vivida tem de ser afirmada. Vida negada e recusada é morte. Vida aceita e afirmada é felicidade. É o Espírito da verdade quem convence o universo de seu pecado, que corrige o universo injusto e que transforma as pessoas, de escravos e vítimas do erro em servos alforriados pela graça de Deus.

 

Com efeito, se olharmos a prodigiosa atividade do Espírito em Atos dos Apóstolos, será fácil entender o Espírito Defensor dos fiéis e da comunidade neotestamentária, que se por um lado produzia unidade, por outro trabalhava a diferença e diversidade das pessoas.

 

Nesse sentido, a autoridade defensora do Espírito interveio nos momentos difíceis quando a vida de pessoas estava sob risco, quando a perseguição crescia ou quando se fazia necessário proclamar o Verbo da vida. Foi esse Espírito defensor que revelou às igrejas apostólicas o mistério da encarnação do Filho de Deus, em conformidade com o ensino dos profetas e do evangelho.

 

Mas, quando se fez necessário morrer pela proclamação do Verbo da vida, o Espírito Defensor se fez Consolador preenchendo a fraqueza humana de coragem e fidelidade.

 

É este Espírito Defensor que possibilita o encontro das diferentes experiências de vida, assim como a comunhão da diversidade que Ele próprio cria e administra em cada um de nós. E é Ele quem nos encoraja à esperança. O Espírito da unidade e da diversidade não cessa de atuar entre os cristãos, mesmo quando distantes e aparentemente separados.

 

Se ele defende, também possui. Ou como disse Paulo: “Certamente vocês sabem que são o templo de Deus e que o Espírito Santo vive em vocês”. 1Coríntios 3.16. Possui quem: nós! Por isso, falar sobre o Espírito Santo é falar sobre nós, pois só Ele pode mostrar quem de fato somos. Assim, o que somos é compreendido quando o Espírito atua em nossas vidas.


A criação, a providência e a salvação são obras de Deus. Mas, existe também uma obra subjetiva de Deus, que é a aplicação de sua salvação na vida das pessoas. E é aqui que entra o Espírito, pois esta obra é feita de dentro para fora no ser humano.

 

“Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. O Espírito Santo examina tudo, até mesmo os planos mais profundos e escondidos de Deus. Quanto ao ser humano, somente o espírito que está nele é que conhece tudo a respeito dele. E, quanto a Deus, somente o seu Espírito conhece tudo a respeito dele”. 1Co 2.10-11.

 

Num exercício teológico, podemos dizer que o Pai, para nós, aparece nas obras da criação e da providência, o Filho aparece na obra de redenção da humanidade e o Espírito aplica essa obra redentora às pessoas, tornando real a salvação. Na realidade, o Espírito é a Pessoa da Trindade que se torna pessoal para aquele que crê. O Espírito é a pessoa específica da Trindade por meio de quem a Trindade atua em nós.

 

Embora tal compreensão da ação do Espírito seja importante, ela é um pouco difícil, pois nas Escrituras temos menos revelações explícitas acerca do Espírito do que encontramos sobre o Pai e o Filho. Mas, teologicamente, podemos ampliar a compreensão do Espírito ao dizer que Ele sopra sobre e através das vidas. Ele é a liberdade da historia universal e particular das brasilidades, a espontaneidade da realidade, a beleza da criação cósmica e criador da vida nova das comunidades de fé.

 

E quando falamos que Ele é a espontaneidade da realidade, estamos dizendo que o Espírito é paradoxal. Exemplo disso foi o derramamento do Espírito no dia de Pentecostes, que se apresentou como gênese e escathon. Foi o fim da aliança anterior e o surgimento de uma nova. É o fim de uma era e o início de uma nova. O que era escrito nas pedras da lei agora seria, pelo Espírito, escrito nos corações. As comunidades de fé deixavam de estar restritas a uma raça.

 

No Pentecostes, ao citar o profeta Joel, Pedro deixa claro: o escathon começou. A compreensão de que o Pentecostes marca o tempo do fim traz para nós duas lições: a primeira, é que somos chamados à vigilância, pois o fim se abrevia. A segunda, é que devemos fazer a crítica daqueles que pensam poder apresentar os tempos e as épocas que Deus reservou para si. 

 

É interessante observar que Lucas (Atos 1.4) diz que os discípulos deveriam esperar o tempo da promessa em Jerusalém. Depois (Atos 2.2) fala que de repente o Espírito se fez presente. Eles esperavam, mas não sabiam quando. Eles tinham certeza, mas não sabiam a hora. O Espírito é a espontaneidade da realidade. Ele vem quando e da forma que não esperamos. Quem anda com o Espírito aprende a estar preparado para surpresas. É certo que Ele não falha nas promessas, mas não faz como e quando esperamos.


Quando o Espírito vem ninguém a todos controla. Aquela hora do Pentecostes ninguém escolheu. Mas ninguém estava sem controle. O Espírito controlava a todos. Era conforme o Espírito queria. Ser cheio do Espírito não é ser avião sem piloto. Ser cheio do Espírito é ser conduzido por sua soberania. Eis o paradoxo de Espírito.

 

“Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucura para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual”. 1Coríntios 2.14.

 

O Espírito é cósmico, ou seja, é missionário. Vejam as palavras de Lucas: “Essas notícias chegaram à igreja de Jerusalém, que resolveu mandar Barnabé para Antioquia. (...) Barnabé era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. E muitos se converteram ao Senhor”. Atos 11.22 e 24.

 

Atos dos Apóstolos é um livro sobre a prática de missões sob o comando do Espírito Santo. Por isso, o livro de Atos é único em seu estilo no Novo Testamento, porque revela o Espírito como missionário. E se o Espírito é missionário, o que lemos em Atos é a consequência natural da história de uma comunidade que é formada como igreja missionária. A relação Espírito/ comunidade é a chave do sucesso em Atos. 

 

Lucas deixa claro que o Espírito é quem comanda a igreja em sua missão. O Espírito é Deus soberano. Ele conduziu em triunfo a jovem comunidade cristã em sua missão de comunicar. E o mesmo Espírito quer hoje conduzir nossas comunidades na tarefa missionária. Afinal, é o Espírito quem vocaciona, capacita e dirige os chamados para a missão.

 

“Naquele tempo alguns profetas foram de Jerusalém para Antioquia. Um deles, chamado Ágabo, levantou-se e, pelo poder do Espírito Santo, anunciou: Haverá uma grande falta de alimentos no universo inteiro. Isso aconteceu quando Cláudio era o Imperador romano”. Atos 11.27-28.

 

Mas qual a relação entre Espírito cósmico e missão? Seguindo Irineu, podemos dizer que Deus pela Palavra deu existência ao universo, mas foi pelo Espírito que Ele transforma o existente em cosmo, todo ordenado, com sentido, com ordem de adequação e adaptação.


Comunicar é semear. Por isso, Jesus disse: “Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Auxiliador, o Espírito da verdade, para ficar com vocês para sempre. O universo não pode receber esse Espírito porque não o pode ver, nem conhecer. Mas vocês o conhecem porque ele está com vocês e viverá em vocês”. João 14.16-17.

