dimanche 7 mars 2021

Evangelicalismo e solidariedade

Poder e virtualidade – leituras a partir de Marramao, Taylor e Tillich

Jorge Pinheiro, PhD

 

 

 

 

Resumo

 

Nesta conversa Jorge Pinheiro, a partir de Marramao, Taylor e Tillich, apresenta tendências que pavimentam o pensamento evangélico, a secularização, o poder político e a virtualidade. E a partir daí analisa como o poder das imagens, que em parte se traduziu como fake news, norteou ações políticas e interferências na sociedade civil. Assim, Jorge Pinheiro confronta a laicidade e pensa uma República evangélica para o país. 

 

 

Abstract

 

In this conversation Jorge Pinheiro, from Marramao, Taylor e Tillich, presents the secularization, politic power and virtuality as an evangelical thought. And from there it analyzes how the imagology guides political actions and interferences in the civil society. It confronts secularity and thinks an evangelical republic for the country.

 

 

 

Um querido amigo, já falecido, Antonio Gouvêa Mendonça, disse que o velho protestantismo está cada vez mais distanciado dos novos movimentos de lastro cristão. Não se pode mais ignorar as significativas diferenças que há entre eles, sob pena de cometer equívocos nos resultados das pesquisas. O pesquisador atual não pode furtar-se ao, às vezes, penoso labor de precisar classificações e conceitos. É preciso que distinga bem, ao estudar qualquer novo movimento religioso, o limite exato em que o velho protestantismo deixa de estar presente. Quando seus princípios básicos de liberdade – a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame e o sacerdócio universal dos crentes – não estiverem presentes ou se apresentarem obscurecidos por outras práticas religiosas, não há mais protestantismo”.

 

Para início de conversa

 

Quando o fenômeno evangélico explodiu no Brasil, a partir dos anos 1950, a academia encontrava-se desarmada para analisar e entender o que estava a acontecer. Isto porque suas bases situavam-se no século dezenove e primeiras décadas do século vinte É verdade que grandes processos de revolução religiosa já tinham acontecido no mundo moderno, a começar pela Reforma na Europa, com seus desdobramentos continentais nos Estados Unidos.

 

Conhecemos as dificuldades e limitações de Marx para entender o fenômeno religioso como criador e fundante de contextos e novas relações dentro de determinada sociedade. Durkheim embora tenha caminhado no sentido de entender estruturalmente o fenômeno religioso, construindo conceitos e parâmetros a partir das religiões antigas, ditas primitivas, e não monoteístas, formatou leituras que até hoje são recitadas como compreensões definitivas sobre o fenômeno religioso, as estruturas dessas instituições e a relação entre líderes e fiéis.

 

Depois que o marxismo congelado pela burocracia estalinista entrou em crise, fato notório nas universidades europeias, Weber foi tirado do ostracismo e passou a ser reconhecido, assim como todo o historicismo alemão. Ora, se partimos daqueles que influenciaram o historicismo de Weber, em especial Ritschl e Troeltsch, vemos que eles consideravam o fenômeno religioso que estudavam como típico ao Ocidente e, mais ainda, europeu. Dessa maneira, Weber entendeu o calvinismo como base para a expansão do capitalismo nos Estados Unidos, principalmente.

 

Assim, o que poderia fazer a academia brasileira diante da explosão do fenômeno evangélico no Brasil a partir dos anos 1950? Ora, voltar aos pais da sociologia. E assim foi. E a explosão d a religiosidade evangélica passou a ser analisada como efeito de causas como a migração, a urbanização e a ruptura com a estrutura agrária e patriarcal.

 

Mas, com o esfacelamento daquele marxismo que desabou com o muro de Berlim, nos anos 1980, e com o boom neoliberal que varreu o mundo, a academia trouxe o neoliberalismo travestido de espírito crítico para dentro da casa e passou a ver o fenômeno evangélico no Brasil apenas como um subproduto do mercado capitalista.

 

Donde, as idéias de mercado e seus componentes se transformaram em conceitos da sociologia e instrumentos de análise para o fenômeno religioso. Vendo dessa maneira o fenômeno evangélico, a academia reduziu o fenômeno, jogou fora todas as experiências anteriores que ajudaram a construir o Ocidente protestante e criou outro conceito, o de trânsito religioso. E tudo que passou a acontecer no Brasil virou trânsito religioso. Mas, e antes em outras regiões do planeta? Foi o trânsito religioso que mudou a cara da Alemanha, dos países nórdicos ou mesmo da Inglaterra e Estados Unidos?

 

Por que lá podemos utilizar o conceito de conversão trabalhado por Weber e por que não aqui? Sabemos, claro que sabemos, que as condições são diferentes. Mas, em relação ao fenômeno evangélico brasileiro duas componentes dificultam a análise: o preconceito diante de algo que impacta e desnorteia o mundo acadêmico e a limitação de suas bases teóricas.

 

Definidos assim os limites necessários, afirmamos a importância de Marx, Durkheim e Weber para todos aqueles que se dedicam ao estudo da religião. Mas, nessa conversa queremos utilizar como referencial três escritos, um de Giacomo Marramao, Potere e secolarizzazione, e outro de Mark C. Taylor, The Moment of Complexity, Emerging Network Culture e um terceiro de Paul Tillich, La dimension religieuse de la culture. Desejamos, dessa maneira, conversar sobre a religiosidade evangélica a partir da virtualidade dos seus fundamentos, e do tempo e presença deste pensamento hoje no Brasil.

 

Em 2006, quando fiz a defesa de minha tese de doutorado, eu disse que meu objetivo era analisar desde um ponto de vista teológico o pensamento democrático solidáriona esquerda brasileira. E parti do teólogo Paul Tillich porque em seus escritos, principalmente na sua fase alemã, ele procurou mostrar que, por sua origem, a democracia solidária tem base religiosa e mais precisamente cristã. Nesse sentido, Tillich apresentou um roteiro e bases teóricas que permitiram tal abordagem teológica da democracia e do solidarismo nos movimento e partidos de trabalhadores.

 

Em A Decisão Socialista, afirmou que o socialismo, que entendemos como democracia social ou democracia solidária, foi um movimento de oposição, mas também de mão dupla, porque se por um lado era um movimento de oposição à sociedade burguesa, por outro, enquanto mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e patriarcais de sociedade. Entender esta raiz da social democracia ajuda a compreender as raízes do pensamento político. Assim, na teologia política de Tillich seu primeiro referencial é o ser.

 

Nesse sentido, podemos dizer que Tillich fez uma fenomenologia política quando analisou questões como o ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, e a partir daí procurou trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político conservador. E é a partir da análise do pensamento conservador que Tillich vai explicar o surgimento da democracia e do socialismo.    

 

Caminhos da religiosidade

 

Uma das questões que nos perguntamos quando pensamos a crescente força da religiosidade evangélica é se, de fato, esta religiosidade outorga sentido às massas urbanas. Na verdade, quando partimos da teologia, entendemos que o ser humano é um ser potencialmente espiritual, e que essa espiritualidade tende a se expressar de diferentes formas de religiosidades. 

 

E essas religiosidades nos grandes centros brasileiros ocupam um espaço privilegiado. Ora, se a espiritualidade é a dimensão da profundidade do espírito humano, na realidade brasileira essa busca, por várias razões, foi e é direcionada ao evangelicalismo. Basta ver que no Brasil urbano a comunidade evangélica cresceu 61,45% em dez anos, conforme dados do IBGE de 2012. Assim, se a população brasileira urbana é religiosa, essa religiosidade foi catalisada pelo permanente processo de evangelização protestante dos últimos cento e cinquenta anos.

 

A espiritualidade traduzida nas religiosidades das cidades da alta modernidade está presente na cultura, na educação, na ética e na política. Por isso, na última década expoentes das comunidades se pronunciaram publicamente sobre questões que antes pertenciam estritamente a esfera civil não-religiosa. 

 

De forma geral, numa leitura teológica judaico-cristã, podemos dizer que espiritualidade é aquela relação da pessoa com a transcendência. Nesse sentido, a espiritualidade é a totalidade da vida. A religião, por sua vez, traduz a dimensão dessa espiritualidade. As experiências humanas com o que é sagrado envolvem escolha, disciplina e prática e levam o ser humano às experiências religiosas, porque a religião traduz o que é sagrado para a vida da pessoa. Dessa forma, a espiritualidade tende a ser traduzida na religiosidade, mas na globalidade de forma mais contundente enquanto fenômeno urbano.

 

Em relação à realidade brasileira percebemos no cristianismo mais diversidade confessional do que religiosa. Oitenta e nove por cento dos brasileiros confessam ser cristãos. Diante dessa espiritualidade podemos dizer que quase todos os brasileiros são cristãos em alguma medida. Tomemos como exemplo a igreja católica, que não pode ser analisada como uma, pois abriga diferentes manifestações de religiosidade. Além dessa pluralidade católica, há centenas de igrejas protestantes e evangélicas que incluem as históricas de migração e missão, as pentecostais históricas e as neopentecostais.

 

No Brasil de hoje podemos falar de uma multidimensionalidade do tempo na cultura. Ora, antes, sem dúvida, o tempo deveria ser distintamente diferente para cristãos e não-cristãos, mas agora com a criação e combinação dos tempos artificiais produzidos pela tecnologia, os ritmos e tempos se interpenetram.

 

Em 1983, o cientista político italiano Giacomo Marramao lançou Potere e secolarizzazione, em que trabalha a controvérsia sobre tempo pagão e tempo cristão e, como consequência, a questão das imagens do mundo e as representações do tempo. 

 

O conceito secularização não é apenas uma metáfora, que expressa o distanciamento progressivo da esfera religiosa enquanto poder, já que seu significado semântico continua em permanente construção. Para Marramao, é impossível reconstruir uma concepção unitária entre esfera religiosa e poder, devido suas polissemias, mas é necessário compreender suas ambivalências estruturais de significado. Assim, o paradoxo maior da secularização mostra-se enquanto conflito igreja versus secularidade, já que a igreja assume um caráter burocrático e a secularidade, cada vez mais, discute, opina e legisla sobre questões religiosas. Ou seja, há uma interseccionalidade de valores. Vemos, então, que a religiosidade evangélica busca institucionalidade e a secularidade cria características religiosas.

 

É de se entender que a secularização, enquanto fenômeno interseccional, possui significado de afirmação e de oposição entre o espiritual e o secular. Dessa maneira, a secularização se apresenta hoje, na alta modernidade sob três formas, o princípio da ação eletiva, o princípio da diferenciação e especialização progressiva, e o princípio da legitimação. E se falamos do princípio da ação eletiva, estamos a falar da emersão progressiva da pessoa na busca do significado do seu "eu" e da "consciência de si mesmo". Por isso, para Marramao, essa busca de sentido da pessoa, comporta um modo cultural particular de estabelecer uma linha demarcatória entre subjetividade e objetividade ... ou seja, de construir a realidade social.

 

Já o princípio da diferenciação e especialização progressiva nos mostra que quando o princípio eletivo se torna afirmativo, a adoção do critério de escolha fica em aberto. Esse critério de escolha está no âmbito da racionalidade instrumental, assim, Marramao dirá que a consequência será uma relação de mão dupla entre secularização e o crescimento da complexidade da vida social.

 

Ou seja, não se pode entender a secularização como um processo simples de dissolução da religião tradicional, mas como uma transformação de sua ordem de valores em diferentes ideologias institucionais. Assim, a secularização é sempre uma transformação. E a diferença entre dissolução e transformação na religiosidade evangélica pode ser vista hoje no Brasil.

 

Mas tal tendência não é novidade no mundo protestante. Marramao viu que dois teólogos protestantes procuraram analisar o processo de secularização e a consequente transformação da igreja protestante no século vinte. Para ele, não foi apenas “radical e profundo o enfoque do problema em Barth e Gogarten, cujo exame das relações entre cristianismo e mundo secularizado deu lugar em duas fases históricas diferentes a uma atualização substancial do estatuto teórico do conceito de secularização”.

 

E, de certa forma, devemos também fazer uma atualização da relação entre cristianismo e secularização hoje no Brasil, pois o movimento evangélico caminhou no sentido da secularização e da transformação da religiosidade evangélica, tendo agora já criado bases de poder. 

 

Ou, como explica Marramao, “a progressiva secularização do poder se realiza, certamente, no âmbito de um desenvolvimento do sistema social, que ao mesmo tempo vê se prolongar o domínio do seu ‘ratio’ e fazer-se infinita  a trama de suas relações internas. Mas ambos processos pressupõem ... uma seletividade do fazer e da experiência viva cada vez mais consciente”.

 

A Reforma protestante desde os seus primeiros momentos buscou fundações. Conhecemos os princípios basilares apresentados por Lutero: a justificação pela fé, a sola scriptura, o livre exame dos textos sagrados cristãos e o sacerdócio universal dos fiéis. A partir desses conceitos de autonomia surgiu um conjunto de princípios em cima do qual se levantou a teologia reformada. Tal construção foi vista como base que legitimou e autorizou a expansão de uma das maiores revoluções religiosas da história humana. E, assim, surgiu a teologia reformada como fundamento de todos os protestantismos e também do movimento evangélico, com seus diferentes matizes e leituras.

