jeudi 17 novembre 2022

O negro e o socialismo

O Movimento Negro e a Esquerda: Questões para o Debate sobre Marxismo e Racismo

https://www.enfpt.org.br/jornadas-e-cursos/combate-ao-racismo/o-movimento-negro-e-a-esquerda-questoes-para-o-debate-sobre-marxismo-e-racismo/

O pressuposto marxista geral de que o processo de produção e reprodução capitalista não gera apenas mercadorias, mas, principalmente, relações sociais de dominação e opressão, nos permitem investigar em cada formação social como ocorre a dominação e opressão dos trabalhadores no geral e a dominação e opressão especifica de alguns segmentos sociais, tais como negros e negras, mulheres e homossexuais.

Nos anos de 1970 o aparecimento dos novos movimentos sociais, em especial o movimento negro e feminista inaugurou o debate entre o combate ao racismo e as implicações teóricas com o marxismo.

No campo das relações raciais na sociedade brasileira, essa investigação avança na medida em que as novas leituras relacionam capitalismo e racismo a fim de compreender a natureza do empobrecimento gritante da população negra, principalmente para verificar se a condição de pobreza da população é um fator decorrente da exploração econômica mediada por mecanismo de discriminação racial. Se assim for podemos concordar com Malcolm X, e dizer … “não há capitalismo sem racismo”.

Florestan Fernandes em seus estudos sobre “A integração do negro na sociedade de classes” (1964) e na obra “A revolução burguesa brasileira” afirma que ela incorporou de modo subalterno o negro na sociedade. 1 O intelectual de esquerda colocou o seu prestigio e autoridade a favor da desmistificação da ideologia racial de acomodação das relações raciais brasileiras e cunhou a expressão mito da democracia racial denunciando seu papel fundamental, o de alienar o/a negro/a enquanto sujeito da sua historia de resistência e aliená-los na sua condição e trabalhador.

A idéia da subordinação social e econômica dos negros e negras no capitalismo abre o debate sobre a relação capitalismo e racismo, cuja razão de ser não é mais explicada por um atraso cultural da sociedade brasileira, mais principalmente como um aspecto ideológico das relações sociais brasileiras que encobre os mecanismos da desigualdade racial e, como tal, se constitui mais uma contradição da sociedade capitalista.

Aspectos instigantes da modernização capitalista brasileira elucidam aquela contradição:

A abolição da escravatura (1888) foi proclamada a mais de cem anos e ate hoje não ocorreu nenhuma indenização ou reparação social para os chamados ex-escravos. O governo imperial financiou a política de importação de mão-de-obra imigrante européia e assalariada preteriu e relegou a mão de obra nacional ao desemprego e a economia informal.

O estudo do historiador Ramatis Jacino, em especial, o capítulo “trabalhadores negros” revela o processo de embranquecimento da classe trabalhadora no século XIX,

“O movimento de integração do negro ao trabalho assalariado, subordinado à lógica e à dinâmica da economia capitalista em ascensão ocorreu por iniciativa das elites cafeeiras, em todo o Império, com especial destaque para a cidade de São Paulo, principal, laboratório (…) da expulsão do ex-escravo do mercado de trabalho e das ideologias racistas, que desprezavam o trabalhador nacional não-branco e supervalorizava os europeus, foram materializadas no incentivo governamental e empresarial à imigração de maneira a que esses ocupassem os postos de trabalho na lavoura e na incipiente indústria, e, segundo o pensamento da época, os negros, “pardos”, “caboclos” e mesmo brancos nacionais (culturalmente e racialmente considerados impuros) na se adequariam à condição de livres”2 (JACINO, R. 2008)

O Estado Republicano no confronto com as lutas sociais revelou seu caráter elitista, repressor e genocida. Em diversos momentos da historia as reivindicações populares contra o autoritarismo e a exclusão social foram tratadas como “um caso de policia”. A Revolta da Chibata foi uma sublevação dos marinheiros, na sua maioria negra, que eclodiu no Rio de Janeiro em 1910, 22 anos apos a Abolição da Escravatura (1888).

A revolta liderada pelo marinheiro negro João Cândido, exigiam melhores condições de trabalho e salários e, principalmente, o fim dos castigos corporais impingidos aos marinheiros com a chibata – prática remanescente da escravidão até aquela época vigente na marinha brasileira, por isso a sublevação popular ficou conhecida como a “Revolta da Chibata,” 3. João Cândido e a Revolta da Chibata foram imortalizados no samba “O mestre sala dos mares” de João Bosco e Aldir Blanc, cuja letra e música foram censuradas pela Ditadura Militar. É possível inferir que a Revolta da Chibata foi a primeira manifestação sindical brasileira após a abolição formal do trabalho escravo, já no início da República e este episodio é pouco referenciado na historia da classe trabalhadora brasileira.

Há um grande desconhecimento das lutas de resistência negra na sociedade brasileira e a esquerda brasileira não está isenta desse fato. Estamos falando da chamada esquerda brasileira que tem em suas matrizes teóricas e políticas as duas principais vertentes: o marxismo-leninismo e o trotskismo4.

Em documentos e cartas de princípios das organizações de esquerda há pouquíssima referencia sobre a questão racial. Do Partido Comunista (1922) passando pelas organizações trotskistas que se estruturaram no Brasil a partir de 1931 com a formação da Seção Brasileira de Oposição Internacional de esquerda e ate as organizações políticas que sobreviveram a repressão do período pós-1964, não encontramos nenhum debate sobre as desigualdades das relações raciais na sociedade brasileira ou no mercado de trabalho 5. Conseqüentemente, o debate não adentrou a pauta trabalhista da classe trabalhadora.

Ate os anos de 1970, havia pouco ou quase nenhum debate sobre a discriminação no mercado de trabalho ou desigualdade salarial entre brancos e negros. O enfoque teórico da relação entre o capital e o trabalho como a principal contradição para explicar a exploração e a opressão de todos trabalhadores era orientação geral. Este enfoque não compreende que o racismo se estrutura no plano ideológico que se concretiza na exploração do trabalhador negro, porque deprecia o valor da sua força de trabalho e é fator de exclusão no mercado de trabalho. É dessa forma que se materializa a opressão especifica sobre os trabalhadores e trabalhadoras negras.

Nome importante da academia brasileira, como Caio Prado Jr., já havia apontado a ortodoxia da esquerda nacional, ressaltando que

“[…] a diversidade da realidade brasileira, assim como os aspectos culturais, de modo geral, não são considerados pela esquerda brasileira. Esse desconhecimento cria obstáculos para a unificação das forças, na medida em que o discurso da vanguarda revolucionária não sensibiliza outros grupos subalternos, e que, com isso, não criam uma base social hegemônica […]”6 (PRADO JR, 1972).

A desorientação da esquerda no Brasil em sua ação prática pode ser explicada no desconhecimento da situação da diversidade cultural e das diferentes contradições da classe trabalhadora brasileira. Sem dúvida, ao defender a perspectiva de eliminar as desigualdades econômicas da sociedade brasileira, a esquerda brasileira não contribuirá para a superação do racismo, na medida em que o estabelecimento da melhoria nas condições de vida elimina o aspecto material de manifestação do racismo, isto é, a pobreza. Todavia, isso por si só não eliminará a discriminação racial e a desvalorização social diante dos traços e referências culturais e civilizatórias da matriz africana.