 

Para a comunidade de fé, a unidade só é válida na variedade: nunca na uniformidade. A aceitação das pessoas com suas diferenças e particularidades, e aqui devemos falar de afrobrasileiros, brasilíndios e neobrasileiros, é uma condição indispensável para a saúde da comunidade cristã. Por isso, há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito (1Co 12.4). Assim, o amor unifica as diferentes expressões do frutificar no Espírito e a liberdade no Espírito possibilita a expressão dos diferentes dons.

 

Os dons do Espírito são evidências na comunidade porque a Palavra do Senhor é a mesma ontem e hoje, pois "passarão os céus e a terra, mas, as minhas palavras não haverão de passar" Mateus 24.35. Sabemos que "o Espírito Santo opera todas essa coisas, repartindo particularmente a cada um como quer" (1Co 12.11) e que a "manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil" (1Co. 12.7). 

 

Os dons do Espírito são os meios através dos quais os membros do corpo do Cristo, a comunidade de fé, somos capacitados, habilitados e equipados para podermos realizar com autoridade e poder, a obra de Deus.


Em 1Co 12.1, o apóstolo Paulo diz: "a respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes". E assim somos exortados a viver os dons do Espírito, sem os quais a comunidade, ao invés de ser um organismo vivo, cheio de graça e de unção, passaria a ser uma organização social ou apenas religiosa.


Sim, todos os dons permanecem em sua integridade ou, como diz Paulo em 1Co 12.4 "ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo". Isto é, aquele Espírito que deu e repartiu, é o mesmo que dá e reparte hoje, a cada um, como quer, para a edificação do corpo do Cristo que é a Igreja do Senhor.


Às vezes, porém, fazemos confusão entre os dons do Espírito e o fruto do Espírito, que se expressa através de características indispensáveis à vida cristã. O cristão tem que frutificar e manifestar as características do fruto do Espírito: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão e temperança. Gl 5.22. Esse fruto do Espírito molda o caráter da pessoa no padrão do caráter do Cristo, enquanto os dons são capacitações especiais que o Espírito concede aos fiéis, para com poder, graça e unção, realizar a obra do Senhor.


A Palavra de Deus ensina: "segui o amor e buscai com zelo os dons espirituais" (1Co. 14.1), mas, também, a reavivar o dom de Deus que está em nós (2Tm 1.6).  E por que isso? Porque os dons são palavras de conhecimento, de sabedoria e discernimento, unção para curar, para realizar milagres, e fé. É, ainda, capacitação para falar em línguas, para interpretá-las e para profetizar.

 

Jesus disse: “Porém, quando o Espírito da verdade vier, ele ensinará toda a verdade a vocês. O Espírito não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouviu e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer. Ele vai ficar sabendo o que tenho para dizer, e dirá a vocês, e assim ele trará glória para mim”. João 16.13-14.

 

Os dons espirituais são necessários à vida e ao ministério dos que exercem a liderança na comunidade de fé. São a sabedoria, o conhecimento e o discernimento. Falar com sabedoria, ter conhecimento e discernir a origem de idéias, propostas e ações possibilitam ao fiel comunicar, liderar com humildade e harmonia, e saber escolher o que é melhor para a comunidade. 

 

Em Atos 4.13 lemos que os líderes judeus ficaram admirados com a coragem de Pedro e de João, pois sabiam que eram homens simples e sem instrução. Admiraram-se de que?  Com as palavras sábias apresentadas através da inspiração do Espírito.


Ninguém é detentor de todos os dons do Espírito, mas cada um recebe o dom, da forma como o Espírito quer. O Espírito é quem reparte. A exortação da Palavra é que busquemos os dons e o façamos com equilíbrio, zelo, sem impedir que o Espírito possa fluir. Em 1Co 12.7 lemos: "a cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito para o proveito comum", isto é, para a alegria da comunidade. 

 

Ah! Como o Espírito é inspirador! Ou, retornemos a Paulo: “Quem fala em línguas estranhas fala a Deus e não às pessoas, pois ninguém o entende. Pelo poder do Espírito Santo ele diz verdades secretas. Porém quem anuncia a mensagem de Deus fala para as pessoas, ajudando-as e dando-lhes coragem e consolo. Quem fala em línguas estranhas ajuda somente a si mesmo, mas quem anuncia a mensagem de Deus ajuda a igreja toda”. 1Coríntios 14.2-4.

 

Quem fala com Deus sem usar as palavras em português, ou no seu idioma pátrio, edifica-se a si mesmo (1Co 14.2-4,14). Ora, segundo o apóstolo, as línguas podem ser humanas (At 2.4-6), ou desconhecidas aqui na terra (1Co 13.1). Os cristãos de Corinto deram muita importância do dom de línguas, em razão disso Paulo argumenta que: 

 

a) a profecia, por que é comunicação, é mais importante para a comunidade porque exorta, edifica e consola: dela todos se beneficiam. Os fiéis não devem pensar apenas na sua edificação.

 

b) para que os benefícios se estendam ao maior número de pessoas na comunidade, aquele que fala em línguas, deve pedir ao Espírito para receber o dom de interpretação (1Co 14.13). Em nenhum momento Paulo desprezou o dom da variedade de línguas. Ao contrário, agradeceu a Deus porque falava em línguas e disse que gostaria que todos também falassem, mas que houvesse mais comunicação do Evangelho. 

 

O que significa isso? Através das Escrituras hebraicas, vemos que o Espírito do Senhor impacta o ser humano, que esse Espírito é experimentado como uma força transcendente que se põe em movimento, para criar ou derrubar, pessoas e comunidades. Se na tradição narrativa de Israel, o Espírito era poder de Deus que atuava sobre e através das lideranças carismáticas de Israel, hoje, em nossas comunidades de fé, o falar em línguas é processo da misericórdia de Deus para pobres e excluídos, que não têm voz na sociedade, cujas línguas estão socialmente mudas. Então, é um desprender-se sob o Espírito que possibilita expressarem o que sentem e experimentam. É uma nova expressão para a experiência da fé, e é expressão pessoal e comunitária.

 

Nesse sentido, o Espírito é amplidão. “A terra era um vazio, sem nenhum ser vivente, e estava coberta por um mar profundo. A escuridão cobria o mar, e o Espírito de Deus se movia por cima da água”. Gênesis 1.2. É o acontecer da presença atuante de Deus, que penetra até o mais íntimo da existência humana. Ele atua como força de vida no ser humano e transforma aqueles que se encontram sob o senhorio do Cristo.

 

O Espírito cria espaço, põe em movimento, leva da estreiteza para a amplidão. Cria o horizonte e nas nossas vidas amplia o horizonte. Na experiência com o Espírito, Deus não é sentido somente como Pessoa da Trindade, mas também como aquele espaço e tempo de liberdade onde o ser humano pode se desenvolver.

 

“Aí eu me ajoelhei aos pés do anjo para adorá-lo, mas ele me disse: Não faça isso! Pois eu sou servo de Deus, assim como são você e os seus irmãos que continuam fiéis à verdade revelada por Jesus. Adore a Deus! Pois a verdade revelada por Jesus é a mensagem que o Espírito entrega aos profetas”. Ap 19.10.

 

Esta é a experiência do Espírito. Um dos nomes de Deus, segundo a religião judaica, é Macom: amplidão. Quando o Espírito é experimentado como essa amplidão aberta à vida, quando os seres humanos vivem no Espírito, Deus é experimentado como um novo tempo de vida.


