Junto com os teólogos Jung Mo Sung, coordenador do curso de Pós Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista do São Paulo, e Joerg Rieger, professor da Perkins School of Theology, dos Estados Unidos, Nestor Miguez acaba de lançar o livro Beyond the
Spirit of Empire (“Para além do Espírito do Império”, ainda sem tradução em português).
Nesta obra, os autores analisam o império global não apenas em suas dimensões políticas e econômicas, mas também a partir das suas construções simbólicas, que invocam atributos divinos como onipresença e onipotência.
O professor argentino ministrou, no dia 24 de fevereiro, a aula de abertura do ano letivo de 2010 do Programa de Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo.
Pergunta: Você tem escrito sobre a crítica bíblica ao Império, entendendo-se a palavra Império como realidade política. Como explicaria a alunos de uma Escola Dominical o que é esse Império?
Néstor Miguez: O conceito de Império não é só político. É quandodistintos grupos poderosos detêm o poder econômico, político e cultural, com apoio das forças militares. É uma conjunção de forças que, em lugar de se controlarem e equilibrarem mutuamente, unem-se num processo de dominação.
Pergunta: Seriam, então, os governos autoritários?
Néstor Miguez: Governo autoritário é diferente de Império, nem todo governo consegue estabelecer a condição de Império e juntar outras forças em seu projeto. Governos autoritários que encontram oposição em forças econômicas ou sociais não se estabelecem como Império. A democracia é um sistema de controle. O Império se dá quando a vocação autoritária acompanha-se sem controle.
Pergunta: É o caso da economia de mercado nos dias atuais?
Néstor Miguez: A economia de mercado é uma forma de economia tão boa e tão pecadora quanto qualquer outra. O problema é quando ela se impõe como única forma de gestão econômica e começa a regular todas as relações sociais, aliando-se ao poder militar, político, à indústria cultural... É o império pós-moderno que estamos vivendo. Quando a economia de mercado é limitada pela economia solidária e formas de benefício estatal, ela não tem poder de controlar as decisões políticas e as forças militares e, então, ainda não há situação de
império.
A América Latina é um dos lugares onde se consegue limitar com mais eficiência algumas dessas imposições imperiais. Um ponto crucial foi a reunião de Mar del Plata, em 2005, na qual presidentes latino-americanos se negaram a entrar na ALCA, a Área de Livre Comércio das Américas (acordo proposto pelos Estados Unidos, pelo qual se criaria uma zona sem barreiras alfandegárias, facilitando a entrada de produtos norte-americanos nas Américas Central e Sul). Como o Império não conseguiu reunir no seu projeto forças políticas da
América Latina, rompeu-se essa hegemonia do conceito de livre mercado total.
Pergunta: Você afirma que o Império cria comportamentos e formas de pensar. A colonização da mente é, portanto, mais do que resignação, é a reprodução do comportamento imperial. Você pode dar exemplos de como a Igreja hoje reproduz a mentalidade do Império?
Néstor Miguez: Os exemplos abundam na história. Podemos citar o acompanhamento missionário a projetos imperiais ingleses e europeus do século 19. Ou o catolicismo como empresa de conquista e invasão nos séculos 16 e 17. A configuração imperial exige uma construção cultural, a necessidade de criar sujeitos que aceitem ser súditos. Sujeitos sujeitos ao Império... No mundo de hoje (moderno e pós-moderno) a indústria cultural atua na construção da subjetividade imperial. E igrejas também criam teologias afins ao conceito imperial, como a teologia da prosperidade.
Muito mais sutis são as teologias da paz, ou seja, todos os conceitos que tentam incutir a idéia de que o conflito em si é pecado, que qualquer manifestação do conflito contraria o sentido cristão de amor ao próximo. A contribuição da teologia da paz no esquema imperial é difícil de detectar, mas efetiva. Todo Império se constrói sobre a anulação do outro. Quando se elimina o conflito elimina-se a possibilidade da reclamação, da negação, elimina-se a voz do oprimido.
Jesus diz: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas” (Mateus 6.33), inclusive a paz, pois a paz resulta da justiça, como também nos lembra a Bíblia: “O efeito da justiça será paz, e o fruto da justiça, repouso e segurança, para sempre” (Isaías 32.17).
Pergunta: Imagino que, quando você fala do Império e de suas formas de opressão, ouça comentários do tipo “isto é teologia da libertação; é uma ideologia ultrapassada”. Esse é mais um mecanismo de colonização mental ou, de fato, a teologia da libertação não é mais uma boa ferramenta para se pensar os dias de hoje?
Néstor Miguez: A teologia da libertação foi um momento teológico que surgiu em virtude de um contexto. Aquela teologia está vinculada com um momento do passado; o que não significa que o momento atual não exija uma teologia da libertação vinculada com o presente.
É necessário manter o conceito liberador da busca da plenitude da vida humana, da necessidade de justiça (incluindo-se questões de gênero e étnicas) diante do atual contexto econômico do capitalismo financeiro. A teologia da libertação encontrará, portanto, novos desafios para seguir sendo teologia da libertação. Em fidelidade ao passado, mas não como uma reprodução do passado.
Pergunta: Em um de seus artigos você diz que é impossível resistir ao Império que está ao redor e dentro de nós. Mas você fala também da confiança na ressurreição como possibilidade para uma nova realidade, a “esperança escatológica”: “Nossa esperança não está o passado, mas no futuro”. Você não está falando apenas da vida eterna. Que esperança temos para os que estão sofrendo hoje? Que caminhos existem para que a Igreja seja significativa para a sociedade de hoje?
Néstor Miguez: Vida eterna é afirmação de fé cristã que não vou negar. Nego que seja apenas depois da morte. Começa no corpo que hoje habitamos. Portanto, é esperança presente já, ainda que seja de uma forma parcial. Temos o desafio de descolonizar a mente, de nos desfazermos das lógicas imperiais e buscarmos relações humanas não mediadas pelo poder imperial do dinheiro e dos meios de comunicação. Somos desafiados a sermos donos do nosso próprio desejo.
Neste processo, as igrejas podem ser parcialmente (com mais dificuldade em sua face institucional) um espaço para pensar e viver modos alternativos de relação social, não regidos pela dinâmica da concepção imperial.
Isto é Paulo! Vários filósofos políticos seculares (alguns não cristãos e até ateus) estão estudando hoje a teologia de Paulo. Eles estudam como o apóstolo Paulo foi capaz de construir comunidades contra-imperiais em meio ao Império; com que símbolos e dinâmicas ele consegue ir contra o poder dos deuses imperiais.
Hoje precisamos fazer o que Paulo fez, apoiados no poder de um Deus crucificado que ressuscita. O filósofo neomarxista Alan Badiou diz que não há grito mais revolucionário que “viva a vida eterna”, diante do grito de morte eterna do Império. O Império não controla a vida mediante a morte porque a ressurreição estabelece outra dinâmica de vida. “Onde está, ó morte, a sua vitória?”, diz Paulo (1 Coríntios 15.55).
Pergunta: Mas os textos do apóstolo Paulo também já foram usados para justificar situações de opressão e escravidão...
Néstor Miguez: Paulo visava proteger a vida cotidiana. Se ele aconselhasse os escravos a se rebelarem, ele os estaria mandando à morte. No entanto, nas comunidades cristãs, “não há escravo, nem livre”. É o que se vê, por exemplo, na carta a Filemon. Paulo defende outra forma de relação humana não marcada pela lógica do império nas comunidades.
Pergunta: O número de igrejas evangélicas nas periferias brasileiras está crescendo. Também estão crescendo, nestes lugares, os índices de violência, especialmente entre os jovens, e os casos de gravidez na adolescência, reproduzindo o ciclo de miséria. Onde a Igreja está falhando?
Néstor Miguez: As igrejas criaram um espaço do religioso separado da vida cotidiana. É uma espécie de esquizofrenia que permite aplacar certas angústias da vida cotidiana. Era o que o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer chamava de “graça barata”, a graça que elimina a responsabilidade pelo pecado, permitindo que os(as) cristãos(ãs) sigam vivendo a vida normal de todas as pessoas.
“A graça barata é o inimigo mortal de nossa igreja”, dizia ele. A verdadeira graça não apenas perdoa os pecados, mas restitui o pecador e o transforma. É esse o tipo de evangelização que precisamos recuperar, o anúncio de boas novas capazes de criar novas formas de relações humanas.
Há algumas comunidades que conseguem, em nível pessoal, resgatar algumas situações de vida, como a recuperação do alcoolismo ou da violência familiar; mas não têm peso suficiente para transformar o entorno. A ação individual não alcança a comunidade, se não se transforma em ação política. Mas a maioria das igrejas diz: “Não nos metemos em política”.
Pergunta: Você está integrando um dos grupos de estudo da Conferência de Edimburgo 2010 (de 2 a 6 de junho), em comemoração ao centenário da conferência que se considera o início do movimento ecumênico mundial. Você está justamente no grupo que estuda “missão”. No Brasil, existe grande resistência ao ecumenismo porque se diz que ele é contrário à missão, compreendendo-se a palavra missão como evangelização ou, mais especificamente, a busca de novos adeptos para a Igreja. Qual é sua compreensão de missão? E em que medida ela está relacionada ao ecumenismo?
Néstor Miguez: De fato, grupos ecumênicos têm sido vistos como contrários à concepção de missão, e a missão como contrária ao diálogo ecumênico. É preciso, portanto, revisar tanto o conceito de missão quanto o conceito de ecumenismo. A evangelização não visa a ganhar adeptos que mantenham a mesma mentalidade de antes. Missão é processo de anúncio do Evangelho que põe a Igreja em busca de transformação do mundo e de si mesma. É como o apóstolo Paulo a estabelece. Neste sentido, a missão é uma empresa ecumênica.
Contudo, se o ecumenismo significa uma política de bom entendimento pelo qual eu renego minhas convicções e espírito crítico, não é ecumenismo. Sou totalmente ecumênico em minha história e prática de vida. Parte da missão da Igreja é justamente proclamar a absoluta
igualdade dos seres humanos. Mas o diálogo ecumênico não é ocultamento das diferenças. Conflito é parte da missão. Se suspendo minhas convicções, não sou sincero no diálogo. Se entro refratário, também não sou sincero, porque não quero dialogar.
Este é o resultado dos absolutismos da verdade. Jesus foi mais sutildo que isso. Em João, ele promete que o Espírito Santo nos “guiará a toda verdade”. (João 16.13). Então, eu não tenho a verdade, essa é uma busca guiada pelo Espírito Santo. Nessa busca compartilho, dialogo. E o Espírito Santo acompanha estes encontros. “Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mateus 18.20). Jesus está presente no encontro com o outro.
Fonte
http://alcnoticias.com/interior.php?codigo=16448&format=entrevista&lang=689
lundi 31 mai 2010
mercredi 26 mai 2010
O mal enquanto construção cultural
Pelágio e Paul Tillich, elementos para uma leitura libertária da natureza humana
Professor Dr. Jorge Pinheiro dos Santos
SUMÁRIO
A pesquisa parte da Carta à Demétria (Pelagius, “Letter to Demetrias” in B.R. Rees, The Letters of Pelagius and His Followers, pp.35-70), escrita por Pelágio a uma adolescente. As reflexões de Pelágio sobre a pessoa consideravam existir uma bondade inata na natureza humana, fruto da imago Dei. Dirá que podemos avaliar a bondade humana pela referência ao Criador (2.2), já que Deus transmitira ao ser humano o atributo da vontade livre, que possibilita a escolha livre e o domínio próprio. E Paul Tillich, em sua Teologia Sistemática, afirmou que a alienação é um estado da existência. Nesse sentido, quando o ser humano exerce sua liberdade, sob o estado de alienação presente na existência, sempre tem diante de si a possibilidade do mal. Para ambos teólogos, cada um a sua maneira e em contextos diferentes, o mal não tem existência em si, mas será fruto cultural. Essa leitura liga a feitura do mal à ausência de educação e retira dos ombros humanos a maldição herdada dos primeiros pais. E, como conseqüência, exorta à construção de políticas educacionais formadoras de sociedades solidárias.
INTRODUÇÃO
O debate teológico a respeito da origem do mal e suas conseqüências faz parte da própria história da Teologia. Mas em nossa pesquisa vamos partir de Justino Mártir quando afirmou que o ser humano, por ser racional e livre, é responsável por seus próprios atos. Tal afirmação levou a discussão para a relação existente entre Adão e a alienação existencial. Dentro da tradição teológica da Igreja oriental, no primeiro ser humano estavam tipificadas as separações humanas e o distanciamento humano do Criador. Já para a Igreja ocidental, que a partir do debate com os donatistas, precisava formular a questão dos sacramentos e o papel sacerdotal, Adão passou a ser visto como fonte do mal humano e não protótipo. Assim, essa discussão foi polarizada no debate de dois teólogos: o monge Pelágio e Agostinho de Hipona. Séculos mais tarde, a crítica da Reforma ao racionalismo tomista trará o debate à tona. Só que tal discussão foi feita sob novas abordagens, tais como: qual é o destino que Deus reservou ao ser humano? Assim, a discussão a origem do bem e do mal levarão ao tema do destino humano.
PELÁGIO E A LIBERDADE
Aqui vamos voltar no tempo e procurar reconstruir o pensamento do monge Pelágio (354-418). Sabemos que saiu da Grã-Bretanha, onde tinha jogado um papel importante na formação do cristianismo celta. Era monge e muito respeitado na Grã-Bretanha tanto entre o clero como entre os líderes celtas não religiosos. Nunca foi visto como herege ou alguém que não merecesse a confiança de seus companheiros. Foi um precursor do humanismo, pois acreditava nas possibilidades da pessoa e via o mal como um produto social. O que para a época era simplesmente um pensamento revolucionário. Estas idéias de Pelágio não combinavam com o momento teológico vivido pela Igreja ocidental. Nessa época, a Igreja enfrentava o pensamento donatista na África do Norte. Para os donatistas a eficácia dos sacramentos dependia do estado espiritual dos sacerdotes que os ministravam. Essa idéia trouxe um problema para a Igreja cristã ocidental. Se ela concordasse com tal visão, quem garantiria o estado de santidade do clero que ministrava os sacramentos? E se não concordasse, por que então os sacramentos não poderiam ser ministrados também pelos leigos? Mas, se a declaração dos donatistas fosse falsa, então os sacramentos poderiam ser ministrados pelo clero, sem que se cogitasse seu estado espiritual diante de Deus. A acusação de heresia conservaria, desta forma, a estrutura da Igreja. Naquela época, muitos homens da Igreja, inclusive Agostinho, defendiam que ela era uma instituição cuja santidade vinha dos sacramentos e não da fé das pessoas. Assim os sacramentos produziam santificação e não eram frutos da vida piedosa de homens santos. A igreja celta, porém, não viu a discussão dessa maneira. Para Pelágio e seu discípulo Caelestius, a questão girava ao redor do livre arbítrio. Não concordavam com a idéia defendida por Agostinho, que até aquele momento não era majoritária, de um pecado original que contaminou a humanidade.
Como os trabalhos de Pelágio foram proibidos de circulação e posteriormente queimados, chegou até nós pouquíssimo de sua produção. Mas, ainda temos condições de examinar a Carta à Demétria , escrita a uma adolescente e que nos possibilita estudar sua visão sobre a natureza humana.
"Sempre que eu tenho que falar no assunto da instrução moral e na conduta de uma vida santa -- disse o monge --, costumo demonstrar o poder e a qualidade da natureza humana e primeiramente o que ela é capaz de realização" (2.1).
Uma vida de pureza moral, para Pelágio, só podia ser conseguida a partir de dois componentes, aquilo que é bom na natureza humana e o dom da graça (9.1). Esse é o tema central dessa sua epístola.
“[Em vez de considerar os mandamentos de Deus como privilégio] ... lamuriamos a Deus e dizemos: Isso é muito duro! Isso é difícil demais! Não podemos fazê-lo! Somos apenas humanos e, portanto, somos impedidos pela fraqueza da carne! Que loucura! Que ostensiva presunção! Ao agir assim, acusamos o Deus da sabedoria de dupla ignorância – ignorância de sua própria criação e de seus próprios mandamentos. Seria como se Deus, esquecendo-se da fragilidade da humanidade – a qual, afinal de contas, foi criada por ele mesmo! -- nos tivesse ordenado algo que não pudéssemos fazer. E, ao mesmo tempo (que Deus nos perdoe!), imputamos ao justo injustiça e crueldade Aquele que é santo, primeiro, ao reclamar que Deus nos ordenou o impossível e, segundo, por imaginar que alguns serão condenados por Deus pelo que não poderiam evitar; de outra forma, que – e essa é a blasfêmia suprema! -- concebe-se que Deus esteja buscando nossa punição, em vez de nossa salvação”.
As reflexões de Pelágio sobre o ser humano não estão distante daquelas apresentadas pelos pais da Igreja oriental, que também consideravam existir bondade na natureza humana, fruto da imago Dei. Por isso, dirá que podemos inferir a bondade do ser humano a partir do amor do Criador (2.2). Assim, a divindade transmitiu à humanidade os atributos da liberdade, que possibilitam a livre escolha e o domínio próprio. Isto porque Deus desejava para o ser humano a liberdade de ação e não a ação sob coerção. Por esta razão, deixou-o livre para fazer suas próprias decisões e para escolher entre vida e morte, entre bem e mal, e viver conforme lhe parecesse melhor (2.2). Pelágio, no entanto, sabia que boa parte dos cristãos acreditava que se o ser humano tinha sido criado com a possibilidade de realizar o mal, então não tinha sido criado perfeito. Ao contrário, o monge celta acreditava que o ser humano tinha sido criado para realizar o bem, mas não compulsoriamente. E a partir dessa compreensão afirmava que se não fosse assim não haveria humanidade real e nem virtude verdadeira (3.1). Aqui está o centro da espiritualidade pelagiana: a crença de que se negarmos a liberdade finita do ser humano negamos a possibilidade da vida moral.
Esta bondade da pessoa, para Pelágio, não foi destruída com a alienação existencial. O ser humano continua a carregar dentro de sua natureza a bondade da criação, uma graça, uma santidade natural (4.2). E isso pode ser visto na vida de pessoas que não são cristãs. Muitas delas são tolerantes, generosas e rejeitam os prazeres do mundo. São amantes da justiça e buscam o conhecimento (3.3). O que o levou a considerar que é impossível trilhar o caminho da virtude se não houver nos corações a esperança de alcançá-la. Não haveria virtude se em seu esforço as pessoas achassem que nunca haveriam de encontrá-la (2.1). Por isso, Pelágio abominava a covardia diante dos desafios da vida. Ao contrário, exatamente porque a carne é frágil, todos são exortados a vencê-la e isso é possível (16.2). A bondade e a capacidade de viver uma vida santa estava e está nos planos de Deus porque ele não criou o ser humano para a punição ou para a danação, mas para a liberdade. Negar a possibilidade da bondade humana e a capacidade de viver uma vida santa não é somente pessimismo moral, é uma blasfêmia: significa que Deus não sabe o que fez, ou que não levou em conta a fragilidade humana, ou que ordenou algo impossível e deseja não a salvação humana, mas a punição (16.2).
O monge celta não responsabilizava a natureza por aquilo que é a escolha de pessoas livres. Considerava que não se pode culpar a natureza, pois em ambos testamentos tanto o bem como o mal são apresentadas como ações voluntárias (7). Isto é demonstrado na vida de Caim e Abel, e Esaú e Jacó, irmãos de sangue que fazem escolhas diferentes. O monge dizia que quando os méritos diferem na mesma natureza, a escolha é a causa da ação (8.1). Logo, a alienação existencial não poderia ter corrompido a natureza humana ao ponto de incapacitá-la de escolher entre fazer o bem ou fazer o mal. O efeito da alienação existencial deve ser entendido mais em seus efeitos ambientais do que éticos.