A centralidade da contradição entre o capital e o trabalho impede a percepção de que a lógica capitalista de exclusão utiliza a diversidade étnica e cultural existente em meio à classe trabalhadora como fator de discriminação de gênero, raça, idade e religião. A centralidade exclusivista da teoria classista para explicar as desigualdades sociais brasileiras é equivocada porque interpreta de forma tradicional e etnocêntrica nossa formação social. Por isso encontra dificuldades em legitimar-se, por exemplo, perante a população negra, por não construir, culturalmente, uma identidade de raça e classe na luta pelo socialismo. O que por sua vez é um entrave à democratização da sociedade brasileira.

Uma interpretação da dominação de raça e classe a partir de uma releitura crítica dos estudos de Florestan Fernandes sobre a integração do negro na sociedade de classes demonstra que o amadurecimento das relações capitalistas de produção, longe de eliminar a desigualdade sociorracial, a recompõe sob a ótica da racionalidade da acumulação do capital. 7 (FERNANDES, 1988).

Sabemos que o valor da mercadoria trabalho, paga em forma de salário, esconde o tempo de mais trabalho que é apropriado pelo capitalista, e que essa troca não é justa, e sim desigual, e aí está o caráter de exploração dos trabalhadores. Sabemos também que o valor da força de trabalho não é pago de acordo com a necessidade de sobrevivência dos trabalhadores em geral. O valor da reprodução da força de trabalho é determinado socialmente.

A força de trabalho não é valorizada individualmente, mas sim coletivamente. É na história concreta de uma nação que encontramos os nexos explicativos da valorização ou não da força de trabalho. Portanto, se na sociedade brasileira há uma desvalorização social das dimensões de raça e gênero, ela incidirá como fator de barateamento no valor da força de trabalho das mulheres em geral e dos homens e mulheres negras em particular.

E, nesse contexto, afirmamos que a admissão da população negra no processo produtivo capitalista é mediada por uma articulação ideológica que determina a absorção da população negra na estrutura de classe de acordo com a necessidade de reprodução do capital e a orientação ideológica racial vigente.

Isso acaba por delinear um quadro em que a condição racial do trabalhador se transforma num dado seletivo na competição do mercado de trabalho. A identificação étnica e cultural de matriz africana conta como fator desfavorável a qualificação profissional dos negros, reservando-lhe a mais baixa posição na estrutura de emprego e o recebimento dos mais baixos salários, quer estejam no setor primário, quer no secundário ou no terciário. Tal fato se traduz no desemprego, no subemprego e na rotatividade da sua mão-de-obra, o que provoca o empobrecimento contínuo deste segmento populacional.

A compreensão da marginalização social da população negra, assim como a sua superação, está altamente comprometida com o grau de aceitação da centralidade da dominação nas relações de raça, classe e gênero. Aí fica visível a situação de exclusão social da mulher negra.

A dominação das relações de raça, classe e gênero é um fator explicativo das desigualdades da sociedade brasileira. Os tipos de dominação são interdependentes e se realizam no âmbito das relações capitalistas de produção. Não desaparece na dinâmica competitiva do capitalismo, apenas é distorcida pela ideologia racial vigente. Ela determina a forma de exploração da força de trabalho da população, quer seja masculina, feminina, branca ou negra e condiciona essa forma de trabalho em termos de sua inserção ou exclusão do processo produtivo, hierarquiza o tipo de ocupação, rendimentos salariais, posição na estrutura de classe e o grau de consciência negra dos trabalhadores.

Após a década de 1980 se estreitam os laços entre movimentos sociais e a esquerda brasileira. Com o Movimento Negro Brasileiro não foi diferente e no contexto luta contra a Ditadura Militar formaram-se alianças entre as forças democráticas e surgiu rica experiência de combate ao racismo no campo da esquerda. Essa história foi marcada pela trajetória do Núcleo Negro Socialista.

Embora a esquerda brasileira em geral não apresente um discurso de combate ao racismo, em uma de suas vertentes foi planejado um projeto de organização para a luta contra o racismo e dessa experiência surgiu em 1978 o Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR), posteriormente denominado Movimento Negro Unificado (MNU).

Entre l975 e 1978 várias lideranças negras se aproximaram das organizações de esquerda, cuja experiência no interior da Convergência Socialista levou ao surgimento do Núcleo Negro Socialista.

Segundo Hamilton Bernardes Cardoso, ativista político da época, o Núcleo Negro Socialista idealizou o MUCDR8. Esse projeto político foi criado estrategicamente pelas tendências trotskistas Liga Operária e Fração Bolchevique, que acabaram fundindo-se na Convergência Socialista (1974) 9.

À época, a Liga Operária desenvolvia uma política de atrair negros para a tendência trotskista. Esse processo foi impulsionado no final da década de 1970 com o crescimento dessa tendência na África do Sul e na Guiné-Bissau e a relativa expressão que teve nos Estados Unidos nas décadas de 1950 e 1960.

Em São Paulo, alguns militantes negros da Liga Operária que atuavam no meio universitário do eixo São Paulo–Campinas–São Carlos e alguns jornalistas do Jornal Versus, com o propósito de intervir na luta contra o racismo, formaram o Núcleo Negro Socialista.

O projeto idealizado pelo Núcleo Negro Socialista apontava para um movimento que aglutinasse não só o negro, mas todos aqueles que sofrem discriminações: negros, mulheres, indígenas etc., o que explica a denominação inicial Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR). O objetivo fundamental era legitimar a luta contra o racismo no plano sociopolítico, ampliar a consciência racial da sociedade brasileira e oferecer formação política para as lideranças negras.

Quanto à estrutura, o MUCDR constituía centros de luta formados por negros e núcleos de apoio dos outros movimentos sociais de composição plurirracial. O caráter nacional dessa proposta foi efetivado a partir da estratégia da Liga Operária de buscar lideranças negras nos vários estados brasileiros, o que possibilitou a formação de núcleos negros socialistas em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. A articulação nacional foi realizada por intermédio das comissões estaduais e de um boletim de divulgação interna que informava sobre a conjuntura política e o processo organizativo dos demais movimentos sociais.

Com a movimentação de negros de São Paulo e Rio de Janeiro, foi fundada no dia l8 de junho uma organização de combate à realidade de discriminação racial, o MUCDR. A assembléia de fundação, realizada em São Paulo, deliberou pelo lançamento público do movimento unificado, sair às ruas com um ato de protesto ao quadro das desigualdades sociorraciais.

Essa deliberação foi polêmica. A proposta do Núcleo Negro Socialista paulista não foi consensual, recebeu a oposição de militantes de uma entidade cultural do Movimento Negro, o Centro de Cultura e Arte Negra (Cecan), fundado em 1970. O Núcleo Negro e o Cecan avaliavam a conjuntura política com pontos de vista diferentes. A divergência básica consistia em ser ou não aquele o momento propício para explicitar a luta contra o racismo e, principalmente, o caráter socialista da luta, na medida em que a época era ditatorial e de suspensão das garantias individuais.

O Cecan propôs não sair às ruas como forma de repudiar a data do 13 maio e a falsa abolição. O Núcleo Negro Socialista, ao contrário, propunha sair às ruas e apresentar uma visão critica sobre o que fora a abolição da escravatura, exatamente para quebrar o papel benevolente da princesa Isabel que sustentava o mito da democracia racial.