E, então, o Espírito se torna liberdade em nossas vidas. “Aqui a palavra Senhor quer dizer o Espírito. E onde o Espírito do Senhor está presente, aí existe liberdade”. 2Co 3.17. Vamos repetir: onde está o Espírito há liberdade. Com essa experiência do Espírito, Paulo falou sobre a liberdade cristã. Mas para falar da liberdade no Espírito é necessário começar pela fé.

 

A fé é geralmente entendida como uma concordância formal com a doutrina da igreja ou como uma participação na fé da igreja. Mas a fé que liberta é mais do que isso, é uma fé que nos envolve pessoalmente. A fé que me faz livre é a fé com a qual eu concordo, porque eu a compreendo, não porque seja forçado por hábito ou tradição. A fé pessoal é o início de uma liberdade que renova inteiramente a vida e vence o universo (Jo 16.33).

 

Essa fé é uma experiência que não abandona aqueles que a experimentaram realmente: a liberdade do medo para a confiança, o reviver para uma esperança viva, o amor incondicional à vida.

 

Para a fé cristã, a liberdade não consiste nem na compreensão de uma necessidade histórica, nem na autonomia sobre si próprio e sobre a propriedade, mas sim no ser tocado pela energia de vida do Espírito.

 

Fé significa ser criativo com Deus e no seu Espírito. Crer leva a uma vida criativa e vivificante pelo amor. Crer, por isso, significa ultrapassar os limites da realidade determinada por nosso passado de escravidão, exclusão social e dor e buscar as possibilidades da vida que não se realizaram.  E é essa fé que livra da força do mal, da lei das obras e do poder da morte e leva a uma comunhão com Deus e direta com as pessoas e a comunidade. Essa é a base e o fundamento da liberdade no Espírito. 

 

“O Espírito e a Noiva dizem: Venha! Aquele que ouve isso diga também: Venha! Aquele que tem sede venha. E quem quiser receba de graça da água da vida”. Ap 22.17. 

 

As palavras hebraica e grega para espírito revelam um significado duplo: espírito e vento. Por exemplo, "o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas" (Gn 1.2), e "Deus fez passar um vento sobre a terra, e as águas abaixaram" (Gn 8.1). Jesus disse a Nicodemos: "O que é nascido do Espírito, é espírito... o vento sopra onde quer” (Jo 3.6-8). 

 

Outro significado do termo espírito nos dois idiomas é sopro, respiração, tanto divina como humana (Jó 4.9; 12.10; 2Ts 2.8; Ap 11.11). Nas Bíblias em português, a expressão espírito é escrita com letra maiúscula para referir-se ao Espírito de Deus ou com letra minúscula para indicar o espírito humano. Como os manuscritos antigos não usavam letras maiúsculas, os tradutores e editores, às vezes, têm dificuldade para determinar se o escritor bíblico tinha em mente o espírito de Deus ou o humano. Como exemplo veja as variações de tradução em Atos 19.21. 

 

A imagem da água, que denota limpeza e purificação (Ez 36.25-26; Ef 5.26-27; Hb 10.22), as imagens do óleo e do azeite, que denotam unção (Mt 25.1-13; Ap 3.18) e a imagem do fogo, que denota luz e o consumir da justiça divina (Mt 3.11; At 2.3; Sl 78,14) são também símbolos do Espírito.

 

“De repente, veio do céu um barulho que parecia o de um vento soprando muito forte e esse barulho encheu toda a casa onde estavam sentados. Então todos viram umas coisas parecidas com chamas, e cada pessoa foi tocada por uma dessas línguas. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, de acordo com o poder que o Espírito dava a cada pessoa”. Atos 2.2-4.

 

O Espírito é água que refrigera, limpa e purifica, por isso simboliza o poder de um novo nascimento.

 

O Espírito também é azeite. Nessa simbologia, é um poder que conforta, já que o azeite era utilizado como medicina. Os reis eram ungidos com o azeite perfumado. O perfume da unção usado em Israel tinha uma fórmula, na qual entravam a mirra, a canela, as madeiras aromáticas, a cássia e o azeite de oliva. 

 

Já o fogo sempre esteve ligado à imagem de Deus e sua justiça. No Pentecostes, centelhas de fogo pousaram sobre a cabeça de cada um dos apóstolos e no Apocalipse um lago de fogo está reservado para a morte, para o universo dos mortos e para aqueles que não tiverem seus nomes escritos no Livro da Vida (Ap 20.14-15). A água, o óleo e o fogo são sinais da presença e da justiça de Deus e nos ajudam a compreender o papel do Espírito em nossas vidas, nas comunidades e no universo. “Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo”. Lc 3.16.

 

 

3

 

A ressurreição, a partir das fontes utilizadas por Paulo

Da anástase. Pede-se ser levantado.

 

“Você está falando de bens materiais, de coisa frágil. Se você tem certeza de que esses bens ficarão sempre com você, fique com eles sem partilhar com ninguém. Mas se você não é o senhor absoluto deles, se tudo que você tem depende mais da sorte do que de você mesmo, por que este apego a eles?”. [Menandro, O Misantropo].

 

I. Você vai fazer uma viagem no expresso transiberiano. A viagem leva 15 dias, de Moscou até Pequim. Para passar o tempo você vai ler o Fédon de Platão. Você deve fazer uma leitura teatral, em voz alta, na sua cabine, e ocupar a cada momento o papel das personagens centrais no texto. No dia seguinte, da mesma maneira deve ler O Misantropo de Menandro.

 

Tomando assento no trem. Betty Fuks no seu livro Freud e a Judeidade, a vocação do exílio conta que Freud, um dia depois do sepultamento do pai, sonhou com um cartaz onde estava escrito: “Pede-se fechar os olhos”. Mais tarde, em carta a Fliess, o pai da psicanálise falou dos sentidos subjetivos da frase: “era parte da minha auto-análise, minha reação diante da morte de meu pai, vale dizer, diante da perda mais terrível na vida de um homem”. 

 

Não vou entrar nos detalhes das leituras que o próprio Freud fez da frase que apareceu em seu sonho. Diria ao leitor que vale a pena ler Freud e a Judeidade. Pretendo aqui levantar uma proposta de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. É a partir dessa hermenêutica, que vamos ler trechos do final da primeira carta aos coríntios de Paulo, o pequeno, apóstolo temporão de Jesus. 

 

... Foi sepultado e foi despertado do sono no terceiro dia, de acordo com o escrito”. 

 

A frase acima e a continuação do texto, que veremos no correr dessa reflexão, é uma das mais importantes sobre a egeiro anástasis, duas expressões gregas não substancialmente diferentes, que sintetizam a teologia da anástase, ou seja, da ressurreição dos cristãos do primeiro século. As traduções posteriores, e creio que dificilmente poderiam ser diferentes, criaram um padrão de imagem que dificultam a experiência do ir além. Por isso, fomos obrigados antes da tradução transversa fazer a desconstrução histórico-filosófica da anástase.

 

As leituras da anástasis egeiró remontam a Homero e ao grego antigo e com seus sentidos correlatos axanástasisanhistémi anazaó, que podem ser traduzidas por “ficar de pé”, “ser levantado” e “voltar à vida”, foram fundamentais para a construção do conceito anástase, amplamente utilizado pelas ciências do espírito. Mas é com Platão, na literatura filosófica, que vamos encontrar um debate fundamental para a teologia da anástase, quando apresenta a alma enquanto semelhança do divino e o corpo enquanto semelhança do que é físico e temporário.