Pelágio não acreditava que a natureza humana estivesse degenerada pela alienação existencial dos primeiros seres humanos. Defendia que eram os atos e não a natureza que levavam o ser humano a herdar o mal. Por isso, discordou de Agostinho quando este afirmou que o ser humano só poderia ganhar a salvação através da Igreja. Considerou a idéia de pecado original sem base neotestamentária e afirmou que todos são concebidos sem pecado e, diante de seus delitos, são salvos pela graça de Deus, que não merecemos, que nos é entregue através de Jesus Cristo e sua Igreja. Até aquele momento, a visão de Pelágio e seus seguidores traduziam a idéia da liberdade de escolha, e da natureza humana que tinha sido alienada, mas não degradada.
A compreensão da proposta pelagiana nos remete à importância da educação na construção da ética cristã. A partir daí, a ênfase não estará no conhecimento de Deus, mas na imitação dele. Nesse sentido, a teologia de Pelágio é uma teologia do caminho, onde está presente a afirmação da vida, e como consequência, do amor, da justiça e da verdade. E se o ser humano é colocado entre as alternativas da vida e da morte, do bem e do mal, é porque pode escolher a vida e o bem. E o princípio da vida aponta para o amor, porque se o ser humano deve ser imitador de Cristo, a ênfase recairá sobre a justiça e a misericórdia. Ora, a justiça é inseparável da liberdade e, por isso, o caminho se faz ao andar: deve ser trilhado, porque aí estão os desafios da existência humana. E é esse sentido de realidade e sua prática no cotidiano que leva a teologia cristã à política. Aqui, o discurso contra-autoritário de Pelágio cobra força, pois o cristianismo deixa de ser religiosidade privada e de padrões de pensamentos para se articular com as demandas das comunidades.
TILLICH E A LIBERDADE
Para o teólogo teuto-americano Paul Tillich, o estado da existência é o estado da alienação. Ou seja, o ser humano se encontra alienado do fundamento do seu ser, dos outros seres humanos e de si mesmo. E essa alienação é fruto de sua ruptura com o mundo ideal da criação, da natureza perfeita, o que dá origem à consciência. Mas, para Tillich, é importante entender a relação entre alienação e a sociedade. Para ele, uma comunidade é uma estrutura de poder, onde existe conflito potencial ou real, mesmo que exista ação solidária da comunidade como um todo. Na comunidade não existe culpa coletiva, embora exista destino universal e, por isso, as pessoas participam deste destino. E, para Tillich, o destino se acha inseparavelmente unido à liberdade , que para ele é experimentada como deliberação, decisão e responsabilidade.
Numa abordagem teológica, a questão da origem é fundamental para o estudo do mal, pois posiciona o mal em condições e momentos diferentes, conforme a leitura que se faça de Gênesis. De todas as maneiras, a relação origem versus mal sublinha o surgimento do ser humano como imago Dei, o que permite a leitura de que aquele ser era pessoa e que, por isso, poderia usar sua liberdade como melhor lhe aprouvesse. Mas no uso da liberdade estava contida a possibilidade de se opor ao que estava definido e nomeado. A alienação consiste nisso, na decisão autônoma do ser humano de distanciar-se da ordem e do estabelecido. Esse deslocamento, de ruptura com a natureza, permitiu ao ser humano colocar-se como centro de sua vontade e de seu fazer, produzindo distanciamento da natureza, mas consciência de sua existência. Nesse sentido, essa ruptura, esse distanciamento é um encontro, e aí está colocado o mal. Ou, como diz La Boétie, “que mau encontro foi esse que pode desnaturar tanto o ser humano, o único nascido de verdade para viver francamente, e fazê-lo perder a lembrança de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo?”. E Clastres, analisando o texto desse libertário do século 16, que influenciou o pensamento huguenote francês, nos apresenta uma definição do mal existencial:
“Mau encontro: acidente trágico, azar inaugural cujos efeitos não cessam de ampliar-se, a tal ponto que é abolida a memória do antes, a tal ponto que o amor da servidão substituiu-se ao desejo de liberdade. O que diz La Boétie? Mais do que qualquer outro clarividente, afirma inicialmente que essa passagem da liberdade à servidão deu-se sem necessidade, afirma acidental – e, desde então, que trabalho pensar o impensável mau encontro!”.
Assim para Clastres, antropologicamente, o mal é corrupção da liberdade do ser humano por ele próprio que, por essa corrupção, se coloca em estado de servidão voluntária. Teologicamente, podemos dizer que é deixar-se dominar por suas próprias paixões. Assim, o entendimento do mau encontro enquanto alienação e abertura à perda de liberdade forma o pilar de uma teologia libertária, já que o problema do mau encontro passa a estar ligado à liberdade do ser humano.
A alienação humana tem como conseqüência descrença, hybris e concupiscência, expressões de um estado que se opõe ao ser essencial do humano, sua potencialidade para o bem. Essa compreensão está presente na tradição judaico-cristã. Assim, no Antigo Testamento temos uma tríade conceitual nas idéias de aliança, fidelidade e constância, cujo centro epistemológico é a liberdade. E no Novo Testamento o vértice dessa discussão é o conceito de destino.
Paralelamente ao pensamento hebraico, a cultura grega apresentou uma leitura especial e trágica do conceito de destino, que traduzia a maneira de pensar e viver do helenismo. Na sua época, por razões apologéticas, o apóstolo Paulo apresentou um conceito de destino que resgata, mas vai além do conceito veterotestamentário de aliança. Entre os gregos, a religião e os cultos de mistérios traduziam uma luta contra o destino, era uma tentativa de colocar-se acima dele. Para o ser humano helênico a luta com o destino era inevitável, porque se apresentava como poder sagrado, mas destrutivo. Envolvia o ser humano numa culpa objetiva. Os cultos de mistério, dessa forma, ofereciam uma purificação das mãos de deuses que manipulando o destino, excluíam do seres humanos qualquer possibilidade de liberdade.
Da mesma maneira, a filosofia helênica, através do conhecimento, procurava elevar o ser humano à transcendência, despojando-o dos objetivos e formas da vida imediata, para lançá-lo através da abstração em direção ao ser puro. Mas, nunca conseguiu tal objetivo, e o mundo helênico permaneceu um mundo de culpa objetiva, castigo trágico e profundo pessimismo, que atravessou a produção teológica de gênios como Anaximandro, Pitágoras, Demócrito, Sócrates, Platão e Aristóteles. Nas discussões do helenismo pós-platônico, possibilidade e necessidade foram conceitos chaves. Mas o medo de demônios continuou a obscurecer o espírito helênico. O epicurismo tentou, em vão, libertar seus seguidores do medo, mas ao definir o conceito de possibilidade absoluta [ou azar], abriu o espaço para o medo em sua argumentação filosófica.
Apesar dessa visão trágica, os gregos eram apaixonados pela vida e é esse paradoxo que dará riqueza a esta que será uma das mais expressivas culturas da humanidade. Mas, em última instância, a luta do filósofo -- superar o destino -- permaneceu inalterada em todo o helenismo.
Dessa maneira, a filosofia grega caminhou para ceticismo, já que a presença do mal na existência humana se mostrava avassaladora. Ao mesmo tempo, enquanto força sobre-humana do destino e personificação do mal, as nações eram submetidas ao poderio romano. Diante desse destino trágico, o mundo helênico ansiava por um destino libertador.
E foi assim que o cristianismo se apresentou como vitória do humano sobre o medo trágico e sobre a matéria que resiste. Colocou-se como negação radical do caráter demoníaco da existência em si, dando a esta um valor essencialmente positivo e valorizando os acontecimentos da ordem temporal. Assim, para o cristianismo, ao contrário do que pensava Anaximandro, a ordem do tempo não levava apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.
Para esse jovem cristianismo, o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do tempo bom, do kairós, substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse momento, destino traz libertação no tempo e na história. Antes, a filosofia buscava desesperadamente a libertação, agora a libertação apodera-se da filosofia dando origem à teologia. Assim, a teologia jogou fora o destino demoníaco e se apropriou de suas formas lógicas e de seus conteúdos empíricos. O transitório e perecível da filosofia helenística perdeu importância na construção do pensamento cristão oriental, que se desenvolveu a partir da idéia da liberdade se constrói historicamente e acontece num tempo bom.
Mas voltemos um pouco atrás, para entendermos esse processo. Dentro da visão do apóstolo Paulo, que fez a correlação entre o pensamento cristão palestino e o helenismo, destino traduz a idéia de que os limites estão dados de antemão, ou seja, da lei transcendente na qual está imbricado o conceito de liberdade. Assim, destino implica numa tríade conceitual: (1) o destino está sujeito à liberdade; (2) destino significa que a liberdade também está sujeita à lei, e aqui vamos entender lei como natureza; (3) destino significa que liberdade e lei ou natureza são interdependentes e complementares.
Analisando o conceito cristão exposto por são Paulo , podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e natureza se encontram intrinsecamente entrelaçadas. Aqui Paulo trabalha com um conceito judaico, de que lei é imposição de limites, que faz parte da revelação, e que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Mas para Paulo, se o mal é uma probabilidade que surge da dialética lei/natureza versus graça/liberdade, o julgamento, a decisão, é inerente ao ato humano. Ou, nas palavras de Tillich: “destino é aquilo do qual surgem nossas decisões. É a base indefinidamente ampla de nosso eu centrado; é a concretude de nosso ser que torna todas nossas decisões nossas decisões”.
Assim, a certeza de que o destino é a liberdade e não o mal e tem um significado realizador e não destruidor é a peça chave do pensamento paulino, que coloca o Cristo, aquele que possibilita a escolha certa, acima do destino. Mas, devido à alienação, em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco diante da realização da liberdade. Ainda assim, devemos correr este risco, sabedores de que este é o único meio através do qual a construção daquilo que é bom pode ser viabilizado. Por isso, o Novo Ser, aquele que pode ser buscado fora da história e pode ser entendido como alvo da história, que apresenta a universalidade da expectativa humana por uma nova realidade, deve se refletir no pensamento humano, embora não exista um ato do pensamento sem a premissa de sua verdade incondicional.
Quando mantemos relação com o Novo Ser, que leva o finito à plenitude, deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao destino em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio estivemos submetidos ao destino e que o nosso pensamento sempre desejou livrar-se dele. Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do destino é saber relacionar Novo Ser, a busca de um novo estado de realidade, e kairós, a plenitude do tempo. O Novo Ser deve alcançar o kairós, o tempo oportuno, tempo de agir. O Novo Ser deve envolver e dominar as leis universais, a plenitude do tempo, a verdade e o destino da existência. Para o cristianismo paulino, a separação entre Novo Ser e existência chegou ao fim. O Novo Ser alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.
É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino. Dessa maneira, para o ovem cristianismo, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu destino. E quanto maior a potencialidade do ser, que cresce à medida que é envolvido pelo Novo Ser, mais profundamente está implicado seu conhecimento no destino.
Assim, destino passa a ser compreendido como serviço àquilo que liberta, ao Novo Ser, num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido grego de prokeimai, estar colocado, ser proposto, e o de nossa comunidade, tanto mais livres seremos. Então, a ação humana será plena de força e verdade.
Mas, a vontade humana não é neutra e a liberdade humana sempre se dá dentro de uma realidade condicionada. Assim, a liberdade entende-se como relação dialética entre lei/natureza e graça/liberdade. Quando Hegel afirmava que a liberdade é a consciência da necessidade cometia um erro porque descartava a realização da liberdade. É por isso que para Marx liberdade é práxis. Ora, para Marx, práxis é consciência da necessidade mais ação transformadora. Ou seja, em termos teológicos, consciência da lei/natureza diante da alienação existencial se traduz no conceito grego metanóia, ação transformadora.
Por isso, para a jovem Igreja cristã, o mal, ao contrário do que pensavam os gnósticos, não é um ser, mas um fazer. Em relação ao imediato é um estado e no que se refere à espécie humana é um domínio. Numa definição teológica, o mal acontece perante aquilo que minha liberdade é desafiada, quando meu julgamento tem a possibilidade de escolha entre aquilo que é bem e aquilo que é mal. Ou seja, o mal surge como feitura humana. Nesse sentido, o mal não se apresenta sem agente moral e nem pode acontecer fora da cultura. Toda vez que o ser humano realiza sua escolha, a lei/natureza está presente: assim o mal é um antítipo da liberdade.
Por isso só podemos responder ao mal reconhecendo que o mal é feitura minha e de minha espécie. A partir daí, não podemos perguntar porque o mal existe, como se fosse um ser. Mas devemos nos perguntar, como fez Agostinho, o que me leva a fazer mal? O que nos exorta à ação libertária, já que o mal é o que não devia estar. É a partir daí que nasce um ética libertária, de combate a este estado e domínio na vida de meu próximo e da comunidade.
CONCLUSÃO
Em 1970, Ballestero ao analisar o caráter radical da liberdade no pensamento de três gênios da modernidade, Nicolas de Cusa, Lutero e Marx, disse que “neles, em um e outro plano, liberdade significa abolição da lei, colapso da determinação exterior, e não – à maneira conservadora – comportamento que se adequou aos limites da ordem. Liberdade para os pensadores que aqui analisamos significa a destruição de toda ordenação que seja exterior e anterior ao próprio ato livre.”
Os ensaios de Ballestero mostram que a revolução teórica empreendida por Cusa e Lutero não era gratuita, nem produto de um simples ato ideal, mas se enraizou no tecido histórico do movimento de decomposição global da formação social pré-capitalista. Cusa e Lutero clamam por essa destruição. Sem entrar nos detalhes das mutações vividas no século 16, com a ruptura do equilíbrio cidade/campo, o surgimento das manufaturas e consolidação do sistema de trabalho assalariado, vemos que a dimensão negativa da condição humana na incipiente sociedade capitalista será percebida por Cusa e Lutero: a autonomia do sujeito se dá como dor. Mas ambos consideram essa subjetividade liberada pelo início da arrancada capitalista como desequilíbrio. Assim, tanto Cusa quanto Lutero partem da negação dessa subjetividade alienada do nascente capitalismo, considerando que deve ser superada para que o Espírito floresça. Aí, então, teríamos o fim da inessencialidade do sujeito alienado e a inserção deste na totalidade objetiva. Mas isso não pode acontecer sem a transformação dessa realidade objetiva em realidade espiritual, que sustém o ser humano. Dessa maneira, para os dois pensadores, o Espírito constrói num nível superior o universo anteriormente negado.
O jovem Marx, seguindo os passos de Hegel, partirá dessa discussão. Para ele, a religião é a realização imaginária da essência do ser humano, já que essa essência do ser humano não tem realidade alguma. Mas há um ponto de interligação nessa perspectiva, quando vê, assim como Cusa e Lutero, a liberdade como abolição da legalidade, como coincidência do momento subjetivo com o momento objetivo, e como responsabilidade suprema do ser humano. Esse ponto de vista marxiano está expresso na Introdução à Crítica da Economia Política , texto que só foi descoberto em 1902 e publicado por Kautsky em 1903.
Já para Lutero, “o cristão é senhor de todas as coisas e não está submetido a ninguém. O cristão é servo em tudo e está submetido a todo mundo” . Livre e não submisso, mas servo e escravo do ideal da liberdade. Para Lutero, o ser humano existe como estrutura ontológica dual. Sua conceituação traduz a ansiedade teórica do século 16, mas traduz-se em superação da subjetividade alienada. O cristão é senhor de todas as coisas, não está submetido a ninguém e esse senhorio radical é produto da graça/liberdade. A apropriação da liberdade é fruto da certeza que transforma a subjetividade alienada em realidade objetiva. Nesse sentido, o caráter espiritual da autonomia do cristão se dá como processo. Morre o imediato, o alienado, e tem início a construção de uma segunda natureza. A liberdade surge como deslocamento do ser humano natural, como distanciamento crítico daquilo que foi naturalmente dado. O primeiro momento da liberdade parte de uma concepção trágica, porque o senhorio num primeiro momento implica em servidão, criando tensão e luta... “É necessário desesperar-se por você mesmo, fazer com que você saia de dentro de você e escape de sua prisão” . Superada a tensão, temos a liberdade enquanto destino, uma dimensão de combate. Mas, se não existe vida pessoal sem o encontro com outras pessoas dentro de uma comunidade, e não existe comunidade sem a dimensão histórica de passado e futuro, é aí, na comunidade, que o ser humano constrói a liberdade que vai além, a liberdade que é fonte de realidade e ação.
BIBLIOGRAFIA
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Professor Dr. Jorge Pinheiro dos Santos
SUMÁRIO
A pesquisa parte da Carta à Demétria (Pelagius, “Letter to Demetrias” in B.R. Rees, The Letters of Pelagius and His Followers, pp.35-70), escrita por Pelágio a uma adolescente. As reflexões de Pelágio sobre a pessoa consideravam existir uma bondade inata na natureza humana, fruto da imago Dei. Dirá que podemos avaliar a bondade humana pela referência ao Criador (2.2), já que Deus transmitira ao ser humano o atributo da vontade livre, que possibilita a escolha livre e o domínio próprio. E Paul Tillich, em sua Teologia Sistemática, afirmou que a alienação é um estado da existência. Nesse sentido, quando o ser humano exerce sua liberdade, sob o estado de alienação presente na existência, sempre tem diante de si a possibilidade do mal. Para ambos teólogos, cada um a sua maneira e em contextos diferentes, o mal não tem existência em si, mas será fruto cultural. Essa leitura liga a feitura do mal à ausência de educação e retira dos ombros humanos a maldição herdada dos primeiros pais. E, como conseqüência, exorta à construção de políticas educacionais formadoras de sociedades solidárias.
INTRODUÇÃO
O debate teológico a respeito da origem do mal e suas conseqüências faz parte da própria história da Teologia. Mas em nossa pesquisa vamos partir de Justino Mártir quando afirmou que o ser humano, por ser racional e livre, é responsável por seus próprios atos. Tal afirmação levou a discussão para a relação existente entre Adão e a alienação existencial. Dentro da tradição teológica da Igreja oriental, no primeiro ser humano estavam tipificadas as separações humanas e o distanciamento humano do Criador. Já para a Igreja ocidental, que a partir do debate com os donatistas, precisava formular a questão dos sacramentos e o papel sacerdotal, Adão passou a ser visto como fonte do mal humano e não protótipo. Assim, essa discussão foi polarizada no debate de dois teólogos: o monge Pelágio e Agostinho de Hipona. Séculos mais tarde, a crítica da Reforma ao racionalismo tomista trará o debate à tona. Só que tal discussão foi feita sob novas abordagens, tais como: qual é o destino que Deus reservou ao ser humano? Assim, a discussão a origem do bem e do mal levarão ao tema do destino humano.
PELÁGIO E A LIBERDADE
Aqui vamos voltar no tempo e procurar reconstruir o pensamento do monge Pelágio (354-418). Sabemos que saiu da Grã-Bretanha, onde tinha jogado um papel importante na formação do cristianismo celta. Era monge e muito respeitado na Grã-Bretanha tanto entre o clero como entre os líderes celtas não religiosos. Nunca foi visto como herege ou alguém que não merecesse a confiança de seus companheiros. Foi um precursor do humanismo, pois acreditava nas possibilidades da pessoa e via o mal como um produto social. O que para a época era simplesmente um pensamento revolucionário. Estas idéias de Pelágio não combinavam com o momento teológico vivido pela Igreja ocidental. Nessa época, a Igreja enfrentava o pensamento donatista na África do Norte. Para os donatistas a eficácia dos sacramentos dependia do estado espiritual dos sacerdotes que os ministravam. Essa idéia trouxe um problema para a Igreja cristã ocidental. Se ela concordasse com tal visão, quem garantiria o estado de santidade do clero que ministrava os sacramentos? E se não concordasse, por que então os sacramentos não poderiam ser ministrados também pelos leigos? Mas, se a declaração dos donatistas fosse falsa, então os sacramentos poderiam ser ministrados pelo clero, sem que se cogitasse seu estado espiritual diante de Deus. A acusação de heresia conservaria, desta forma, a estrutura da Igreja. Naquela época, muitos homens da Igreja, inclusive Agostinho, defendiam que ela era uma instituição cuja santidade vinha dos sacramentos e não da fé das pessoas. Assim os sacramentos produziam santificação e não eram frutos da vida piedosa de homens santos. A igreja celta, porém, não viu a discussão dessa maneira. Para Pelágio e seu discípulo Caelestius, a questão girava ao redor do livre arbítrio. Não concordavam com a idéia defendida por Agostinho, que até aquele momento não era majoritária, de um pecado original que contaminou a humanidade.