 

Assim, a academia quando se debruçou sobre o fundamentalismo do movimento evangélico viu principalmente o seu lado integrista. É certo que a religiosidade evangélica é fundamentalista. Mas Mendonça explica o que isso significa:

 

O fundamentalismo, além de violar o sagrado princípio da Reforma, que é livre exame – por ter-se especializado em publicar Bíblias com notas e referências, verdadeiros tratados teológicos --, voltou a submeter o protestantismo a um simples sistema de crenças ao qual o fiel se submete intelectualmente".

 

Na verdade, a utilização da expressão fundamentalista para a religiosidade evangélica brasileira ou setores dela não está errada, mas se torna reducionista ao prender-se aos aspectos negativos do termo -- conservação, integrismo, retroação – e deixa de ver aspectos relacionais positivos que a busca por fundação implica.

 

O Brasil desde 1940 vem numa acelerada marcha de urbanização. Em 1940, 30% da população do país, 40 milhões de pessoas viviam em cidades. Em 2006, 56,3 milhões de brasileiros viviam nas nove maiores regiões metropolitanas do país. Segundo dados do IBGE de 2007, hoje 83% da população moram em cidades, 140 milhões de habitantes. Portanto, 8 em cada 10 brasileiros vivem em núcleos urbanos. Parte da população urbana concentra-se no Sudeste do país, em especial em grandes áreas metropolitanas como São Paulo, 17 milhões na Grande São Paulo, e Rio de Janeiro, mais de 10 milhões na Grande Rio.

 

Além do aumento da população urbana ocorre no país uma urbanização do território: há crescimento da população urbana, do número de cidades, e os núcleos urbanos passam a se espalhar por todos os estados e regiões do país. Surge, então, uma rede urbana ampla, interligada e complexa. Expande-se, assim, o modo de vida urbano, apoiando-se nos sistemas de transportes, telecomunicações e informações. O processo de modernização do país, na segunda metade do século vinte, gerou duas megalópoles, São Paulo e Rio de Janeiro, que foram constituídas coração cultural e econômico do país, concentrando recursos e articulando em seu entorno uma constelação de aglomerações urbanas e cidades médias. Por outro lado, ocorreu nos últimos anos uma tendência à desconcentração de atividades - sobretudo industriais -, com o deslocamento de unidades produtivas do núcleo central de metrópoles como São Paulo para outras cidades e aglomerações urbanas de diferentes portes e localizadas em diferentes estados e regiões. E a redução no ritmo de crescimento populacional de São Paulo e do Rio de Janeiro é fato marcante, embora não signifique a redução do poder e influência nacional e internacional de ambas.

 

Crescem também outras aglomerações urbanas metropolitanas e não-metropolitanas e também o número de cidades médias por todo o país. Temos, então, uma situação em que permanece o peso acentuado das metrópoles, ao mesmo tempo em que há a desconcentração ou repartição de atividades entre as metrópoles e outros núcleos.

 

E a religiosidade evangélica montou a cavalo no processo de urbanização, o que naturalmente levou à secularização e a uma permanente transformação. A procura evangélica por fundamentos é uma mostra de que o fenômeno não traduz um movimento espontâneo, mas procura construir raízes que lhe deem estabilidade e permanência. As antigas construções institucionais e religiosas brasileiras, primeiramente calcadas no catolicismo rural e depois no protestantismo de migração e de missão, estão presentes nessa procura evangélica por fundamentos, que diante do fenômeno urbano visa minorar a força e presença crescente da secularização. E porque tal processo nesta alta modernidade não tem definições precisas e sólidas, as religiosidades evangélicas urbanas necessitam de um permanente olhar a frente. Assim, as necessidades estruturais da sociedade brasileira e o descontentamento nem sempre definido e claro das populações urbanas fornecem elementos para a compreensão da busca de fundamentos por parte dos novos movimentos evangélicos presentes no espaço urbano.

 

Ao acrescentarmos a variável urbanização/secularização à alta modernidade, entendemos que a procura por fundamentos é também produto da globalidade e que, embora possa assumir formas antiglobalizantes, sua tendência é partilhar as características da globalidade. Ou seja, a alta modernidade surge como desequilíbrio e traz insegurança para as massas, e o movimento evangélico, calcado em fundamentos, apresenta-se como opção de sentido, esperança e vida para essas mesmas massas. Por isso, não podemos dizer que o fenômeno evangélico urbano brasileiro seja mero produto da correlação entre urbanização e alta modernidade.

 

Os estudos publicados pelo IBGE mostram que em 1970 a população protestante  e  evangélica tinha 4,8 milhões de fiéis, e que em 1980 passou a 7,9 milhões. Constatou que na década de 90, a velocidade de crescimento das comunidades protestantes e evangélicas foi quatro vezes maior que a da população brasileira. Assim, em 1991 chegou a 13,7 milhões; em 2000 a 26 milhões. E em 2010, a 42,3 milhões, ou seja 22,2% dos brasileiros. Atualmente, o movimento como um todo caminha para ser um quarto da população.

 

E dentro deste quadro, a construção de bases de poder acompanhou o processo de secularização. Devemos reconhecer, porém, que a multiforme culturalidade brasileira tem suas correlações com a globalidade, e que não há cidades de refúgio na temporalidade globalizada. As culturas brasileiras estão integradas na ordem de um conjunto maior que é a própria brasilidade na alta modernidade, coladas cultural e economicamente à globalidade da produção e do consumo capitalistas. Assim, dentro desse panorama, o protestantismo evangélico, em seus diferentes matizes, leva a uma viagem da tradição em direção à alta modernidade.

 

Como vimos, uma das características do fenômeno religioso urbano, e aí se enquadra a religiosidade evangélica em seus diversos matizes, é a procura por fundamentos. Tal tendência pode ser ilustrada nas propostas de volta às tradições históricas da Reforma, o que aparentemente entra em choque com a globalidade. Mas essa volta às tradições históricas faz parte da própria globalidade. E é expressão profunda de sua virtualidade.

                                                                       

Ortodoxia e heterodoxia

 

O pensamento solidário é o produto da evolução econômica e espiritual, que foi lentamente preparado e que se apresentou como pensamento político a partir da Renascença, da Reforma e com o surgimento do capitalismo. Ele surgiu em oposição ao pensamento autoritário da Idade Média e sedimentou suas bases nas criações culturais dos últimos séculos.

 

A ideia da busca da construção de sociedades mais justas e solidárias só pode ser compreendida a partir desse desenvolvimento e seu surgimento esteve ligado diretamente a esta evolução. Deve-se reafirmar, porém, que foi do interior do cristianismo que brotaram as ideias de economias e políticas solidárias e que um pensar solidário sem estes pressupostos é um equívoco. Aqueles que defendem uma economia, uma política, enfim, uma sociedade solidária devem compreender sob que princípios tal solidarismo repousou.

 

A organização econômica e religiosa da Idade Média estava fundada sobre um sistema de centralização da autoridade que, ancorado em leituras do sobrenatural, associava a natureza e o transcendente numa unidade que submetia pessoas e instituições.

 

A Reforma protestante, surgida a partir do pensamento humanista, que brotou a partir da Renascença, golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé pessoal, livre de amarras, para o plano formal, ao recorrer à autoridade das Escrituras. E, no plano material, valorizou a subjetividade da consciência.

 

Assim, apoiada formalmente sobre as Escrituras, a religião protestante produziu novas contradições, apesar do sistema centralizado da autoridade medieval já estar em frangalhos. Coube, a partir daí, às pessoas decidirem a que grupo queriam ligar-se: aos católicos ou aos protestantes.

 

Tal situação, no entanto, por razões geopolíticas, levou às guerras religiosas, fazendo com que as ideias de construção de sociedades livres e solidárias vivessem um processo lento, pois de cada lado, católicos e protestantes viviam a falsa esperança de que poderiam chegar a uma vitória exclusiva. Com o fim dos combates o que se viu foi que as oposições às confissões se tornaram permanentes. Dessa maneira, brotou a consciência autônoma nos mais variados campos, que se plasmou como consciência europeia ocidental, passando assim a atacar as muralhas autoritárias das religiosidades. E não deixou subsistir sob o solo protestante nada mais que os destroços do constrangimento autoritário.

 

E, ao nível do pensamento e da metodologia da produção científica, René Descartes deu o golpe decisivo no autoritarismo eclesiástico ao afirmar que a certeza que temos de nós mesmos é o princípio de toda certeza objetiva. E que, embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo, na minha pessoa, somente, que se enraíza a certeza. Temos então, o Iluminismo, que constata como conclusão definitiva: toda tradição deve ser submetida à crítica. Está dada a partir desse momento, no plano teórico, a possibilidade da busca da construção de sociedades justas e solidárias.

 

Foi o processo da própria história que fez o mundo conformar-se à razão. E foi a vitória da razão que deu cara ao mundo moderno. A razão da razão está fundamentada sobre os resultados conquistados pela ciência da natureza. Mas junto com o conhecimento via as ciências da natureza se construiu a cultura moderna. Surgiu com uma força irresistível na Renascença e levou a uma afirmação alegre do mundo, que durante muito tempo tinha sido desdenhado, negado e rebaixado por um outro mundo, místico.

 

Os outros mundos empalideceram diante da astronomia, diante da universalidadedas leis da natureza, da redescoberta da beleza na arte, da consciência de unidade entre finito e infinito na filosofia da natureza. E a imanência ressoou no humanismo e na filosofia das Luzes, da mesma maneira que o socialismo se uniu à consciência da autonomia e à fé no poder transformador da razãoEste é o terceiro fato que o cristianismo deve levar em conta, afirmou Tillich. Se este solidarismo social é uma herança da cultura universal, ele tem, no entanto, uma originalidade que não se restringe aos conceitos, mas à experiência da vida vivida.

 

O conceito de humanidade, que manifesta a vitória da idéia de solidariedade – justiça, paz e alegria --, não teve na evolução da burguesia mais que uma realização acidental. A consciência da humanidade foi neutralizada pela consciência de classe, pela educação para uma elite e de dependência nacional. A humanidade se colocou antes de tudo no campo das confissões religiosas, sob formas absolutamente contrárias a idéia de uma transformação racional do mundo. Foi pela pressão dos trabalhadores nos primeiros decênios do moderno capitalismo -- bem unidos façamos, nesta luta final, duma Terra sem amos, a Internacional --, que nasceu uma consciência solidária, na qual está presente o sentimento universal de humanidade.

 

O combate contra o feudalismo, contra o capitalismo, contra o nacionalismo e contra o confessionalismo religioso constituiu uma expressão da consciência de humanidade, que derruba barreiras e reconhece o humano em cada pessoa. Este é o quarto fato que o cristianismo deve levar em conta, afirmou Tillich.

 

O que fica claro é que autonomia e socialismo são processos históricos que se complementam, mas que não são idênticos. O processo de autonomia vivido pela sociedade europeia no período que se abriu a partir do Iluminismo e que pôs em xeque o autoritarismo e a tradição, serviria de base para a ação social democrata. Autonomia é o momento supremo da imanência e da razão, e é a partir daí que o solidarismo construiu um sentimento unitário do mundo e da vida.

 

A luta dos trabalhadores contra a alienação e exclusão social gerou consciência solidária e sentimento universal de humanidade. Mas, ainda assim, ao se limitar ao campo da autonomia, sem uma atitude que permita à incondicionalidade apoderar-se da própria autonomia, o socialismo deixa aberto o caminho para o autoritarismo e o arbítrio.

 

Quando olhamos o socialismo latino-americano a partir da crítica ao eurocentrismo, podemos dizer que hoje se repete o que sucedeu há quinhentos anos com a conquista da América: o homem europeu, e por extensão estadunidense, constituiu o sentido do ser latino-americano e do brasileiro, encontrado a partir da totalidade de sentido europeia. Na verdade, o  habitante da América índia, negros e mestiços não foramvistos como um outro, autônomo, mas como o mesmo já conhecido e, em seguida ocultado e negado, transformado em objeto do ego moderno.

 

O ponto fundamental dessa crítica é que a Europa, num primeiro momento, e os Estados Unidos depois descobriram um novo espaço geográfico, compreendeu-o como horizonte fundamental do ser do centro, campo de batalha no qual deveria exercer uma práxis de dominação [20]. Tal formulação reconstruiu o sistema ontológico, a partir da exterioridade negou o outro, seu rosto, sua corporeidade, negou-o como sujeito ético, que grita e reclama justiça. Os excluídos de tal sistema cultural ocidental deveriam ser domesticados, entendidos como periferia cuja salvação repousaria na absorção da racionalidade eurocêntrica.

 

Diante das massas crescentes de deserdados que tomaram consciência de sua negação originária como subjetividade excluída ou objetivada dentro do sistema dominante, os poderosos utilizaram a guerra e, se admitiram o diálogo, foi no interior de sua comunidade de comunicação hegemônica, que não garante o desenvolvimento e a reprodução da vida humana. A teologia deve pensar a realidade mundial além dasfronteiras do centro, que distinguem entre populações dotadas de direitos e poderes e populações excluídas e utilizadas como instrumentos manipuláveis.