 

Platão, em Fédon, num diálogo entre Sócrates e seus amigos defendeu a idéia da imortalidade da alma. Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, mas não teve medo, por crer ser a alma imortal. Para Platão, as almas possuem semelhanças com as formas, que são realidades eternas por trás do mundo físico, natural. Nesse sentido, para Platão, o corpo morre, mas a alma não. Ele parte do padrão cíclico da natureza, frio/ quente/ frio, noite/ dia/ noite. Assim, os mortos despertam numa nova vida depois da morte: caso contrário, a vida desapareceria. 

 

E dirá através de Sócrates em Fédon: “(...) perguntemos a nós mesmos se acreditamos que a morte seja alguma coisa? (...) Que não será senão a separação entre a alma e o corpo? Morrer, então, consistirá em apartar-se da alma o corpo, ficando este reduzido a si mesmo e, por outro lado, em libertar-se do corpo a alma e isolar-se em si mesma? Ou será a morte outra coisa? (...) Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o que nos propomos investigar. És de opinião que seja próprio do filósofo esforçar-se para a aquisição dos pretensos prazeres, tal como comer e beber?” 

 

II. Na sequência da viagem, você deve ler o texto grego da 1ª. Carta de Paulo aos Coríntios, capítulo 15. Caso tenha dificuldades com o idioma do Novo Testamento, com a ajuda de um bom dicionário de teologia do Novo Testamento, analise os conceitos anástasis egeiró que se apresentam no texto.

 

Chegando à Novosibirsk. Paulo conhecia a discussão filosófica grega acerca da anástase, já que isso se evidencia em seus escritos, principalmente no trecho que estamos analisando, mas é certo que construiu seu conceito também levando em conta a tradição judaica, acrescentando novidades ao debate teológico. Existem referências ao ser trazido de volta à vida nas escrituras hebraico-judaicas. Mas a preocupação judaica era existencial, mais do que remeter a um futuro distante, embora tais leituras estejam presentes na teologia de alguns profetas, as histórias de anástase relacionadas aos profetas Elias e Eliseu falam do aqui e agora. Aliás, este último, mesmo de depois de morto, trouxe à vida um defunto que foi jogado sobre sua ossada. Ao tocar os ossos de Eliseu, o morto ficou vivo de novo e se levantou. Esse caminho será a novidade da compreensão cristã/ helênica da anástase.

 

Somos arautos de que o ungido foi levantado do meio dos mortos: como alguns podem dizer que não há o ser erguido dos mortos? E, se não há o despertar do sono da morte, também o ungido não foi levantado. E se o ungido não foi levantado, é inútil o que falamos e também inútil a nossa crença. Somos então testemunhas falsas, porque anunciamos que Deus ergueu o ungido. Mas se ele não foi levantado, os mortos também não são erguidos. E se os mortos não são erguidos, o ungido também não o foi. E, se o ungido não foi erguido, a nossa crença é inútil e vocês continuam a vagar sem destino. E os que foram colocados para dormir no ungido estão destruídos”. 

 

Outras fontes de Paulo foram o profeta Daniel e a literatura intertestamentária, que trabalham com a idéia de “despertar subitamente do sono”. Os elementos novos da compreensão paulina da anástase, porém, já aparecem delineados no profeta Daniel: “Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente”. Paulo, porém, acrescentará uma leitura existencial à compreensão de Daniel, dirá que a morte, o maior de todos os odiados pela espécie humana, será privada de força.

 

Caso o ungido só sirva para esta vida, somos as pessoas mais dignas de lástima. Mas o ungido foi levantado dentre os mortos e foi o primeiro fruto dos que foram colocados para dormir. Porque se a morte chegou pela humanidade, também o ungido dará à luz nova vida. Como morre a espécie, no ungido ela recebe vida. E isso acontece numa ordem: o ungido é o primeiro fruto, depois os que pertencem ao ungido, quando ele aparecer. E veremos o limite, quando o ungido entregar o reino a Deus e Pai, e tornar inoperante o império, os poderes e os exércitos. Convém que seja rei até derrubar os odiados por terra. O último odiado a ser privado de força é a morte, porque o resto já foi colocado debaixo de seus pés”. 

 

É interessante que Paulo em seu texto sobre a anástase cita o filósofo, dramaturgo e poeta grego Menandro (342-291 a.C.), que num verso disse: “as más companhias corrompem os bons costumes”. Paulus gostava de teatro e de comédias. E voltando ao Misantropo: “insisto que, enquanto você é dono deles, você deve usá-los como um homem de bem, ajudando os outros, fazendo felizes tantas pessoas quantas você puder! Isto é que não morre, e se um dia você for golpeado pela má sorte você receberá de volta o mesmo que tiver dado. Um amigo certo é muito melhor que riquezas incertas, que você mantém enterradas”.

 

Que Paulo recorreu à tradição hebraico-judaica fica claro quando cita o profeta Oséias literalmente: “eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte? Onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está ó morte a tua destruição?”. Mas há uma correlação entre Platão e a tradição hebraico-judaica, que pode ser lida nesta carta de Paulus. Isto porque, como afirma Fuks, o leitor desconstrói, pois ler não é repetir o texto: é um modo de transformação e de criação. Por isso, digo que ler é um ato de anástase. E Paulo trabalhou de forma brilhante o termo, tanto nas suas leituras e estudos, como na reconstrução do próprio conceito.

 

Que farão os que se batizam pelos mortos, se os mortos não são chamados de volta à vida? Por que se batizam então pelos mortos? Por que estamos a cada hora em perigo? Protesto contra a morte de cada dia. Eu me glorio por vocês, no ungido Iesous a quem pertencemos. Combati em Éfeso contra animais ferozes, mas o que significa isso, se os mortos não podem ressurgir? Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos. Mas não vamos nos enganar: as más companhias corrompem os bons costumes”.

 

Na sequência da tradição hebraico-judaica, ou como diz Fuks, “os antigos hebreus não estavam trabalhados, como nós, pela necessidade de abstração, de síntese e de precisão na análise conceitual do real, herança dos gregos”, Paulo está preocupado com o corpo, com a vida.

 

Mas alguém pode perguntar: como os mortos são trazidos à vida? E com que corpo? Estúpido! O que se semeia não tem vida, está morto. E, quando se semeia, não é semeado o corpo que há de nascer, mas o grão, como de trigo ou qualquer outra semente. Deus dá o corpo como quiser, e a cada semente o corpo que deve ter. Nem toda a carne é uma mesma carne, há carne humana, de animais terrestres, de peixes, de aves. E há corpos celestes e corpos terrestres, uma é a dignidade dos celestes e outra a dos terrestres. Diferente é o esplendor do sol do esplendor da lua e das estrelas. Porque uma estrela difere em brilho de outra estrela. Assim também o ser levantado dentre os mortos. Semeia-se o corpo perecível; levantará sem corrupção. Semeia-se na desgraça, será levantado em excelência. Semeia-se em debilidade, será erguido vigoroso. Semeia-se corpo controlado pela psique, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo controlado pela psique, também há corpo espiritual”. 