Como os trabalhos de Pelágio foram proibidos de circulação e posteriormente queimados, chegou até nós pouquíssimo de sua produção. Mas, ainda temos condições de examinar a Carta à Demétria , escrita a uma adolescente e que nos possibilita estudar sua visão sobre a natureza humana.
"Sempre que eu tenho que falar no assunto da instrução moral e na conduta de uma vida santa -- disse o monge --, costumo demonstrar o poder e a qualidade da natureza humana e primeiramente o que ela é capaz de realização" (2.1).
Uma vida de pureza moral, para Pelágio, só podia ser conseguida a partir de dois componentes, aquilo que é bom na natureza humana e o dom da graça (9.1). Esse é o tema central dessa sua epístola.
“[Em vez de considerar os mandamentos de Deus como privilégio] ... lamuriamos a Deus e dizemos: Isso é muito duro! Isso é difícil demais! Não podemos fazê-lo! Somos apenas humanos e, portanto, somos impedidos pela fraqueza da carne! Que loucura! Que ostensiva presunção! Ao agir assim, acusamos o Deus da sabedoria de dupla ignorância – ignorância de sua própria criação e de seus próprios mandamentos. Seria como se Deus, esquecendo-se da fragilidade da humanidade – a qual, afinal de contas, foi criada por ele mesmo! -- nos tivesse ordenado algo que não pudéssemos fazer. E, ao mesmo tempo (que Deus nos perdoe!), imputamos ao justo injustiça e crueldade Aquele que é santo, primeiro, ao reclamar que Deus nos ordenou o impossível e, segundo, por imaginar que alguns serão condenados por Deus pelo que não poderiam evitar; de outra forma, que – e essa é a blasfêmia suprema! -- concebe-se que Deus esteja buscando nossa punição, em vez de nossa salvação”.
As reflexões de Pelágio sobre o ser humano não estão distante daquelas apresentadas pelos pais da Igreja oriental, que também consideravam existir bondade na natureza humana, fruto da imago Dei. Por isso, dirá que podemos inferir a bondade do ser humano a partir do amor do Criador (2.2). Assim, a divindade transmitiu à humanidade os atributos da liberdade, que possibilitam a livre escolha e o domínio próprio. Isto porque Deus desejava para o ser humano a liberdade de ação e não a ação sob coerção. Por esta razão, deixou-o livre para fazer suas próprias decisões e para escolher entre vida e morte, entre bem e mal, e viver conforme lhe parecesse melhor (2.2). Pelágio, no entanto, sabia que boa parte dos cristãos acreditava que se o ser humano tinha sido criado com a possibilidade de realizar o mal, então não tinha sido criado perfeito. Ao contrário, o monge celta acreditava que o ser humano tinha sido criado para realizar o bem, mas não compulsoriamente. E a partir dessa compreensão afirmava que se não fosse assim não haveria humanidade real e nem virtude verdadeira (3.1). Aqui está o centro da espiritualidade pelagiana: a crença de que se negarmos a liberdade finita do ser humano negamos a possibilidade da vida moral.
Esta bondade da pessoa, para Pelágio, não foi destruída com a alienação existencial. O ser humano continua a carregar dentro de sua natureza a bondade da criação, uma graça, uma santidade natural (4.2). E isso pode ser visto na vida de pessoas que não são cristãs. Muitas delas são tolerantes, generosas e rejeitam os prazeres do mundo. São amantes da justiça e buscam o conhecimento (3.3). O que o levou a considerar que é impossível trilhar o caminho da virtude se não houver nos corações a esperança de alcançá-la. Não haveria virtude se em seu esforço as pessoas achassem que nunca haveriam de encontrá-la (2.1). Por isso, Pelágio abominava a covardia diante dos desafios da vida. Ao contrário, exatamente porque a carne é frágil, todos são exortados a vencê-la e isso é possível (16.2). A bondade e a capacidade de viver uma vida santa estava e está nos planos de Deus porque ele não criou o ser humano para a punição ou para a danação, mas para a liberdade. Negar a possibilidade da bondade humana e a capacidade de viver uma vida santa não é somente pessimismo moral, é uma blasfêmia: significa que Deus não sabe o que fez, ou que não levou em conta a fragilidade humana, ou que ordenou algo impossível e deseja não a salvação humana, mas a punição (16.2).
O monge celta não responsabilizava a natureza por aquilo que é a escolha de pessoas livres. Considerava que não se pode culpar a natureza, pois em ambos testamentos tanto o bem como o mal são apresentadas como ações voluntárias (7). Isto é demonstrado na vida de Caim e Abel, e Esaú e Jacó, irmãos de sangue que fazem escolhas diferentes. O monge dizia que quando os méritos diferem na mesma natureza, a escolha é a causa da ação (8.1). Logo, a alienação existencial não poderia ter corrompido a natureza humana ao ponto de incapacitá-la de escolher entre fazer o bem ou fazer o mal. O efeito da alienação existencial deve ser entendido mais em seus efeitos ambientais do que éticos.
Pelágio não acreditava que a natureza humana estivesse degenerada pela alienação existencial dos primeiros seres humanos. Defendia que eram os atos e não a natureza que levavam o ser humano a herdar o mal. Por isso, discordou de Agostinho quando este afirmou que o ser humano só poderia ganhar a salvação através da Igreja. Considerou a idéia de pecado original sem base neotestamentária e afirmou que todos são concebidos sem pecado e, diante de seus delitos, são salvos pela graça de Deus, que não merecemos, que nos é entregue através de Jesus Cristo e sua Igreja. Até aquele momento, a visão de Pelágio e seus seguidores traduziam a idéia da liberdade de escolha, e da natureza humana que tinha sido alienada, mas não degradada.
A compreensão da proposta pelagiana nos remete à importância da educação na construção da ética cristã. A partir daí, a ênfase não estará no conhecimento de Deus, mas na imitação dele. Nesse sentido, a teologia de Pelágio é uma teologia do caminho, onde está presente a afirmação da vida, e como consequência, do amor, da justiça e da verdade. E se o ser humano é colocado entre as alternativas da vida e da morte, do bem e do mal, é porque pode escolher a vida e o bem. E o princípio da vida aponta para o amor, porque se o ser humano deve ser imitador de Cristo, a ênfase recairá sobre a justiça e a misericórdia. Ora, a justiça é inseparável da liberdade e, por isso, o caminho se faz ao andar: deve ser trilhado, porque aí estão os desafios da existência humana. E é esse sentido de realidade e sua prática no cotidiano que leva a teologia cristã à política. Aqui, o discurso contra-autoritário de Pelágio cobra força, pois o cristianismo deixa de ser religiosidade privada e de padrões de pensamentos para se articular com as demandas das comunidades.
TILLICH E A LIBERDADE
Para o teólogo teuto-americano Paul Tillich, o estado da existência é o estado da alienação. Ou seja, o ser humano se encontra alienado do fundamento do seu ser, dos outros seres humanos e de si mesmo. E essa alienação é fruto de sua ruptura com o mundo ideal da criação, da natureza perfeita, o que dá origem à consciência. Mas, para Tillich, é importante entender a relação entre alienação e a sociedade. Para ele, uma comunidade é uma estrutura de poder, onde existe conflito potencial ou real, mesmo que exista ação solidária da comunidade como um todo. Na comunidade não existe culpa coletiva, embora exista destino universal e, por isso, as pessoas participam deste destino. E, para Tillich, o destino se acha inseparavelmente unido à liberdade , que para ele é experimentada como deliberação, decisão e responsabilidade.
Numa abordagem teológica, a questão da origem é fundamental para o estudo do mal, pois posiciona o mal em condições e momentos diferentes, conforme a leitura que se faça de Gênesis. De todas as maneiras, a relação origem versus mal sublinha o surgimento do ser humano como imago Dei, o que permite a leitura de que aquele ser era pessoa e que, por isso, poderia usar sua liberdade como melhor lhe aprouvesse. Mas no uso da liberdade estava contida a possibilidade de se opor ao que estava definido e nomeado. A alienação consiste nisso, na decisão autônoma do ser humano de distanciar-se da ordem e do estabelecido. Esse deslocamento, de ruptura com a natureza, permitiu ao ser humano colocar-se como centro de sua vontade e de seu fazer, produzindo distanciamento da natureza, mas consciência de sua existência. Nesse sentido, essa ruptura, esse distanciamento é um encontro, e aí está colocado o mal. Ou, como diz La Boétie, “que mau encontro foi esse que pode desnaturar tanto o ser humano, o único nascido de verdade para viver francamente, e fazê-lo perder a lembrança de seu primeiro ser e o desejo de retomá-lo?”. E Clastres, analisando o texto desse libertário do século 16, que influenciou o pensamento huguenote francês, nos apresenta uma definição do mal existencial:
“Mau encontro: acidente trágico, azar inaugural cujos efeitos não cessam de ampliar-se, a tal ponto que é abolida a memória do antes, a tal ponto que o amor da servidão substituiu-se ao desejo de liberdade. O que diz La Boétie? Mais do que qualquer outro clarividente, afirma inicialmente que essa passagem da liberdade à servidão deu-se sem necessidade, afirma acidental – e, desde então, que trabalho pensar o impensável mau encontro!”.
Assim para Clastres, antropologicamente, o mal é corrupção da liberdade do ser humano por ele próprio que, por essa corrupção, se coloca em estado de servidão voluntária. Teologicamente, podemos dizer que é deixar-se dominar por suas próprias paixões. Assim, o entendimento do mau encontro enquanto alienação e abertura à perda de liberdade forma o pilar de uma teologia libertária, já que o problema do mau encontro passa a estar ligado à liberdade do ser humano.
A alienação humana tem como conseqüência descrença, hybris e concupiscência, expressões de um estado que se opõe ao ser essencial do humano, sua potencialidade para o bem. Essa compreensão está presente na tradição judaico-cristã. Assim, no Antigo Testamento temos uma tríade conceitual nas idéias de aliança, fidelidade e constância, cujo centro epistemológico é a liberdade. E no Novo Testamento o vértice dessa discussão é o conceito de destino.
Paralelamente ao pensamento hebraico, a cultura grega apresentou uma leitura especial e trágica do conceito de destino, que traduzia a maneira de pensar e viver do helenismo. Na sua época, por razões apologéticas, o apóstolo Paulo apresentou um conceito de destino que resgata, mas vai além do conceito veterotestamentário de aliança. Entre os gregos, a religião e os cultos de mistérios traduziam uma luta contra o destino, era uma tentativa de colocar-se acima dele. Para o ser humano helênico a luta com o destino era inevitável, porque se apresentava como poder sagrado, mas destrutivo. Envolvia o ser humano numa culpa objetiva. Os cultos de mistério, dessa forma, ofereciam uma purificação das mãos de deuses que manipulando o destino, excluíam do seres humanos qualquer possibilidade de liberdade.
Da mesma maneira, a filosofia helênica, através do conhecimento, procurava elevar o ser humano à transcendência, despojando-o dos objetivos e formas da vida imediata, para lançá-lo através da abstração em direção ao ser puro. Mas, nunca conseguiu tal objetivo, e o mundo helênico permaneceu um mundo de culpa objetiva, castigo trágico e profundo pessimismo, que atravessou a produção teológica de gênios como Anaximandro, Pitágoras, Demócrito, Sócrates, Platão e Aristóteles. Nas discussões do helenismo pós-platônico, possibilidade e necessidade foram conceitos chaves. Mas o medo de demônios continuou a obscurecer o espírito helênico. O epicurismo tentou, em vão, libertar seus seguidores do medo, mas ao definir o conceito de possibilidade absoluta [ou azar], abriu o espaço para o medo em sua argumentação filosófica.
Apesar dessa visão trágica, os gregos eram apaixonados pela vida e é esse paradoxo que dará riqueza a esta que será uma das mais expressivas culturas da humanidade. Mas, em última instância, a luta do filósofo -- superar o destino -- permaneceu inalterada em todo o helenismo.
Dessa maneira, a filosofia grega caminhou para ceticismo, já que a presença do mal na existência humana se mostrava avassaladora. Ao mesmo tempo, enquanto força sobre-humana do destino e personificação do mal, as nações eram submetidas ao poderio romano. Diante desse destino trágico, o mundo helênico ansiava por um destino libertador.
E foi assim que o cristianismo se apresentou como vitória do humano sobre o medo trágico e sobre a matéria que resiste. Colocou-se como negação radical do caráter demoníaco da existência em si, dando a esta um valor essencialmente positivo e valorizando os acontecimentos da ordem temporal. Assim, para o cristianismo, ao contrário do que pensava Anaximandro, a ordem do tempo não levava apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.
Para esse jovem cristianismo, o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do tempo bom, do kairós, substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse momento, destino traz libertação no tempo e na história. Antes, a filosofia buscava desesperadamente a libertação, agora a libertação apodera-se da filosofia dando origem à teologia. Assim, a teologia jogou fora o destino demoníaco e se apropriou de suas formas lógicas e de seus conteúdos empíricos. O transitório e perecível da filosofia helenística perdeu importância na construção do pensamento cristão oriental, que se desenvolveu a partir da idéia da liberdade se constrói historicamente e acontece num tempo bom.
Mas voltemos um pouco atrás, para entendermos esse processo. Dentro da visão do apóstolo Paulo, que fez a correlação entre o pensamento cristão palestino e o helenismo, destino traduz a idéia de que os limites estão dados de antemão, ou seja, da lei transcendente na qual está imbricado o conceito de liberdade. Assim, destino implica numa tríade conceitual: (1) o destino está sujeito à liberdade; (2) destino significa que a liberdade também está sujeita à lei, e aqui vamos entender lei como natureza; (3) destino significa que liberdade e lei ou natureza são interdependentes e complementares.
Analisando o conceito cristão exposto por são Paulo , podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e natureza se encontram intrinsecamente entrelaçadas. Aqui Paulo trabalha com um conceito judaico, de que lei é imposição de limites, que faz parte da revelação, e que se expressa pela primeira vez como criação de Deus. Mas para Paulo, se o mal é uma probabilidade que surge da dialética lei/natureza versus graça/liberdade, o julgamento, a decisão, é inerente ao ato humano. Ou, nas palavras de Tillich: “destino é aquilo do qual surgem nossas decisões. É a base indefinidamente ampla de nosso eu centrado; é a concretude de nosso ser que torna todas nossas decisões nossas decisões”.
Assim, a certeza de que o destino é a liberdade e não o mal e tem um significado realizador e não destruidor é a peça chave do pensamento paulino, que coloca o Cristo, aquele que possibilita a escolha certa, acima do destino. Mas, devido à alienação, em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco diante da realização da liberdade. Ainda assim, devemos correr este risco, sabedores de que este é o único meio através do qual a construção daquilo que é bom pode ser viabilizado. Por isso, o Novo Ser, aquele que pode ser buscado fora da história e pode ser entendido como alvo da história, que apresenta a universalidade da expectativa humana por uma nova realidade, deve se refletir no pensamento humano, embora não exista um ato do pensamento sem a premissa de sua verdade incondicional.
Quando mantemos relação com o Novo Ser, que leva o finito à plenitude, deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao destino em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio estivemos submetidos ao destino e que o nosso pensamento sempre desejou livrar-se dele. Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do destino é saber relacionar Novo Ser, a busca de um novo estado de realidade, e kairós, a plenitude do tempo. O Novo Ser deve alcançar o kairós, o tempo oportuno, tempo de agir. O Novo Ser deve envolver e dominar as leis universais, a plenitude do tempo, a verdade e o destino da existência. Para o cristianismo paulino, a separação entre Novo Ser e existência chegou ao fim. O Novo Ser alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.
É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino. Dessa maneira, para o ovem cristianismo, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu destino. E quanto maior a potencialidade do ser, que cresce à medida que é envolvido pelo Novo Ser, mais profundamente está implicado seu conhecimento no destino.
Assim, destino passa a ser compreendido como serviço àquilo que liberta, ao Novo Ser, num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido grego de prokeimai, estar colocado, ser proposto, e o de nossa comunidade, tanto mais livres seremos. Então, a ação humana será plena de força e verdade.
Mas, a vontade humana não é neutra e a liberdade humana sempre se dá dentro de uma realidade condicionada. Assim, a liberdade entende-se como relação dialética entre lei/natureza e graça/liberdade. Quando Hegel afirmava que a liberdade é a consciência da necessidade cometia um erro porque descartava a realização da liberdade. É por isso que para Marx liberdade é práxis. Ora, para Marx, práxis é consciência da necessidade mais ação transformadora. Ou seja, em termos teológicos, consciência da lei/natureza diante da alienação existencial se traduz no conceito grego metanóia, ação transformadora.
Por isso, para a jovem Igreja cristã, o mal, ao contrário do que pensavam os gnósticos, não é um ser, mas um fazer. Em relação ao imediato é um estado e no que se refere à espécie humana é um domínio. Numa definição teológica, o mal acontece perante aquilo que minha liberdade é desafiada, quando meu julgamento tem a possibilidade de escolha entre aquilo que é bem e aquilo que é mal. Ou seja, o mal surge como feitura humana. Nesse sentido, o mal não se apresenta sem agente moral e nem pode acontecer fora da cultura. Toda vez que o ser humano realiza sua escolha, a lei/natureza está presente: assim o mal é um antítipo da liberdade.
Por isso só podemos responder ao mal reconhecendo que o mal é feitura minha e de minha espécie. A partir daí, não podemos perguntar porque o mal existe, como se fosse um ser. Mas devemos nos perguntar, como fez Agostinho, o que me leva a fazer mal? O que nos exorta à ação libertária, já que o mal é o que não devia estar. É a partir daí que nasce um ética libertária, de combate a este estado e domínio na vida de meu próximo e da comunidade.
CONCLUSÃO
Em 1970, Ballestero ao analisar o caráter radical da liberdade no pensamento de três gênios da modernidade, Nicolas de Cusa, Lutero e Marx, disse que “neles, em um e outro plano, liberdade significa abolição da lei, colapso da determinação exterior, e não – à maneira conservadora – comportamento que se adequou aos limites da ordem. Liberdade para os pensadores que aqui analisamos significa a destruição de toda ordenação que seja exterior e anterior ao próprio ato livre.”
Os ensaios de Ballestero mostram que a revolução teórica empreendida por Cusa e Lutero não era gratuita, nem produto de um simples ato ideal, mas se enraizou no tecido histórico do movimento de decomposição global da formação social pré-capitalista. Cusa e Lutero clamam por essa destruição. Sem entrar nos detalhes das mutações vividas no século 16, com a ruptura do equilíbrio cidade/campo, o surgimento das manufaturas e consolidação do sistema de trabalho assalariado, vemos que a dimensão negativa da condição humana na incipiente sociedade capitalista será percebida por Cusa e Lutero: a autonomia do sujeito se dá como dor. Mas ambos consideram essa subjetividade liberada pelo início da arrancada capitalista como desequilíbrio. Assim, tanto Cusa quanto Lutero partem da negação dessa subjetividade alienada do nascente capitalismo, considerando que deve ser superada para que o Espírito floresça. Aí, então, teríamos o fim da inessencialidade do sujeito alienado e a inserção deste na totalidade objetiva. Mas isso não pode acontecer sem a transformação dessa realidade objetiva em realidade espiritual, que sustém o ser humano. Dessa maneira, para os dois pensadores, o Espírito constrói num nível superior o universo anteriormente negado.
O jovem Marx, seguindo os passos de Hegel, partirá dessa discussão. Para ele, a religião é a realização imaginária da essência do ser humano, já que essa essência do ser humano não tem realidade alguma. Mas há um ponto de interligação nessa perspectiva, quando vê, assim como Cusa e Lutero, a liberdade como abolição da legalidade, como coincidência do momento subjetivo com o momento objetivo, e como responsabilidade suprema do ser humano. Esse ponto de vista marxiano está expresso na Introdução à Crítica da Economia Política , texto que só foi descoberto em 1902 e publicado por Kautsky em 1903.