 

A virtualidade como razão de ser

 

No protestantismo clássico, os teólogos magisteriais controlaram suas produções a partir de estruturas e procedimentos ordenados. Isso é tudo o que podemos fazer em um mundo complexo? Se for, a institucionalidade das confissões judaico-cristãs estão destinadas a seguir o caminho do Tyrannosaurus rex. A tentativa de estabilizar o sistema leva a torná-lo incapaz de interagir com o mundo e possibilitar a criação de alternativas futuras. Os intérpretes modernos enfatizaram que as culturas e os valores compartilhados são essenciais para fazer a leitura da religiosidade judaico-cristã. 

 

Em condições dinâmicas, onde fé e linguagem religiosas são formados por múltiplas e variadas possibilidades, onde hermenêuticas monolíticas falharão na geração da criatividade religiosa necessária para dotar as confissões de compreensões adequadas. Por isso, as diversidades de opiniões e abordagens são importantes. O pensamento único, que não comporta diferentes visões, pode ter sido um dos fatores cruciais para a crise de parte das confissões judaico-cristãs no mundo moderno e, em especial, nas últimas décadas do século vinte. Os hermeneutas modernos acreditaram que o sucesso da fé e linguagem religiosas poderia repousar exclusivamente na manutenção do equilíbrio interno da origem fundante, mas se isso fosse possível, a própria fundação teria deixado de apresentar novidade e a liberdade da religiosidade no século vinte deveria ter sido reduzida à escolha da adaptação certa ou errada.

 

Mas no mundo da complexidade hermenêutica os riscos são muito maiores. Primeiro porque equilíbrio exclusivo e permanente da internalidade religiosa significa morte, exatamente o contrário do que pensava a velha hermenêutica. Segundo porque em condições não-estáveis o ambiente humano também se fez presente na religiosidade, tanto quanto ele no ambiente humano. As implicações disto significam que as compreensões hermenêuticas não podem culpar o mundo por suas falhas: elas devem ser vertiginosamente livres para criar o próprio futuro religioso.

 

Há um verso de Nietzsche que pode nos servir de guia para uma hermenêutica da religiosidade evangélica na alta-modernidade:

 

Agora celebramos, seguros da vitória comum, a festa das festas: O amigo Zaratustra chegou, o hóspede dos hóspedes! Agora o mundo ri, rasgou-se a horrível cortina, é hora do casamento entre a Luz e as Trevas...”

 

Nietzsche pensava a ausência de horizontes. Em Além do Bem e do Mal, ele pensa contra a modernidade: faz um libelo contra os valores da modernidade, como o sentido histórico, a objetividade científica e, logicamente, a fé numa razão autônoma. Assim, é o caso de perguntar: é possível continuar existindo algum contato com a chamada realidade hermenêutica, quando a virtualidade, por exemplo, fica indistinguível e até mesmo mais autêntica que o original, quando podemos criar mundos sintéticos que são mais reais que o real, quando a tecnologia glosa a natureza? Quando a hermenêutica livre das dogmáticas confessionais faz caminhos como o filme Matrix?

 

Mark C. Taylor, hermeneuta estadunidense, percorre sob outras condições questionamentos idênticos aos levantados por Nietzsche. Ao trabalhar a questão da virtualidade na comunidade religiosa da alta-modernidade, utiliza um conceito que já vinha sendo usado na crítica literária, a idéia de imagologia. Antes, na teoria literária, e agora na hermenêutica de Taylor, a identidade do texto não pode ser encarada como uma forma de ser plena e apriorística, mas como realidade dinâmica ou relacional, onde se cruzam questões de identidade textual e comunitária, o que também se dá na virtualidade, que acaba sempre por revelar uma dimensão estrangeira, que é manifestação de um outro. Na medida em que há constante busca identitária, o confronto com este outro supõe sempre uma comparação, explícita ou implícita, e se integra naquilo que na terminologia de Taylor será a imagologia, estudo das representações do outro, que também pode ser entendido como virtualidade.

 

Nos últimos anos essa questão tem sido tema da simbologia da revelação dos textos sagrados, como da própria teologia. As mídias têm demonstrado a força das realidades artificiais. Essa questão, realidade e imagem na comunidade imagológica, já tinha sido analisada por psicólogos da escola piagetiana. Segundo eles, é difícil ensinar a pensar de modo lógico a um menino que está sob o bombardeio de imagens distantes da lógica, como acontece nos programas infantis. E onde até mesmo as entrevistas ao vivo fazem parte da criação de algum gênio da publicidade. A moda e os shows de rock, por exemplo, fazem parte desta realidade onde o que é apresentado pelo entrevistador não tem nada a ver com a realidade da audiência ou com o próprio intérprete e seu produto, já que suas imagens sofrem uma transformação mágica para poder ser popular, ou pelo menos este é o objetivo.

 

Para Taylor, a comunidade imagológica leva à ansiedade que circula acima e debaixo do chão, que tem crescido e emaranhou-se num complexo tecnológico e financeiro. 

 

Com a informação e o dinheiro que correm ao redor do mundo à velocidade da luz, nenhum de nós está seguro, porque qualquer um está no controle. As redes de terroristas assombram a estrutura e através da Web atuam nas comunicações e sistemas financeiros globais. Eles foram mais efetivos utilizando as tecnologias contra nós do que nós em nossa capacidade de usar essas tecnologias contra eles. Nós não seremos capazes de enfrentar redes de terroristas até que melhoremos a compreensão da lógica e operação de nossas próprias redes. Nestas teias emaranhadas e nas redes, está o limite entre nós e eles, dentro e fora, para quem nada é fixo e imóvel, mas restos fluidos e móveis”.

 

E essa é uma discussão sobre o sentido da hermenêutica, porque vivemos um momento de complexidade sem precedentes, onde as coisas mudam mais rapidamente que nossa habilidade de compreender. Por isso devemos resistir à tentação de procurar respostas simples, pois o que antes era força interpretativa da hermenêutica moderna agora é fraqueza que nos deixa abandonados à mercê da sorte. Diante disso, será possível distinguir entre realidade e virtualidade na comunidade imagológica evangélica, se a tecnologia constrói a nova realidade? Bem, vivemos um mundo colocado em processo de equilíbrio instável, e para entendê-lo devemos ir às margens do sistema.    

 

A complexidade hermenêutica, na alta modernidade, é vista como marginal e fenômeno emergente. Não está fixa, porque a complexidade é móvel, momentânea e o momento marginal de seu aparecimento é inevitavelmente complexo. Longe de ser um estado, esse momento emergente da hermenêutica reconstitui o fluxo de tempo, enquanto impulso que mantém a religiosidade em movimento. É significante que a palavra momento derive da idéia de impulso em latim, mostrando movimento como sendo também impulso. Embora frequentemente representasse um ponto simples, o momento hermenêutico é inerentemente complexo. Seus limites não podem ser firmemente estabelecidos, porque sempre estão trocando de modos, que dão fluidez ao momento. Na hermenêutica da alta modernidade vivemos o domínio do intermediário, que a teoria da complexidade procura entender.

 

A dinâmica do caos e da complexidade da hermenêutica parte de certas características que diferem em importância e modos. Um sistema complexo é um sistema único composto de partes compatíveis, que interagem entre si e que contribuem para sua função básica, sendo que a remoção de uma das partes faria com que o sistema deixasse de funcionar de forma eficiente. Um sistema de tal complexidade não pode ser produzido diretamente, isto é, pelo melhoramento contínuo da função inicial, que continua a atuar através do mesmo mecanismo, mediante modificações leves, sucessivas, de um sistema precursor. 

 

O exemplo mais popular de complexidade irredutível foi apresentado por Michael Behe, em seu estudo A caixa preta de Darwin: é a ratoeira. Ela tem uma função simples, pegar ratos, e possui várias partes: uma plataforma, uma trava, um martelo, uma mola e uma barra de retenção. Se qualquer uma dessas partes for removida, o aparelho não funciona. Portanto, é irredutivelmente complexo. Um automóvel, em contrapartida, pode funcionar com os faróis queimados, sem as portas, sem para-choques, embora chegará um momento em que haverá um mínimo de peças essenciais para seu funcionamento. Originariamente, a teoria do caos foi desenvolvida como um corretivo para os sistemas fechados e lineares de físicas de Newton, pois diante da ausência de ordem, caos é uma condição na qual a ordem não pode ser averiguada por causa da insuficiência de informação. Enquanto a física de Newton imagina um mundo abstrato governado por leis definidas, que determinavam completamente as coisas reais, a globalidade não é transparente porque não temos a informação adequada e necessária para estabelecer leis, assim toda operação é sempre inacessível. A partir dessa compreensão da teoria do caos e da complexidade, duas razões hermenêuticas podem ser destacadas na abordagem das religiosidades evangélicas.

 

Primeiro que os sistemas finitos, como é o caso dessas religiosidades, não estão fechados, mas são sistemas abertos. E segundo que os sistemas ou estruturas das religiosidades evangélicas envolvem relações que não podem ser entendidas apenas em termos de modelos lineares de causalidade. Nos sistemas religiosos evangélicos recorrentes é impossível medir as condições iniciais com precisão para determinar as relações causais num período limitado de tempo. Então, a imprevisibilidade é inevitável. Ao contrário dos sistemas lineares, nos quais causas e efeitos são proporcionais, nos sistemas das religiosidades evangélicas recorrentes, a avaliação é complexa, porque esses sistemas se auto-alimentam da vida de seus fiéis e na recorrência geram causas que podem ter efeitos desproporcionados. Em contraste com a teoria do caos, a teoria da complexidade está menos interessada em estabelecer a fuga ou o caos determinado, pois oscila entre ordem e caos. Assim, o momento de complexidade é o ponto no qual ecossistemas organizados emergem para criar novos padrões de coerência e estruturas de relação.

 

Embora tenha se desenvolvido fora das investigações hermenêuticas das religiosidades evangélicas, a percepção de teoria da complexidade pode ser usada para iluminar as questões da interpretação desta religiosidade hoje no Brasil. Aliás, poderíamos até nos perguntar o que há de comum entre as moléculas que se apressam em auto-reproduzir metabolismos, as células que coordenam esses comportamentos para formar organismos multicelulares e os sistemas das religiosidades evangélicas? E a resposta, complexa, é óbvia: a possibilidade da vida, que faz a travessia de um regime equilibrado de ordem e caos, é o que há de comum entre esses processos. Donde a hipótese hermenêutica maior é esta: a vida existe enquanto extremidade do caos. Partindo da metáfora da física, a vida existe ao lado de um tipo de transição de fase. A água existe em três estados, gelo sólido, água líquida e vapor gasoso. Começamos a ver que idéias semelhantes podem ser aplicadas aos sistemas hermenêuticos complexos. Sabemos que as redes de genomas que controlam o desenvolvimento do zigoto podem existir em três regimes: ordenado congelado, caótico gasoso e líquido aquoso, localizados na região entre ordem e caos. É uma hipótese impressionante que sistemas de genomas ordenem regimes de transição entre uma ordem e o caos. Em tais sistemas, o regime ordenado congelado também coordena as sucessões complexas das atividades genéticas necessárias. Mas, nessas redes, também o regime gasoso caótico, perto da extremidade de caos, pode coordenar atividades complexas e evoluir. A partir das redes, a análise pode ser estendida às comunidades e às dimensões culturais, ou seja, por extensão às leituras interpretativas. Assim, equilibrado entre uma pequena ou grande ordem, o momento de complexidade da hermenêutica na alta modernidade é o meio no qual emerge a cultura de rede.

 

Taylor projeta a discussão da teoria da complexidade para a hermenêutica ao afirmar que a noção de que as fundações tenham desaparecido é ameaçadora para muitas pessoas, mas que esse assunto é um tema recorrente nas ciências da religião. Pensadores importantes na história de filosofia ocidental, como Nietzsche, colocaram tal discussão na ordem do dia e influenciaram pensadores da alta modernidade como Derrida. Uma das coisas que golpeia o pensamento moderno é a ênfase desses filósofos na importância de entender que a idéia de fim de fundamentos é uma metáfora, assim como a teoria da complexidade também é uma metáfora. Ou como afirma Derrida, a metáfora é determinada pela filosofia como perda provisória de sentido, economia sem prejuízo irreparável de propriedade, desvio inevitável, mas história com vista e no horizonte da reapropriação circular do sentido.

 

É por isso que a avaliação filosófica foi sempre ambígua: a metáfora é estranha ao olhar da intuição, do conceito e da consciência. E Derrida dirá que a metafísica é a superação da metáfora, donde ao discutir a hermenêutica devemos levar em conta que há rastros da metafísica nas palavras que usamos: entender é um exemplo disso. Entender algo é não agarrar alguma coisa superficialmente.