 

III. Ulan–Baator ficou para trás. Aproveitando seu tempo livre, depois de ter visitado o Parque Nacional de Terelj em Ulan-Baator, você vai correlacionar a presença do pensamento grego e platônico na construção da teologia da anástase/egeiro a partir dos três textos lidos.

 

O trem corre, as paisagens também. Para Paulo, anástase leva à uma teologia da vida que nasce do corpo. Mas, não é simplesmente ter de volta a vida do corpo material, tanto que em certo momento Paulo diz que “deveremos ser a imagem do homem do céu”.

 

Assim também está escrito: o primeiro ser humano, terrestre, foi feito ser-que-deseja, o futuro humano será um espírito-cheio-de-vida. Mas o que não é espiritual vem primeiro, é o natural, depois vem o espiritual. O primeiro ser humano, da terra, é terreno; o segundo humano, a quem pertencemos, é celestial. Como é o da terra, assim são os terrestres. E como é o celeste, assim são os celestiais. E, como somos a imagem do terreno, assim seremos também a imagem do celestial”. 

 

Mas o pensamento grego, platônico, está presente na anástase paulina, já que a eternidade não é construída em cima da carne e do sangue. Vemos aqui a dualidade entre a realidade física e o mundo das formas. O dualismo metafísico de Paulo admite aqui duas substâncias que regem o ser humano, no mundo natural, a psique, e no mundo pós-anástase, o pneuma. E dois princípios, nesse sentido bem próximo a Platão, o bem e o mal.

 

E agora digo que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a eternidade. Digo um mistério: nem todos vamos adormecer, mas seremos transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, porque a trombeta soará, os mortos serão levantados incorruptíveis, e seremos transformados. Convém que o corrompido seja tornado eterno, e o que é mortal seja tornado imortal. E, quando o que é corruptível se vestir de eternidade, e o que é mortal for transformado em imortal, então será cumprida a palavra que está escrita: a morte foi conquistada definitivamente. Onde está, ó morte, a tua picada? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, a picada da morte é o desviar-se do caminho da honra e da justiça, e a força do erro é a lei. Mas a alegria que Deus dá é a vitória por Iesous, o ungido, a quem pertencemos. Sejam firmes e persistentes, abundantes no serviço daquele a quem pertencemos, conscientes de que o trabalho árduo e duro não é desprezado por aquele a quem pertencemos”.

 

IV. Chegamos a Pequim. Agora, ao desembarcar do trem, com os textos utilizados em mãos, analise o conceito anástase no capítulo 15 da primeira carta aos coríntios, tomando como ponto de partida o desafio e a afirmação de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. E considere se, no referido texto, Paulo traduziu – e se traduziu, como? -- o desejo grego/ judaico/ cristão, humano, da anástase: “Pede-se ser levantado”. 

 

Ah! Esqueci de dizer: a viagem não acaba, mas é você quem decide como viajar.

 

Referências bibliográficas sugeridas

Barbara Aland e outros (editores), The Greek New Testament, Stuttgart, Deutsche Bibelgesellschaft, 1994.

Betty B. Fuks, Freud e a Judeidade, a vocação do exílio, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000 (pp. 127-133).

Menandro, O misantropo. Site: Oficina de teatro. WEB: www.oficinadeteatro.com 

Platão, Fédon, Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1987.

 


Montpellier, 4 de outubro de 2020.

Pr. Jorge Pinheiro

Missionário da Cruz Huguenote na França




As teologias do apóstolo Paulo na Segunda Carta aos Coríntios

Segunda carta de Paulo aos Coríntios

Pr. Jorge Pinheiro 

 

Fonte: Karina Garcia Coleta, Segunda Carta aos CoríntiosTheologica Latino-americana digital, (http://theologicalatinoamericana.com/?p=1803), Belo Horizonte, Brasil.

 

 

As teologias do apóstolo Paulo na segunda carta aos coríntios

 

1. Teologia do apostolado

 

Paulo apresenta na 2a. carta aos Coríntios o rascunho de uma teologia do apostolado -- de forma suave em 2.14-7.4, e depois de maneira mais incisiva nos capítulos 10–13.

 

Neste rascunho de uma teologia do apostolado, ele realça a questão do serviço, fazendo o contraste entre a fraqueza humana e o poder de Deus. Apresenta as circunstâncias que envolvem a identidade apostólica: os sofrimentos enfrentados, a oposição contínua e a pressão interna sofrida em função do cuidado com as comunidades.

 

A teologia do apostolado leva à questão da relação entre sofrimento e glória, que tem por base a Cristologia e a Escatologia paulinas. Assim, diz que seu sofrimento não é algo que deponha contra a legitimidade apostólica, antes evidencia a manifestação do poder de Deus em seu ministério (conforme 2 Co 12.10).

 

2. Teologia da consolação 

 

A partir daí, ele apresenta na carta uma teologia da consolação. E faz isso, ao expor seus sofrimentos, originários de fontes diferentes, mais principalmente de seus opositores. E mostra como responde a eles por meio do consolo divino. Além disto, demonstra que o sofrimento não o desautoriza como apóstolo, é a plataforma que evidencia o poder de Deus.

 

A teologia da consolação pode ser sintetizada a partir das três dimensões: teológica, cristológica e soteriológica. 

 

(a) O título dado a Deus logo no início da carta é “Deus de toda consolação”. Deus está na origem da consolação diante do sofrimento, mesmo quando a instrumentalidade humana se faça presente. A ação humana que leva à consolação é sempre uma intervenção divina. Deus consola tendo em vista as suas misericórdias em face das aflições a que seus filhos estão sujeitos. O Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo é bendito, e todos os que são por ele consolados também são convidados a bendizê-lo.

 

A teologia da consolação tem sua razão de ser no contexto da aflição, pois esta é a situação que confronta o cristão com sua fraqueza e necessidade do poder de Deus, além de apontar para uma expectativa quanto à consolação definitiva. Portanto, o sofrimento é a circunstância a partir da qual a consolação se destaca, ressaltando a ação divina e não o poder humano na superação dos reveses. A consolação é o contraponto do sofrimento que é parte integrante da existência cristã.

 

A consolação divina não é uma abstração misteriosa, mas ganha concretude nos indicadores que a tornam visível e promovem alívio na dimensão externa ou interna do cristão, conforme ilustra Paulo nos perigos e confrontos que passou. Porém, a consolação não significa apenas o alívio ou cessar imediato da situação aflitiva, mas aponta para a perseverança (conforme 2 Co 1.6).

 

O Deus que consola leva ao princípio da reciprocidade: os que são consolados estão capacitados a levar a consolação aos aflitos. A consolação compartilhada é coerente com o Evangelho que leva cada cristão a viver além de si mesmo, e também contribui para aumentar o número daqueles que louvam a Deus e proclamam seu poder.

 

(b) A dimensão cristológica da teologia da consolação merece destaque pela forma com que Paulo enfrenta os sofrimentos, pois ela oferece um paradigma aos cristãos. A constatação de que o cristão também participa nos sofrimentos de Cristo se conecta à consolação e amplia a perspectiva daquele que sofre. Pois se o sofrimento é uma realidade, a consolação também o é. A compreensão destes dois lados da moeda abre espaço para o entendimento do processo de morte e vida que ocorre na experiência do seguidor de Cristo.