Já para Lutero, “o cristão é senhor de todas as coisas e não está submetido a ninguém. O cristão é servo em tudo e está submetido a todo mundo” . Livre e não submisso, mas servo e escravo do ideal da liberdade. Para Lutero, o ser humano existe como estrutura ontológica dual. Sua conceituação traduz a ansiedade teórica do século 16, mas traduz-se em superação da subjetividade alienada. O cristão é senhor de todas as coisas, não está submetido a ninguém e esse senhorio radical é produto da graça/liberdade. A apropriação da liberdade é fruto da certeza que transforma a subjetividade alienada em realidade objetiva. Nesse sentido, o caráter espiritual da autonomia do cristão se dá como processo. Morre o imediato, o alienado, e tem início a construção de uma segunda natureza. A liberdade surge como deslocamento do ser humano natural, como distanciamento crítico daquilo que foi naturalmente dado. O primeiro momento da liberdade parte de uma concepção trágica, porque o senhorio num primeiro momento implica em servidão, criando tensão e luta... “É necessário desesperar-se por você mesmo, fazer com que você saia de dentro de você e escape de sua prisão” . Superada a tensão, temos a liberdade enquanto destino, uma dimensão de combate. Mas, se não existe vida pessoal sem o encontro com outras pessoas dentro de uma comunidade, e não existe comunidade sem a dimensão histórica de passado e futuro, é aí, na comunidade, que o ser humano constrói a liberdade que vai além, a liberdade que é fonte de realidade e ação.
BIBLIOGRAFIA
AZKOUL, Fr Michael, The Teachings of the Holy Orthodox Church. Vol. I. Dormition Skete Publications: Buena Vista, Colorado, 1986.
BALLESTERO, Manuel, La Revolución del Espíritu (Tres pensamientos de libertad), Madri, Siglo XXI, 1970.
FERGUSON, John, "In Defense of Pelagius," in Theology, Vol. 83, March 1980.
______________, Pelagius: A Historical and Theological Study. W. Heffer and Sons: Cambridge, 1956.
PELAGIUS, "Letter to Demetrias" in B.R. Rees, The Letters of Pelagius and His Followers, pp. 35-70.
TILLICH, Paul, Teologia Sistemática, São Leopoldo, Sinodal, 2005.
____________, La dimension religieuse de la culture, 1919-1926, Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1990. Trad. fr., Nicole Grondin e Lucien Pelletier, 1992.
____________, “Kairos II. Idées à propos de la situation spirituelle du temps présent”, in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 253-267. Artigo aparecido na obra coletiva Kairos. Zur Geisteslage und Geisteswendung, em 1926. “ Kairos II, Ideen zur Geisteslage der Gegenwart ”, Die widerstreit von raum und zeit, Gesammelte Werke, VI, pp. 29-41. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier, 1992.
____________, A Era Protestante, São Bernardo do Campo, Ciências da Religião, 1992. Texto original: The Protestant Era, Chicago, Illinois, University of Chicago, 1948. Trad. pt. de Jaci Maraschin. “Die protestantische Ara”, Der Protestantismus als Kritik und Gestaltung, Gesammelte Werke VII, Evangelische Verlag Stuttgart, 1962, pp. 105-123. Trad. al. W. De Gruyter.
_____________, Teologia de la cultura y otros ensayos, A dimensão religiosa na vida espiritual do homem, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1974. Man’s right to knowledge, Columbia University Press, 1954.
LA BOÉTIE, Etienne, Discurso da servidão voluntária, São Paulo, Brasiliense, 1982.
LUTHER, Martin, Les grands écrits reformateurs, Paris, Aubier, 1955.
MACKAY, James P., ed., An Introduction to Celtic Christianity, , T & T Clark, Edinburgh, 1989, p. 386.
MARX, Karl, Introdução à Crítica da Economia Política, São Paulo, Abril Cultural, 1982.
MCGRATH, Alister E., Teologia sistemática, histórica e filosófica, Uma introdução à Teologia Cristã, São Paulo, Editora Shedd, 2005.
REES, B.R., The Letters of Pelagius and His Followers. The Boydell Press: Woodbridge, Suffolk, 1991.
_________, Pelagius: A Reluctant Heretic. The Boydell Press: Woodbridge, Suffolk, 1988.
lundi 17 mai 2010
mercredi 24 mars 2010
La théologie de la création
Eco-théologie et politique global d´environnement
1. La théologie de la création
Écrit par Nicole VERNET
Cet article n'a pas la prétention de présenter toute la théologie de la création. Il s'agit plutôt d'un inventaire des textes bibliques sur lesquels s'est construite cette théologie et d'une présentation de ses principaux concepts.
I) Les récits de la création
1. Les deux premiers récits de création
Les premiers chapitres de la Genèse présentent deux récits de la création. Dans le récit de Genèse 1, le cadre cosmique est créé avec en son centre la création de l'homme. Il s'agit d'une vision apaisée de la création où les combats divins sont absents. La création se fait par la parole. Dieu dit et les choses se font. Dieu ne crée pas à partir de rien mais à partir d'un tohu-bohu. Il sépare lumière et ténèbres, les eaux d'en haut et les eaux d'en bas. La création se fait par la séparation. Les trois premiers jours, il crée un ordre contre le chaos, ordre qui garantit la vie. Les rois autres jours, il crée l'homme et le vivant.
La création est bien différente de Dieu. Elle n'est pas d'essence divine mais bonne et bénie de Dieu. L'homme est le seul à être créé à l'image de Dieu et à recevoir une fonction (dominer les animaux). La domination de l'homme est accompagnée de limitations et de responsabilités à l'égard de la création.
Le récit de Genèse 2 et 3 est très différent. Ici, Dieu apparaît comme un potier qui façonne l'homme avec de l'argile. Le cadre n'est pas cosmique, mais celui d'un jardin appelé paradis. Les sexes sont différenciés tandis que dans Genèse 1, mâle et femelle, il les créa. Le récit de Genèse 2-3 se présente comme une histoire avec une intrigue.
2. Le déluge, un récit de dé-création
Le récit du déluge met en contraste le monde projeté par Dieu et le monde réel, une Terre corrompue et remplie de violence. Or la violence est retour au chaos. Dieu en tire les conclusions et souhaite effacer sa création. Le déluge est retour à un chaos primordial. Le premier acte créateur ne fut-il pas de séparer les eaux ?
Le déluge est jugement de Dieu par lequel il confronte les humains à leurs actes et non châtiment. Il n'est pas une simple catastrophe naturelle qui ne dit rien, mais souligne le destin commun de l'humanité. Le récit du déluge nous appelle à plus de lucidité et de responsabilité vis-à-vis de la création. Noé en faisant entrer dans l'arche un couple de chaque espèce, rappelle la responsabilité de l'homme à l'égard de la création.
3. Des récits isolés
Le passage de 2 Maccabées 7,28 (Regarde le ciel et la terre, contemple tout ce qui est en eux et reconnais que Dieu les a créés de rien.), a servi à défendre l'idée de création ex nihilo. D'autres textes font la louange de la création et du Dieu créateur comme les psaumes 33 et 136. Certains récits bibliques rappellent le combat de Dieu pour sa création contre le retour du chaos primordial, comme en Job 38-42 ou dans le psaume 74. En Proverbe 8, la sagesse préside à la création. En Colossiens 1,15-20, le Christ inaugure une nouvelle création.
II) Les principaux concepts de la théologie de la création
1. La creatio ad extra
La création est un pur don de Dieu en dehors de lui-même (en latin ad extra). Dieu crée en se retirant. La théologie de la création a « démythologisé » le monde. Dieu n'est plus dans les sources, les arbres et autres éléments de la nature. Le monde créé n'est pas Dieu. La distance entre Dieu et sa création évite le panthéisme, fonde pour l'homme la possibilité d'être libre et autonome et rend possible la relation entre Dieu et sa créature.
2. Dieu, causa causarum
L'action de Dieu ne doit pas être identifiée à une cause physique mais comme causa causarum, c'est-à-dire comme la cause des causes. Cela signifie qu'au-delà d'une cause identifiable par la raison, il y a une cause qui nous est inaccessible et primordiale.
3. La creatio ex nihilo
La création ex nihilo ne peut être pensée, car la création du monde se fait alors avec la création du temps. La première conséquence est que l'on ne peut se représenter un avant la création ! La seconde conséquence est que la création du temps place la créature dans un monde corruptible et changeant. La creatio ex nihilo contredit la création à partir d'une matière préexistante comme dans le livre de la Genèse. La création comme mise en ordre du chaos, présuppose l'existence d'un avant la création, ce qui est inconcevable dans le cadre de la création ex nihilo.
4. La creatio continua
La théologie chrétienne distingue la création originelle, la création continuée et la création accomplie dans le royaume. La creatio continua est conservation de l'univers. Dieu n'abandonne pas sa création mais reste présent à travers sa providence. Le Dieu créateur continue à soutenir sa création, en particulier face au chaos qui menace toujours.
5. Le Christ cosmique
L'hymne au Christ de l'épître de Paul aux Colossiens a fortement influencé la théologie du Christ cosmique. Ce Christ cosmique dépasse le Christ historique. Il est le premier né et le fondement de toute la création. Aujourd'hui, il est le médiateur de la création. Il anime et vivifie le monde. Il annonce aussi, par sa résurrection, la création nouvelle, celle du royaume de Dieu.
1. La théologie de la création
Écrit par Nicole VERNET
Cet article n'a pas la prétention de présenter toute la théologie de la création. Il s'agit plutôt d'un inventaire des textes bibliques sur lesquels s'est construite cette théologie et d'une présentation de ses principaux concepts.
I) Les récits de la création
1. Les deux premiers récits de création
Les premiers chapitres de la Genèse présentent deux récits de la création. Dans le récit de Genèse 1, le cadre cosmique est créé avec en son centre la création de l'homme. Il s'agit d'une vision apaisée de la création où les combats divins sont absents. La création se fait par la parole. Dieu dit et les choses se font. Dieu ne crée pas à partir de rien mais à partir d'un tohu-bohu. Il sépare lumière et ténèbres, les eaux d'en haut et les eaux d'en bas. La création se fait par la séparation. Les trois premiers jours, il crée un ordre contre le chaos, ordre qui garantit la vie. Les rois autres jours, il crée l'homme et le vivant.
La création est bien différente de Dieu. Elle n'est pas d'essence divine mais bonne et bénie de Dieu. L'homme est le seul à être créé à l'image de Dieu et à recevoir une fonction (dominer les animaux). La domination de l'homme est accompagnée de limitations et de responsabilités à l'égard de la création.
Le récit de Genèse 2 et 3 est très différent. Ici, Dieu apparaît comme un potier qui façonne l'homme avec de l'argile. Le cadre n'est pas cosmique, mais celui d'un jardin appelé paradis. Les sexes sont différenciés tandis que dans Genèse 1, mâle et femelle, il les créa. Le récit de Genèse 2-3 se présente comme une histoire avec une intrigue.
2. Le déluge, un récit de dé-création
Le récit du déluge met en contraste le monde projeté par Dieu et le monde réel, une Terre corrompue et remplie de violence. Or la violence est retour au chaos. Dieu en tire les conclusions et souhaite effacer sa création. Le déluge est retour à un chaos primordial. Le premier acte créateur ne fut-il pas de séparer les eaux ?
Le déluge est jugement de Dieu par lequel il confronte les humains à leurs actes et non châtiment. Il n'est pas une simple catastrophe naturelle qui ne dit rien, mais souligne le destin commun de l'humanité. Le récit du déluge nous appelle à plus de lucidité et de responsabilité vis-à-vis de la création. Noé en faisant entrer dans l'arche un couple de chaque espèce, rappelle la responsabilité de l'homme à l'égard de la création.
3. Des récits isolés
Le passage de 2 Maccabées 7,28 (Regarde le ciel et la terre, contemple tout ce qui est en eux et reconnais que Dieu les a créés de rien.), a servi à défendre l'idée de création ex nihilo. D'autres textes font la louange de la création et du Dieu créateur comme les psaumes 33 et 136. Certains récits bibliques rappellent le combat de Dieu pour sa création contre le retour du chaos primordial, comme en Job 38-42 ou dans le psaume 74. En Proverbe 8, la sagesse préside à la création. En Colossiens 1,15-20, le Christ inaugure une nouvelle création.
II) Les principaux concepts de la théologie de la création
1. La creatio ad extra
La création est un pur don de Dieu en dehors de lui-même (en latin ad extra). Dieu crée en se retirant. La théologie de la création a « démythologisé » le monde. Dieu n'est plus dans les sources, les arbres et autres éléments de la nature. Le monde créé n'est pas Dieu. La distance entre Dieu et sa création évite le panthéisme, fonde pour l'homme la possibilité d'être libre et autonome et rend possible la relation entre Dieu et sa créature.
2. Dieu, causa causarum
L'action de Dieu ne doit pas être identifiée à une cause physique mais comme causa causarum, c'est-à-dire comme la cause des causes. Cela signifie qu'au-delà d'une cause identifiable par la raison, il y a une cause qui nous est inaccessible et primordiale.
3. La creatio ex nihilo
La création ex nihilo ne peut être pensée, car la création du monde se fait alors avec la création du temps. La première conséquence est que l'on ne peut se représenter un avant la création ! La seconde conséquence est que la création du temps place la créature dans un monde corruptible et changeant. La creatio ex nihilo contredit la création à partir d'une matière préexistante comme dans le livre de la Genèse. La création comme mise en ordre du chaos, présuppose l'existence d'un avant la création, ce qui est inconcevable dans le cadre de la création ex nihilo.
4. La creatio continua
La théologie chrétienne distingue la création originelle, la création continuée et la création accomplie dans le royaume. La creatio continua est conservation de l'univers. Dieu n'abandonne pas sa création mais reste présent à travers sa providence. Le Dieu créateur continue à soutenir sa création, en particulier face au chaos qui menace toujours.
5. Le Christ cosmique
L'hymne au Christ de l'épître de Paul aux Colossiens a fortement influencé la théologie du Christ cosmique. Ce Christ cosmique dépasse le Christ historique. Il est le premier né et le fondement de toute la création. Aujourd'hui, il est le médiateur de la création. Il anime et vivifie le monde. Il annonce aussi, par sa résurrection, la création nouvelle, celle du royaume de Dieu.
dimanche 21 février 2010
A encarnação do Verbo Eterno de Deus
Texto de um irmão franciscano. Para ler e meditar.
Na noite luminosa do Natal celebra-se o mistério central da nossa fé: o Verbo eterno de Deus, “subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo por solidariedade aos homens” (Fl 2,6-7). Esse hino sublinha o empenho pessoal do Filho de Deus que renuncia absolutamente a si mesmo e assume a condição de servo (natureza humana), embora subsistindo na condição divina.
O Verbo eterno (Lógos em grego), o Filho de Deus Pai, assume a natureza humana de Jesus, ao encarnar-se no seio da Virgem Maria. Não pode haver maior paradoxo à razão humana do que dizer que o Deus experimentado e vivido pelo cristianismo não é somente o Deus transcendente, eterno e infinito, mas é também o Deus que se autocomunica, por Sua livre graça, na pequenez e na fragilidade de uma criança. Como entender que este homem, criado no tempo, seja ao mesmo tempo Deus? Isso é um escândalo para os judeus e para todos os que adoram e veneram um Deus totalmente inobjetivável.
O Deus experimentado e vivido pelo cristianismo é, sim, santo, absoluto, eterno e infinito, mas bem porque Ele é o máximo que se pode pensar, tem o poder de revelar-se “para fora” de forma tão desconcertante e paradoxal. Ou será que não há nada de desconcertante na declaração joanina de que o Verbo eterno de Deus tornou-se “carne” (Jo 1,14)? A palavra “carne” indica, por um lado, a fragilidade e mortalidade próprias da pessoa humana e, por outro, indica a grandeza do abaixamento (kénôsis) de Deus. A alteza e profundidade do mistério quenótico, que se radicaliza na entrega de Jesus na cruz, transcende infinitamente ao máximo que se pode pensar. Por outras palavras, parafraseando Leonardo Boff, o Deus que em e por Jesus se revela é tão humano e o homem que em e por Jesus emerge é tão divino que a linguagem humana não pode dizer adequadamente.
O Verbo (Filho) eterno do Pai assumiu a natureza humana, conservando a Sua divindade. Isso quer dizer que Jesus Cristo, em pessoa, é humano e divino. Enquanto pessoa, Ele é essencialmente relação. A pessoa toma consciência de si e constrói sua individualidade no relacionamento de doação e de recepção da alteridade do outro. Ora, sabe-se da mútua implicação das três pessoas divinas e do quanto Jesus Cristo doou-se incondicional e gratuitamente a todos, bem como abraçou a cada um em seu amor ilimitado (Mc 2,13-17), inclusive aos inimigos (Mt 5,43-44). E devido ao Seu absoluto desprendimento e inominável receptividade, o eu humano de Jesus foi de tal maneira assumido pelo Lógos, a ponto de dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). Jesus viveu uma relação tão íntima com Deus, invocado por Ele pelo termo “Abba” (Paizinho), que se igualou a nós em tudo, exceto no pecado.
Pensadores clássicos da Filosofia e da Teologia cristãs colocaram muitas questões acerca da criação do mundo e da encarnação do Filho de Deus. Destacamos primeiramente a seguinte: Por que Deus criou o universo? Entre as muitas respostas figurava a idéia de que Deus criou o mundo porque quis, por pura e absoluta gratuidade do amor, manifestar-se ad extra, isto é, para fora de si mesmo. O Sumo Bem cria o mundo contemplando o Verbo, pois é Nele que se encontram as razões ideais (rationes idealis) de todas as coisas criadas e criáveis no tempo. Assim, o Filho de Deus é o princípio; é o primogênito de toda a criatura porquanto todas as coisas visíveis e invisíveis são criadas à luz do Verbo: “Todas as coisas foram feitas por ele [Verbo] e sem ele nada se fez de tudo que foi feito” (Jo 1, 1-3).
Todavia, a suprema comunicação ad extra de Deus não se dá na criação, mas na encarnação do Seu próprio Filho. Poder-se-ia então pensar que Deus criou o cosmos para possibilitar a Sua encarnação em Jesus de Nazaré. Por isso, ao se colocar a questão da criação do mundo indaga-se também pelo motivo da encarnação do Verbo eterno. Onde se fundamenta a decisão divina de encarnar-se em Jesus Cristo? Teria o Verbo se encarnado simplesmente para resgatar a humanidade do pecado? Tradicionalmente afirma-se que a encarnação foi condicionada pelo pecado humano. Mas será que essa é uma resposta exaustiva à questão: Cur Deus homo? (Por que um Deus-homem?). Será que Deus poderia ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção?
Para Santo Agostinho, Deus poderia, sem dúvida, ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção. Porém, “não existia nenhum outro modo mais conveniente para remediar nossa miséria” (De Trinitate, XIII). Também Santo Anselmo e Santo Tomás de Aquino entendem que o motivo da encarnação é a redenção do pecado do homem. Conseqüentemente, sem o pecado, a encarnação não teria acontecido.
No entanto, para o pensador franciscano João Duns Scotus, a encarnação não é só um pressuposto para o sacrifício redentor, mas é um acontecimento que faz parte do plano de amor do Pai. Duns Scotus afirma que o Verbo seria encarnado, mesmo se o homem não tivesse pecado, visto ser a encarnação totalmente incondicionada. Ao encarnar-se, evidentemente quis a salvação de todos, pois, era conveniente que o fizesse por amor a cada pessoa na sua singularidade. Não se nega, portanto, que a encarnação do Verbo tem também a finalidade redentora. Sabiamente Scotus acentua que a segunda pessoa da Santíssima Trindade se encarnou, por Sua livre graça, para demonstrar o profundo amor salvífico de Deus pela humanidade pecadora e para conduzir a criação toda à sua plenitude. O Verbo encarnado é simultaneamente o princípio da criação e o fim último para o qual tende a pessoa humana, integrada ao cosmos.