 

O ato cognitivo envolve apreensão dentro de condições de superfície e relativos à profundidade. A distinção entre informação e entendimento é muito complexa. No domínio onde as pessoas pensam em informação devemos falar de sobrecarga de informação. Somos bombardeados com informação de todos os tipos. Entender é um modo de organizar e estruturar a informação. Na revolução da informação, dispositivos filtrantes estão começando a emergir. É crucial entender o poder das hermenêuticas que criam estas grades culturais. Este é um dos temas de Imagologies.E essas grades culturais, por sua vez, desenvolvem-se e mudam para prover vigamentos interpretativos que criam possibilidades de construção da compreensão de informação na qual estamos imersos. Temos, então, dois mundos, um é o mundo tradicional, o mundo da religiosidade protestante histórica tal como o recebemos. É um mundo platônico, no qual o assunto percebido é colocado num nível agradável de fundação. Este mundo está presente, mas também está acima, é a transcendência. Esse modelo se torna um modo de saber. Quando começamos a conceber algo, concebemos figurando em termos de modelo. Através do contraste descrevemos um mundo no qual um modelo diferente predomina. Temos interações de planos, modelos e processos.

 

As religiosidades evangélicas, assim entendidas, podem ser chamadas de locais de consumo, e apontam para a utopia de uma República evangélica. Mas uma estrutura não é aquilo que alguém busca, pois as religiosidades enfatizam movimento e troca, troca de informação, etc. Os modelos hermenêuticos de que estamos falamos não são apenas conceituais, pois o conhecimento simbólico das religiosidades evangélicas emerge de uma interação entre entendimento e as formas de fé, que são filtros através dos quais foram processadas a informação. Se alguém pensa tais categorias como um vigamento historicamente emergente de interpretação, em constante processo de formação, deformação e reforma, estamos diante de um salto como o das tecnologias de produção e reprodução em uma comunidade determinada. Começamos então a ver os modos em que processamos a experiência, onde o conhecimento é constituído em fluxo constante. Não é apenas uma questão de como pensamos, é uma questão de como vemos, ouvimos e tememos. 

 

E aí entram cultura e política, e questões como aborto, feminismo e homossexualidade, entre outros. E neste ver, ouvir e temer, as mídias abrem uma percepção nova e capacidades de apercebimento. O ponto em que se faz a troca também é uma questão importante. Uma das coisas que o estruturalismo nos ensinou é que em lugar de ser um local de origem, a religiosidade deve ser entendida como constituída dentro e pelas redes de troca na qual está imbricada. É um tipo complexo de reversão. Pensando nessas estruturas como criadas por um tema original, temos que pensar no assunto como uma função das redes estruturais nas quais está situada. Essas redes estruturais levam a todos os tipos de formas. São culturais, políticas, sociais. Entender as religiosidades evangélicas como constituídas por redes de troca é muito importante.

 

Assim, há uma procura pelas tradições históricas do protestantismo, o que implica em ressignificar o estudo da literatura sagrada, a liturgia nas comunidades e até mesmo os currículos dos seminários de teologia. A caminhada em direção às tradições históricas, à nacionalização do culto e à compreensão da teologia parte dessa luta na alta modernidade pela busca da autonomia e da expressão local, mas traduz também o desejo, e aí entra a globalidade, de que a comunidade local contribua para a espiritualidade mundial. 

 

O estímulo da alta modernidade às expressões das religiosidades locais implica numa combinação sincrética de práticas ditas locais com adaptações às práticas alheias às circunstâncias locais. Assim, expressões do fenômeno evangélico urbano são ressignificadas. São produções sintetizadas e sincretizadas de diferentes tradições cristãs e, até mesmo, não-cristãs. São formas particulares de adaptação à urbanização e uma resposta aos efeitos da tribalização da alta modernidade.

 

A maioria do movimento evangélico contemporâneo aparentemente parte das necessidades religiosas dos diferentes estratos urbanos. Mas é, também, multinacional e mantém alianças com instituições forâneas. Nos últimos vinte anos desenvolveu uma solidariedade entre estratos urbanos marcados pelos contatos e pela crescente participação com os Estados Unidos da América. Esses setores do movimento evangélico são conduzidos como opinião mundial, e capitalizam a preocupação geral com uma identidade protestante genérica e dela se alimentam. Tal fenômeno não é negativo, se entendermos que estimula, ao participar da globalidade, o reconhecimento de que a religiosidade evangélica local só é possível numa base cada vez mais global. Ou seja, para os as religiosidades evangélicas urbanas pensar globalmente é cada vez mais necessário a fim de tornar a própria noção de religiosidade urbana viável. 

 

O evangelicalismo urbano está globalmente institucionalizado, embora apresente complicações dispersas. A urbanização produz variedade e a diversidade é, em muitos sentidos, um aspecto básico da globalidade. Mas, e esta é uma complicação, a diversidade pressupõe na globalização a preservação de enclaves da particularidade em meio à crescente homogeneidade e uniformidade. Ou seja, dentro do conjunto movimento evangélico vamos encontrar singularidades que rompem as uniformidades e também as não-uniformidades. Podemos definir essa idéia dizendo que a urbanização do evangelicalismo envolve simultaneamente globalidade e localidade.

 

É por isso que, quando falamos em religiosidade evangélica urbana, apontamos para a comunicação entre grupos, comunidades locais e confissões. Tal fenômeno é uma reação ao aumento da compressão do espaço e do tempo urbanos. Essa comunicação, que chamo de interdenominacional, se faz em todos os níveis, está presente nas salas de aula, na mídia, e já chegou aos cultos e às liturgias. Mas na mídia traduz a utopia da diferença e funciona como o espaço aberto dos símbolos. Nesse sentido, não apresenta a diferença autêntica, mas faz uma descrição simbólica ao adequar religiosidade evangélica e religiosidades não-cristãs às características contemporâneas da urbanização das religiões.

 

E deixamos a conversa

 

Michael Löwy trabalha o desafio do pensamento das religiosidades evangélicas a partir de uma leitura weberiana, o que matiza os contornos aparentemente demoníacos da presença evangélica na política brasileira. Para ele, “os evangélicos são, no fundo, uma religião mágica. Eles acreditam que, fazendo certos rituais, orações ou mesmo dando dinheiro para a igreja, terão seus problemas resolvidos. Isso, para parte da população, sempre foi assim. Mas devemos reconhecer que os evangélicos, pela ética protestante, calvinista, impõem uma série de proibições aos fiéis: não podem consumir álcool, drogas, ir a prostíbulos, jogar cartas. E isso melhora a situação da família, é fato. Por outro lado, essas igrejas são conservadoras, intolerantes, fundamentalistas e, na maioria das questões sociais, regressivas. Além do quê, desenvolvem uma pretensa teologia da prosperidade que faz elogios ao capitalismo, ao neoliberalismo, ao mercado e ao consumo, que é bastante negativo.”

 

Podemos, caso utilizemos critérios modernos de análise, falar em tempo da mentalidade conservadora versus tempo da mentalidade progressista. Mas tais critérios de análise, embora sejam aparentemente agradáveis e facilitadores, já não cabem na multidimensionalidade do tempo na cultura, que nos leva, a partir de Marramao, a falar de conflitualidade endêmica do mundo e, como consequência, dos dilemas que traz para a política e para a religião. Assim, faz a crítica da sociedade contemporânea, onde o presente é dominado pelo movimento incessante, onde ninguém consegue saborear o presente. E reconstrói a etimologia do tempo latino, onde são colocados o sentido interno de tempo, a síndrome temporal da pressa e a busca insana para se recuperar a posse da existência.

 

Temos que ver, a partir de Marramao, que a realidade se expressa de forma imagológica na política das religiosidades evangélicas, fazendo com que as propostas evangélicas interseccionadas enquanto governamentais, quer no que se relaciona à pessoa, à família ou às comunidades, se entrelacem e produzam, como diz Giner, “mutações na vivencia e qualidade desses tempos”. Assim, a bancada evangélica presente no Congresso, ou os ministros de Estado do governo Temer expressem produções imagológicas de tempos, que apesar de suas volatilidades, acumulam de forma caleidoscópica mudanças no momento presente.

 

Em seu livro Passagio a Occidenteloso a e globalizzazione, Marramao faz uma análise do pensamento contemporâneo e como este se debruçou sobre a investigação da globalização. Mas procura evitar a ocidentalização da abordagem, delineando uma política global. Assim fez leituras de F. Fukuyama e Kojève e, consequentemente, do fim da História e à universalidade do individualismo competitivo. Atravessa, então, o conflito de civilizações que, após o colapso do muro de Berlim, viu o globo mergulhado num conflito intercultural mundial. E, chegou com S. Latouche, à concepção da expansão planetária de dominação da tecnologia sob o controle da razão instrumental.

 

Mas, para Marramao, a globalização deve ser vista como pressuposto típico da modernidade, na transição de um mundo fechado a um universo circum-navegável, que possibilita o encontro, mas também o choque de culturas, levando a sociedade a ser transformada por esse encontro diário, que se espraia a partir das megalópolis, mas que permanentemente desafia a nossa identidade.

 

No percurso dessa compreensão da globalidade, vai além da crise do Estado-nação, agora personificada pelo Leviatã democratizado de John Rawls. Aqui temos a reconstrução do princípio de universalidade da diferença, que se dá em esfera global, onde o mundo aparece como presença-imagem da racionalidade técnica e econômica, que influencia tudo e todos através da criação de um modelo único de sociedade e pensamento. E que, ao mesmo tempo, tira proveito da riqueza das diferenças para construir uma globalidade cosmopolita, onde todos podemos cultivar nosso politeísmo de valores. Globalidade e temporalidade, para Marramao, estão imbricadas. E para chegar à sua construção da temporalidade da globalização, fez a reconstrução das concepções de tempo nascidas na reflexão ocidental a partir da análise de Timeu de Platão, até chegar às discussões sobre a flecha do tempo na física. Mas, construindo uma reflexão sobre temporalidade e identidade, onde busca os pontos de contato entre as abordagens focadas na pessoa e as sociais.

 

A síndrome da pressa, do tempo que falta, tornou-se parte do projeto moderno, numa racionalização da escatologia judaico-cristã, onde se busca o fim último do domínio da razão instrumental. Essa homogeneização, que se procura planetária, responde à síndrome da pressa repetindo, eternizando, a mesma cena neurótica, por não ser capaz de parar, considerando normal chegar sempre fora do tempo certo, tarde demais, vivendo a angústia e o trauma permanente da perda da oportunidade certa. Mas este projeto moderno, afirma Marramao, está em crise, e devemos olhá-lo com distanciamento, superando Weber, já que a racionalidade instrumental é um fenômeno típico do Ocidente, que não surgiu em nenhuma outra cultura, nem mesmo na China. É com este distanciamento que devemos analisar o capitalismo, debruçando sobre outras culturas, humildes na certeza de que têm algo a dizer e que podem nos ensinar a escapar da sociedade contemporânea e aprender a viver no presente, renunciando à idéia de que lá na frente algo bom e definitivo deve acontecer.

 

Donde, o kairós, o tempo bom, tão caro à escatologia judaico-cristã, se apresenta como interseção entre a realidade divergente de tempo privado e tempo público. Ou seja, as religiosidades evangélicas por sua virtualidade colocam desafios culturais – éticos e políticos – à laicidade brasileira, isto porque o tempo privado deixou de ser humano e passou a depender de condições e variáveis que incluem desde a situação mundial às situações físicas e psíquicas, plasmando tempos que esmagam pessoas e comunidades.

 

E vale a pena lembrar ao deixar esta conversa que não estamos diante de uma teoria do colapso do protestantismo histórico, porém daquilo que ainda não foi examinado com suficiente atenção. Donde estamos desafiados à recolocação de diferentes e novas expressões teóricas. E o caráter desorientador que estudiosos e pesquisadores veem nas religiosidades evangélicas não devem se traduzir em demonização, mas buscar compreensões culturais e históricas que nos levem a uma atualização do pensar a religião no Brasil, reconhecendo que não estamos diante de nuvem passageira, mas de realidades que interagem profundamente com os problemas do estar brasileiro hoje.

 

Se entendermos esse processo de construção da dominação, podemos analisar o processo de gestação do Partido dos Trabalhadores a partir da exposição que Tillich fez acerca da passagem da heteronomia à autonomia e, posteriormente, à teonomia, enquanto ciclos que procuram romper a lógica de ferro da dominação. Para ele, os movimentos de massa são encontrados em movimentos religiosos, nos movimentos políticos e raciais de imigrantes e nos movimentos econômicos do socialismo [21].Embora esses movimentos possam ser encontrados em diversas épocas, também o são em diferentes esferas da cultura. Mas sempre são movimentos de libertação: já que é parteira de escravos, de povos excluídos, ou de escravos livres, trabalhadores assalariados, que a industrialização levou a uma dinâmica de massa que transbordou a história [22].

 

Notas

 

[20] Alessia Ansaloni, A nova Conquista: análise de um filósofo periférico, Universidade de Bolonha.

[21] Idem, op.cit., p. 81.

[22] Idem, op. cit., p.81.

 

 

Bibliografia

 

 

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vendredi 5 mars 2021

Mon Jésus, mon Sauveur

 Béni soit celui qui vient au nom du Seigneur

Mon Jésus, mon Sauveur !


Baruch ata Adonai Elohenu mélech haolam!

Béni soit notre Dieu, roi de l'univers!


À propos de nous

Un témoignage de Jorge Pinheiro

La rencontre avec le Mashiah


Mais qui est ce Mashiah?