 

Paulo defende a legitimidade de seu apostolado a partir de seus sofrimentos, que não são elementos estranhos ao seu chamado, ao contrário, indicam a presença da ação divina. Paulo sofre as circunstâncias próprias da existência e também do desempenho de seu ministério, mas convida cada cristão a viver na certeza de que a participação na consolação, por meio de Cristo, é tão abundante quanto a participação nos sofrimentos de Cristo. Portanto, da mesma forma que Paulo, cada cristão participa da consolação, assim como do sofrimento.

 

(c) A dimensão soteriológica da teologia da consolação nasce da dimensão cristológica, pois a consolação não tem em mira apenas o sofrimento terreno, mas está situada no arco que compreende o presente e o futuro. O processo de salvação envolve esta tensão escatológica. Paulo se refere tanto à consolação presente quanto à definitiva ao explicitar o efeito que a consolação divina deseja produzir no cristão: perseverança. O horizonte salvífico aponta para a continuidade não obstante o sofrimento, pois onde existe a fraqueza há força. E a despeito aflição, perplexidade, perseguição e ataques sem fim, em Deus não há desespero e nem total destruição. 

 

Refletindo sobre a função da teologia da consolação na Segunda Carta aos Coríntios, percebe-se que essa correspondência se encontra marcada por um movimento de força na fraqueza, perseverança na adversidade. A realidade da consolação é importante na visão paulina da existência cristã, é a partir dela que se compreende o desgaste do ser humano, mas também a nossa renovação no dia a dia (conforme 2 Co 4.16-18). 

 

Em vez de negar sua fraqueza em resposta às acusações de seus oponentes, Paulo desenvolve a teologia da consolação justamente partindo dela, pois são os abatidos que precisam de consolação. O sofrimento não é incompatível com o serviço apostólico nem com a vida cristã.

 

Fonte

A partir do texto de Karina Garcia Coleta, Segunda Carta aos Coríntios, Belo Horizonte, Brasil, que trabalhou com as seguintes referências: 

BARBAGLIO, Giuseppe. 1-2 Coríntios. São Paulo: Paulinas, 1993a.

________________. São Paulo: o homem do evangelho. Petrópolis: Vozes, 1993b.

CINEIRA, D. Álvarez. Los adversários paulinos en 2 Corintios. Estudio Agustiniano, v.32, p.249-274, 2002.

DUNN, James. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.

FURNISH, Victor. II Corinthians. The Anchor Bible. v.32A. New York: Doubleday, 2005.

HAFEMANN, S. J. Cartas aos Coríntios. In: HAWTHORNE et al. (orgs.). Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova; Paulus; Loyola, 2008. p.270-289.

LAMBRECHT, Jan. Second Corinthians. Sacra Pagina Series. v.8. Minnesota: The Liturgical Press, 1999.

MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000.

THRALL, Margaret. The Second Epistle to the Corinthians. The international critical commentary.v.1. New York: T&T Clark International, 2004.

 

 

 

Dados sobre a carta

 

Depois que escreveu 1 Coríntios, Paulo enfrentou uma rebelião na cidade de Éfeso  (cf. Atos 19.23–41). Em consequência -- “conflitos externos, temores internos” -- partiu para a Macedônia (cf. Atos 20.12 Co 2.137.5). Lá escreveu 2 Coríntios, por volta de 55–57 d.C., durante sua terceira viagem missionária. Tito havia trazido notícias de Corinto dizendo que uma carta anterior sua tinha sido bem recebida (cf. 2 Co 7.6–13).

 

A igreja de Corinto fazia progressos na fé, mas Paulo ficou sabendo também que mestres estavam corrompendo as doutrinas cristãs. Tempo depois da visita inicial de Paulo a Corinto e de uma provável segunda visita (cf. 2 Co 1.15–16), Paulo repreendeu irmãos (cf. 2 Co 2.112.21) que saíram de Jerusalém e foram para Corinto. Lá começaram a ensinar que a igreja devia adotar as práticas judaicas. Parte de 2 Coríntios aborda os problemas causados por esses mestres.

 

A carta de Paulo é dirigida àqueles que o apoiavam (cf. 2 Co 1–9), mas também aosque  estavam relutantes em aceitar seus ensinamentos (cf. 2 Co 10–13). O texto de 2 Coríntios revela os quatro propósitos da carta: (1) Expressar gratidão e fortalecer os seus apoiadores; (2) alertá-los de mestres que corrompiam as doutrinas cristãs; (3) defender sua autoridade apostólica (cf. 2 Co 10–13); e (4) incentivar a igreja a fazer uma oferta financeira para os irmãos carentes de Jerusalém (cf. 2 Co 8–9).

 

As cartas de Paulo se concentravam na exposição doutrina cristã, mas parte desta carta enfatiza o relacionamento de Paulo com os membros da igreja de Corinto, seu amor e sua preocupação por eles. Ao longo de 2 Coríntios vemos que ele é um pastor sensível, cuidando do bem-estar dos irmãos. Paulo compartilhou também detalhes de sua vida e escreveu a respeito de seu “espinho na carne” (cf. 2 Co 12.7).

 

Em 2 Coríntios 12.2–4, Paulo diz ser “um homem em Cristo” que foi “arrebatado até o terceiro céu”, onde viu e ouviu coisas impossíveis de descrever. Essa visão completa sua teologia da ressurreição apresentada na carta anterior sobre as glórias do corpo ressuscitado (cf. 1 Co 15.35–44).

 

Montpellier, 16 de outubro de 2020

Pr. Jorge Pinheiro

Missionário da Cruz Huguente na França




 

 

 

dimanche 11 octobre 2020

Le sermon sur le feu

Le sermon sur le feu
Pour penser ce moment du pandemie
Pasteur Jorge Pinheiro


Ouverture


Genèse 19:15 

« Des l’aube, les anges insistèrent auprès de Lot en disant: Lève-toi, prends ta femme et tes deux filles qui se trouvent ici, sinon tu disparaîtras dans la punition qui s’abattra sur la ville ».

L’histoire de la destruction de Sodome e Gomorrhe nous présente deux archétypes de notre humanité. Nous sommes au même temps, Lot et sa femme, au bien dire de notre vie excessivement matérialiste.

La délivrance de Lot vient répondre à la prière d’Abraham au chapitre précédent, quand il dit : « Vas-tu vraiment supprimer le juste avec le coupable » Genèse. 18.23. Et après, « Peut-être là s’en trouver-t-il dix ! ». Et Dieu à répond : « Je ne détruirai pas à cause de ces dix ». Genèse 18.32. 

Celui-ci avait cru que pour sauver les personnes qu’il aimait il était nécessaire que Sodome soit épargnée de la destruction. Or Dieu ne répond pas toujours de la manière que nous avions pensé. Mais il répond.

Le pasteur anglais du XIXe siècle, Charles Spurgeon, a prêché un sermon connu sous le nom de « À précipiter Lot », basé sur le texte de Genèse 19:15:

“ Des l’aube, les anges insistèrent auprès de Lot en disant: Lève-toi, prends ta femme et tes deux filles qui se trouvent ici, sinon tu disparaîtras dans la punition qui s’abattra sur la ville ”.

Ces anges ont dit à Lot très distinctement ce qui allait se passer à Sodome. Ils n'ont pas mâché la question, mais a révélé ce que son destin devait être. La ville devait être détruite, et il doit en sortir, ou sinon il serait aussi détruit.