Assim, acenamos para a imensidade do mistério do Natal de Jesus Cristo. A Igreja alerta-nos de que devemos nos preparar adequadamente para a celebração de tão grande mistério. O Deus revelado por Jesus Cristo encarnado é essencialmente um mistério transbordante de amor e, portanto, somente apreensível na experiência (ascese) da liberdade e do amor. E o esforço ascético que precede a solenidade do Natal do Senhor é liturgicamente denominado de “advento”. No advento a humanidade prepara-se para a vinda do Filho de Deus na carne humana de Jesus Cristo. No entanto, o Filho de Deus já veio; o Verbo já se encarnou. Qual é, então, o sentido do advento, se o tempo da espera e das trevas já passou e se o Esperado já veio?
É verdade que Deus veio de forma definitiva para dentro de nossa história, mas apesar disso, Ele é sempre aquele que ainda deve vir para cada um de nós. A natureza humana é assumida pelo Verbo não só por um momento, mas por meio de um ato que se realiza constantemente em cada filho e filha de Deus. O Verbo eterno quer encarnar-se em cada um de nós a ponto de também podermos dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). No advento espera-se, portanto, que o amor de Deus se revele maximamente em cada criatura humana. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Cada ser humano vive no desejo da redenção e na ânsia do Libertador. Porém, não somente os seres humanos, mas toda a criação espera pela chegada do Reino da Liberdade: “A criação toda geme e sofre em dores de parto até agora e nós também gememos em nosso íntimo esperando a libertação” (Rm 8, 22-23). De fato, o sonho de harmonia cósmica do profeta Isaías ainda não se realizou. O lobo ainda não é hóspede do cordeiro, a pantera não se deita ao pé do cabrito, nem o touro e o leão comem juntos; não é verdade ainda que a vaca e o urso se confraternizam e o leão come palha com o boi; não é ainda verdade que a criança brinca à toca da serpente e o menino mete a mão no buraco do escorpião (Is 11, 6-8). Em suma: a harmonia entre os seres humanos e entre estes e todos os seres da natureza, é ainda um sonho muito distante da realidade. No entanto, Jesus proclamou a grande novidade de que o Reino de Deus já chegou e atua nesta nossa história (Mt 12,28). O Reino de Deus, muito sutilmente, já “está no meio de vós” (Lc 17,21). Mas, enquanto Deus não for tudo em todas as coisas, enquanto não se restabelecer a paz entre todos os seres do universo, continuaremos na expectativa, suplicando como os primeiros cristãos: Vinde, Senhor Jesus!
Enfim, ressaltamos a especial ternura que nosso pai e irmão Francisco de Assis nutriu pela festa do nascimento do Filho de Deus (2Cel 199). Para ele, o Natal do Menino Jesus era a festa das festas porque nesse dia Deus revelou todo o Seu amor para com a humanidade, tornando-se criança pequenina, e porque no Filho encarnado encontramos um modelo para o nosso viver e o nosso agir segundo a vontade de Deus. O “Filho amado” do Pai convoca a todos os seus irmãos e irmãs a responderem amorosamente Àquele que tanto nos amou e a louvá-Lo com todas as criaturas. Então, sim, não será mais advento, mas NATAL.
Frei João Mannes, OFM
Na noite luminosa do Natal celebra-se o mistério central da nossa fé: o Verbo eterno de Deus, “subsistindo na condição de Deus, não pretendeu reter para si ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo por solidariedade aos homens” (Fl 2,6-7). Esse hino sublinha o empenho pessoal do Filho de Deus que renuncia absolutamente a si mesmo e assume a condição de servo (natureza humana), embora subsistindo na condição divina.
O Verbo eterno (Lógos em grego), o Filho de Deus Pai, assume a natureza humana de Jesus, ao encarnar-se no seio da Virgem Maria. Não pode haver maior paradoxo à razão humana do que dizer que o Deus experimentado e vivido pelo cristianismo não é somente o Deus transcendente, eterno e infinito, mas é também o Deus que se autocomunica, por Sua livre graça, na pequenez e na fragilidade de uma criança. Como entender que este homem, criado no tempo, seja ao mesmo tempo Deus? Isso é um escândalo para os judeus e para todos os que adoram e veneram um Deus totalmente inobjetivável.
O Deus experimentado e vivido pelo cristianismo é, sim, santo, absoluto, eterno e infinito, mas bem porque Ele é o máximo que se pode pensar, tem o poder de revelar-se “para fora” de forma tão desconcertante e paradoxal. Ou será que não há nada de desconcertante na declaração joanina de que o Verbo eterno de Deus tornou-se “carne” (Jo 1,14)? A palavra “carne” indica, por um lado, a fragilidade e mortalidade próprias da pessoa humana e, por outro, indica a grandeza do abaixamento (kénôsis) de Deus. A alteza e profundidade do mistério quenótico, que se radicaliza na entrega de Jesus na cruz, transcende infinitamente ao máximo que se pode pensar. Por outras palavras, parafraseando Leonardo Boff, o Deus que em e por Jesus se revela é tão humano e o homem que em e por Jesus emerge é tão divino que a linguagem humana não pode dizer adequadamente.
O Verbo (Filho) eterno do Pai assumiu a natureza humana, conservando a Sua divindade. Isso quer dizer que Jesus Cristo, em pessoa, é humano e divino. Enquanto pessoa, Ele é essencialmente relação. A pessoa toma consciência de si e constrói sua individualidade no relacionamento de doação e de recepção da alteridade do outro. Ora, sabe-se da mútua implicação das três pessoas divinas e do quanto Jesus Cristo doou-se incondicional e gratuitamente a todos, bem como abraçou a cada um em seu amor ilimitado (Mc 2,13-17), inclusive aos inimigos (Mt 5,43-44). E devido ao Seu absoluto desprendimento e inominável receptividade, o eu humano de Jesus foi de tal maneira assumido pelo Lógos, a ponto de dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). Jesus viveu uma relação tão íntima com Deus, invocado por Ele pelo termo “Abba” (Paizinho), que se igualou a nós em tudo, exceto no pecado.
Pensadores clássicos da Filosofia e da Teologia cristãs colocaram muitas questões acerca da criação do mundo e da encarnação do Filho de Deus. Destacamos primeiramente a seguinte: Por que Deus criou o universo? Entre as muitas respostas figurava a idéia de que Deus criou o mundo porque quis, por pura e absoluta gratuidade do amor, manifestar-se ad extra, isto é, para fora de si mesmo. O Sumo Bem cria o mundo contemplando o Verbo, pois é Nele que se encontram as razões ideais (rationes idealis) de todas as coisas criadas e criáveis no tempo. Assim, o Filho de Deus é o princípio; é o primogênito de toda a criatura porquanto todas as coisas visíveis e invisíveis são criadas à luz do Verbo: “Todas as coisas foram feitas por ele [Verbo] e sem ele nada se fez de tudo que foi feito” (Jo 1, 1-3).
Todavia, a suprema comunicação ad extra de Deus não se dá na criação, mas na encarnação do Seu próprio Filho. Poder-se-ia então pensar que Deus criou o cosmos para possibilitar a Sua encarnação em Jesus de Nazaré. Por isso, ao se colocar a questão da criação do mundo indaga-se também pelo motivo da encarnação do Verbo eterno. Onde se fundamenta a decisão divina de encarnar-se em Jesus Cristo? Teria o Verbo se encarnado simplesmente para resgatar a humanidade do pecado? Tradicionalmente afirma-se que a encarnação foi condicionada pelo pecado humano. Mas será que essa é uma resposta exaustiva à questão: Cur Deus homo? (Por que um Deus-homem?). Será que Deus poderia ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção?
Para Santo Agostinho, Deus poderia, sem dúvida, ter-se utilizado de outros meios para realizar a obra da redenção. Porém, “não existia nenhum outro modo mais conveniente para remediar nossa miséria” (De Trinitate, XIII). Também Santo Anselmo e Santo Tomás de Aquino entendem que o motivo da encarnação é a redenção do pecado do homem. Conseqüentemente, sem o pecado, a encarnação não teria acontecido.
No entanto, para o pensador franciscano João Duns Scotus, a encarnação não é só um pressuposto para o sacrifício redentor, mas é um acontecimento que faz parte do plano de amor do Pai. Duns Scotus afirma que o Verbo seria encarnado, mesmo se o homem não tivesse pecado, visto ser a encarnação totalmente incondicionada. Ao encarnar-se, evidentemente quis a salvação de todos, pois, era conveniente que o fizesse por amor a cada pessoa na sua singularidade. Não se nega, portanto, que a encarnação do Verbo tem também a finalidade redentora. Sabiamente Scotus acentua que a segunda pessoa da Santíssima Trindade se encarnou, por Sua livre graça, para demonstrar o profundo amor salvífico de Deus pela humanidade pecadora e para conduzir a criação toda à sua plenitude. O Verbo encarnado é simultaneamente o princípio da criação e o fim último para o qual tende a pessoa humana, integrada ao cosmos.
Assim, acenamos para a imensidade do mistério do Natal de Jesus Cristo. A Igreja alerta-nos de que devemos nos preparar adequadamente para a celebração de tão grande mistério. O Deus revelado por Jesus Cristo encarnado é essencialmente um mistério transbordante de amor e, portanto, somente apreensível na experiência (ascese) da liberdade e do amor. E o esforço ascético que precede a solenidade do Natal do Senhor é liturgicamente denominado de “advento”. No advento a humanidade prepara-se para a vinda do Filho de Deus na carne humana de Jesus Cristo. No entanto, o Filho de Deus já veio; o Verbo já se encarnou. Qual é, então, o sentido do advento, se o tempo da espera e das trevas já passou e se o Esperado já veio?
É verdade que Deus veio de forma definitiva para dentro de nossa história, mas apesar disso, Ele é sempre aquele que ainda deve vir para cada um de nós. A natureza humana é assumida pelo Verbo não só por um momento, mas por meio de um ato que se realiza constantemente em cada filho e filha de Deus. O Verbo eterno quer encarnar-se em cada um de nós a ponto de também podermos dizer, como Paulo: ”Já não sou eu que vivo, mas Cristo [o Lógos] vive em mim” (Gl 2,20). No advento espera-se, portanto, que o amor de Deus se revele maximamente em cada criatura humana. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Cada ser humano vive no desejo da redenção e na ânsia do Libertador. Porém, não somente os seres humanos, mas toda a criação espera pela chegada do Reino da Liberdade: “A criação toda geme e sofre em dores de parto até agora e nós também gememos em nosso íntimo esperando a libertação” (Rm 8, 22-23). De fato, o sonho de harmonia cósmica do profeta Isaías ainda não se realizou. O lobo ainda não é hóspede do cordeiro, a pantera não se deita ao pé do cabrito, nem o touro e o leão comem juntos; não é verdade ainda que a vaca e o urso se confraternizam e o leão come palha com o boi; não é ainda verdade que a criança brinca à toca da serpente e o menino mete a mão no buraco do escorpião (Is 11, 6-8). Em suma: a harmonia entre os seres humanos e entre estes e todos os seres da natureza, é ainda um sonho muito distante da realidade. No entanto, Jesus proclamou a grande novidade de que o Reino de Deus já chegou e atua nesta nossa história (Mt 12,28). O Reino de Deus, muito sutilmente, já “está no meio de vós” (Lc 17,21). Mas, enquanto Deus não for tudo em todas as coisas, enquanto não se restabelecer a paz entre todos os seres do universo, continuaremos na expectativa, suplicando como os primeiros cristãos: Vinde, Senhor Jesus!
Enfim, ressaltamos a especial ternura que nosso pai e irmão Francisco de Assis nutriu pela festa do nascimento do Filho de Deus (2Cel 199). Para ele, o Natal do Menino Jesus era a festa das festas porque nesse dia Deus revelou todo o Seu amor para com a humanidade, tornando-se criança pequenina, e porque no Filho encarnado encontramos um modelo para o nosso viver e o nosso agir segundo a vontade de Deus. O “Filho amado” do Pai convoca a todos os seus irmãos e irmãs a responderem amorosamente Àquele que tanto nos amou e a louvá-Lo com todas as criaturas. Então, sim, não será mais advento, mas NATAL.
Frei João Mannes, OFM
Alienação e graça
O que os teístas-abertos não levam em conta
Graça e alienação apontam para duas questões: liberdade e história. Formam a base do pensamento de que o ser humano por ser imagem de Deus é um ser livre e, por extensão, faz história. Livre significa liberdade de julgamento no âmbito da existência. Então, para que as pessoas sejam livres, o próprio Deus garantiria a liberdade delas. Assim, todos são chamados à comunhão e cada pessoa poderia responder positivamente ou não a esse chamado.
Caso o ser humano respondesse positivamente ao chamado viveria o processo de libertação que leva à comunhão plena. A comunhão consistiria, então, em arrependimento, que é volta ao estado de liberdade, mais permanência na escolha. A partir desta resposta, Deus operaria a libertação do ser humano. Por isso, podemos dizer que a vontade humana abre o caminho da libertação. A partir daí entendemos a graça universal, pois todos os seres humanos poderiam responder positivamente ao chamado à comunhão. Ou seja, a liberdade de julgamento no âmbito da existência leva a pessoa a escolher os caminhos de sua história.
Mas a libertação é um processo, por isso a pessoa não seria plenamente livre, porque dependeria dela permanecer ou não na opção escolhida. Se ela se mantivesse na escolha seria plenamente livre, se abandonasse a escolha voltaria à alienação. Caso a pessoa livre se alienasse, se não se arrependesse e voltasse à comunhão, seria eternamente alienada.
Dessa maneira, na polaridade comunhão/ alienação dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. Deus seria soberano porque criara e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito. A soberania especial estaria somente sobre a comunidade que permanece na escolha.
As outras comunidades estariam fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher a alienação. E quanto maior é a alienação, mais Deus retrai sua soberania sobre elas, a graça que gera comunhão plena, o que explica o mal enquanto feituras pessoal e social humanas. E para que o processo histórico se dê, Deus contrai espaço-temporalmente sua justiça executora. Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento. Caso Deus, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que Deus por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele. Assim, Deus dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce da correlação liberdade/ comunhão e liberdade/ alienação.
A polaridade comunhão/ alienação não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que Deus tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a tendência à alienação. Assim podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas inclinado à alienação. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se.
A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita o arrependimento. Ou, conforme diz Deuteronômio, Deus coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Senhor e serão alienados se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28). Assim, só o Deus apaixonado é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la.15 Essa graça, oriunda de Deus e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história.
Essa leitura da liberdade entregue ao ser humano é importante para a teologia, e aqui não estamos preocupados com definições dogmáticas, pois ao dizer que as pessoas e as comunidades humanas podem agir à margem daquilo que Deus desejaria para a humanidade, apresenta a violência, a guerra e os genocídios como frutos da opção e ação humanas. E o teólogo pode, então, analisar porque os profetas clamam e apontam às sociedades o caminho do Reino, embora estas possam escolher os seus próprios caminhos. Auschwitz e os genocídios contemporâneos, frutos de políticas religiosas fundamentalistas, são, então, passíveis de estudos no campo da teologia.
Graça e alienação apontam para duas questões: liberdade e história. Formam a base do pensamento de que o ser humano por ser imagem de Deus é um ser livre e, por extensão, faz história. Livre significa liberdade de julgamento no âmbito da existência. Então, para que as pessoas sejam livres, o próprio Deus garantiria a liberdade delas. Assim, todos são chamados à comunhão e cada pessoa poderia responder positivamente ou não a esse chamado.
Caso o ser humano respondesse positivamente ao chamado viveria o processo de libertação que leva à comunhão plena. A comunhão consistiria, então, em arrependimento, que é volta ao estado de liberdade, mais permanência na escolha. A partir desta resposta, Deus operaria a libertação do ser humano. Por isso, podemos dizer que a vontade humana abre o caminho da libertação. A partir daí entendemos a graça universal, pois todos os seres humanos poderiam responder positivamente ao chamado à comunhão. Ou seja, a liberdade de julgamento no âmbito da existência leva a pessoa a escolher os caminhos de sua história.
Mas a libertação é um processo, por isso a pessoa não seria plenamente livre, porque dependeria dela permanecer ou não na opção escolhida. Se ela se mantivesse na escolha seria plenamente livre, se abandonasse a escolha voltaria à alienação. Caso a pessoa livre se alienasse, se não se arrependesse e voltasse à comunhão, seria eternamente alienada.
Dessa maneira, na polaridade comunhão/ alienação dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. Deus seria soberano porque criara e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito. A soberania especial estaria somente sobre a comunidade que permanece na escolha.
As outras comunidades estariam fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher a alienação. E quanto maior é a alienação, mais Deus retrai sua soberania sobre elas, a graça que gera comunhão plena, o que explica o mal enquanto feituras pessoal e social humanas. E para que o processo histórico se dê, Deus contrai espaço-temporalmente sua justiça executora. Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento. Caso Deus, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que Deus por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele. Assim, Deus dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce da correlação liberdade/ comunhão e liberdade/ alienação.
A polaridade comunhão/ alienação não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que Deus tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a tendência à alienação. Assim podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas inclinado à alienação. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se.
A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita o arrependimento. Ou, conforme diz Deuteronômio, Deus coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Senhor e serão alienados se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28). Assim, só o Deus apaixonado é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la.15 Essa graça, oriunda de Deus e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história.
Essa leitura da liberdade entregue ao ser humano é importante para a teologia, e aqui não estamos preocupados com definições dogmáticas, pois ao dizer que as pessoas e as comunidades humanas podem agir à margem daquilo que Deus desejaria para a humanidade, apresenta a violência, a guerra e os genocídios como frutos da opção e ação humanas. E o teólogo pode, então, analisar porque os profetas clamam e apontam às sociedades o caminho do Reino, embora estas possam escolher os seus próprios caminhos. Auschwitz e os genocídios contemporâneos, frutos de políticas religiosas fundamentalistas, são, então, passíveis de estudos no campo da teologia.
mercredi 10 février 2010
Le Brésil religieux
et son défi pour l'intellectuel chrétien
Jorge Pinheiro [1]
Introduction
Quand nous voulons parler du Brésil religieux on court le risque de ne penser qu’au Brésil du carnaval, au Brésil touristique, à un Brésil exotique, avec sa présence solide de la culture noire et des religions Afrobrésiliennes. Sans aucun doute, ce Brésil existe-t-il, mais cela ne traduit ni l’essentiel du pays, ni même la religiosité brésilienne.
Par conséquent, pour parler de Brésil religieux et de son défi pour l'intellectuel chrétien, nous nous voyons forcés de comprendre quelle est la religiosité aujourd'hui. Et comment dans ce contexte l'intellectuel chrétien a un défi bien défini à relever.
Le Brésil est un pays de 180 millions d’habitants. La majorité de la population (73,8%) est catholique et le deuxième groupe religieux en importance, ce sont les protestants [2]. 6% seulement professent des cultes afro-brésiliens, comme la umbanda ou le candomblé, des spiritismes, des cultes orientaux, également de l’athéisme. Le Brésil est donc ce qu’on peut encore appeler un pays de chrétienté.
Mais cette chrétienté de 170 millions de personnes n’est pas une chrétienté unie et solide. Il y a une haine silencieuse entre catholiques et protestants. Les catholiques sont divisés en plusieurs tendances, où les trois plus fortes sont les traditionnels/conservateurs, les charismatiques et les tendances populaires. De la même manière, les protestants sont divisés : la tendance la plus forte aujourd’hui est formée par le pentecôtisme et ensuite seulement par le courant historique, dont les baptistes qui sont le groupe plus dynamique, avec trois millions de fidèles.
En général, les protestants brésiliens sont fondamentalistes et politiquement conservateurs, ils ont peur du socialisme et du communisme et n’aiment pas le gouvernement Lula et le Parti des Travailleurs.