  1. Le mystère révélé


1 Corinthiens 15: 3-8 -- « Ce que je vous ai dit en premier lieu, c’est ce que j’ai reçu, à savoir que le Christ est mort pour nos péchés selon les Écritures, a été enterré et est ressuscité le troisième jour selon les Écritures, et est apparu à Pierre, puis aux Douze. Cinq cents frères à la fois, dont la plupart sont encore en vie, même si certains se sont endormis … Alors il apparut à Jacques puis à tous les apôtres, et ensuite il m’apparut comme un enfant né hors du temps ».


Trois détails: (1) Nos péchés, hamartía : nos mauvaises cibles, nos échecs, notre corruption. (2) L'enterrement du corps de Jésus confirme sa mort. Joseph d'Arimathie et Nicodème, en préparant le corps de Jésus pour l'inhumation, se seraient rendu compte si Jésus n'était pas vraiment mort, comme Jean 19: 38-42. (3)  Ressuscité / egeiró - a été soulevé, refait surface.


A. Le Mashiah, notre Christ, nous présente qui est un être humain que Dieu a planifié. Jésus, le Christ est éternel et l'homme, essentiellement parfait et complet. En ce sens, nous comprenons que le Christ incarné permet de comprendre ce qu'est l'humanité, traduisant en un langage de la vie le contenu fondamental de ce qui est dit dans la Genèse sur l'être humain avant le péché.


B. Le Christ révélé est la dimension la plus profonde de l'humain, la dimension qui traduit ce qu'est le chrétien: fils adopté de l'amour et de la grâce de l'Éternel, créé pour l'honneur, la gloire et la louange du Créateur.


L'une des forces de ce réseau d'idées théologiques présentes dans les Écritures hébraïques est le halakha. Plus que d'offrir un culte à Dieu, les Ecritures nous disent de marcher avec lui. D'où l'idée de chemin. Si l'être humain est placé à chaque instant et chaque jour devant la demande d'exercer sa liberté et de choisir entre le bien et le mal, ou, comme le dit Deutéronome 30.15, " vois qu'aujourd'hui, je te propose la vie et la prospérité, ou la mort et la destruction ", il doit parcourir le chemin à travers la loi.


Et le Mashiah, notre Christ, a montré la vraie signification de halakha, il est halakha - il est le chemin!


  1. Le Christ révélé a créé une nouvelle communauté


Éphésiens 5: 25-27 – « Le Christ a aimé l'église et s'est livré pour elle, pour la sanctifier, pour la purifier par le lavage de l'eau par la parole, pour se présenter une église glorieuse, sans tache ou autres, mais saint et irréprochable. »


A. Le corps du Christ sur la terre est une nouvelle vie avec Christ et en Christ, dirigée par le Saint-Esprit. La communauté des croyants est née de cela, avec l'effusion de l'Esprit.


B. La lumière de la résurrection du Christ règne sur l'église et la joie de la résurrection, du triomphe sur la mort, y pénètre. Le Seigneur ressuscité vit avec nous et nos vies sont une vie mystérieuse en Christ. Les chrétiens prennent ce nom précisément parce qu'ils appartiennent à Christ, ils vivent en Christ et le Christ vit en eux.


C. L'incarnation n'est pas simplement une idée ou une théologie; est avant tout un fait qui s’est produit une fois dans le temps, mais qui a la force de l’éternité. Et cette incarnation perpétue sans fusion les deux natures: la nature divine et la nature humaine.


  1. La nouvelle communauté : l’église nous prépare pour l'éternité


Apocalypse 22.16 – « Moi, Jésus, j'ai envoyé mon ange pour vous donner ce témoignage concernant les églises: je suis la racine et le descendante de David et l'étoile du matin resplendissante. »


R. L’Église est le corps mystique, spirituel du Christ en tant qu’unité de la vie avec lui, la même idée s’exprimant lorsque le nom de l’épouse du Christ ou de l’épouse de la parole est donné à l’église. L'église en tant que corps du Christ n'est pas Christ-Dieu-homme, car elle n'est que son humanité; mais c'est la vie en Christ et avec Christ, la vie du Christ en nous. Ou comme l'apôtre Paul nous le dit dans l'épître à Galates 2: 20.


« J'ai été crucifié avec Christ, donc je ne vis plus, mais Christ vit en moi.  La vie que je vis maintenant dans le corps, je vis par la foi en le fils de Dieu, qui m'a aimé et qui s'est donné pour moi. »


B. L’Église, en tant que corps du Christ vivant, est le domaine dans lequel le Saint-Esprit est présent et où le Saint-Esprit opère. C'est pourquoi l'église peut être définie comme une vie bénie dans le Saint-Esprit. L'église est l'œuvre de l'incarnation du Christ, c'est l'incarnation: dans l'église, Dieu s'assimile à la nature humaine et, à travers l'église, le corps s'assimile à la nature divine. C'est la sanctification, que les parents ont appelée la déification (zéose) de la nature humaine, conséquence de l'union de deux natures dans le Christ.


C. L'église est le corps du Christ: en tant qu'église, nous participons à la vie divine de la Trinité. C'est la vie en Christ, c'est le corps du Christ qui reste uni à la Trinité.


Par conséquent, l'apôtre Paul dans la lettre à Colossiens 3: 3-4 nous dit: « Car vous êtes déjà mort, et votre vie est cachée avec Christ en Dieu. Lorsque Christ, notre vie, paraîtra, alors vous aussi vous serez manifestés avec lui dans la gloire. »


Et je termine par cette bénédiction:


רי הוא י יבוא שמו של אלוהי


Baruch haba b'shem Adonai. Dans l'évangile de Matthieu 23:39, Jésus, après avoir prononcé une série de phrases sur la génération qui l'a rejeté, a prononcé ces paroles prophétiques: 


« Vous ne me verrez pas jusqu'à ce que vous veniez dire: Béni soit celui qui viendra au nom du Seigneur. » 


Cette expression, en hébreu « Baruch haba b'shem Adonai », est une citation du psaume 118, une chanson du peuple d'Israël, qui a appelé au salut du Messie quand il a également dit: Hosanna, fils de David.


Et je dis encore une fois - mon Jésus, mon Sauveur !




jeudi 4 mars 2021

O reinar de Cristo e a política

A política no reinar de Cristo
Jorge Pinheiro, PhD

Em tempos anômalos, o país corre o risco de ser envolvido numa maré emocional, que leva aos extremos e ao ódio. Mas, política não deve ser feita assim. A administração, direção e organização de comunidades não se faz com as emoções à flor da pele, não é pensando em vendeta, não é odiando o adversário do momento, transformado em inimigo que deve ser varrido da face da terra, que se deve fazer política, que se pode falar em atividade de pessoas cidadãs. Essa leitura de ódio não constrói um país, mas divide e impossibilita o abraço solidário de um povo.

Quando a política é feita desta forma: com violência de ações e palavras, com vontade de destruir e matar, o irmão se distância do irmão e perdemos o sentido de nação e povo. Mas nós que temos a mente de Cristo devemos chamar a um jeito outro de fazer política, entendendo que o reino de César não deve estar acima do reinar de Cristo.

E esta política que constrói, que não mata, que não odeia, que possibilita ações diretas ou indiretas de governo, nasce fácil nos corações e dirige nosso fazer e nossas mentes quando o reinar de Cristo está presente nas vidas.

Dentro da unidade universal do reinar de Cristo encontra-se o princípio protestante enquanto evento fundante do cristianismo. É o princípio protestante que retira da imagem humana de Jesus tudo que nela poderia nela ser materializado como idolatria, por sua facticidade histórica. É por meio do símbolo da cruz que desaparecem as particularidades e o finito do evento Jesus, dando lugar ao significado presente do Cristo. 

O paradoxo do aparecimento do Cristo na existência sem a deformação da existência é uma interpretação radical do símbolo da cruz que salva nossa adoração do homem Jesus do significado da idolatria de se permanecer na adoração de um objeto histórico e por isso limitado, finito, enclausurado num espaço e tempo passados. O princípio protestante, lido sob tal perspectiva, apresenta a cruz como presente e fim, como revelação e eschaton que remetem ao kairós.

Mas, o protestantismo não abandona a unidade universal da substância, que mantém e possibilita o resgate do sentido do Eterno nas profundezas do humano. Na aridez do “deo dixit”, da palavra que se resume na ética do texto, as profundezas da interioridade humana podem ser esquecidas e perder seu vigor teológico. Por isso, a relevância do kerigma cristão deve andar em aliança com o reconhecimento da presença daquele que é Eterno, mas se expressa na cultura e nas dobraduras da secularidade. É a partir dessa compreensão que devemos entender o fazer política no reinar de César.

O conceito de política solidária pode então ser visto como definição de um processo de essencialização, já que o significado da vida, existencial e pessoal passa a consistir na expansão, nas culturas e vidas, da presença essencial do Eterno. A política solidária é latente antes do encontro com a presença central e fundante do Cristo, mas torna-se manifesta depois desse encontro. E é esse processo de essencialização da cultura e da vida, onde Cristo é centro e fundamento do fazer e pensar a política, que possibilita a política como fruto do ágape solidário que aponta para o kairós de Cristo. Fazer política, a partir desse processo de essencialização da cultura e da vida, é a via para a construção de uma sociedade solidária – plena de alegria, justiça e paz.







mardi 23 février 2021

O cozinheiro de pratos picantes

A sopa de repolho e o cozinheiro de pratos picantes
Jorge Pinheiro, PhD

“Porque as vossas mãos estão contaminadas de sangue, e os vossos dedos, de iniqüidade; os vossos lábios falam mentiras, e a vossa língua profere maldade. Ninguém há que clame pela justiça, ninguém que compareça em juízo pela verdade; confiam no que é nulo e andam falando mentiras; concebem o mal e dão à luz a iniqüidade”. (Isaías 59. 3-4).

Quando falamos de assassinatos por envenenamento nos lembramos imediatamente de uma jovem chamada Lucrecia, que nasceu em Roma em 1480. E que teve por pai o cardeal Rodrigo Borgia, que mais tarde se tornaria o Papa Alexandre VI, e por mãe Vanozza Cattanei. Embora filha ilegítima, Rodrigo a reconheceu, lhe deu seu sobrenome, e a usou nas mais diferentes intrigas palacianas. Mas, ao contrário do que conta a lenda, seus contemporâneos não viam em Lucrecia Borgia nada mais que uma princesa usada por seu pai e por seu irmão Cesare Borgia, Il Valentino, em lutas políticas, por ser bela, culta, amante das artes e mulher caridosa.

Por isso, talvez seja melhor falar de comida e política. 

Definir prato picante pode variar, conforme a culinária ou o gosto de cada um. Mas uma coisa permanece nesta idéia: é um prato que chama a atenção por condimentos que excitam o paladar e deixam um gosto marcado na boca. Assim, o escritor Airton Ortiz, [Airton Ortiz, O churrasco de um gaúcho viajante, Água na boca. Web: www.missd.com.br.] por exemplo, tem uma receita de churrasco, onde recomenda que coloquemos «no primeiro espeto um pedaço de lingüiça calabresa, a mais picante que encontrar». Segundo ele, «aprendi a comer pratos picantes na Índia, fiquei contaminado e agora não abro mão da pimenta. Asso-a rapidamente, na labareda mesmo. Ela fica torradinha. Para torrar mais rápido, furo a tripa com um palito, para escorrer a água. Servida no início do churrasco, na hora dos aperitivos, serve especialmente para despertar nos meus convidados o gosto pela cerveja. Mesmo os que não são adeptos do álcool partem imediatamente para um copo estupidamente gelado». 

Mas, talvez, um dos pratos picantes mais conhecidos e citados na historiografia da culinária seja a Shchi[ Shchi, Russian cabbage soup, ou sopa de repolho russa, conforme receita usada e divulgada por Josef Stálin (1929-1953), ex-ditador da União Soviética. A shchi pode ser feita com carne ou sem ela, mas é indispensável o chucrute ou o repolho, ou ambos. Uma recomendação fundamental é que deve sentar e curar no mínimo por um ou dois dias, antes de ser comida. Esta receita que fazia parte do cardápio de Stálin, e era, segundo alguns, seu prato preferido, por causa da presença do chucrute e do repolho, é cheia de sabores e texturas e deve ser comida quente, com pumpernickel ou pão de centeio e manteiga. 

É importante dizer que não foi Stálin quem inventou a shchi, pois há evidências de que já era conhecido na Rússia desde antes do ano 988, quando o cristianismo foi aceito. Shchi originariamente significava "comida líquida" e só depois ficou conhecida como "sopa de repolho", quando o legume passou a ser cultivado na região. Foi a sopa favorita de mongóis, de Ivã, o terrível, Nicolas II, de Lênin, de Stalin, e de Mao Zedong. 

E Alexandre Dumas gostou tanto da shchi que a colocou no seu livro de receitas. E Lewis Carroll a achou bebível, mas um pouco azeda, condizente com o paladar russo. Isso é tão verdadeiro que ainda hoje na Rússia se alguém for chamado de “professor de shchi azedo” significa que é uma fraude, ou seja, incapaz de preparar algo que todo mundo sabe fazer.