Après que ces anges eurent dit à Lot la vérité sur son péril, ils ne se contentèrent pas du faire, mais a commencé à presser et l'exhortant à fuir hors de la ville condamnée: 

« Les anges ont hâte Lot »

Et quand hâter ne paraissait pas suffisant pour le convaincre, ils lui imposèrent les mains, ainsi qu'à sa femme, et sur ses filles.

Hélas ! Comme tous nous dans notre moderne société, le cœur de Lot s’est profondément attaché à tout ce qu’il doit maintenant laisser derrière lui. Il tarde à partir. Les anges sont obligés de l’entraîner de force avec sa femme et ses deux filles. Chers rachetés du Seigneur, posons-nous la question : S’il nous fallait partir cette nuit tout rapidement pour une autre ville, serait-ce avec joie ? Ou bien aurions-nous comme Lot du regret à quitter toutes les choses d’ici-bas auxquelles nos cœurs son attachés ?

Lot épargné avec sa famille. Dès l’aube du jour. Toutes les scènes précédentes s’étaient passées durant la nuit. Qui se trouvent ici. Ces mots opposent la femme et les filles de Lot, qui sont, avec lui dans la maison, à ses gendres qui n’ont pas voulu s’y rendre pour échapper avec lui.



I. La ville qui va brûler


Et quoi fait la ville bruler ? Prêt être nous pouvons dire son matérialisme, sa faute de l’hospitalité, sa violence contre les personnes, contre les étrangers, contre les différents. C’est tout comme ça. C’est l’image de notre monde, de notre humanité violente et de ségrégation permanente. 

Le personne du foi doit être hâtif par rapport à ce qui est le mieux pour sa famille, se détourner de la folie du temps présent et faire le chemin de l'obéissance au Seigneur. Et les gens commun qui ne connaissent pas Dieu doivent entendre parler du danger imminent de cette société violente et ségrégative et de la nécessité de prendre une décision à côté de la vie.

De même, nous devons aussi avertir les personnes de leur danger. Et nous ne devons pas à tous broncher, même si nous devons prononcer des mots qui ont un son très dur à leur sujet, car l'amour et la paix ne faisons pas se manifester par des mensonges, mais en parlant la vérité réel qui peut changer les cœurs.

Et si, mon frère, ma sœur, toi et moi, nous nous sommes sauvés, nous voulons être le moyen de sauver les autres, nous ne devons pas simplement leur raconter la vieille, vieille histoire, cependant simplement, et sincèrement, et souvent nous le disons; mais nous devons venir à lutter avec eux.

Nous devons plaider avec eux, nous devons pleurer sur eux, et nous devons décidez-nous que si nous ne pouvons pas briser leur cœur, nous briserons le nôtre. Et si nous ne pouvons pas les obtenir changer Sodome, en tout cas ce ne sera pas parce que nous n'avons pas travaillé de toutes nos forces pour changer la cruelle réalité et les donner des nouveaux cœurs. 

Oh, afin que nous puissions être aussi clair du sang de tous les personnes que ces anges étaient clairs concernant le destin de notre sœur la femme de Lot! Nous ne pourrons pas les sauver tous. Même les anges ne l'ont pas fait.

La femme de Lot était un archétype, exemple de touts les personnes, qui périt après la meilleure instruction possible, et les gendres de Lot furent examinés comment, avec quelques hommes, le plaidoyer le plus sérieux ne peut pas aboutir qu'à la moquerie. Oui, chers amis, nous ne pouvons pas demander si certains rejettent notre message d’amour et paix alors que tant de gens ont rejeté l'enseignement du Maître lui-même. Mais nous devons donc le livrer que, en tout cas, s'ils le refusent, la violence et la destruction seront entièrement à leur porte.

Le point spécial dans le ministère des anges est le fait qu'ils ont hâté Lot. Et je vais utiliser ce fait de deux façons. D'abord, je vais essayer de nous montrer que les personnes de foi ont besoin d'être hâtés, car Lot était un homme juste, malgré ses imperfections. Et, d'autre part, que les gens commun qui ne connaissent pas Dieu en particulier besoin hâte hâtive. Nous devons essayer non seulement de prêcher sur ces deux choses, mais de les faire, comme l'Esprit nous aidera.

Certains chrétiens ont besoin d'accélérer même en ce qui concerne les questions communes de la vie chrétienne. C’est normal que beaucoup de nous soyons contemplatives, très accommodats avec les choses qui concernent à la vie sociale. Nous avons professé avoir été converti pendant beaucoup de temps, mais nous n'ayons jamais vis une foi active e participative vers notre société, bien que nous croyons que c'était notre devoir de le faire.

Quand nous l'avons agité peu de choses concernant notre négligence, en général ditons: "Celui qui croit ne doit pas se hâter". C'est une erreur honteuse. Nous prétendons avoir été converti pendant beaucoup de temps, mais nous n'avons pas obéi à l'ordre de notre Sauveur. 

C’est vrai. David a dit « Seigneur, ne me couvre pas de honte ! Je me dépêche de suivre le chemin de tes commandements, car tu as ouvert mon cœur ». Psaume 119.31-32. C'est un texte plus approprié pour tous. Pourquoi, si nous avons une vie active et participative dans la société, nous n’avons pas pu être considérés coupables de toute hâte, après le long temps qui nous avons attendu. Certaines personnes, quand elles sont jeunes, savent qu'elles doivent s'unir eux-mêmes avec l'Église mais aussi répondre aux nécessités du monde, mais ils l'ont remise. Et quand ils vieillissent, ils semblent confirmés en continuant dans une condition qui n'est pas bonne pour un chrétien.

Tous chrétiens ont besoin de se hâter, car ils prennent tellement de temps pour cela. Il me semble que la moitié de la beauté de l'obéissance consiste à obéir au commandement de Dieu à faveur de la vie.

Supposons que nous avons un garçon, et nous lui dites, Jean, je veux que vous alliez faire une course, et il dit, très bien, mon père, je vais va la semaine prochaine. Quel genre de garçon est-il? Supposons qu'il dit: Oui, père, je veux vraiment y aller, mais pas avant demain. N'est-ce pas une désobéissance virtuelle? Appelons cela comme nous pouvons, retarder pour obéir est la désobéissance. Nous a-t-on déjà dit, chers amis, que lorsque nous remettons à plus tard notre devoir, nous commettions d’erreur à la poste?



II. La terre désolée 


Un poète américain d'origine anglaise a écrit sur un monde qui a déjà brûlé. Ses poèmes traduisent l'angoisse prophétique face à la guerre et au drame humain.

"Terre désolée" est l'un des poèmes les plus impressionnants de Thomas S. Eliot. C'est un gémissement face à un monde aride, où les survivants rampent et agonisent. Écrit entre 1921 et 1922, il est considéré comme le poème le plus terrible de la littérature occidentale au XXe siècle.

Mais au milieu du désespoir, nous pouvons voir le sens de la transcendance qui jaillit dans la « terre désolée » de ce chrétien angoissé devant la destinée humaine. À la fin de la troisième partie du poème, intitulée « Le sermon sur le feu », l'extase et la terreur se complètent:

« A Carthage, je suis venu,
Brûler, brûlant, brûlant.
Brûlant, Ô Seigneur Toi qui me voles,
Ô Seigneur toi qui me voles, brûle ».