A proposta do Núcleo Negro Socialista foi vitoriosa e o 13 de Maio entrou no calendário do Movimento Negro Brasileiro como o Dia Nacional de Luta Contra o Racismo. Cabe salientar que como contraponto foi escolhida a data de 20 de novembro, como elemento mítico para a luta da população negra, que ficou conhecido como o Dia Nacional da Consciência Negra. Essa proposição, também do Núcleo Negro Socialista, tinha um objetivo, ampliar no Brasil a consciência social contra o racismo, de forma que, cada vez mais, os não-negros pudessem assumir e defender a melhoria da condição social dos negros brasileiros. Na verdade era uma política voltada para uma sociedade plurirracial, buscando resgatar e valorizar a memória de Zumbi dos Palmares.

Em junho de 1978 aconteceram dois episódios que precipitou o lançamento do MUCDR, posteriormente MNU. A imprensa paulista divulgou tratamento discriminatório a quatro atletas negros que foram impedidos de frequentar o Clube de Regatas Tietê de São Paulo e a violência policial que levou à morte o operário Robson Silveira da Luz. Essas circunstâncias motivaram protesto, mobilização e repúdio público contra o racismo na sociedade brasileira.

No dia 7 de julho de 1978, o MUCDR e várias entidades negras organizaram um ato público em frente às escadarias do Teatro Municipal de São Paulo com a presença de 3 mil pessoas em repúdio à discriminação racial. Nas palavras do MNU,

“[…] a discriminação racial, o desemprego e a violência policial fundamentavam seu surgimento e legitimavam sua organização, buscando conscientizar a comunidade negra e chamar a atenção da sociedade brasileira para a questão do racismo […]”10(MNU, 1988).

A proposta do Ato Público foi apoiada por outros estados. Organizações negras como a Escola de Samba Quilombo, o Renascença Clube, o Centro de Estudos Brasil-África, o Instituto de Pesquisa da Cultura Negra, o Núcleo Negro Socialista do Rio de Janeiro e também o Grupo Nego da Bahia e militantes de Minas Gerais estiveram presentes ao Ato ou enviaram moções de apoio. Em 7 de julho de 1978 essas entidades negras explicitaram à sociedade brasileira uma proposta política de combate ao racismo.

Entre a formação do MUCDR e a consolidação do MNU, primeira entidade de caráter nacional do Movimento Negro Contemporâneo, ocorreu um período de grande polêmica e reação ao projeto do Núcleo Negro Socialista, o qual avaliou a realização da primeira assembléia do MUCDR apontando os seguintes fatos: “[…] foi realizado em São Paulo, no dia 27 de julho, uma Assembléia Nacional do MUCDR, com a participação de diversas entidades do interior paulista, dos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro, com quase 350 pessoas. Nessa assembléia, definiu-se um programa mínimo para o movimento unificado, que abarcava desde a luta por melhores condições de vida até a libertação nacional. O único grupo a se posicionar como socialista foi o Núcleo Negro de São Paulo e do Rio de Janeiro. Houve muita resistência a esse posicionamento (…)” (Núcleo Negro Socialista s/d).

A partir desse momento, ocorreu uma cisão entre os negros que estavam organizados dentro da esquerda e aqueles que já haviam rompido com essa organização. O rompimento era justificado a partir do entendimento de que as organizações de esquerda não poderiam dar encaminhamento à luta antirracismo porque não havia prioridade política para a questão racial e também pela composição racial de sua direção, basicamente composta por brancos, o que dificultava a percepção da importância estratégica da luta contra o racismo na sociedade brasileira.

Aqueles que continuaram no Núcleo Negro Socialista compreendiam que seria necessário construir uma força política dentro da Convergência Socialista para que a luta antirracismo se tornasse uma preocupação da direção; portanto, seria preciso elaborar uma política antirracismo e ampliar o leque da militância na questão racial, absorvendo um maior número de negros para aquela organização.

Os negros do Núcleo Negro Socialista eram vistos como militantes da organização de esquerda que atuavam no movimento negro na perspectiva de formar uma frente de luta da organização, ao passo que os negros que haviam rompido com a tendência viam o movimento negro como um espaço autônomo, capaz de forjar uma política antirracismo. De qualquer forma, o Núcleo Negro Socialista não era monolítico. Havia unidade quanto à necessidade de uma política antirracismo e na aceitação dos princípios políticos da organização. Contudo havia pensamento divergente na maneira de atingir o objetivo central: a criação de um projeto político para a luta contra o racismo.

Por exemplo, alguns acreditavam que a relação do Movimento Negro com a esquerda deveria ser explícita para definir uma perspectiva socialista, outros achavam essa posição equivocada, dado o caráter repressivo da época.

Na II Assembléia Nacional do MUCDR, realizada em setembro de 1978, na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, o projeto do Núcleo Negro Socialista começou a sofrer alterações em função daquelas divergências. Segundo a avaliação do próprio Núcleo Socialista,

“[…]com as acusações do DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) de que a Convergência Socialista dirigia o MNU o relacionamento piorou. Em São Paulo as entidades negras do interior de São Paulo se retiraram do MNU e no Rio de Janeiro ocorreu o afastamento do Núcleo Negro Socialista, por motivos internos da própria Convergência Socialista […]” (Núcleo Negro Socialista s/d)

Estes fatos alteraram a correlação de forças entre aqueles que disputavam a direção da luta contra o racismo. O resultado final da assembléia foi à inclusão da palavra “negro” na sigla e a supressão da referência “contra a discriminação racial”, na medida em que se transformava numa palavra de ordem, uma bandeira de luta, originando a denominação Movimento Negro Unificado (MNU).

Aqui também há uma controvérsia: segundo o posicionamento do MNU, a mudança de sigla ocorreu na I Assembléia de Organização e Estruturação Mínima para o movimento, com a presença de vários estados, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Essa assembléia ocorreu no dia 8 de julho de 1978, em São Paulo, na qual foi aprovada proposta do Rio de Janeiro de acrescentar a palavra “negro” ao nome “movimento”. Desse modo a denominação passou a ser Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial e, no I Congresso Nacional do MUCDR, realizado no Rio de Janeiro em dezembro de 1978, que reuniu delegados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, o nome foi simplificado para MNU.

Mais do que uma mudança de sigla, essa alteração significou a ruptura da aliança com a esquerda no encaminhamento da luta antirracismo. O projeto inicial do Núcleo Negro Socialista foi reformulado a passou a existir como um organismo independente da estrutura e da direção da esquerda. Nascia o Movimento Negro Unificado. O movimento unificador de todas as formas de discriminação restringiu-se à relação branco/negro. Segundo a Carta de Princípios do MNU, seu objetivo básico era:

“[…] defesa do povo negro em todos os aspectos: político, econômico, social e cultural, através de maiores oportunidades de emprego, melhor assistência à saúde, à educação e à habitação, reavaliação do papel do negro na História do Brasil, valorização da cultura negra e combate sistemático à sua comercialização, folclorização e distorção; extinção de todas as formas de perseguição, exploração, repressão e violência; e liberdade de organização e de expressão do povo negro [...]” (MNU, 1988).