Simple Shchi soup (cabbage soup) Recipe - Irina's Home Cooking -- Youtube


Por isso, fugindo ao apodo de “professor de shchi azedo” segue aqui uma versão unânime da sopa de repolho russa. Ingredientes: quatro xícaras de repolho, duas ou três xícaras de chucrute não enlatado. Duas colheres de massa de tomate, doze xícaras de carne de boi, ou, se você não come carne, de legumes variados, em especial cogumelos. Três colheres de sopa de manteiga, uma cenoura descascada e cortada em Julienne, uma xícara e meia de cebola cortada, um talo de aipo bem cortadinho, um nabo grande descascado e também bem cortadinho. E ainda tomates cortados, sal e pimenta. E, por fim, cravo da Índia picado.

Aqui vai outra receita: 
comece saturando os cogumelos em água, depois de lavados e fatiados.

Em uma frigideira grande derreta a manteiga em calor médio, refogue a cenoura, cebolas, aipo, nabos, e cogumelos até tudo ficar ligeiramente marrom (aproximadamente quinze minutos). Numa caçarola, coloque o repolho e o chucrute e refogue durante 15 minutos, mexendo sempre. Depois coloque os ingredientes da frigideira na caçarola, e os temperos. Mexa tudo, cubra e deixe cozinhar em fogo brando por vinte minutos. Por fim, acrescente o alho e cozinhe por mais cinco minutos. 

Deixe então sentar e curar por um ou dois dias. Se for inverno aqueça antes de servir. Se for no verão, como recomenda Edouard Limonov, sirva frio. Com guarnição sirva endro fresco cortado e misturado com nata azeda. Por ser um prato azedo e picante combina com vinho branco, mas os russos, logicamente, preferem acompanhar com vodca. Assim, presente tanto na historiografia da culinária, como na literatura, não seria de estranhar que também se fizesse presente na política russa.

Vladimir Illich Lênin, pai da revolução bolchevique, apelidou Stálin de “o cozinheiro de pratos picantes”. [León Trotsky, O cozinheiro de pratos picantes, citado por Ludo Martens, O testamento de Lênin, Centro de Mídia Independente.] Esse apelido partia do viés culinário de Stálin, mas guardava outro sentido: a acusação velada de que Stálin envenenava seus desafetos. O apelido foi mais tarde utilizado por Trotsky contra Stálin e acabou se generalizando na Oposição de Esquerda.

Trotsky acreditava ou ao menos fez questão de publicitar que Stálin tinha envenenado Lênin.

Apesar de, durante todo o período stalinista, esta acusação ter ficado marginalizada da historiografia soviética, ela reapareceu com força com o fim da União Soviética. Está presente em “Touro”, filme do cineasta russo Alexander Sokourov que evoca os últimos dias de Lênin em 1922, depois que sofreu um primeiro derrame. Prematuramente velho, caminha com dificuldade e tem surtos de depressão e delírios. Só Krupskaya, sua mulher, o trata com carinho. Rodeado por guardas e criados, alguns dos quais informantes da polícia política, aqui o retrato de Lênin é o do Minotauro, monstro e vítima, possuidor de poder, mas cada vez mais solitário e isolado. [Alexei Jankowski, Lénine en fauteuil roulant Taurus, film russe d’Alexandre Soukourov. Les Archives (do jornal) l´Humanité, L´Humanité.] A cena em que Lênin descobre que o telefone da datcha foi cortado mostra isso. E a visita de Stálin, discutida várias vezes, mas em especial num jantar, onde o prato servido é a shchi, traz à tona o medo de Lênin de ser envenenado pelo novo secretário-geral do Partido. E quando Stálin chega e entra na casa, Sokourov traduz em sombras e meia-luz esta presença maligna do anjo da morte. 

Trotsky décadas antes de Sukourov já havia apresentado sua versão: “Eu imagino que as coisas se passaram quase dessa forma. Lênin pede veneno ao final de fevereiro de 1923. No inverno, o estado de Lênin começou a melhorar lentamente. O uso da voz retornara. Stálin queria o poder. O objetivo estava próximo, mas o perigo emanado de Lênin estava mais próximo ainda. Stálin devia tomar a resolução que lhe era imperativa, de agir sem demora. Se Stálin enviou o veneno a Lênin depois que os médicos tinham deixado entender por meias palavras que ele não tinha mais esperança ou se recorreu a outros meios mais diretos, eu ignoro”. Essa leitura de Trotsky também é a de historiadores contemporâneos, como Domènech,[ Antoni Doménech, El eclipse de la fraternidad, Una revisión republicana de la tradición socialista, Barcelona, Ed. Crítica, 2004. Vide: Entrevista político-filosófica de Antoni Domènech, Salvador López Arnal, que afirma ter sido Lênin assassinado por Stálin. 

Certamente é difícil dar uma palavra final sobre a morte de Lênin. Em 1991, documentos foram divulgados, entre eles a autópsia de Lênin, assim como as memórias daqueles que acompanharam sua morte. Um trabalho publicado no "European Journal of Neurology" de junho de 2004 sugere que Lênin, aos 54 anos, morreu de neurossífilis. [Julio Abramczyk, Estudo especula sobre morte de Lênin, Folha de S. Paulo, 01/08/2004.] Os autores, V. Lerner, Y. Finkelstein e E. Witztum, de Israel, com base em cinco anos de pesquisas em arquivos liberados da antiga União Soviética, relatórios de necropsia e livros de memória de antigos médicos, concluíram que Lênin sofreu de sífilis terciária, que no correr dos anos afeta o cérebro. A causa oficial da morte de Lênin foi uma arteriosclerose cerebral, mas apenas oito dos 27 médicos que trataram dele assinaram esse diagnóstico. Os dois médicos pessoais do revolucionário recusaram-se a assinar o atestado de óbito oficial. Segundo os médicos israelenses, a sífilis produziu lesões cerebrais e demência nos dois últimos anos de vida do líder. 

É verdade que a sífilis na época era incurável, mas é interessante que sua mulher Krupskaya viveu até 1939 e nunca apresentou nenhum sintoma da doença. Assim, a sífilis de Lênin pode ser mais uma especulação, principalmente quando nos lembramos que ele sofreu uma tentativa de assassinato em 1918 e que a bala nunca foi removida. Daí, outra hipótese, o do envenenamento lento causado pela bala não extraída.

Diante dessa comida que mata, dessa bebida que fulmina, talvez o jeito seja cantar o rock punk do k2o3: «És capaz» da banda de punk rock k2o3, formada em 1994. Seu álbum de estréia foi lançado em 1996, pela El Tatu.

Veneno que me rouba a vida
veneno, uoohhoo! 
é o veneno que me está a matar
mesmo que queria não consigo escapar
cruel e fria perseguição
que só acaba com destruição
Veneno que me rouba a vida veneno, uoohhoo!

Notas

Airton Ortiz, O churrasco de um gaúcho viajante, Água na boca. Web: www.missd.com.br.
Shchi, Russian cabbage soup. Web: www.soupsong.com/bfaves.
León Trotsky, O cozinheiro de pratos picantes, citado por Ludo Martens, O testamento de Lênin, Centro de Mídia Independente.
Alexei Jankowski, Lénine en fauteuil roulant Taurus, film russe d’Alexandre Soukourov. Les Archives (do jornal) l´Humanité, L´Humanité.
Antoni Doménech, El eclipse de la fraternidad, Una revisión republicana de la tradición socialista, Barcelona, Ed. Crítica, 2004. Vide: Entrevista político-filosófica de Antoni Domènech, Salvador López Arnal. 
Web: http://www.nodo50.org/red.../descargas/Entrevista_TD_def.pdf.
Julio Abramczyk, Estudo especula sobre morte de Lênin, Folha de S. Paulo, 01/08/2004.
«És capaz» da banda de punk rock k2o3, formada em 1994. Seu álbum de estréia foi lançado em 1996, pela El Tatu. O segundo álbum recebeu o título de “Grita!”. O grupo não existe mais.




Na contramão com Aristófanes

Um, dois, três...
Na contramão com Aristófanes
Jorge Pinheiro, PhD


O texto hebraico das Origens conta que o eterno disse não é bom que o cara viva sozinho, vou construir para ele alguém que o ajude a ir em frente. Isso a gente sabe, todos num estado de tranqüilidade, e ciente dos desejos do coração, deseja amar e ser amado. 

Ou seja, num momento de sinceridade, amamos ter alguém em quem confiar, e se possível a ponto de podermos revelar nosso lado íntimo. É, acho que gostaríamos muito poder confiar àqueles que gozam de nossa intimidade alguns dos sentimentos que guardamos lá dentro. Talvez, por isso, nos sentimos atraídos por grupos de relacionamentos como facebook, twitter e outros. É isso mesmo, no raso e no fundo, queremos amar e ser amados.

Às vezes no silêncio da noite/ Eu fico imaginando nós dois/ Eu fico ali sonhando acordado/ Juntando o antes, o agora e o depois (“Sozinho”, de Caetano Veloso e Peninha). 

Por isso, a pergunta procede: o que nos impede de abrir o coração e amar? Tememos riscos? Que riscos? 

Vamos pensar isso com o poeta Aristófanes, lá no Banquete de Platão. Ele disse que antigamente a natureza não era como é hoje. Nossos ancestrais eram duplos, mas tinham unidade. Cada pessoa constituía um todo, de forma esférica, com costas e flancos arredondados. Tinham quatro mãos, o mesmo número de pernas, dois rostos idênticos num pescoço redondo, mas uma cabeça única para o conjunto desses dois rostos opostos um ao outro. Tinham quatro orelhas e dois órgãos sexuais.

Por que você me deixa tão solto?/ Por que você não cola em mim?/ Tô me sentindo muito sozinho

Essa dualidade genital explica por que não havia dois e sim três gêneros na espécie humana: os machos, que tinham dois sexos de homem, as fêmeas, que tinham dois sexos de mulher, e os andróginos, que tinham ambos os sexos. 

O macho, conta o poeta, era filho do Sol, a fêmea filha da Terra, a espécie mista da Lua, que participa do Sol e da Terra. Todos tinham uma força impressionante e, por isso, tentaram subir ao céu e derrubar os deuses. Para puni-los, Zeus decidiu cortá-los em dois, de cima a baixo, como se corta uma laranja. Então terminou a completitude e a unidade. A partir de então cada um é obrigado a buscar o outro pedaço.

Não sou nem quero ser o seu dono/ É que um carinho às vezes cai bem/ Eu tenho meus desejos e planos secretos/ Só abro pra você mais ninguém

Agora, estamos separados de nós mesmos. Esse desejo de busca é o que Aristófanes chamava amor, e, quando satisfeito, seria a condição da felicidade. Somente o amor reconstruiria a natureza, ao fundir dois seres num só. Por isso, para o poeta e dramaturgo, uma pessoa seria homoafetiva, heteroafetiva ou andrógina, conforme a unidade perdida.

Assim, a partir do mito, Aristófanes considerou que quando uma pessoa -- tenha ela inclinação por homens ou mulheres -- encontra a sua metade, transforma-se num prodígio de amor e ternura.

Por que você me esquece e some?/ E se eu me interessar por alguém?/ E se ela, de repente, me ganha?

Essa é a definição do amor fusional de Aristófanes, que faria voltar à unidade da natureza primeira, que libertaria da solidão, e que seria, tanto nesta vida como na outra, a maior felicidade a ser alcançada. 

Mas, por necessitar duas pessoas tal fusão é sempre um momento e, por isso, longe de abolir a solidão, a confirma. Se as almas pudessem se fundir seria outra coisa, mas são os corpos que se fundem, por um momento.

Daí o fracasso. Todos querem ser um só, mas eis todos mais do que nunca sendo dois, sempre. Por isso, os romanos diziam que post coitum omne animal triste. Mas se o amor não nasce dessa fusão de corpos, nasce o prazer. Ou, podemos dizer, os corpos entendem mais de Eros do que os especialistas. Os corpos entendem as solidões, as loucuras dos desejos, os abismos do prazer. Se após a união dos corpos, a solidão é parceira, o corpo é este pedaço de mim nunca completado.

Detalhe: Platão não gostava de Aristófanes. E o relato hebreu, que mergulha nas profundezas na existência, não deixa por menos, somos dois mesmos, sempre. E é do diferente, do divergente, que deve nascer a união. Ou como disse o homem de Nazaré, e ambos serão uma só carne. E se isso é bênção ou maldição, acho que depende de cada dois. 

Ou você me engana/ Ou não está madura/ Onde está você agora? (“Sozinho”, de Caetano Veloso e Peninha).

mardi 16 février 2021

76 anos intensos ...

No dia 5 de março deste ano (2021) cheguei aos 76 anos
São 60 anos de um debruçar sobre a filosofia -- aos 16 anos já tinha lido a República de Platão, As dores do mundo de Schopenhauer, A filosofia positiva de Augusto Comte e O mundo interior de Farias Brito, entre outros -- e depois começar a estudar formalmente, além das discussões que fazíamos em casa. E 50 anos de estudo da teologia -- a partir de Agostinho, as Confissões, e Kierkegaard, Temor e tremor -- e depois com as faculdades, mestrado e doutorado cursados. E três idiomas da juventude: grego, hebraico e russo. Tudo isso forrado do judaísmo liberal de meus pais.