Eliot dans ses notes dit que le premier verset ci-dessus a été pris des « Confessions » de Saint Augustin, quand le théologien dit: 

« Je suis venu à Carthage,
Où toutes les amours impies,
Comme un chaudron,
Chantaient dans mes oreilles ».

Et le verset suivant fait partie du « Sermon sur le feu » de Bouddha, qui selon Eliot est aussi important pour le monde oriental que le Sermon sur la Montagne pour nous chrétiens. Et il revient aux « Confessions » de Saint Augustin, avec le verset: 

« Ô Seigneur Toi qui me voles ».

Eliot a affirmé que l'insertion de ces deux représentants de l'ascétisme, oriental et occidental, à l'apogée de cette partie du poème n'est pas fortuite, puisqu'à travers une lecture pleine de spiritualité il transmet au lecteur toute l'angoisse devant un monde qui brûle.

Et quoi fait la ville bruler ? Notre matérialisme, notre faute de l’hospitalité, notre violence contre les personnes, contre les étrangers, contre les différents. C’est fait et feras la ville bruler ! 

Combien de fois nous sommes absents ? Je ne peux pas calculer. Si c'est un devoir que nous devons faire à cette heure, encore nous le répétons heure après heure, ne commettons-nous pas autant de fois qu'il y a d'heures où nous retardons? Peut être il serait encore plus juste de dire qu'à chaque instant qu'un clameur de la vie est négligé, il y a une absence au moment même que l'horloge fait tic tac. Certainement, nous persévérons dans une absence qui dure depuis longtemps.

La négligence du devoir est un erreur continu. Laissez cette petite phrase demeurer dans notre mémoire, et laissons-la tomber dans notre cœur. Et nous irrite dans l'obéissance rapide, car il y a certains d'entre nous, qui semblent s'imaginer que quand nous avons pris la décision de faire quelque chose et que nous avons de bonnes intentions, j'ai pratiquement fait la chose, et je n'ai pas besoin de m'en inquiéter davantage. 

Mais ce n'est pas le cas, car celui qui sait faire le bien, et ne le fait pas, en particulier, et au-dessus des autres hommes, c'est l’absence tragique. 

Il y a l’histoire d’un certain prince de Monaco, qui a laissé des instructions que cette inscription devrait être mis sur sa tombe : « Ici se trouve Untel, Prince de Monaco, un homme de bonnes intentions ». C'était tout ce qu'il pouvait dire à propos de lui-même. Il n'avait rien fait, mais il avait l'intention de faire quelque chose. Et c'est l'épitaphe qui va certains d'entre nous doivent être mis à moins que nous ne transformions pas l'intention en action.

Mais qu'est-ce que c'est une confession que nous avons la responsabilité de savoir ce que nous devons faire, mais nous n'avons ni la courage, ni la force pour nous poussons à faire ce que nous aurions dû faire il y a longtemps?

Comme les anges, je me hâtai de laisser Lot, mon frère chrétien, qui tarde à marcher sur le sentier de la vie pleine, d’amour et paix, je nous hâte. Mensonge pas en bas ce matin avec un devoir non libéré si nous pouvons y assister ce matin. Ne repose pas tant qu'il y en a arriérés d'obéissance due à notre Dieu.

Même quand nous avons fait tout notre devoir, nous ne serons plus qu'un serviteur inutile à notre Dieu. Mais que dira-t-on de nous si le précepte après le précepte est négligé? En tout cas, ne soyons pas si idiot que d'imaginer que vouloir obéir c'est la même chose que d'avoir vraiment obéi au commandement de notre Dieu d’aimer le prochain comme a nous même.

Sodome et Gomorrhe sont « réduites en cendres », solennel exemple de ce monde matérialiste, qu’il n’y a pas d’hospitalité, qui est violente contre les personnes, contre les étrangers, contre les différents, conforme nos dit 2Pierre 2.6 : « Il a condamné à la destruction les villes de Sodome et de Gomorrhe en les réduisant en cendres, pour donner à ceux qui se révoltent contre lui un examiné de ce qui leur arrivera ». 

Quant à la femme de Lot, elle aussi demeure dans la Parole comme un monument, un signal, pour nous avertir de ce qu’il en coûte de lier son sort à un monde condamné. Cette femme avait longtemps partagé la vie pleine, mais elle n’en faisait pas partir. Le monde cruel et diabolique était dans son cœur et elle a péri n’en faisait pas partir. Le monde cruel et diabolique était dans son cœur et elle a péri avec lui.



III. Un monde des hommes vides e bourrés


Trois ans plus tard, Eliot lance « Les hommes creux », où, toujours au milieu du monde désolé, il parle d'hommes vides et bourrés. Et c'est ici, dans ce poème, que la transcendance déborde, pointant vers un sens profond du changement.

« Entre le désir et l'étonnement,
Entre le pouvoir et l'existence,
Entre l'essence et la descente,
Tomba l’ombre.
Parce que le vôtre est le royaume,
Parce que le vôtre est
La vie est
Parce que le vôtre est le ».

Et dans une strophe sublime, brillante il complète:

« Ainsi respire le monde
Ainsi respire le monde
Ainsi respire le monde
Pas avec une explosion, mais avec un soupir ».

Et pour qu’à ces hommes sont vides et bourrés ? Parce que ils ont choisi le désir, le pouvoir et la descente. C’est pour qu’à tomba l’ombre. Et ainsi respire le monde, pas avec une explosion, mais avec un soupir de désespoir et mort.



En conclusion


Et le livre d’Apocalypse 15.4 nous a dit que ça va changer: 

« Qui peut refuser de te respecter avec confiance et de chanter ta gloire ? Oui, toi seul, tu es saint. Les habitants de tous les pays viendront et ils se mettront à genoux devant toi, parce que tous peuvent voir tes actions justes ».

Recevons le Christ. Recevons le Christ maintenant, par un simple acte de foi, et il nous donnera la force et la grâce de combattre avec nos absences, et de faire nous chrétiens actives et participatives pour le salut des gens.

Oh, maintenant, maintenant, maintenant, le grand travail peut être fait! Je ne pense pas que nous pouvons entendre cette horloge cocher. Mais quand nous restons à penser, écoutons notre vieille horloge dans le cœur et elle nous dira : « Maintenant, maintenant, maintenant, maintenant ».

J'ai parfois pensé que dans la nuit, j'ai entendu l'horloge dire : « Maintenant ou jamais! Maintenant ou jamais! Maintenant ou jamais! Maintenant ou jamais! Maintenant ou jamais! »

Nous n'avons plus besoin d'écouter les politiques, les professeurs ou même les pasteurs, mais écoutons ce message de l'horloge. Que le Saint-Esprit nous parle à travers cela, et puisions-nous répondre : « Maintenant, même maintenant, je servirai mon Jésus-Christ et je serai dans la pleine joie ».

Que Dieu nous bénisse! Et le Christ nous sauve!

Ce message est pour méditer, mais aussi pour vivre !

Devant une ville qui brûlera, d'un monde qui a déjà brûlé, il y a urgence et espoir. 

« Et comme il tardait, les anges prirent Lot par la main, sa femme et ses filles, et les emmenèrent hors de la ville. »

Amen !