De todo modo a experiência do Núcleo Negro Socialista foi relevante na história da organização da luta do movimento negro pós 1978 11. Ela estreitou os laços entre marxismo e racismo, na medida em que aproximou a perspectiva de combate ao racismo da teoria de classe, despertou a consciência negra dos ativistas das organizações de esquerda e fortaleceu o setor do movimento negro brasileiro que ficou mais à esquerda.

Por fim, com objetivo de trazer outras questões que implicam neste debate, vale concluir a partir das críticas centrais ao marxismo elaboradas pelo etnólogo e cientista político Carlos Moore na obra o Marxismo e a questão racial, sintetizadas por Gilberto Neves, militante do PT em Minas Gerais, que no Posfácio da obra alinhavou os seguintes aspectos:

“1. o eurocentrismo de formulações marxistas, tornando o protótipo social e valorativo dos europeus a referencia exclusiva de modelo histórico para generalizações de compreensão do desenvolvimento das sociedades fora da Europa (consideradas “sem história” ou “não históricas”);

2. a escravidão racial, reduzida à categoria econômica e pilar do crescimento industrial ocidental moderno e da ascensão da classe trabalhadora (não importando o sofrimento imposto aos negros africanos), aceitando-a como “necessária” e um “direito” dos colonizadores brancos em nome da “civilização ocidental”;

3. a equiparação equivocada da escravidão racial à escravidão greco-romana, a qual escravizava as presas de guerra na Antiguidade (não importando raça ou cor), enquanto a escravidão moderna constituiu a servidão especificamente dos negros do continente africano;

4. o etnocentrismo e o racismo nas idéias marxistas por meio da legitimação “científica” e crença numa suposta “superioridade” dos brancos sobre a “inferioridade dos negros, e em noções de sociedades “civilizadas” e “não civilizadas”, raças “desenvolvidas” e “atrasadas” e povos “progressistas” e “retrógados”;

5. o assimilacionismo de alguns povos a outros (pan-eslavistas pelos germânicos, argelinos pelos franceses, mexicanos pelos americanos, indianos pelos ingleses, etc.) para cumprir “necessidades históricas” no interesse da “civilização” e do Socialismo”;

6. o determinismo “científico” justificador da pilhagem dos países “atrasados” não europeus (na África, América, etc.) para prover a base material do desenvolvimento do capitalismo industrial e da classe trabalhadora na Europa e América do Norte, desfavoravelmente à luta dos povos não brancos contra os colonizadores e a agressão “ariana”; e

7. o internacionalismo seletivo de Marx e Engels, favorável ao imperialismo (invasão francesa na Argélia, expansionismo americano contra os mexicanos, dominação dos ingleses contra os indianos, desprezo à libertação do Haiti pelos negros, etc.), e o fato de a Primeira Internacional Socialista (1869) não ter se posicionado sobre a colonização ocidental, o tráfico negreiro e a escravização de africanos nas Américas.” (MOORE, C. 2010)

Diante dessas questões presentes nas obras dos fundadores teóricos do marxismo apontados por Carlos Moore, e mesmo considerando a importância dos trabalhos de Marx e Engels para a compreensão da dinâmica por trás da evolução socioeconômica das comunidades humanas em geral e do desenvolvimento, e o mecanismo interno do Capitalismo no século XIX, Moore assinala que é “impossível a inclusão da condição negra nessa ‘pretensão universalista’.

“um negro é um negro. Em certas situações é transformado em um escravo. Um tear é uma máquina para fiar algodão. Apenas sob certas circunstâncias torna-se capital.” (Passagem encontrada em O Capital, III, traduzido por Ernest Untermann, Chicago, 1909. p.948). Grifos de Carlos Moore que afirma: “É óbvio que dizer: ‘um negro é um negro. Em certas situações é transformado em um escravo’ não é a mesma coisa que dizer: ‘um negro é um homem livre. Em certas situações é transformado em um escravo’. O paralelo estabelecido entre um ‘negro’ e um “tear” reflete mais do que uma coincidência de termos. Mostra até que ponto um negro era, no pensamento de Marx e Engels, sinônimo de ‘coisa’ – outro instrumento de trabalho a ser agrupado juntamente com um tear ou um arado”. Citado em O Marxismo e a Questão Racial.

A citação acima quer ilustrar a afirmação de que existe um conflito de natureza ideológica entre as lideranças e militantes do Movimento Negro, em particular do setor considerado mais radical e mais à esquerda, e os intelectuais e sindicalistas, lideranças e militantes da esquerda no início da década de 1980; caldo de cultura já presente no nascedouro da formação do Partido dos Trabalhadores. Esta tensão ideológica permeou a relação entre esses dois blocos políticos: os que concebiam uma visão política estratégica, cujo eixo central defendia a luta política contra o racismo e o setor que concebia a sua principal estratégia na priorização da luta mais geral pela democratização da sociedade brasileira na perspectiva de construção do socialismo. A questão é que os que consideravam a perspectiva socialista secundarizavam a luta travada pela militância negra do Movimento Negro.

Juarez Guimarães afirma que o equívoco de Marx foi o de legitimar o Estado de transição socialista na “universalidade do proletariado”, concebido como “classe universal e revolucionária” simplesmente pelo fato de sua contradição com o capital. Em que pese a potencialidade para projetos alternativos, a simples contradição proletariado x burguesia não faz dele necessariamente uma classe universal ou revolucionária. Houve aí uma espécie de determinismo sociológico. Uma vez no poder, essa noção de “classe universal” determinista mostrou-se antidemocrática e anti-plural (GUIMARAES, 2005)

Diante dessas reflexões críticas endereçadas ao capitalismo e à visão economicista e reducionista dos socialistas, caberá à esquerda, na contemporaneidade posicionar-se na luta política de combate ao racismo e compreendê-la como um enfrentamento estratégico em sociedades profundamente marcadas pelas desigualdades raciais como a sociedade brasileira, de modo que, a concepção política antirracista integre um programa libertário e emancipador, de forma que as lutas pelas reparações raciais históricas, as ações afirmativas e as politicas de igualdade racial sejam incorporadas ao projeto do socialismo democrático que leve à superação do racismo.

Para tanto será necessário aprofundar a reflexão que liberte de crenças teórico-ideológicas remanescentes de estruturas intelectuais deterministas. Os militantes negros socialistas e petistas devem desenvolver a luta antirracista com um olhar aberto para as novas perspectivas na luta por uma sociedade verdadeiramente justa, democrática, igualitária e plural, de forma que os povos vivam movidos pela força da riqueza que é a diversidade humana e as diferenças culturais que os mobilizam para a vida.


1. Ver PRADO Jr, Caio – A revolução brasileira. São Paulo, Brasiliense, 1972, 4ª ed.; RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução crítica à sociologia brasileira. Rio de Janeiro, Editorial Andes, 1957; IANNI, Octavio. Capitalismo e racismo (1972), Escravidão e racismo. São Paulo, Hucitec, 1978; Raças e classes sociais no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1987; GONZÁLEZ, Lélia e HASEMBALG, Carlos A. Lugar de negro. São Paulo, Marco Zero, 1982; MOURA, Clóvis. O negro, de bom escravo a mau cidadão. Rio de Janeiro. Editora Conquista, 1977; Rebeliões da Senzala. São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1981; Brasil: Raízes do protesto negro. São Paulo, Global Editora, 1983; Sociologia do negro brasileiro. São Paulo, Ática, 1988; Dialética radical do Brasil negro. São Paulo, Anita, 1994.