Mas, nesse aniversário de 76 anos, realço o texto de "kadish - vida, morte e reino", que eu gosto tanto. Se você quer conhecer um pouco do meu pensamento -- filosófico, teológico e religioso --, vale a pena ler "kadish - vida, morte e reino". Encomende com Eduardo de Proença da Fonte Editorial (+55 11 32140679).

E aqui vai um capítulo do livro. Boa leitura.


O kadish, santificação... 


... é uma das ideias-força da liturgia judaica. Deve ser praticado como ato de glorificação e santificação do haShem, do Nome divino, a partir de uma das visões escatológicas de profeta Ezequiel. Na liturgia apresenta várias versões, e a mais conhecida é a do lamentado, embora o kadish não inclua nenhuma referência aos mortos ou a sua ressurreição. O kadish influenciou várias orações cristãs, e o rabino de Nazaré ensinou aos seus discípulos um kadish que ficou conhecido como o Pai Nosso.

Não há nenhum ensino explícito nos textos das escrituras hebraicas que nos dê uma receita para orar o kadish. Porém, rabinos entendem Levítico 22.32 como um ensino que deve ser respeitado ... “para que Eu possa ser santificado entre os filhos de Israel".

No Talmude, o kadish é mencionado várias vezes. Foi ensinado pelo rabino Yossi: Um dia eu estava caminhando na estrada, e entrei nas ruínas de Jerusalém uma ruína para orar. Vint Eliyahu, o profeta, que estava na porta, esperou por mim até eu terminar minha oração. Depois ele me disse: A paz seja com você, rabino, e eu disse: "A paz seja com você também meu rabino e meu senhor. Ele disse então: Meu filho, por que você entrou nesta ruína? Disse-lhe: para orar. Ele então acrescentou: Meu filho, que voz você ouviu nesta ruína? e eu lhe disse: Ouvi um eco, como o pio de uma pomba, dizendo: Ai dos filhos pelos pecados que destruíram a minha casa, e queimou o meu altar, e os lancei no meio das nações. Ele então completou: Na sua vida não é nesta hora que deve elevar sua voz, mas todos os dias, três vezes ao dia. Não só isso, mas na hora em que Israel entra nas sinagogas e casas de estudo. 

Mas também o rabino Shimon ben Gamaliel exortou homens e congregação a orarem o kadish. 

Na segunda agadá, após a destruição do Templo, o kadish era orado em aramaico e considerado de importância para a sobrevivência espiritual do mundo. O kadish não era orado como lamento, mas pelos rabinos após suas exposições da Torá, nas tardes do sábado. E, mais tarde, quando terminavam o estudo de uma seção de midrash ou agadá. Esta prática se desenvolveu na Babilônia, onde a maioria das pessoas falava o aramaico.

Pessoalmente, vejo o kadish não apenas como peça litúrgica, mas como teologia que na adoração a haShem engloba vida, morte e reino. Por isso, sem dúvida, podemos aprender muito com as tradições judaicas desta teologia do kadish. 

Nessas reflexões sobre adoração, história, teologia e também política seguimos os passos de Shaul de Tarso, rabino filho de rabino, e utilizamos como referenciais teóricos três pensadores: um dos pais da Sociologia, Karl Marx; um teólogo, Paul Tillich; e um filósofo, Slavoj Zizek, a partir dos quais tenho realizado muito da minha produção acadêmica. Assim, Shaul, Marx, Tillich e Zizek, convido-os simplesmente a fazer o mesmo que Ieshua, rabino de Nazaré: romper preconceitos.



mardi 26 janvier 2021

Ha que ler o desejo

Há que ler o desejo
Jorge Pinheiro 

“Você está falando de bens materiais, de coisa frágil. Se você tem certeza de que esses bens ficarão sempre com você, fique com eles sem partilhar com ninguém. Mas se você não é o senhor absoluto deles, se tudo que você tem depende mais da sorte do que de você mesmo, por que este apego a eles?”. [Menandro, O Misantropo. Site: Oficina de teatro. WEB: www.oficinadeteatro.com].

Betty Fuks no seu livro Freud e a Judeidade, a vocação do exílio (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000 (pp. 127-133) conta que Freud, um dia depois do sepultamento do pai, sonhou com um cartaz onde estava escrito: “Pede-se fechar os olhos”. Mais tarde, em carta a Fliess, o pai da psicanálise falou dos sentidos subjetivos da frase: “era parte da minha auto-análise, minha reação diante da morte de meu pai, vale dizer, diante da perda mais terrível na vida de um homem”. 

Não vou entrar nos detalhes das leituras que o próprio Freud fez da frase que apareceu em seu sonho. Diria ao leitor que vale a pena ler Freud e a Judeidade. Pretendo aqui levantar uma proposta de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. É a partir dessa hermenêutica, que vamos ler trechos do final da primeira carta aos coríntios de Paulus, o pequeno, apóstolo temporão de Iesous. 

“... Foi sepultado e foi despertado do sono no terceiro dia, de acordo com o escrito”. 

A frase acima e a continuação do texto é uma das mais importantes sobre a egeiro e anástasis, duas expressões gregas não substancialmente diferentes, que sintetizam a teologia da anástase dos cristãos do primeiro século. As traduções posteriores, e creio que dificilmente poderiam ser diferentes, criaram um padrão de imagem que dificultam a experiência do ir além. Por isso, fomos obrigados antes da tradução transversa fazer a desconstrução histórico-filosófica da anástase.

As leituras da anástasis e egeiró remontam a Homero e ao grego antigo e com seus sentidos correlatos axanástasis, anhistémi e anazaó, que podem ser traduzidas por “ficar de pé”, “ser levantado” e “voltar à vida”, foram fundamentais para a construção do conceito anástase, amplamente utilizado pelas ciências do espírito. Mas é com Platão, na literatura filosófica, que vamos encontrar um debate fundamental para a teologia da anástase, quando apresenta a alma enquanto semelhança do divino e o corpo enquanto semelhança do que é físico e temporário. 

Platão, em Fédon (Coleção Os Pensadores, São Paulo, Nova Cultural, 1987), num diálogo entre Sócrates e seus amigos defendeu a idéia da imortalidade da alma. Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, mas não teve medo, por crer ser a alma imortal. Para Platão, as almas possuem semelhanças com as formas, que são realidades eternas por trás do mundo físico, natural. Nesse sentido, para Platão, o corpo morre, mas a alma não. Ele parte do padrão cíclico da natureza, frio/ quente/ frio, noite/ dia/ noite. Assim, os mortos despertam numa nova vida depois da morte: caso contrário, a vida desapareceria. 

E dirá através de Sócrates em Fédon: “(...) perguntemos a nós mesmos se acreditamos que a morte seja alguma coisa? (...) Que não será senão a separação entre a alma e o corpo? Morrer, então, consistirá em apartar-se da alma o corpo, ficando este reduzido a si mesmo e, por outro lado, em libertar-se do corpo a alma e isolar-se em si mesma? Ou será a morte outra coisa? (...) Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o que nos propomos investigar. És de opinião que seja próprio do filósofo esforçar-se para a aquisição dos pretensos prazeres, tal como comer e beber?” 

Paulus conhecia a discussão filosófica grega acerca da anástase, já que isso se evidencia em seus escritos, principalmente no trecho que estamos analisando, mas é certo que construiu seu conceito também levando em conta a tradição judaica, acrescentando novidades ao debate teológico. Existem referências ao ser trazido de volta à vida nas escrituras hebraico-judaicas. Mas a preocupação judaica era existencial, como vimos em Qohélet. Mais do que remeter a um futuro distante, embora tais leituras estejam presentes na teologia de alguns profetas, as histórias de anástase relacionadas aos profetas Elias e Eliseu falam do aqui e agora. Aliás, este último, mesmo de depois de morto, trouxe à vida um defunto que foi jogado sobre sua ossada. Ao tocar os ossos de Eliseu, o morto ficou vivo de novo e se levantou. Esse caminho será a novidade da compreensão cristã/ helênica da anástase.

“Somos arautos de que o ungido foi levantado do meio dos mortos: como alguns podem dizer que não há o ser erguido dos mortos? E, se não há o despertar do sono da morte, também o ungido não foi levantado. E se o ungido não foi levantado, é inútil o que falamos e também inútil a nossa crença. Somos então testemunhas falsas, porque anunciamos que Deus ergueu o ungido. Mas se ele não foi levantado, os mortos também não são erguidos. E se os mortos não são erguidos, o ungido também não o foi. E, se o ungido não foi erguido, a nossa crença é inútil e vocês continuam a vagar sem destino. E os que foram colocados para dormir no ungido estão destruídos”. 

Outras fontes de Paulus foram o profeta Daniel e outras literaturas intertestamentárias, que trabalham com a idéia de “despertar subitamente do sono”. Th.-G Chifflot e R. De Vaux, na versão francesa de La Sainte Bible (Les Editions Du Cerf, Paris, 1973. Tradução: A Bíblia de Jerusalém, Ed. Paulinas, São Paulo, 1985, p. 1347) situam o livro de Daniel no período helênico por entender que é uma edição de antigos fragmentos do período babilônico, compilados, organizados e contextualizados ao momento histórico descrito no capítulo onze. Nesse capítulo, as guerras entre lágidas e selêucidas, assim como as investidas de Antíoco IV Epífanes contra Jerusalém e o templo são narradas com riquezas de detalhes. Ao contrário do que acontece nos livros proféticos anteriores, aqui o autor cita fatos aparentemente insignificantes, querendo demonstrar que é uma testemunha ocular da história. Dessa maneira, a edição que conhecemos do livro de Daniel deve ser situada no período da grande perseguição de Antíoco IV Epífanes, possivelmente entre os anos de 167 e 164 a.C., segundo Th.-G. Chifflot e R. De Vaux, jã citados. A partir desse enquadramento, os capítulos 7 a 12 de Daniel, enquanto edição são chamados de “vaticinia ex eventu”, dado que o autor viveu depois e não antes dos fatos históricos que descreve. Esses capítulos são uma reação contra a declarada helenização da Judéia e das perseguições em curso, mas, paradoxalmente, uma forma de pensamento afetado pela civilização helenística.

A partir da segunda metade do livro, o autor trabalha sobre dois temas registrados na primeira metade: que o judeu deve ser fiel a Deus em meio à tentação e à provação; e que Deus defende o servo leal que prefere morrer a violar os mandamentos. Nos seis capítulos finais, o sábio (ou grupo de sábios, cujos escritos foram compilados por um redator) retoma o conteúdo das visões que teve em relação à profanação do templo, em 167 a.C., e o erguimento da “abominação desoladora”. Assim, durante o período dos macabeu muitas idéias novas afloraram em meio à vida judaica, entre elas a esperança da recompensa escatolõgica apresentada pelas profecias apocalípticas, como em 2Macabeus 7, Daniel 12:2-3 e Escrito de Damasco 4:4, que se traduzem concretamente na anástase.

Assim, os elementos novos da compreensão paulina da anástase já aparecem delineados no profeta Daniel: “Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente”. Paulus, porém, acrescentará uma leitura existencial à compreensão de Daniel, dirá que a morte, o maior de todos os odiados pela espécie humana, será privada de força.

“Caso o ungido só sirva para esta vida, somos as pessoas mais dignas de lástima. Mas o ungido foi levantado dentre os mortos e foi o primeiro fruto dos que foram colocados para dormir. Porque se a morte chegou pela humanidade, também o ungido dará à luz nova vida. Como morre a espécie, no ungido ela recebe vida. E isso acontece numa ordem: o ungido é o primeiro fruto, depois os que pertencem ao ungido, quando ele aparecer. E veremos o limite, quando o ungido entregar o reino a Deus e Pai, e tornar inoperante o império, os poderes e os exércitos. Convém que seja rei até derrubar os odiados por terra. O último odiado a ser privado de força é a morte, porque o resto já foi colocado debaixo de seus pés”. 

É interessante que Paulus em seu texto sobre a anástase cita o filósofo, dramaturgo e poeta grego Menandro (342-291 a.C.), que num verso disse: “as más companhias corrompem os bons costumes”. Paulus gostava de teatro e de comédias. E voltando ao Misantropo: “insisto que, enquanto você é dono deles, você deve usá-los como um homem de bem, ajudando os outros, fazendo felizes tantas pessoas quantas você puder! Isto é que não morre, e se um dia você for golpeado pela má sorte você receberá de volta o mesmo que tiver dado. Um amigo certo é muito melhor que riquezas incertas, que você mantém enterradas”.

Que Paulus recorreu à tradição hebraico-judaica fica claro quando cita o profeta Oséias literalmente: “eu os remirei do poder do inferno e os resgatarei da morte? Onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está ó morte a tua destruição?”. Mas há uma correlação entre Platão e a tradição hebraico-judaica, que pode ser lida nesta carta de Paulus. Isto porque, como afirma Fuks, o leitor desconstrói, pois ler não é repetir o texto: é um modo de transformação e de criação. Por isso, digo que ler é um ato de anástase. E Paulus trabalhou de forma brilhante o termo, tanto nas suas leituras e estudos, como na reconstrução do próprio conceito.