C’est pourquoi, l’œcuménisme n’est pas une idée en vogue. Pour le fondamentalisme évangélique c’est même une idée diabolique, qui a pour objectif de détruire la foi, comme ils disent que tel a été le cas en Europe. Un exemple de cette situation c’est le fait qu’un évêque de l’Église Universelle du Royaume de Dieu, a donné un coup de pied dans une image de la Vierge Aparecida, patronne catholique de Brésil, au cours d’une émission du télévision. Comment expliquer cette situation. Comment a commencé l’histoire du protestantisme au Brésil ?
La missiologie de l'auto-gestion et du marché libre
Les missions protestantes arrivent parallèlement à l’expansion capitaliste de la seconde moitié du XIXe siècle. Cette période apporte aussi, pour l'Amérique Latine et pour le Brésil en particulier, d’autres formes de christianisme, avec les promesses des Lumières présentes dans l'idéologie protestante de cette époque.
Les missions protestantes contemporaines représentent une parcelle culturelle qui a été transplantée de l’hémisphère Nord et vers l’hémisphère Sud dans la seconde moitié de le XIXe siècle. Si cette expansion capitaliste a eu de conséquences économiques, politiques et sociales pour les nations du sud, elle a aussi apporté une nouvelle forme d'Église.
L’immigration d'Européens et de Nord-Américains dans cet hémisphère provoque la création de nouvelles couches sociales dans les pays en développement exigeant une génèse de nouvelles possibilités religieuses.
L'expansion capitaliste de XIXe siècle, n’est pas parallèle à l’expansion des missions protestantes par hasard. Les Églises protestantes ont profité de l'expansion du commerce et de la colonisation promus par l’hémisphère Nord pour développer une vision plus englobante de leur missions. Missions qu'on peut classer dans au moins deux modèles, le modèle d'Église officielle et le modèle de l'auto-gestion et du marché libre religieux.
Les missions européennes tendent à suivre le modèle religieux que Troeltsch définit comme celui d'Église officielle où la religion est exportée comme partie de l'ordre social géré par l'État. Comme dans les pays africains et asiatiques sous la tutelle coloniale européenne, les Églises protestantes sont l’expression religieuse de la présence colonisatrice. Les missionnaires utilisent l'infrastructure coloniale (principalement des systèmes de transport et de communications exportées pour les colonies) pour développer leur travail, éparpillant non seulement des temples dans Les nations de l'hémisphère sud, mais aussi des réseaux scolaires et hospitaliers qui influenceront le développement de ces colonies. De cette manière, les Églises protestantes se rendent participantes de l'établissement d'un nouvel ordre social dans les pays colonisés.
Quant aux missions nord-américaines, elles adoptent un autre modèle, celui de l'auto-gestion ou du “marché ouvert” [3] où des Églises différentes se constituent par l'adhésion volontaire des fidèles. Dans ce modèle, chaque Église aurait les caractéristiques sociologiques que Troeltsch qualifierait de “secte”. La séparation constitutionnelle entre l'Église et l'État aux États-Unis force les Églises d’origine nord-américaines à se constituer comme des organisations religieuses indépendantes de la tutelle du gouvernement, dénominations qui fonctionnent par l'adhésion des fidèles dans un marché religieux ouvert, où aucune de ces Églises n’aura pas l'aide exclusive du pouvoir.
Dans les pays sous tutelle coloniale européenne ont assiste donc à une complète exportation de la culture et des habitudes de la société colonisatrice pour la société colonisée. La forme du gouvernement, l'organisation économique, le modèle de religion, le système d'éducation, et le système de santé sont organisés à l'aide des mêmes paramètres sociaux que ceux de la nation dominante.
Dans l’Etats Unis, les Églises s'établissent à leur propre frais et combattent pour assumer une part du marché. Les Églises missionnaires des États-Unis ne voient pas leur avantage à opérer dans l’Amérique Latine. Les missionnaires sont plutôt envoyés dans les pays qui maintiennent le commerce avec l'États-Unis.
Dans un marché religieux ouvert, chaque Église ou dénomination va développer une catéchèse efficace pour convaincre une partie de la population locale de la supériorité de sa doctrine et de sa pratique religieuse. Dans le cas des dénominations nord-américaines, çà ne va pas être facile, parce que le système religieux qu’elles exportent pour l'Amérique Latine est très différent du système existant dans le continent. La culture ibérique, non calviniste, repose sur un système de relations sociales et spirituelles, dans de nombreux cas, diamétralement opposés au système nord-américain.
Une des questions les plus importantes pour l'étude de missions dans un marché religieux ouvert comme celui du Brésil, est l’impact de la dissonance entre l'idéologie protestante et la réalité latino-américaine pour déterminer le degré d'acceptation des missions. Jusqu'à ce quel point la foi apportée par les missionnaires peut réveiller l’intérêt des populations locales pour un nouveau modèle d'Église et jusqu'à ce quel point cette vision est étrangère et demeure inadaptable et inacceptable ?
Cette question est importante parce qu’au cours du XIXe siècle les Églises protestantes nord-américaines apportent au Brésil une foi qui accepte inconditionnellement les promesses des Lumières et elles voient dans les États-Unis l'expression la plus grande de la modernité4. Pour ces missionnaires, leur patrie est bénie par les libertés politiques et civiles, et par les associations volontaires qui contribuent à l'intégration communautaire et à l'identité nationale, exactement tout ce que professe la foi protestante.
La nation américaine est présentée au Brésil comme un pays basé sur les principes de tolérance religieuse et sur une égalité politique. Par conséquent le Brésil est vu par les missionnaires comme un pays surchargé par l'héritage oligarchique.
Ainsi, se constitue une composante déterminante de la nation : le fort caractère anticatholique importé par le protestantisme lors de son arrivée au Brésil, face aux entraves maintenues par l’Église catholique, dominante dans la société et dans l’Etat brésilien. L’identité protestante au Brésil s’est constituée dans une “opposition à l’identité catholique [...]. Le catholicisme serait synonyme d’archaïsme culturel et économique tandis que le protestantisme représenterait le progrès”.[5]
Ce choc a des répercussions dans la pensée protestante brésilienne jusqu’à nos jours avec des variations cependant. La séparation entre Église et État prôné par les protestants aurait pour conséquence un manque d’intervention directe de leur part dans la politique brésilienne, facteur qui distinguerait catholiques et protestants, ces derniers se maintiendraient à distance de la scène sociale vue comme un lieu de corruption dominé par des valeurs catholiques. Une autre conséquence de cette position anticatholique, se vérifie par le désintérêt des protestants pour la culture brésilienne, imprégnée de valeurs considérées comme retrogrades. Des habitudes morales protestantes cultivent ainsi la différence entre l’attitude du catholique, lequel boit et fume, etc. alors que le protestant ne fait rien de tout cela et progresse dans la vie parce que il est “ honnête, travailleur et qu’il sait lire (au moins à Bible) ”.[6]
Le Protestantisme brésilien : phénomène doux vu du dehors
Du point de vue de la sociologie religieuse, les missionnaires protestants représentent une force culturelle envahissante pour l'Amérique Latine. D'autres agents culturels venus avec l'expansion commerciale (techniciens, experts, entrepreneurs), déstabilisent les modèles locaux, mettent en question le statut quo socio-religieux et font naître la possibilité d'une nouvelle forme de pratique religieuse. Cela va créer des conflits avec un système religieux catholique qui était efficace dans les pays latino-américains.
Toutes les missions protestantes historiques sont arrivées au Brésil pendant le règne de D. Pedro II. Les méthodistes arrivent en 1836, quatorze ans après l'indépendance et cinq de l'abdication de D. Pedro I. Les presbytériens, les épiscopaliens, les congrégationalistes et les luthériens arrivent dans la seconde moitié du XIXe siècle, au moment favorable du règne du second empereur brésilien, D. Pedro II. Les baptistes arrivent finalement en 1881.
Trois facteurs au moins expliquent le succès de la présence missionnaire nord-américaine au Brésil : (1) le règne de D. Pedro II et sa politique d'ouverture au monde commercial et culturel anglais et nord-américain, et la tentative de construction d'un état monarchique libéral ; (2) la relation conflictuelle entre l'Église Catholique et l'État pendant la même période ; (3) et la vague migratrice qui apporte une main d'œuvre d'Europe et des États-Unis.
La crise de l'économie basée sur l'esclavage [7] et les exigences de l'économie exportatrice qui se développe, appelle un volume de plus en plus grand de main d'œuvre immigrée. L'empereur, voulant en même temps à développer la colonisation intérieure du Brésil et à satisfaire les élites économiques, cherche dans les pays européens et aux États-Unis la population qu’il estime nécessaire au développement de la nation. Le recrutement d'immigrés commence autour de 1820, et atteint son apogée dans la seconde moitié du siècle.
Dans cette période le pays assume les dépenses de transport des nouveaux immigrants, dont le nombre atteint le chiffre record de 133.000 immigrés dans la seule années 1888. Entre 1820 et 1930 le pays reçoit entre quatre et cinq millions d'immigrés européens et nord-américains. La majorité d'entre eux s’installent dans les provinces du sud. Une bonne partie de ces immigrés est européenne et catholique, mais un petit nombre est originaire des États-Unis et protestant. Ce sont ces immigrés nord-américains qui contribuent de deux manières à l'implantation des missions protestantes dans le pays
Premièrement par le style de vie qu’ils apportent. La technologie et les habitudes nord-américaines représentent un tout, religion comprise exprimant le plus haut niveau de développement. Entre autres des technologies de transport de culture des terres, de construction (maisons de briques), de cuisine et de transformation des aliments (cuisinières modernes, broyeurs de café), d’ustenciles ménagers (lampes de kérosène, machines de couture, surtout quatre nouvelles cultures agricoles : le coton de montagne, la pastèque américaine, le raisin, et les noix.
Deuxièmement les immigrés protestants cherchent auprès de l'empereur protection pour l'exercice de leur religion. Ayant obtenue la protection impériale, ils demandent à leurs Églises d'origine l'envoi de pasteuts pour la communauté, pasteurs qui deviendront les premiers missionnaires au Brésil. Le but de la mission étant que des Brésiliens se convertissent au protestantisme, le gouvernement contrôle officiellement les religions non catholiques, attitude qui entraîne l'envoi de plus de missionnaires et l'expansion de leurs secteurs d'activités à côté des communautés nord-américaines immigrées dans le sud du pays.
Ainsi, en un siècle environ le protestantisme implanté par des missionnaires est devenu brésilien, selon un processus de création de quelque chose de plus en plus différent de ses origines historiques, soit européennes, soit nord-américaines. Aujourd'hui, le protestantisme est présent, avec ses diverses ramifications, dans tout le Brésil, de plus en plus, maintenant, comme phénomène doux vue du dehors, implanté dans les classes sociales, urbaines et populaires. D’un protestantisme historique il est devenu pentecôtiste et néo pentecôtiste présentant des taux de croissance remarquable.
Conclusion
La diversité institutionnelle, doctrinale, morale et politique, très changeante de la réalité chrétienne au Brésil montre la difficulté d'étudier le phénomène comme un tout. Il est certain que n'y a pas un protestantisme brésilien, mais différents protestantismes au Brésil. Dans ce pays où coexistent le cosmopolitisme mondialisé, de fortes présences politiques de gauche et un régionalisme traditionnel, une société multiculturelle et religieusement plurielle a été consolidée. Dans le protestantisme sont entrées des personnes venues d'autres religions, de l'indifférentisme religieux et même du matérialisme. De plus, à l'intérieur de l'espace protestant lui-même, se produisent des mouvements d’une communauté locale à l’autre ou d’une dénomination à l’autre principalement en fonction de la mobilité de haut en bas de l’échelle sociale.
Selon Cavalcanti [8], “ tant que le protestantisme historique apparaît comme une alternative culturelle liée à l'idéologie bourgeoise, le pentecôtisme est apparu comme une proposition de contre-culture populaire, de racines pré-modernes et d'idéologie anti-moderne, à partir des mêmes sources du catholicisme populaire. S'éloigner du principe protestant‚ a été regardé par les protestants historiques comme un catholicisme de substitution”. Messianique, et malade d'une espèce de “tentation théocratique”, le pentecôtisme a substitué le protestantisme historique et son discours sur l'aliénation, par une sorte d’engagement à produire des résultats. Il a oublié l'appel de la théologie sociale reformée et s'est tourné vers des pratiques du clientélisme politique, a commencé à soutenir les secteurs politiques conservateurs et de droite, promettant aux exclus la possibilité d'une ascension dans l’échelle sociale.
Mais, dans les dernières vingt années, le Brésil est passé par une nouvelle étape de cette croissance du protestantisme : le phénomène urbain du neo pentecôtisme, avec son accent mis sur la métaphysique, le mysticisme, et une eschatologie infra-historique. Ou encore, dans sa version néo-libérale, avec la “théologie de la prospérité”. Ainsi, ce neo pentecôtisme s'est divisée en deux tendances : l’une populaire, dirigée vers les exclus, l’autre bourgeoise, dirigée vers les émergents. Les uns aspirent à des bénédictions matérielles qu’ils convoitent, les autres remercient pour ce qu’ils ont déjà reçu. La mobilité sociale et le bourgeonnement de ce neo pentecôtisme ont favorisé, à partir de la dernière décennie, la dislocation du pentecôtisme traditionnel qui conduit à une nouvelle approche des Eglises historiques, et à une revalorisation de la théologie réformée. Et les Églises historiques, à leur tour, ont incorporé des pratiques du monde pentecôtiste.
En devenant une partie constitutive de la société brésilienne, le protestantisme reflète ses contradictions, ses misères et ses potentialités. Les situations sont diverses et divers aussi sont les discours. Les différences et les conflits internes s'accentuent et la coopération interdénominationnelle connaît aussi une baisse. En partant de ces contradictions, on peut dire que l'élite protestante se réfère au paradigme progressiste, elle ne fait pas partie de la masse, et ne voit pas l’Église comme “abri”. En revanche, les masses exclues de la mobilité sociale ascendante, ainsi que les classes moyennes qui subissent un processus descendant, cherchent dans les Églises un abri.
Une partie de cette élite protestante milite dans des organisations et partis de gauche et vote pour ses candidats. Du fait de toutes ces contradictions et conflits, nous pouvons dire que l'étude du protestantisme brésilien et, par extension, de ses potentialités missiologiques, dépendent de notre capacité à écouter les voix de ce phénomène religieux, comme signe critique d’un accouchement d'une créature nouvelle, l'Église protestante brésilienne, encore sans visage et sans forme. La seule certitude que nous avons est que nous sommes des millions, différents et sectaires [9]. Sans doute donc que la missiologie, comme praxis chrétienne du dialogue inter-religieux, est nécessaire au Brésil aujourd'hui.
C'est le défi de l'intellectuel chrétien aujourd'hui au Brésil : au lieu de cultiver le sectarisme et la dénégation permanente de la richesse de la foi chrétienne, malgré nos évolutions et nos différences, il faut montrer “la richesse de la grâce, que Dieu a répandu abondamment sur nous par toute espèce de sagesse et d’intelligence” [10]. Pour que naisse cette Église chrétienne brésilienne, traduction de la sagesse multiforme de Dieu, l'action missiologique de l'intellectuel chrétien consiste d’abord à construire de ponts : c’est un cri prophétique pour la recherche du dialogue, par lequel il pourra alors se rendre présent à la société.
Notes
1. Jorge Pinheiro est Docteur en Sciences de la Religion dans l’Université Méthodiste de Sao Paulo ; il est professeur de Théologie Systématique dans la Faculté Théologique Baptiste de Sao Paulo et pasteur dans l'Église Baptiste à Perdizes, Sao Paulo.
2. Les chiffres du Recensement 2000 de l'Institut brésilien de Géographie et Statistiques, IBGE, montrent l’ascension et l’augmentation expressive des protestants dans le pays. En 1970, ils étaient 5,17% de la population, mais en 2000 ils arrivent à 15,4%. Dans les nombres absolus: dans l'année 2000 les protestants ont traversé la marque des 25 million. [www.ibge.gov.br].
3. H. B. Cavalcanti, O Projeto Missionário Protestante no Brasil do Século 19: Comparando a Experiência Presbiteriana e Batista, University of Richmond.
4. Peri Mesquida, Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil, Juiz de Fora/São Bernardo do Campo, Editora da UFJF e Editeo, 1994.
5. Leonildo Silveira Campos, Pentecôtisme, conversion et lien social au Brésil, in FATH, Sébastien, Le protestantisme évangélique: un christianisme de conversión, EPHE, p.185.
6. Israel Belo de Azevedo, A celebração do indivíduo, a formação do pensamento batista brasileiro, Piracicaba, Editora Unimep, 1996, p.172.
7. Elizete da Silva, Visões Protestantes Sobre a Escravidão, São Paulo, Rever, ISSN 1677-1222, PUC, 2003: site: www.pucsp.br/rever/rv1_2003/t_silva.htm
8. Robinson Cavalcanti, Protestantismo brasileiro, Recife, Igreja Evangélica Anglicana do Brasil (IEAB), site : www.ieabrecife.com.br/Artigos/protestantismo_brasileiro.htm
9. “Le monde évangélique est divisé. Aucun il y a une unité institutionnelle qui est mise sur aux divergences, comme dans le Catholicisme. Il y a une diversité immense d'organisation, théologique, liturgique et politique. Si quelqu'un n'aime pas quelque aspect de son église, il peut aller pour autre, ou égal fonder un nouveau, sans laisser le monde évangélique. C'est principe de l'auto-gestion et du marché libre. Dans un certain chemin, 'évangélique' (ou 'Protestant') c'est une catégorie résiduelle, c'est ce qui est resté du champ chrétien après l'Église catholique et des Églises Orthodoxes, un type de Troisième Monde”. Paul Freston, Fé Bíblica e Crise Brasileira, São Paulo, ABU Editora, 1992, p. 78.
10. Êpitre de Paul aux Éphésiens 1.7-8.
BIBLIOGRAFIA
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Jorge Pinheiro [1]
Introduction
Quand nous voulons parler du Brésil religieux on court le risque de ne penser qu’au Brésil du carnaval, au Brésil touristique, à un Brésil exotique, avec sa présence solide de la culture noire et des religions Afrobrésiliennes. Sans aucun doute, ce Brésil existe-t-il, mais cela ne traduit ni l’essentiel du pays, ni même la religiosité brésilienne.
Par conséquent, pour parler de Brésil religieux et de son défi pour l'intellectuel chrétien, nous nous voyons forcés de comprendre quelle est la religiosité aujourd'hui. Et comment dans ce contexte l'intellectuel chrétien a un défi bien défini à relever.
Le Brésil est un pays de 180 millions d’habitants. La majorité de la population (73,8%) est catholique et le deuxième groupe religieux en importance, ce sont les protestants [2]. 6% seulement professent des cultes afro-brésiliens, comme la umbanda ou le candomblé, des spiritismes, des cultes orientaux, également de l’athéisme. Le Brésil est donc ce qu’on peut encore appeler un pays de chrétienté.
Mais cette chrétienté de 170 millions de personnes n’est pas une chrétienté unie et solide. Il y a une haine silencieuse entre catholiques et protestants. Les catholiques sont divisés en plusieurs tendances, où les trois plus fortes sont les traditionnels/conservateurs, les charismatiques et les tendances populaires. De la même manière, les protestants sont divisés : la tendance la plus forte aujourd’hui est formée par le pentecôtisme et ensuite seulement par le courant historique, dont les baptistes qui sont le groupe plus dynamique, avec trois millions de fidèles.
En général, les protestants brésiliens sont fondamentalistes et politiquement conservateurs, ils ont peur du socialisme et du communisme et n’aiment pas le gouvernement Lula et le Parti des Travailleurs.
C’est pourquoi, l’œcuménisme n’est pas une idée en vogue. Pour le fondamentalisme évangélique c’est même une idée diabolique, qui a pour objectif de détruire la foi, comme ils disent que tel a été le cas en Europe. Un exemple de cette situation c’est le fait qu’un évêque de l’Église Universelle du Royaume de Dieu, a donné un coup de pied dans une image de la Vierge Aparecida, patronne catholique de Brésil, au cours d’une émission du télévision. Comment expliquer cette situation. Comment a commencé l’histoire du protestantisme au Brésil ?