Florestan Fernandes foi um dos intelectuais de origem popular que participou do PT desde a sua criação e de forma orgânica desenvolveu uma sociologia critica ao modelo burguês de incorporação subalterna do negro na sociedade de classes. A defesa da livre docência na USP para assumir cadeira de titular sociologia no ano de 1964 ocorreu com a tese “A integração do negro na sociedade de classes”.

2. Ver Jacino, Ramatis – Branqueamento do Trabalho. São Paulo, Nefertiti Editora, 2008, pag. 120.


3. MOREL, Edmar. A Revolta da Chibata. Rio de Janeiro. Edições Graal, 1979. Consultar: João Cândido, o Almirante Negro. Rio de Janeiro: Gryphus: Museu da Imagem e do Som, 1999.

4. Ver a historia da esquerda brasileira em REIS FILHO, Daniel Aarão e SÁ, Jair Ferreira – Imagens da Revolução. RJ. Marco Zero, 1985, 1ª. Ed., pag.7-22.

5. A única exceção foi o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que em seu manifesto-programa de fevereiro de l962 mencionou posição contrária a todas as formas de racismo, referindo-se à realidade do negro brasileiro.

6. PRADO JR, Caio. Op. Cit., pag. 20

7. FERNANDES, Florestan. “Lutas de raça e de classes”. Teoria e Debate, SP, Diretório Regional do PT-SP, n. 2, mar. 1988.

8. Entrevista realizada em outubro de 1989 na cidade de São Paulo.

9. A Convergência Socialista surgiu a partir de 1974, quando militantes da Fração Bolchevique Trotskista de São Paulo e o grupo Ponto de Partida, de tendência leninista-trotskista do Secretariado Unificado, formam a Liga Operária, a qual teve como referência internacional o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST) da Argentina. No início de 1975 a Liga Operária realizou o II Congresso e decidiu concentrar suas forças nos movimentos operário e estudantil do Rio de Janeiro e de São Paulo. Em 1977 realizou sua primeira conferência e mudou o nome da organização para Partido Socialista dos Trabalhadores. No começo de 1978 lançou o Movimento Convergência Socialista, cujo objetivo era aglutinar setores militantes “socialistas” para a formação de um partido socialista no Brasil.

10. MNU: 1978-1988 – Dez Anos de luta contra o racismo. SP. Confraria do Livro, 1988.

11. Ver polemica sobre a importância do Núcleo Negro Socialista no livro: Negro e o socialismo.

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rigor, a questão racial, na qual se destaca a situação do negro, pode ser
    decisiva para que a sociedade civil possa “e...
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Esta é a idéia: a escala e a radicalidade da questão racial no Brasil
podem ser consideradas condições fundamentais não só...
marcado pela diáspora e pelo holocausto, compondo a mais numerosa
     coletividade dentre as várias etnias, mesmo porque ...
Em segundo lugar, nos séculos de escravismo desenvolveram-se as
castas, dividindo e hierarquizando principalmente senhores...
permeando o agrarismo e o industrialismo, a ruralidade e a urbanidade,
     os espaços públicos e privados, leigos e relig...
ções públicas às privadas, impregnando amplamente subjetividades, mo-
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Mais uma vez, esse é o cenário no qual o negro revela-se uma catego-
     ria social importante, decisiva. A envergadura e...
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Benedita da Silva

  Boa tarde a todas e a todos. É sempre muito difícil falar depois de uma
intervenção de Oc...
para nós estarmos hoje nesta mesa para falarmos de tal assunto. Temos
     na colonização esta marca racial, que nós ident...
mas como uma problemática nacional que, portanto, deve ser discutida
e colocada como prioridade.
   Temos visto a discrimi...
ras dos negros, rediscutir os remanescentes dos quilombos nesse con-
     texto. Quando formos discutir a questão de salár...
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seus direitos, encontram dentro desse contexto um grande enfrentamento.
Quais instrumentos encontramos nessa classe popula...
20   O NEGRO E O SOCIALISMO
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Gevanilda Santos

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1970 é um marco importante pa...
sociais de dominação e opressão. A implicação desse pressuposto foi ob-
     servada em relação à raça e ao gênero. O maio...
luta contra o capitalismo. O novo desafio era construir essa mesma
aliança na luta contra o racismo. A nova estratégia anu...
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dade de classes (1964). Ele concluiu seus estudos sobre a revolução
1. Ver PRADO Jr., Caio.
A revolução brasileira.
      ...
que está submetida a maioria dos negros, o que, em outras palavras,
significa dizer que o único fator de discriminação soc...
O Núcleo Negro Socialista: a luta de combate ao racismo sob a
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na Guiné-Bissau e a relativa expressão que teve nos Estados Unidos nas
décadas de 1950 e 1960.
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da direção; portanto, seria preciso elaborar uma p...
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folclorização e distorção; extinção de todas as formas de perse-
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seja masculina, feminina, branca ou negra e condiciona essa forma de
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O negro e o socialismo
Luiz Alberto Silva Santos

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ideário da hegemonia do capital financeiro em detrime...
A trágica conclusão do IPEA – de que o Brasil branco é 2,5 mais rico
     que o Brasil negro – invoca uma tomada de decisõ...
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cer que, para além das diferenças de classe, a disc...
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dívida histórica com a população de origem africana no país, incentivando
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Penso, com relação à esquerda, à questão racial – raça ou classe –,
que o movimento negro precisa superar esse estado de e...
desde que contemplado, desde que incorporado dentro de uma perspec-
     tiva realista, que reconheça a questão do preconc...
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Debate com o público

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O Negro e o socialismo
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Hamilton Cardoso, o racismo mata

Cultine : Hamilton Cardoso
Jornalista e ativista
https://www.youtube.com/watch?v=lq0soh6y0Cs


Hamilton Cardoso
FONTE: Dulce Maria Pereira, Diretora do Interfórum Global. 21/05/2009
Portal Geledés https://www.geledes.org.br/hamilton-cardoso/
Hamilton Cardoso (1953-1999)

Sensibilidade, inteligência e solidariedade na luta contra o racismo

No dia 25 de Abril de 2004 a”Folha de S. Paulo” publicou uma foto com articuladores das “Diretas Já”. Hamilton está lá, no movimento pelas Diretas Já, em 1984. 20 anos depois era um dos ausentes, entre aqueles que voltaram para a foto atualizada, revivendo duas décadas de avanço da democracia. Certamente, se aqui estivesse faria um balanço para dizer que, além das formalidades e de obtermos alguma representação e visibilidade, como coletivo pouco caminhamos. Apoiaria os programas de cotas, mas certamente diria que são insuficientes.

Hamilton Bernardes Cardoso nasceu em Catanduva, em 10 de julho de 1953. Filho de Onofre Cardoso, músico, e de Deolinda Bernardes Cardoso, responsável pela estruturação da família e educação dos filhos. Segundo filho de quatro irmãos, cresceu em São Paulo e tinha muito orgulho de ter estudado no Colégio Caetano de Campos. Foi aí que começou a entender as desigualdades raciais. Formou-se em jornalismo tendo estudado na Faculdade Casper Líbero e na Metodista de Rudge Ramos.