“Que farão os que se batizam pelos mortos, se os mortos não são chamados de volta à vida? Por que se batizam então pelos mortos? Por que estamos a cada hora em perigo? Protesto contra a morte de cada dia. Eu me glorio por vocês, no ungido Iesous a quem pertencemos. Combati em Éfeso contra animais ferozes, mas o que significa isso, se os mortos não podem ressurgir? Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos. Mas não vamos nos enganar: as más companhias corrompem os bons costumes”.

Na sequência da tradição hebraico-judaica, ou como diz Fuks, “os antigos hebreus não estavam trabalhados, como nós, pela necessidade de abstração, de síntese e de precisão na análise conceitual do real, herança dos gregos”, Paulus está preocupado com o corpo, com a vida.

“Mas alguém pode perguntar: como os mortos são trazidos à vida? E com que corpo? Estúpido! O que se semeia não tem vida, está morto. E, quando se semeia, não é semeado o corpo que há de nascer, mas o grão, como de trigo ou qualquer outra semente. Deus dá o corpo como quiser, e a cada semente o corpo que deve ter. Nem toda a carne é uma mesma carne, há carne humana, de animais terrestres, de peixes, de aves. E há corpos celestes e corpos terrestres, uma é a dignidade dos celestes e outra a dos terrestres. Diferente é o esplendor do sol do esplendor da lua e das estrelas. Porque uma estrela difere em brilho de outra estrela. Assim também o ser levantado dentre os mortos. Semeia-se o corpo perecível; levantará sem corrupção. Semeia-se na desgraça, será levantado em excelência. Semeia-se em debilidade, será erguido vigoroso. Semeia-se corpo controlado pela psique, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo controlado pela psique, também há corpo espiritual”. 

Para Paulus, anástase leva à uma teologia da vida que nasce do corpo. Mas, não é simplesmente ter de volta a vida do corpo material, tanto que em certo momento Paulus diz que “deveremos ser a imagem do homem do céu”.

“Assim também está escrito: o primeiro ser humano, terrestre, foi feito ser-que-deseja, o futuro humano será um espírito-cheio-de-vida. Mas o que não é espiritual vem primeiro, é o natural, depois vem o espiritual. O primeiro ser humano, da terra, é terreno; o segundo humano, a quem pertencemos, é celestial. Como é o da terra, assim são os terrestres. E como é o celeste, assim são os celestiais. E, como somos a imagem do terreno, assim seremos também a imagem do celestial”. 

Mas o pensamento grego, platônico, está presente na anástase paulina, já que a eternidade não é construída em cima da carne e do sangue. Vemos aqui a dualidade entre a realidade física e o mundo das formas. O dualismo metafísico de Paulus admite aqui duas substâncias que regem o ser humano, no mundo natural, a psique, e no mundo pós-anástase, o pneuma. E dois princípios, nesse sentido bem próximo a Platão, o bem e o mal. 

“E agora digo que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a eternidade. Digo um mistério: nem todos vamos adormecer, mas seremos transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, porque a trombeta soará, os mortos serão levantados incorruptíveis, e seremos transformados. Convém que o corrompido seja tornado eterno, e o que é mortal seja tornado imortal. E, quando o que é corruptível se vestir de eternidade, e o que é mortal for transformado em imortal, então será cumprida a palavra que está escrita: a morte foi conquistada definitivamente. Onde está, ó morte, a tua picada? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, a picada da morte é o desviar-se do caminho da honra e da justiça, e a força do erro é a lei. Mas a alegria que Deus dá é a vitória por Iesous, o ungido, a quem pertencemos. Sejam firmes e persistentes, abundantes no serviço daquele a quem pertencemos, conscientes de que o trabalho árduo e duro não é desprezado por aquele a quem pertencemos”.

Assim, se voltarmos à análise do conceito anástase no capítulo 15 da primeira carta aos coríntios, tomando como ponto de partida o desafio de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”, vemos que Paulus traduziu para as novas gerações o desejo grego/judaico, humano, da anástase: “Pede-se ser levantado”. 










vendredi 22 janvier 2021

Pasteur, qu'est-ce que c'est ?

Pasteur, qu'est-ce que c'est ?

Dans le Nouveau Testament, un pasteur est une personne qui prend soin des autres membres de l'église, exerçant un leadership. Le pasteur aide les autres membres à grandir, en les exhortant, en les corrigeant, en les conseillant et en leur apprenant à vivre selon la Parole de Dieu.

Dieu distribue différents dons aux gens, pour construire l'église. L'un de ces dons est la capacité d'être pasteur. Le don du ministère pastoral, a été expliqué par l'apôtre Paul dans 1 Timothée 4: 13-14 : « Consacrez-vous à lire l'Écriture aux fidèles, à les encourager et à les enseigner. N'oubliez pas le don que vous avez reçu lorsque vous avez été nommé par les prophètes de l'Église et que les responsables ont placé leurs mains sur votre tête ».

Le verset 4.13 fait référence à deux blocs de compréhension de notre relation avec les Saintes Écritures: (1) lire, écouter, méditer et (2) étudier, enseigner, appliquer. Et cela nous amène au modèle pastoral suggéré par Paul à Timothée: qu'il soit un modèle en parole, en procédure, en foi, en pureté.

Selon le Nouveau Testament, les pasteurs font partie de la direction de l'église, avec ceux qui ont les dons d'enseignement et d'évangélisation (1 Corinthiens 12:28). Ce leadership rend toute l'Église plus forte et plus capable de remplir sa mission.

Jésus est notre grand berger. Tout comme un berger prend soin de brebis, Jésus prend soin de chacun de nous, nous guide et nous protège. Jésus est le bon berger. Il nous aime tellement qu'il a donné sa vie pour nous ! Tout leadership doit être basé sur l'amour (Jean 10: 14-15).

Être pasteur est une grande responsabilité ! Le Nouveau Testament dit que les pasteurs (et les autres dirigeants) seront tenus responsables devant Dieu de leur service (1 Pierre 5: 3-4). Le travail n'est pas facile et comporte de grands défis. C'est pourquoi chaque pasteur a tellement besoin de la grâce de Dieu.

Que fait un pasteur? Le pasteur peut avoir plusieurs fonctions. Comme le berger, le pasteur garde les brebis de Jésus. Dans le Nouveau Testament, les rôles de pasteur, d'évêque et d'ancien sont plus ou moins les mêmes.

Le pasteur enseigne. Un pasteur est quelqu'un qui enseigne aux autres à suivre le Nouveau Testament, en expliquant ce que cela signifie. Cela peut être fait par la prédication, des études bibliques ou des conversations personnelles. Ainsi, le travail du pasteur et de l'enseignant se recoupent souvent.

Le pasteur mène. Lorsque l'église a besoin de leadership et de conseils, le pasteur a cette responsabilité, avec tous les autres dirigeants de l'église. Diriger signifie guider et résoudre des questions plus problématiques, promouvoir la paix et l'unité. Le pasteur a une autorité spirituelle sur l'église.

Le pasteur prend soin. C'est le grand travail du pasteur - prendre soin de la vie spirituelle des autres membres de l'église. Le pasteur donne des conseils et aide à résoudre les problèmes de la vie spirituelle, à travers la vérité de la Bible. Le pasteur est comme un « médecin » qui prend soin de la santé spirituelle des gens.

Qui peut être pasteur ? La première exigence pour être pasteur est d'avoir l'appel à être pasteur ! Tout le monde n'a pas ce don, mais ceux qui le font devraient développer le don et l'utiliser pour le bien de l'église.

Le Nouveau Testament a quelques recommandations sur qui devrait être un pasteur ou un dirigeant dans l'église:

(1) il ne doit pas être nouveau dans la foi - car il a encore beaucoup à apprendre et peut devenir fier - 1 Timothée 3: 6;

(2) vous devez être un bon chrétien - votre vie doit être un exemple de modération, de bon sens et de maîtrise de soi - 1 Timothée 3: 2-3;

(3) doit avoir une bonne réputation - ne pas avoir la réputation de faire de mauvaises choses - 1 Timothée 3: 7;

(4) vous devez aimer la Bible - comprendre ce qu'elle dit et s'accrocher à la vérité - Tite 1: 8-9;

(5) et si vous êtes un père de famille, la façon dont vous éduquez vos enfants montrera si vous êtes capable de diriger l'église. Si quelqu'un ne parvient pas à bien diriger ses enfants, il ne pourra probablement pas bien diriger une église (1 Timothée 3: 4-5). Ces directives vous aident à comprendre si quelqu'un est prêt à assumer la responsabilité d'être un pasteur.

Le pasteur devrait-il recevoir un salaire? Oui, un pasteur qui travaille à plein temps pour l'église mérite un salaire. Le Nouveau Testament dit que quiconque prêche l'Évangile a le droit d'être soutenu par l'Église.

Que fait un pasteur? Le pasteur est un leader dans sa congrégation. Le chef n'est pas une personne plus importante, à qui tout le monde obéit sans poser de questions. Le leader sert l'église en enseignant, prêchant, conseillant, aidant, réprimandant, exhortant et guidant ses frères en Christ (2 Timothée 4: 2). Le pasteur a une responsabilité très sérieuse, car il devra rendre compte à Dieu de son œuvre dans la vie de ses frères (Hébreux 13:17).

Le pasteur qui ne reçoit pas de salaire ne peut pas faire beaucoup plus que prêcher dans le culte. Il doit consacrer le reste de son temps à soutenir sa famille. Mais le pasteur à plein temps fait bien plus :

• Prêcher - un bon sermon nécessite beaucoup de temps pour la prière, la réflexion et l'étude de la Bible ;

• Faire des études bibliques - une étude biblique prend des heures à créer et à préparer, tout comme la classe d'un enseignant à l'école ;

• Conseiller et visiter - le pasteur est disponible pour ses frères et la communauté en général, aidant à restaurer et à réparer des vies par la Parole de Dieu ;

• Gérer l'église et ses activités - c'est souvent le pasteur qui s'occupe des finances, des œuvres sociales, des activités d'évangélisation, etc ;

• Former d'autres leaders - lorsqu'il en a la possibilité, le pasteur forme personnellement de nouveaux leaders pour la construction de l'église ;

• Prier et intercéder pour la congrégation - le pasteur passe ses genoux à prier pour vous ;

• Étudier la Bible à fond - pour avoir la sagesse nécessaire pour aider vos frères.

Que dit la Bible ? Le Nouveau Testament dit que « ceux qui prêchent l'Évangile vivent de l'Évangile » (1 Corinthiens 9:14). Quiconque travaille pour l'église mérite d'être soutenu par l'église. Cela signifie avoir suffisamment à manger, à boire, à s'habiller, à payer les dépenses du ménage et à subvenir aux besoins de votre famille (1 Corinthiens 9: 3-5).

Dans l'Ancien et le Nouveau Testament, des prêtres et des Lévites à Jésus lui-même, les chefs spirituels étaient soutenus par les croyants. Même Paul, qui se vantait de ne pas utiliser ce droit, a été soutenu par l'Église philippienne pendant un certain temps (Philippiens 4:18). Car ?

Parce que les gens ont reconnu que leur travail était très important. Être pasteur est un travail sérieux, qui a un impact sur de nombreuses vies. À l'époque biblique, les gens ouvraient leurs maisons et partageaient tout ce qu'ils avaient avec leurs dirigeants (Luc 10: 5-7; Galates 6: 6). Puisque personne ne fait cela aujourd'hui, le pasteur reçoit un salaire pour vivre.

Mauvaises idées sur le salaire du pasteur

• Le pasteur gagne beaucoup - à l'exception de certaines dénominations, la plupart des pasteurs gagnent un très petit salaire, ce qui est difficile pour subvenir aux besoins de leur famille. De plus, il n'y a aucun moyen de gravir les échelons de carrière ou de recevoir une augmentation de salaire ;

• Le travail du pasteur est facile - être pasteur est un travail très stressant, avec des horaires irréguliers, beaucoup de responsabilités et beaucoup de lutte spirituelle ;

• Le pasteur ne mérite pas de salaire - personne n'est parfait, pas même le pasteur, mais la Bible dit qu'il mérite son salaire (1 Corinthiens 9:11; 1 Timothée 5: 17-18); la plupart des pasteurs reçoivent beaucoup moins qu'ils ne le méritent pour leur travail ;

Gagner un salaire, ce n'est pas vivre par la foi - le pasteur doit croire que son église aura assez pour le soutenir; dans de nombreux cas, cela demande beaucoup de foi en Dieu.

Comment devons-nous traiter les pasteurs? La Bible enseigne que nous devons traiter les pasteurs avec tout le respect (Hébreux 13:17). Le travail pastoral est très important pour l'église, mais ce n'est pas facile. Nous devons tout faire pour aider et encourager les pasteurs, rendant leur travail plus rentable.

Aucun pasteur n'est parfait. Mais personne n'est parfait ! Par conséquent, les pasteurs ont besoin de grâce et de pardon. Avant de critiquer, il faut essayer de comprendre la situation. Nous pouvons donc essayer de résoudre le problème avec amour et respect.

La source
Respostas bíblicas
https://www.respostas.com.br/funcao-do-pastor/

Jorge Pinheiro dos Santos
Pasteur-missionnaire de la Cruz Huguenote / Brésil
Montpellier, 22.01.2021, vendredi, 15h56.