La missiologie de l'auto-gestion et du marché libre
Les missions protestantes arrivent parallèlement à l’expansion capitaliste de la seconde moitié du XIXe siècle. Cette période apporte aussi, pour l'Amérique Latine et pour le Brésil en particulier, d’autres formes de christianisme, avec les promesses des Lumières présentes dans l'idéologie protestante de cette époque.
Les missions protestantes contemporaines représentent une parcelle culturelle qui a été transplantée de l’hémisphère Nord et vers l’hémisphère Sud dans la seconde moitié de le XIXe siècle. Si cette expansion capitaliste a eu de conséquences économiques, politiques et sociales pour les nations du sud, elle a aussi apporté une nouvelle forme d'Église.
L’immigration d'Européens et de Nord-Américains dans cet hémisphère provoque la création de nouvelles couches sociales dans les pays en développement exigeant une génèse de nouvelles possibilités religieuses.
L'expansion capitaliste de XIXe siècle, n’est pas parallèle à l’expansion des missions protestantes par hasard. Les Églises protestantes ont profité de l'expansion du commerce et de la colonisation promus par l’hémisphère Nord pour développer une vision plus englobante de leur missions. Missions qu'on peut classer dans au moins deux modèles, le modèle d'Église officielle et le modèle de l'auto-gestion et du marché libre religieux.
Les missions européennes tendent à suivre le modèle religieux que Troeltsch définit comme celui d'Église officielle où la religion est exportée comme partie de l'ordre social géré par l'État. Comme dans les pays africains et asiatiques sous la tutelle coloniale européenne, les Églises protestantes sont l’expression religieuse de la présence colonisatrice. Les missionnaires utilisent l'infrastructure coloniale (principalement des systèmes de transport et de communications exportées pour les colonies) pour développer leur travail, éparpillant non seulement des temples dans Les nations de l'hémisphère sud, mais aussi des réseaux scolaires et hospitaliers qui influenceront le développement de ces colonies. De cette manière, les Églises protestantes se rendent participantes de l'établissement d'un nouvel ordre social dans les pays colonisés.
Quant aux missions nord-américaines, elles adoptent un autre modèle, celui de l'auto-gestion ou du “marché ouvert” [3] où des Églises différentes se constituent par l'adhésion volontaire des fidèles. Dans ce modèle, chaque Église aurait les caractéristiques sociologiques que Troeltsch qualifierait de “secte”. La séparation constitutionnelle entre l'Église et l'État aux États-Unis force les Églises d’origine nord-américaines à se constituer comme des organisations religieuses indépendantes de la tutelle du gouvernement, dénominations qui fonctionnent par l'adhésion des fidèles dans un marché religieux ouvert, où aucune de ces Églises n’aura pas l'aide exclusive du pouvoir.
Dans les pays sous tutelle coloniale européenne ont assiste donc à une complète exportation de la culture et des habitudes de la société colonisatrice pour la société colonisée. La forme du gouvernement, l'organisation économique, le modèle de religion, le système d'éducation, et le système de santé sont organisés à l'aide des mêmes paramètres sociaux que ceux de la nation dominante.
Dans l’Etats Unis, les Églises s'établissent à leur propre frais et combattent pour assumer une part du marché. Les Églises missionnaires des États-Unis ne voient pas leur avantage à opérer dans l’Amérique Latine. Les missionnaires sont plutôt envoyés dans les pays qui maintiennent le commerce avec l'États-Unis.
Dans un marché religieux ouvert, chaque Église ou dénomination va développer une catéchèse efficace pour convaincre une partie de la population locale de la supériorité de sa doctrine et de sa pratique religieuse. Dans le cas des dénominations nord-américaines, çà ne va pas être facile, parce que le système religieux qu’elles exportent pour l'Amérique Latine est très différent du système existant dans le continent. La culture ibérique, non calviniste, repose sur un système de relations sociales et spirituelles, dans de nombreux cas, diamétralement opposés au système nord-américain.
Une des questions les plus importantes pour l'étude de missions dans un marché religieux ouvert comme celui du Brésil, est l’impact de la dissonance entre l'idéologie protestante et la réalité latino-américaine pour déterminer le degré d'acceptation des missions. Jusqu'à ce quel point la foi apportée par les missionnaires peut réveiller l’intérêt des populations locales pour un nouveau modèle d'Église et jusqu'à ce quel point cette vision est étrangère et demeure inadaptable et inacceptable ?
Cette question est importante parce qu’au cours du XIXe siècle les Églises protestantes nord-américaines apportent au Brésil une foi qui accepte inconditionnellement les promesses des Lumières et elles voient dans les États-Unis l'expression la plus grande de la modernité4. Pour ces missionnaires, leur patrie est bénie par les libertés politiques et civiles, et par les associations volontaires qui contribuent à l'intégration communautaire et à l'identité nationale, exactement tout ce que professe la foi protestante.
La nation américaine est présentée au Brésil comme un pays basé sur les principes de tolérance religieuse et sur une égalité politique. Par conséquent le Brésil est vu par les missionnaires comme un pays surchargé par l'héritage oligarchique.
Ainsi, se constitue une composante déterminante de la nation : le fort caractère anticatholique importé par le protestantisme lors de son arrivée au Brésil, face aux entraves maintenues par l’Église catholique, dominante dans la société et dans l’Etat brésilien. L’identité protestante au Brésil s’est constituée dans une “opposition à l’identité catholique [...]. Le catholicisme serait synonyme d’archaïsme culturel et économique tandis que le protestantisme représenterait le progrès”.[5]
Ce choc a des répercussions dans la pensée protestante brésilienne jusqu’à nos jours avec des variations cependant. La séparation entre Église et État prôné par les protestants aurait pour conséquence un manque d’intervention directe de leur part dans la politique brésilienne, facteur qui distinguerait catholiques et protestants, ces derniers se maintiendraient à distance de la scène sociale vue comme un lieu de corruption dominé par des valeurs catholiques. Une autre conséquence de cette position anticatholique, se vérifie par le désintérêt des protestants pour la culture brésilienne, imprégnée de valeurs considérées comme retrogrades. Des habitudes morales protestantes cultivent ainsi la différence entre l’attitude du catholique, lequel boit et fume, etc. alors que le protestant ne fait rien de tout cela et progresse dans la vie parce que il est “ honnête, travailleur et qu’il sait lire (au moins à Bible) ”.[6]
Le Protestantisme brésilien : phénomène doux vu du dehors
Du point de vue de la sociologie religieuse, les missionnaires protestants représentent une force culturelle envahissante pour l'Amérique Latine. D'autres agents culturels venus avec l'expansion commerciale (techniciens, experts, entrepreneurs), déstabilisent les modèles locaux, mettent en question le statut quo socio-religieux et font naître la possibilité d'une nouvelle forme de pratique religieuse. Cela va créer des conflits avec un système religieux catholique qui était efficace dans les pays latino-américains.
Toutes les missions protestantes historiques sont arrivées au Brésil pendant le règne de D. Pedro II. Les méthodistes arrivent en 1836, quatorze ans après l'indépendance et cinq de l'abdication de D. Pedro I. Les presbytériens, les épiscopaliens, les congrégationalistes et les luthériens arrivent dans la seconde moitié du XIXe siècle, au moment favorable du règne du second empereur brésilien, D. Pedro II. Les baptistes arrivent finalement en 1881.
Trois facteurs au moins expliquent le succès de la présence missionnaire nord-américaine au Brésil : (1) le règne de D. Pedro II et sa politique d'ouverture au monde commercial et culturel anglais et nord-américain, et la tentative de construction d'un état monarchique libéral ; (2) la relation conflictuelle entre l'Église Catholique et l'État pendant la même période ; (3) et la vague migratrice qui apporte une main d'œuvre d'Europe et des États-Unis.
La crise de l'économie basée sur l'esclavage [7] et les exigences de l'économie exportatrice qui se développe, appelle un volume de plus en plus grand de main d'œuvre immigrée. L'empereur, voulant en même temps à développer la colonisation intérieure du Brésil et à satisfaire les élites économiques, cherche dans les pays européens et aux États-Unis la population qu’il estime nécessaire au développement de la nation. Le recrutement d'immigrés commence autour de 1820, et atteint son apogée dans la seconde moitié du siècle.
Dans cette période le pays assume les dépenses de transport des nouveaux immigrants, dont le nombre atteint le chiffre record de 133.000 immigrés dans la seule années 1888. Entre 1820 et 1930 le pays reçoit entre quatre et cinq millions d'immigrés européens et nord-américains. La majorité d'entre eux s’installent dans les provinces du sud. Une bonne partie de ces immigrés est européenne et catholique, mais un petit nombre est originaire des États-Unis et protestant. Ce sont ces immigrés nord-américains qui contribuent de deux manières à l'implantation des missions protestantes dans le pays
Premièrement par le style de vie qu’ils apportent. La technologie et les habitudes nord-américaines représentent un tout, religion comprise exprimant le plus haut niveau de développement. Entre autres des technologies de transport de culture des terres, de construction (maisons de briques), de cuisine et de transformation des aliments (cuisinières modernes, broyeurs de café), d’ustenciles ménagers (lampes de kérosène, machines de couture, surtout quatre nouvelles cultures agricoles : le coton de montagne, la pastèque américaine, le raisin, et les noix.
Deuxièmement les immigrés protestants cherchent auprès de l'empereur protection pour l'exercice de leur religion. Ayant obtenue la protection impériale, ils demandent à leurs Églises d'origine l'envoi de pasteuts pour la communauté, pasteurs qui deviendront les premiers missionnaires au Brésil. Le but de la mission étant que des Brésiliens se convertissent au protestantisme, le gouvernement contrôle officiellement les religions non catholiques, attitude qui entraîne l'envoi de plus de missionnaires et l'expansion de leurs secteurs d'activités à côté des communautés nord-américaines immigrées dans le sud du pays.
Ainsi, en un siècle environ le protestantisme implanté par des missionnaires est devenu brésilien, selon un processus de création de quelque chose de plus en plus différent de ses origines historiques, soit européennes, soit nord-américaines. Aujourd'hui, le protestantisme est présent, avec ses diverses ramifications, dans tout le Brésil, de plus en plus, maintenant, comme phénomène doux vue du dehors, implanté dans les classes sociales, urbaines et populaires. D’un protestantisme historique il est devenu pentecôtiste et néo pentecôtiste présentant des taux de croissance remarquable.
Conclusion
La diversité institutionnelle, doctrinale, morale et politique, très changeante de la réalité chrétienne au Brésil montre la difficulté d'étudier le phénomène comme un tout. Il est certain que n'y a pas un protestantisme brésilien, mais différents protestantismes au Brésil. Dans ce pays où coexistent le cosmopolitisme mondialisé, de fortes présences politiques de gauche et un régionalisme traditionnel, une société multiculturelle et religieusement plurielle a été consolidée. Dans le protestantisme sont entrées des personnes venues d'autres religions, de l'indifférentisme religieux et même du matérialisme. De plus, à l'intérieur de l'espace protestant lui-même, se produisent des mouvements d’une communauté locale à l’autre ou d’une dénomination à l’autre principalement en fonction de la mobilité de haut en bas de l’échelle sociale.
Selon Cavalcanti [8], “ tant que le protestantisme historique apparaît comme une alternative culturelle liée à l'idéologie bourgeoise, le pentecôtisme est apparu comme une proposition de contre-culture populaire, de racines pré-modernes et d'idéologie anti-moderne, à partir des mêmes sources du catholicisme populaire. S'éloigner du principe protestant‚ a été regardé par les protestants historiques comme un catholicisme de substitution”. Messianique, et malade d'une espèce de “tentation théocratique”, le pentecôtisme a substitué le protestantisme historique et son discours sur l'aliénation, par une sorte d’engagement à produire des résultats. Il a oublié l'appel de la théologie sociale reformée et s'est tourné vers des pratiques du clientélisme politique, a commencé à soutenir les secteurs politiques conservateurs et de droite, promettant aux exclus la possibilité d'une ascension dans l’échelle sociale.
Mais, dans les dernières vingt années, le Brésil est passé par une nouvelle étape de cette croissance du protestantisme : le phénomène urbain du neo pentecôtisme, avec son accent mis sur la métaphysique, le mysticisme, et une eschatologie infra-historique. Ou encore, dans sa version néo-libérale, avec la “théologie de la prospérité”. Ainsi, ce neo pentecôtisme s'est divisée en deux tendances : l’une populaire, dirigée vers les exclus, l’autre bourgeoise, dirigée vers les émergents. Les uns aspirent à des bénédictions matérielles qu’ils convoitent, les autres remercient pour ce qu’ils ont déjà reçu. La mobilité sociale et le bourgeonnement de ce neo pentecôtisme ont favorisé, à partir de la dernière décennie, la dislocation du pentecôtisme traditionnel qui conduit à une nouvelle approche des Eglises historiques, et à une revalorisation de la théologie réformée. Et les Églises historiques, à leur tour, ont incorporé des pratiques du monde pentecôtiste.
En devenant une partie constitutive de la société brésilienne, le protestantisme reflète ses contradictions, ses misères et ses potentialités. Les situations sont diverses et divers aussi sont les discours. Les différences et les conflits internes s'accentuent et la coopération interdénominationnelle connaît aussi une baisse. En partant de ces contradictions, on peut dire que l'élite protestante se réfère au paradigme progressiste, elle ne fait pas partie de la masse, et ne voit pas l’Église comme “abri”. En revanche, les masses exclues de la mobilité sociale ascendante, ainsi que les classes moyennes qui subissent un processus descendant, cherchent dans les Églises un abri.
Une partie de cette élite protestante milite dans des organisations et partis de gauche et vote pour ses candidats. Du fait de toutes ces contradictions et conflits, nous pouvons dire que l'étude du protestantisme brésilien et, par extension, de ses potentialités missiologiques, dépendent de notre capacité à écouter les voix de ce phénomène religieux, comme signe critique d’un accouchement d'une créature nouvelle, l'Église protestante brésilienne, encore sans visage et sans forme. La seule certitude que nous avons est que nous sommes des millions, différents et sectaires [9]. Sans doute donc que la missiologie, comme praxis chrétienne du dialogue inter-religieux, est nécessaire au Brésil aujourd'hui.
C'est le défi de l'intellectuel chrétien aujourd'hui au Brésil : au lieu de cultiver le sectarisme et la dénégation permanente de la richesse de la foi chrétienne, malgré nos évolutions et nos différences, il faut montrer “la richesse de la grâce, que Dieu a répandu abondamment sur nous par toute espèce de sagesse et d’intelligence” [10]. Pour que naisse cette Église chrétienne brésilienne, traduction de la sagesse multiforme de Dieu, l'action missiologique de l'intellectuel chrétien consiste d’abord à construire de ponts : c’est un cri prophétique pour la recherche du dialogue, par lequel il pourra alors se rendre présent à la société.
Notes
1. Jorge Pinheiro est Docteur en Sciences de la Religion dans l’Université Méthodiste de Sao Paulo ; il est professeur de Théologie Systématique dans la Faculté Théologique Baptiste de Sao Paulo et pasteur dans l'Église Baptiste à Perdizes, Sao Paulo.
2. Les chiffres du Recensement 2000 de l'Institut brésilien de Géographie et Statistiques, IBGE, montrent l’ascension et l’augmentation expressive des protestants dans le pays. En 1970, ils étaient 5,17% de la population, mais en 2000 ils arrivent à 15,4%. Dans les nombres absolus: dans l'année 2000 les protestants ont traversé la marque des 25 million. [www.ibge.gov.br].
3. H. B. Cavalcanti, O Projeto Missionário Protestante no Brasil do Século 19: Comparando a Experiência Presbiteriana e Batista, University of Richmond.
4. Peri Mesquida, Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil, Juiz de Fora/São Bernardo do Campo, Editora da UFJF e Editeo, 1994.
5. Leonildo Silveira Campos, Pentecôtisme, conversion et lien social au Brésil, in FATH, Sébastien, Le protestantisme évangélique: un christianisme de conversión, EPHE, p.185.
6. Israel Belo de Azevedo, A celebração do indivíduo, a formação do pensamento batista brasileiro, Piracicaba, Editora Unimep, 1996, p.172.
7. Elizete da Silva, Visões Protestantes Sobre a Escravidão, São Paulo, Rever, ISSN 1677-1222, PUC, 2003: site: www.pucsp.br/rever/rv1_2003/t_silva.htm
8. Robinson Cavalcanti, Protestantismo brasileiro, Recife, Igreja Evangélica Anglicana do Brasil (IEAB), site : www.ieabrecife.com.br/Artigos/protestantismo_brasileiro.htm
9. “Le monde évangélique est divisé. Aucun il y a une unité institutionnelle qui est mise sur aux divergences, comme dans le Catholicisme. Il y a une diversité immense d'organisation, théologique, liturgique et politique. Si quelqu'un n'aime pas quelque aspect de son église, il peut aller pour autre, ou égal fonder un nouveau, sans laisser le monde évangélique. C'est principe de l'auto-gestion et du marché libre. Dans un certain chemin, 'évangélique' (ou 'Protestant') c'est une catégorie résiduelle, c'est ce qui est resté du champ chrétien après l'Église catholique et des Églises Orthodoxes, un type de Troisième Monde”. Paul Freston, Fé Bíblica e Crise Brasileira, São Paulo, ABU Editora, 1992, p. 78.
10. Êpitre de Paul aux Éphésiens 1.7-8.
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vendredi 5 février 2010
Você e seu destino -- Antropologia bíblica
O shemá era a oração que duas vezes por dia os judeus elevavam ao Eterno. Essa prece reconhece Deus como único e diz que deviam amá-lo com todo leb, com toda nefesh e com toda meod, conforme Deuteronômio 6.5.
Leb/ lebab, que os gregos traduziram por cardia e nós por coração, nos falam dos movimentos do corpo humano. Leb e sua variante lebab ocorrem 858 vezes nas Escrituras hebraicas, das quais 814 se referem ao coração humano. Expressam a noção antropológica de que somos movidos por sentimentos e emoções que movimentam e dirigem nossos membros e corpo. Têm a realidade anatômica e as funções fisiológicas do coração enquanto expressões das atividades do ser humano, que levam às disposições de ânimo como alegria e aflição, coragem e temor, desejo e aspiração, e também às funções intelectuais como inteligência e decisão da vontade, que na cultura ocidental atribuímos ao cérebro. Nas passagens do livro de Gênesis que nos falam do leb constatamos que a antropologia se apresenta como uma psicologia teológica. Assim, leb tem um significado antropológico que fala daqueles aspectos que nos levam aos movimentos do sentir, do querer e do agir, que compõem a personalidade humana.
Meod, que os gregos traduziram por dynamis e nós por força, aparece trezentas vezes nas Escrituras hebraicas, e traduz a idéia de intensidade e abundância. Em alguns textos, como no caso do crescimento do povo hebreu no Egito, meod aparece ligado à idéia de reprodução, de muitos filhos, o que nos leva a uma compreensão diferente do termo dynamis em grego, que nos fala de uma força física externa ao ser humano. Em hebraico podemos entender meod como potência, aquela força, aquela energia que faz de nós seres criadores, tanto no sentido biológico como intelectual. Seria potência que identifica o ser humano, capacidade de gerar que faz o humano crescer e multiplicar-se.
Mas, nefesh, que os gregos traduziram por psyché, mas que significa garganta, respiração, fôlego, pessoa, vida e alma, sem dúvida, nos fala da plenitude daquilo que é humano, conforme encontramos em Gênesis 2.7. Dessa maneira, nefesh possibilita um rico diálogo com o texto de Gênesis e nos permite uma reconstrução dos significados da natureza humana.