Em 1978, foi um dos principais articuladores do Movimento Negro Unificado, levando políticos, estudantes , trabalhadores e intelectuais a se engajarem na luta contra o racismo no Brasil.

Após um atropelamento, no dia 1 de maio de 1988, depois de uma festa na Escola de Samba Peruche, onde com amigos havia assistido a uma apresentação do Olodum, Hamilton não se recuperou plenamente,pondo fim à propria vida, anos mais tarde. Foram muitas suas perdas no período. Havíamos nos divorciado e ele iniciava nova vida com sua companheira, também jornalista, que muito o motivava. Durante, entretanto, mais de um ano, em decorrência do acidente, viveu entre dores e grande confusão emocional, sentindo-se perseguido, deprimido. Em sua instabilidade emocional acreditava que eu, entre outros, queríamos sua morte. Perdeu o irmão mais velho e seus pais adoeceram.

Hamilton Cardoso, apesar do sofrimento , não deixou de escrever, de militar e influenciar muitos militantes que bebiam de sua sabedoria. Alguns valorizaram sua trajetória até mesmo acrescentando-lhe motivos para que continuasse a jornada.

A vasta, embora pouco acessível, produção de Hamilton Cardoso inclui livros dos quais é co-autor como “Movimentos Sociais na Transição Democrática”, editora Cortez, organizado por Emir Sader, e “Dez Coisas sobre o Direito do Trabalhado”, com Claudius Cecon. Matérias no “Diário Popular”, na Ilustrada e no Folhetim da “Folha de S. Paulo” ilustram o trabalho como repórter. Seus textos políticos, do Jornal Versus aos de maior densidade no final dos anos 90, e algumas tentativas de crônicas representam contribuições ímpares.

Extraordinário repórter, mesmo no inferno de suas dores relatou dia a dia sua trajetória nos últimos anos, descrevendo os personagens com quem convivia com a sensibilidade e maestria de quem sabe tocar o imaginário dos leitores com fatos cotidianos. São cadernos reescritos e páginas coletados pela família, cartas e rabiscos organizados, todos pelos filhos, que deverão, no período de um ano, ser compartilhado em forma de publicação, como ele certamente os organizou para que assim fosse.

Irreverente, embasado em sólido e diversificado conhecimento teórico, incorruptível,intransigente na defesa do livre-pensar, transitava entre conservadores e revolucionários, sendo um dos intelectuais que sensibilizaram muitos de seus pares não negros para que abandonassem a conivência com o mito da democracia racial, para a compreensão da origem étnica como definidora da desigualdade e da pirâmide social.

Mas foi para dentro, com os negros, que viveu seu inferno e paraíso, que consolidou sua obra na curta existência. Mesmo sangrando em público suas mazelas , ou exibindo seu charme e carisma, Hamilton Cardoso, repórter e militante, se fez eterno por ser a cada instante um mobilizador de consciências. Hamilton Cardoso faleceu em São Paulo no dia 5 de novembro de 1999.

Hamilton Cardoso é tão presente,tão necessário e atual, que imagino, com seu sorriso maroto, vá reportar a Marcha Zumbi +10, no dia 16 de Novembro, em Brasília, para os ancestrais e para os que estão por vir. Espero que ele escreva, no infinito, que valeu a pena gastar sua energia vital conosco, que ainda estamos por aqui.

Fonte: Jornal Irohin – Edição nº 11
Pérola Fina – Homenagem a Hamilton Cardoso da P@artes – Sua Revista Virtual!

Hamilton Bernardes Cardoso foi jornalista e trabalhou como repórter especializado de polícia no Diário Popular, ex-repórter do Povo na TVS, canal 4, TV Cultura, canal 2, jornal Versus. Nasceu em Catanduva, interior paulista, em 10 de julho de 1954. Representou o Brasil em vários encontros de organizações e partidos políticos da África, Caribe, Europa e EUA, na Inglaterra onde proferiu uma série de palestras.

Foi fundador do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial em 1978 – hoje MNU, consultor de Comunicações da OAB e do Instituto da Mulher Negra, Geledés e co-fundador da revista Lua Nova/Cedec.

Em 1981, no Brasil, criou a revista Ébano, e organizou, junto com o dançarino Ismael Ivo, a passeata anti-racista do silêncio no campus universitário da Universidade Federal da Bahia – UFBA, durante a SBPC de Salvador, onde foi proferir a palestra O NEGRO NOS MEIOS DE COMUNICAÇÕES. Em 87 participou como co-autor, do livro Movimentos Sociais na Transição Democrática, editora Cortez, organizado por Emir Sader.

Organizou, em 1991, na serra da Barriga, em União dos Palmares, a Missa dos Quilombos.

Poeta, jornalista, escritor foi atropelado no dia 1º de maio de 1988, dia do trabalhador. Isto lhe marcou a vida. O acidente deixou seqüelas. Hamilton suicidou-se em novembro de 1999.

Carta Aberta (Parte 1) que Hamilton Cardoso escreveu e entregou ao líder sul-africano Nelson Mandela em 1991. Um texto crítico, polêmico e poético a espera de um editor.

(Foto: Imagem retirada do site Discogs)

Meu caro Rei e presidente Mundial:

Quero manifestar e demonstrar-lhe a minha gratidão ao Cedec – Centro de Estudos e Cultura Contemporânea do Brasil. Eles me ajudaram a escrever-lhe esta carta. São meus amigos e o José Álvaro Moisés, de lá e, hoje na Inglaterra estudando, contribuiu decisivamente para que eu pudesse retirar as primeiras gotas de lama do país – cadáveres de todos nós – dos ombros. Ele me revelou – e eu demorei a concluir – que esta história de “jeitinho brasileiro” e da “malandragem compulsiva inerente do negro” são cadáveres siameses em nós.

O Marcos Faermam, um jornalista judeu como a maioria dos personagens de Richard Wright e da vida anti-racista negra norte-americana além de mostra-me, indicando livros para ler e ma dar tempo para faze-lo – garantiu, e criou condições para eu pensar e refletir sobre eles. E me convencer que eu sou uma ostra. Convenceu-me também de que o que eu gosto mesmo é jornalismo literário, e que poderia fazer uma grande reportagem. Tentei. Este é o esforço das ostras – e eles as nossas esperanças.

Tudo depois que o ex-deputado federal Adalberto Camargo me financiou os estudos na faculdade e o Wanderlei José Maria leu para mim a frase do Marx que diz que “quem tem fome não tem tempo para ver o por do sol”. Ele, o Wanderlei, me ensinou a escrever o que realmente penso. A Dra. Iracema de Almeida deu-me o primeiro empurrão e o “catiça” e a Deodô, meus pais, carregavam-me, sobre os ombros deles.

Ela pagou matrícula da faculdade. Caí no mundo.

O meu irmão Airton (fale rápido!) B. Cardoso, ao meu lado era invisível. E continua. Ele está morto e é um cadáver, belo e leve, como o do Eduardo de Oliveira e Oliveira, o sociólogo que dizem, suicidou-se porque não agüentou, mestiço, a tortura de ser negro e refletir sobre si mesmo e viver entre e, nos Dois Mundos. Ele me abriu as portas para escrever aquele artigo que o Francisco Weffort, com o Paulo Sérgio Pinheiro, Passado sem Mácula!, adoraram. Ele abriu as portas da minha auto-confiança.

De qualquer modo, se não fosse o Cedec, onde há mais de meia década eu e o Weffort – que conversava muito comigo e me revelou, mostrando a inutilidade deles, que um dia eu teria que derrubar cadáveres – ele escreveu sobre isto em relação ao socialismo, sem o Cedec eu não teria como lhe entregar esta carta. Ela poderia ser mais um cadáver da minha vida. E diante dela. E eu o desconheceria. Não saberia que estes defuntos existem.

Como você vê, eu estou por conta própria – mas nem tanto assim. O Orestes Quércia, ex-governador, quando eu estava quase afogado – e com a ajuda do ex-secretário dele, o Oswaldo Ribeiro, negro como nós- mostrou-me como sair do lodo. E a minha companheira, a mulher, Maria Cristina Brito Barbosa, sempre olhava para mim cuidadosamente e , por receio, talvez, – ela é branca – não deixava eu me liberar repentinamente dos entulhos. Ela temia, em mim, um choque anafilático e a loucura em minha mente. Eu seria um dos cadáveres dela. E Ela sabia que eu precisava do equilíbrio que você, meu caro Rei, demonstra. E também que eu não sou – talvez não tenha nascido para isto – um Estadista. E antes do meu isolamento – nos buracos das periferias repórter do povo – eu vi a loucura mental e a miséria (é uma loucura!) social dos descendentes dos seus compatriotas escravizados. Como muitos eu colocava a mão na cabeça e chorava… Você estava preso na África do Sul.

Mas como bom e fiel súdito, eu lhe peço: lembre-se sempre desta contribuição do Cedec. Nele, eu tenho amigos de verdade. Não que eles não tenham compromissos com a branquitude deles, mas é que a branquitude – e a minha companheira me ensinou – não é como a negritude: uma condição. Eles, e muitos deles – a maioria dos que tenho – são meus amigos.

Um ex-governador, por exemplo, se elegeu sendo chamado de brega. E ele, que agora “e um dos homens mais poderosos deste país, gargalha com o porta voz, à respeito disto – a acusação ou xingo. E ele é adorado e admirado, por uns, por muita gente, inclusive, que discorda dele na política – com raiva e inveja, até. E foi rindo e gargalhando dos acusadores, que ele construiu o prestigio o poder e a tranqüilidade. A Beatriz do Nascimento, a socióloga, do filme Ori, é a melhor que conheci na área e invisibilizada, por bem menos é o que é. Ela não matou ninguém – nunca foi chamada de japonesa, apesar de Ter os olhos puxados. E eu penso, às vezes, que ela deglutiu ou teve a língua deglutida…

Aliás, falando dos meus amigos, principalmente os do Cedec, lembrei-me da historiadora Maria Victória Benevides – que é de lá -, e eu a ouvi muitas vezes citar o Getúlio Vagas, que dizia: “Aos amigos, tudo, aos inimigos, a Lei.”

Eu não sei, e gostaria de ouvir ou ler a sua opinião à respeito, sobre o ditado do Getúlio Vargas, pai dos pobres -, se ele é certo… O fato é que é assim que as coisas funcionam aqui no Brasil, na democracia racial.

Se eu lembrasse, antes de lhe escrever, talvez eu pudesse, ao invés desta longa carta, enviar-lhe um bilhete com aquela frase. Ela sintetiza o Brasil e os mitos da de democracia racial e do país cordial. E, ao que parece, é no que o Frederico quer transformar a África do Sul. O De Klerk. O nome dele é Frederico, não é? O nome é popular no Brasil…

Mas existe o Mandela lá, – a Pérola, e o ANC. São populares lá…(O que eu penso sobre LÁ é positivo – e sua passagem, ela é “purificadora” pelo Planeta. E sobre o Conselho, acho que você dirá o seguinte: “TEMOS QUE MUDAR A LEI”.

É por isto que eu gosto de afirmar: TEREMOS A NOSSA CHANCE.

Aliás: acho que criarei um jornal com este nome. Este, esta carta, é o registro. O meu registro de nomes, marcas e patentes. Direto com o Rei.

Bem…, agora eu vou pegar o meu ganzê e o ganzá e ao invés de Não sei por que sou tão preto e azul, de Louis Amstrong, eu vou ouvir a festa para o rei negro. Com a minha mulher…

Afinal, o Mandela é tão preto, mais azul que eu. E eu sei o porquê disto…

Os dois Mundos

Meu caro: estamos organizados, no Brasil. Temos os nossos movimentos sociais, integramos os Partidos Políticos em comissões esportivas e o Estado em Conselhos e Coordenadorias especiais municipais ou estaduais, ou Fundações e repartições específicas, para organizar a nossa gente. Mas existe o Rap, são os rappers da Massa que em São Paulo se desenvolveram à partir dos EUA, mas foram impulsionados pelos FATOS do Zimbabwe. São do outro mundo!.

Ele é formado pelos sobreviventes do extermínio de crianças, colocado em andamento nos últimos dez anos. O jornal da Tarde, de São Paulo, do dia 19 de julho de 1991 entrevista um, e o pai de outro deles, Bezerra da Silva, o cantor dos bandidos, e revela isto: eles estão revoltados.

O jornal afirma que eles são os “sem nada”. Basta ser sensível: eles são uns macacos!
Meu caro:

Eu sou jornalista e repórter e você, advogado e ex-preso político, atual presidente do Congresso Nacional Africano nasceu, viveu, foi criado e estudou; defendeu, ou tentou defender as causas justas na África do Sul, colonizada por diferentes nacionalidades européias que se impuseram ao mundo e transformaram o seu país, onde criaram o sistema do apartheid, no lodo da civilização. O seus antepassados esperavam que você fosse um homem, e eles fizeram de você uma ostra…

Existe um samba no país onde nasci – dizem e eu acredito que é meu – que diz o seguinte “o ouro afundo afunda, madeira bóia por cima; a ostra nasce do lodo, mas gera pérola fina…”

O seu país deu ao mundo os mais belos e os maiores diamantes da humanidade e o meu, o ouro – ou parte considerável dele – que foi necessário, durante o mercantilismo para que surgisse o capitalismo – este tipo de economia tão contestado desde a Europa, condenado por milhões de pessoas, mas que se impõe cada vez mais, de forma definitiva sobre todos. Muitos o abominam, mas vários deles, quando podem, dele se apropriam. A escravidão, aqui no meu país, que atingiu a maioria dos meus antepassados de mais de três gerações, que custou caro até hoje, acabou oficialmente em 1988, dia 13 de maio, mas até hoje uma frase perturba-nos a vida: “todo mundo tem seu preço…” (Conduzindo Miss Dayse- filme dirigido por Bruce Beresford). Nós já não custamos nada. Deixamos de ser VENDIDOS

Mas eu não escrevi para fazer digressões. Todo negro, digo a maioria, tem esta tendência, de querer falar de tudo de uma só vez. E se prejudica por causa dela. Mas eu, um prejudicado como todos os negros do mundo até Collin Powel, que é o chefe do Estado Maior dos EUA – atuais donos do mundo e que há algumas semanas decidiram tirar a África do Sul do isolamento – também tenho esta tendência.

Escrevi para lhe falar do Brasil, – o meu país

Você, que nasceu confinado no seu país, foi preso depois do massacre de Shaperville e, mais confinado ainda numa prisão, ficou nela por 27 anos, desde os 45 – de vida confinada pelo apartheid, submetida a uma maior -, foi à força no fundo do lodo onde, certamente se encontrou com outras ostras. Dentre elas, por causa do seu reconhecimento como líder e dirigente delas e de outros é, certamente, a mais fina das Pérolas – Você poderia, e nós sabemos que até por razões táticas, beneficiar-se como o fez e corretamente o guiano, sul americano, como eu, E. R. Braithwaite, da mania dos racistas de todo o mundo que, na África do Sul recebeu o título de Branco honorário.

Ele denunciou, a partir desta brecha, (ou honra, sei lá), a tragédia sul-africana, uma tragédia da humanidade deles e não nossa. Mas você, um negro, negou-se. Ninguém é o que não é. Você combateu a tragédia.

Recentemente um brasileiro, filho de imigrantes japoneses, Terumi Maeda, que foi para o Japão trabalhar na Honda do Japão, foi contratado lá como imigrante, entrou em depressão, visitou uma japonesa – que dizem, ele queria conquistar ou seduzir e foi recusado. Ele a estrangulou. Agora corre o risco de ser condenado à morte.

Os jornais brasileiros disseram algo interessante: ele tinha cara de japonês, jeito de japonês, mas não era. Era brasileiro. O ex-embaixador guiano que foi condecorado com o título de “Branco Honorário” por sorte não acreditou na história. E denunciou o fato em um livro publicado em 75 na Inglaterra, com este título: Branco honorário. Ajudou a matar um pouquinho do apartheid.

Aqui no Brasil, onde o racismo não é e nunca foi legal, – é péssimo, por sinal – existe a condecoração, concedida no plano individual e emocional – o Negro de Alma Branca – que foi rejeitada, inclusive, pelos negros da África do Sul e é utilizada para muitos dos nossos, até publicamente. Mas você, ao que me consta, e pelo que demonstra, rejeitou as duas…

Tudo isto, meu caro, o torna uma Pérola Fina.


Eduardo Oliveira e
Hamilton Cardoso
Entrevistas
https://www.youtube.com/watch?v=ijqRIvT8A1o

O racismo silenciou Hamilton Cardoso
https://www.youtube.com/watch?v=hX3OvX2FmY8



Palestra debate: 
a questão do negro e a luta pelo socialismo
Fonte: YouTube
https://www.youtube.com/watch?v=robHTGzPztA



mardi 15 novembre 2022

O fim da democracia na Itália

Parto e traduzi um texto da jornalista Januaria Piromallo (La democrazia in Italia è finita, Twitter @januariapiromal), que baseou estas reflexões a partir de Stefano G. Azzarà, 
Stefano G. Azzarà, Youtube

estudioso das correntes filosóficas e políticas contemporâneas, tais como o conservadorismo, o liberalismo e o socialismo. Azzarà é professor de História da Filosofia Política na Universidade de Urbino. Foi também secretário da Presidência da Internationale Gesellschaft Hegel-Marx e membro do conselho editorial do Marxismo Oggi. Tem um blog — www.materialismostorico.it . Um dos seus livros, para esta discussão sobre o fim da democracia, é Democracia desejada - Da queda do Muro a Renzi: derrota e mutação da esquerda, bonapartismo pós-moderno e a impotência da filosofia na Itália, Imprimatur Editore.

"Existe uma concordância substancial entre os estudiosos sobre as transformações que nas últimas décadas mudaram a face da democracia no sentido 'anglo-saxão'; há muito menos sobre o julgamento a ser dado sobre esses processos: para este livro, a democracia é uma forma historicamente determinada de formalização do conflito e, portanto, tem um começo, mas também pode ter um fim — explica Azzarà — Hoje simplesmente acabou. Ou melhor, esgota-se nas suas formas 'modernas': naquelas formas fortes e inclusivas que incluem não só o sufrágio universal proporcional, mas também a tributação progressiva, o reconhecimento dos direitos económicos e sociais e a participação ativa, autónoma e organizada dos interesses dos classes subordinadas à vida política”. 

A democracia moderna é o resultado de um longo e complicado conflito entre e dentro das classes que inclui quase dois séculos de revoluções, guerras mundiais e guerras de libertação. E isso gradualmente levou a um compromisso e a um reequilíbrio significativo entre as classes, bem como entre as nações. Entende-se, portanto, que sua história é sobretudo a história da unificação dos grupos subordinados e sua inserção em uma esfera política que antes era o monopólio da grande propriedade. E entendemos, consequentemente, que a derrota histórica dessas classes, já esmagadas e despedaçadas no terreno do trabalho por uma violenta contra-ofensiva das classes dominantes, teve que repercutir nas instituições democráticas, esvaziando-as por dentro. “Se Berlusconi deu sua contribuição, a contribuição da esquerda foi realmente muito mais substancial. É a esquerda que facilita a transição para a maioria. É a esquerda que quebra o tabu da guerra. E é sempre a esquerda que desmonta a constituição formal e, ao aderir à jaula de Maastricht, a material”, continua o Azzarà. 

No caso italiano, desnorteados com a queda do Muro, os herdeiros do PCI afirmaram governar processos maiores do que eles, mas na verdade apoiaram a mudança para a direita do quadro político geral, a ponto de "mudar" definitivamente. A ascensão de Matteo Renzi ao Partido Democrata, portanto, não representa uma descontinuidade, mas foi preparada ao longo de vinte anos pela mesma classe política e sindical que hoje a desafia, mas permanece muito relutante em sua autocrítica. No entanto, nada disso teria acontecido sem uma transformação paralela das formas de consciência, ou seja, sem a grande transformação cultural "pós-moderna" que põe em questão a temporada 1968-77, quando o último ciclo de lutas emancipatórias do século XX se transformou em uma "revolução passiva" (Gramsci). A contestação do progresso em nome de um eterno presente, ou a negação do princípio da igualdade em favor da "diferença", bem como a demolição do papel dos partidos ou do Estado, revelou-se, de fato, uma negação do projeto moderno de emancipação universal conduzido em nome do individualismo absoluto. Mesmo a denúncia da razão, que foi contrastada com o "desejo" ou o "corpo", tornou-se uma contestação da política como transformação consciente e planejada da realidade. A virada pós-moderna rompeu assim qualquer equilíbrio entre legitimidade e crítica da modernidade. Apesar das excelentes intenções de Deleuze ou Foucault, foi facilmente reabsorvido na restauração neoliberal, da qual acabou representando o acompanhamento cultural. No lugar da liberdade moderna como transformação positiva do mundo, resta hoje a liberdade inteiramente negativa do consumo (cada vez menos, entre outras coisas) e a liberdade totalmente hermenêutica da imaginação. 

Para recomeçar a encher de conteúdo a casca vazia da democracia, trata-se então de redescobrir o primado da realidade - a partir da realidade do trabalho - e os conflitos que a agitam. E dar vida a um paciente trabalho de reparação, tanto ao nível da teoria e da cultura como ao nível da organização política, que permite mais uma vez que os estratos mais fracos da sociedade se reconheçam num interesse comum e acumulem novas forças em conjunto. “Quando tudo está ou parece perdido, é preciso voltar ao trabalho com calma, recomeçar do zero”, disse Gramsci: para “unir o que foi dividido”. 

Stefano G. Azzarà, Youtube