A expressão nefesh leva a uma concepção de exterior versus interior, que tem por base Deuteronômio 32.9, quando afirma que “uma parte de Iaveh faz seu povo”. Mobiliza assim em diferentes níveis essa força criacional, que constitui uma parte de Deus. A matéria-prima utilizada por Deus na modelagem humana é ordinária, enquanto material pertencente a ordem comum de “ló nefesh”: inanimados e animais. É o sopro de Deus que faz especial essa matéria ordinária. Mas será que estamos somente diante de um símbolo ou, de fato, a força criacional de Deus transmite à matéria ordinária não somente vida, mas transfere intensidade e profundidade? De certa maneira, não é absurdo dizer que os seres celestiais são criaturas integralmente espirituais. Sua existência procede do exterior da força criacional de Deus. A exteriorização traduz-se no fato de que a força criacional se dá através da palavra, da palavra criadora de Deus. Nesse sentido, nefesh procede da interioridade de Deus e por isso é conhecida como “ein sof”, que vem de seu interior. “Ele soprou” deve ser entendido como continuidade da afirmação anterior “façamos o ser humano” (Gênesis 1.26), de maneira que nefesh liga céu e terra, o que está acima e o que está abaixo. Por isso, dizemos que a natureza humana é superior à natureza angélica, porque procede da interioridade de Iaveh. Traduz ação mediadora e conjuntiva da força criacional. Donde, a natureza humana procede de atributos divinos não ostensivos, discretos, que se traduzem em integridade holística, pluralidade social, sabedoria, compreensão e abertura à transcendência. Nefesh entende-se e revela-se enquanto natureza que se torna compreensível e inteligível. É transbordamento e transparência do Espírito de Deus, que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em cima com o que está em baixo. Da leitura de Gênesis 2.7 podemos constatar que o texto fala de respiração e daquilo que o humano passa a ser: ele não tem uma nefesh, ele passa a ser uma nefesh.
O texto e o pensamento literário dos hebreus são sintéticos. Daí que a chave para chegarmos a uma compreensão analítica dele exige identificar com que parte do corpo o ser humano pode ser comparado e onde o agir humano faz interface com nefesh, utilizando para isso textos que apresentam diferentes sentidos de nefesh. Embora a expressão nefesh apareça 755 vezes nas Escrituras hebraicas e seja traduzida 600 vezes na Septuaginta por “psyché”, garganta e estômago podem ser tomados por paradigma e transmitem a idéia de necessidade, de algo difícil de ser saciado. Nesse sentido, a palavra alma nos dá uma tradução incompleta, pois a idéia é que “Iaveh Deus formou o ser humano do pó da terra e insuflou em suas narinas o seu hálito e o ser humano se tornou um ser vivente que necessita Dele para ser saciado”.
Nefesh não traduz algo bom ou mal, mas a realidade das necessidades fundamentais e imprescindíveis da alma humana, que ao não serem ou não estarem preenchidas por Deus produzem alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria. Mas como o sopro de Deus pode ter gerado um ser humano com tal índole de insaciabilidade? Se entendermos a nefesh como o órgão das necessidades vitais, dos movimentos emocionais da alma, somos levados a entender o pensamento sintético hebreu ao ver a nefesh como síntese da própria vida. Assim, as necessidades humanas criadas pelo próprio Deus só podem ser saciadas por Ele.
“Quem me encontra, encontrou a vida e alcançou benevolência de Iaveh. Quem não me acha, faz violência à sua nefesh. Todos os que me odeiam, amam a morte”. Provérbios 8.39 e seguintes.
No relato de Gênesis 2.7 o ser humano é definido como nefesh hayah, um ser vivente, que necessita ser saciado. Quando integrado ao seu Criador, nefesh é transbordamento e transparência do Espírito de Deus, que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em cima com o que está em baixo. Mas essa natureza também se vai constituir enquanto expansão dos significados da imagem de Deus, em graça e amor. “Ele soprou” traduz o fato de que as coisas do intelecto e do coração expressam-se através dos órgãos da fala, em especial, garganta e boca, que possibilitam o sopro. Nefesh como substantivo ganhou vários sentidos, sendo garganta um deles, e assim é usado em Provérbios 23.2, quando diz “põe uma faca à tua garganta, se fores uma pessoa de grande apetite”. A garganta ou goela é por onde entra e sai a respiração, o ar. O ser vivente, então, ganhou a designação nefesh, ser respirador. No caso do humano refere-se basicamente à forma que o espírito e a inteligência, sem forma em si, assumiu ao animar o corpo. Esse padrão simboliza a interioridade da natureza humana. Portanto, para que o humano possa dar intensidade e profundidade a sua inteligência precisa de amor e graça, que nascem da interioridade de Iaveh. Em Gênesis 2.7, “ele soprou” significa que Aquele que soprou o fez numa determinada direção e com objetivo definido. Aqui, direção e objetivo traduzem destinação.
Essa é a destinação do humano: ter sua nefesh integralmente saciada por seu Criador e a partir daí relacionar-se com Ele, com o universo, com seus semelhantes e consigo mesmo. Nesse caso, temos uma nefesh em equilíbrio, plena do Espírito de Deus, o que se traduz em integridade holística, pluralidade social, sabedoria, conhecimento e abertura à transcendência. A ruptura dessa integridade produz alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria. A antropologia da nefesh em Gênesis nos fala sobre a imagem de Deus e nos dirige a uma pesquisa teológica do humano, da humanidade, da pessoa e da comunidade, da pessoa e da ordem social, da pessoa enquanto excluído, da pessoa enquanto eleito, da humanidade e seu destino, ou seja, da vida para o mundo, do amor para o próximo e da criação para todos.
No centro da fé cristã se encontra Jesus Cristo, Deus e ser humano, revelador do divino e do humano. E se a teologia fala da divindade, ela fala a homens e mulheres, fala sobre um Deus que encarnou e que ama os homens e mulheres. Está a serviço do humano.
No livro das origens lemos: “agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão”. (Gênesis 1.26). Ora, se todo o universo é o mundo do ser humano, conforme afirmam os dois relatos da criação e o salmo oito, em que sentido o ser humano é a imagem de Deus? Como Deus conferiu ao humano essa correspondência?
A partir da antropologia bíblica podemos ver que em primeiro lugar o homo sapiens é fruto de uma intervenção de Deus. Há uma concessão de encargo que diferencia o ser humano do resto da criação. Ele é apresentado como um momento sublime, especial, como um ser que coroa toda a ação criadora de Deus. Ele recebe responsabilidade e poder de decisão. Em relação a esta discussão, considero elucidativa a exposição que apresenta a imagem de Deus através de três concepções: substantiva, ou seja, física e psicológica; relacional, ou seja, com um tropismo à transcendência e possibilidade de relacionamento com Deus; e funcional, que se dá através da ação cultural do ser humano. Acredito, porém, que privilegiar uma dessas concepções em detrimento das outras duas é perder a riqueza do ser humano enquanto imagem de Deus. Por isso, aqui correlacionamos as três concepções, já que formam uma totalidade. Em segundo lugar, Deus deixa claro a finalidade da decisão de criar um ser pessoal, segundo sua imagem. Tal ser deverá ter uma relação especial com o restante da criação. Deus constrói e entrega ao ser humano sua criação. Este ser pessoal deverá estar sobre ela, numa relação de trabalho, produção e administração. O ser humano relaciona-se com a criação e através do uso e de suas descobertas em relação a ela, mantém uma permanente relação com Deus. Em terceiro lugar, a imagem de Deus é traduzida na relação que mantém com as criaturas, já que é uma relação de domínio. Ele reina sobre o universo produzido pelo poder criador de Deus. Mas aqui há um detalhe sutil: este direito de domínio não lhe é próprio, ele reina enquanto imagem de Deus. Ele não é proprietário, nem tem autonomia irrestrita sobre a criação. Imagem de Deus traduz também abertura à transcendência. Aqui estão dados os elementos que nos permitem entender porque faz parte da humanidade o abrir-se à transcendência e viver com ela. Há um deslumbramento permanente diante do absoluto, do sobrenatural e do mistério. Estamos diante de um ser que pode pensar o que não está aqui e agora, e que pode refletir sobre o que vai além da realidade factual. E é por poder pensar tais realidades que não podem ser vistas, que o ser humano enquanto imagem de Deus pode refletir sobre a eternidade e relacionar-se com o transcendente. Assim, ao ser feito imagem de Deus, o próprio Deus transfere à humanidade a capacidade de relacionar-se com Ele.
Adão é um ser plural. Esse ser humano de que fala Gênesis 1.26, que deve ser uma imagem de Deus, não é uma pessoa em particular, pois a continuação do texto fala que eles dominem. Assim, estamos diante da construção da humanidade e o domínio do universo não é dado a uma pessoa, mas a comunidade dos humanos. Ninguém pode ser excluído da autoridade de domínio dada por Deus à humanidade. Da mesma maneira, em Gênesis 1.27 temos uma outra característica fundamental dessa mesma humanidade: ela é formada por homens e mulheres. Para alguns teólogos, como Karl Barth, tal explicação de Gênesis 1.27b, de uma humanidade formada por dois sexos, é apresentada por Deus “quase à maneira de definição”. Logicamente, há uma intenção para que o texto bíblico se aprofunde em tais minúcias. É a de apresentar como o universo criado deveria ser administrado: através da convivência de seres que se completam e se amam. Ou seja, esse ser plural só poderia exercer o domínio através da comunidade, completando-se como homem e mulher.
E para onde aponta o domínio? Se toda o universo é o mundo do ser humano, há a total desmitização da natureza. Não há astros divinos, terra divina, nem animais divinos. Todo o universo pode tornar-se o ambiente do ser humano, seu espaço, que ele pode adaptar às suas necessidades e administrar. E como ele consegue isso? Através da cultura, enquanto processo social e objetivo de sujeição da natureza, e através da necessidade de expansão e domínio, pessoal e subjetivo, que é peculiar a todo homem e mulher livres. Mas, o afastamento de Deus fez com que a humanidade perdesse sua capacidade de ser imagem de Deus viva e eficaz. Seu caráter inicial está distorcido e o mal perpassa todas suas ações. Assim, o ser humano lançou-se ao domínio de seus iguais, inclusive através do derramamento de sangue; suprimiu o equilíbrio e a mútua ajuda entre homem e mulher; mitificou a ciência e técnica; e lançou-se à destruição da própria natureza. Cristo é “a verdadeira imagem do Deus invisível” (Colossenses 1.15, cf. 2a. Coríntios 4.4) e a Ele cabe fazer, a nível escatológico, aquilo que à humanidade tornou-se impossível. “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra, por isso, indo, fazei discípulos em todas as nações...” (Mt 28.18).
Leb/ lebab, que os gregos traduziram por cardia e nós por coração, nos falam dos movimentos do corpo humano. Leb e sua variante lebab ocorrem 858 vezes nas Escrituras hebraicas, das quais 814 se referem ao coração humano. Expressam a noção antropológica de que somos movidos por sentimentos e emoções que movimentam e dirigem nossos membros e corpo. Têm a realidade anatômica e as funções fisiológicas do coração enquanto expressões das atividades do ser humano, que levam às disposições de ânimo como alegria e aflição, coragem e temor, desejo e aspiração, e também às funções intelectuais como inteligência e decisão da vontade, que na cultura ocidental atribuímos ao cérebro. Nas passagens do livro de Gênesis que nos falam do leb constatamos que a antropologia se apresenta como uma psicologia teológica. Assim, leb tem um significado antropológico que fala daqueles aspectos que nos levam aos movimentos do sentir, do querer e do agir, que compõem a personalidade humana.
Meod, que os gregos traduziram por dynamis e nós por força, aparece trezentas vezes nas Escrituras hebraicas, e traduz a idéia de intensidade e abundância. Em alguns textos, como no caso do crescimento do povo hebreu no Egito, meod aparece ligado à idéia de reprodução, de muitos filhos, o que nos leva a uma compreensão diferente do termo dynamis em grego, que nos fala de uma força física externa ao ser humano. Em hebraico podemos entender meod como potência, aquela força, aquela energia que faz de nós seres criadores, tanto no sentido biológico como intelectual. Seria potência que identifica o ser humano, capacidade de gerar que faz o humano crescer e multiplicar-se.
Mas, nefesh, que os gregos traduziram por psyché, mas que significa garganta, respiração, fôlego, pessoa, vida e alma, sem dúvida, nos fala da plenitude daquilo que é humano, conforme encontramos em Gênesis 2.7. Dessa maneira, nefesh possibilita um rico diálogo com o texto de Gênesis e nos permite uma reconstrução dos significados da natureza humana.
A expressão nefesh leva a uma concepção de exterior versus interior, que tem por base Deuteronômio 32.9, quando afirma que “uma parte de Iaveh faz seu povo”. Mobiliza assim em diferentes níveis essa força criacional, que constitui uma parte de Deus. A matéria-prima utilizada por Deus na modelagem humana é ordinária, enquanto material pertencente a ordem comum de “ló nefesh”: inanimados e animais. É o sopro de Deus que faz especial essa matéria ordinária. Mas será que estamos somente diante de um símbolo ou, de fato, a força criacional de Deus transmite à matéria ordinária não somente vida, mas transfere intensidade e profundidade? De certa maneira, não é absurdo dizer que os seres celestiais são criaturas integralmente espirituais. Sua existência procede do exterior da força criacional de Deus. A exteriorização traduz-se no fato de que a força criacional se dá através da palavra, da palavra criadora de Deus. Nesse sentido, nefesh procede da interioridade de Deus e por isso é conhecida como “ein sof”, que vem de seu interior. “Ele soprou” deve ser entendido como continuidade da afirmação anterior “façamos o ser humano” (Gênesis 1.26), de maneira que nefesh liga céu e terra, o que está acima e o que está abaixo. Por isso, dizemos que a natureza humana é superior à natureza angélica, porque procede da interioridade de Iaveh. Traduz ação mediadora e conjuntiva da força criacional. Donde, a natureza humana procede de atributos divinos não ostensivos, discretos, que se traduzem em integridade holística, pluralidade social, sabedoria, compreensão e abertura à transcendência. Nefesh entende-se e revela-se enquanto natureza que se torna compreensível e inteligível. É transbordamento e transparência do Espírito de Deus, que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em cima com o que está em baixo. Da leitura de Gênesis 2.7 podemos constatar que o texto fala de respiração e daquilo que o humano passa a ser: ele não tem uma nefesh, ele passa a ser uma nefesh.
O texto e o pensamento literário dos hebreus são sintéticos. Daí que a chave para chegarmos a uma compreensão analítica dele exige identificar com que parte do corpo o ser humano pode ser comparado e onde o agir humano faz interface com nefesh, utilizando para isso textos que apresentam diferentes sentidos de nefesh. Embora a expressão nefesh apareça 755 vezes nas Escrituras hebraicas e seja traduzida 600 vezes na Septuaginta por “psyché”, garganta e estômago podem ser tomados por paradigma e transmitem a idéia de necessidade, de algo difícil de ser saciado. Nesse sentido, a palavra alma nos dá uma tradução incompleta, pois a idéia é que “Iaveh Deus formou o ser humano do pó da terra e insuflou em suas narinas o seu hálito e o ser humano se tornou um ser vivente que necessita Dele para ser saciado”.
Nefesh não traduz algo bom ou mal, mas a realidade das necessidades fundamentais e imprescindíveis da alma humana, que ao não serem ou não estarem preenchidas por Deus produzem alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria. Mas como o sopro de Deus pode ter gerado um ser humano com tal índole de insaciabilidade? Se entendermos a nefesh como o órgão das necessidades vitais, dos movimentos emocionais da alma, somos levados a entender o pensamento sintético hebreu ao ver a nefesh como síntese da própria vida. Assim, as necessidades humanas criadas pelo próprio Deus só podem ser saciadas por Ele.
“Quem me encontra, encontrou a vida e alcançou benevolência de Iaveh. Quem não me acha, faz violência à sua nefesh. Todos os que me odeiam, amam a morte”. Provérbios 8.39 e seguintes.
No relato de Gênesis 2.7 o ser humano é definido como nefesh hayah, um ser vivente, que necessita ser saciado. Quando integrado ao seu Criador, nefesh é transbordamento e transparência do Espírito de Deus, que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em cima com o que está em baixo. Mas essa natureza também se vai constituir enquanto expansão dos significados da imagem de Deus, em graça e amor. “Ele soprou” traduz o fato de que as coisas do intelecto e do coração expressam-se através dos órgãos da fala, em especial, garganta e boca, que possibilitam o sopro. Nefesh como substantivo ganhou vários sentidos, sendo garganta um deles, e assim é usado em Provérbios 23.2, quando diz “põe uma faca à tua garganta, se fores uma pessoa de grande apetite”. A garganta ou goela é por onde entra e sai a respiração, o ar. O ser vivente, então, ganhou a designação nefesh, ser respirador. No caso do humano refere-se basicamente à forma que o espírito e a inteligência, sem forma em si, assumiu ao animar o corpo. Esse padrão simboliza a interioridade da natureza humana. Portanto, para que o humano possa dar intensidade e profundidade a sua inteligência precisa de amor e graça, que nascem da interioridade de Iaveh. Em Gênesis 2.7, “ele soprou” significa que Aquele que soprou o fez numa determinada direção e com objetivo definido. Aqui, direção e objetivo traduzem destinação.
Essa é a destinação do humano: ter sua nefesh integralmente saciada por seu Criador e a partir daí relacionar-se com Ele, com o universo, com seus semelhantes e consigo mesmo. Nesse caso, temos uma nefesh em equilíbrio, plena do Espírito de Deus, o que se traduz em integridade holística, pluralidade social, sabedoria, conhecimento e abertura à transcendência. A ruptura dessa integridade produz alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria. A antropologia da nefesh em Gênesis nos fala sobre a imagem de Deus e nos dirige a uma pesquisa teológica do humano, da humanidade, da pessoa e da comunidade, da pessoa e da ordem social, da pessoa enquanto excluído, da pessoa enquanto eleito, da humanidade e seu destino, ou seja, da vida para o mundo, do amor para o próximo e da criação para todos.
No centro da fé cristã se encontra Jesus Cristo, Deus e ser humano, revelador do divino e do humano. E se a teologia fala da divindade, ela fala a homens e mulheres, fala sobre um Deus que encarnou e que ama os homens e mulheres. Está a serviço do humano.
No livro das origens lemos: “agora vamos fazer os seres humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco. Eles terão poder sobre os peixes, sobre as aves, sobre os animais domésticos e selvagens e sobre os animais que se arrastam pelo chão”. (Gênesis 1.26). Ora, se todo o universo é o mundo do ser humano, conforme afirmam os dois relatos da criação e o salmo oito, em que sentido o ser humano é a imagem de Deus? Como Deus conferiu ao humano essa correspondência?
A partir da antropologia bíblica podemos ver que em primeiro lugar o homo sapiens é fruto de uma intervenção de Deus. Há uma concessão de encargo que diferencia o ser humano do resto da criação. Ele é apresentado como um momento sublime, especial, como um ser que coroa toda a ação criadora de Deus. Ele recebe responsabilidade e poder de decisão. Em relação a esta discussão, considero elucidativa a exposição que apresenta a imagem de Deus através de três concepções: substantiva, ou seja, física e psicológica; relacional, ou seja, com um tropismo à transcendência e possibilidade de relacionamento com Deus; e funcional, que se dá através da ação cultural do ser humano. Acredito, porém, que privilegiar uma dessas concepções em detrimento das outras duas é perder a riqueza do ser humano enquanto imagem de Deus. Por isso, aqui correlacionamos as três concepções, já que formam uma totalidade. Em segundo lugar, Deus deixa claro a finalidade da decisão de criar um ser pessoal, segundo sua imagem. Tal ser deverá ter uma relação especial com o restante da criação. Deus constrói e entrega ao ser humano sua criação. Este ser pessoal deverá estar sobre ela, numa relação de trabalho, produção e administração. O ser humano relaciona-se com a criação e através do uso e de suas descobertas em relação a ela, mantém uma permanente relação com Deus. Em terceiro lugar, a imagem de Deus é traduzida na relação que mantém com as criaturas, já que é uma relação de domínio. Ele reina sobre o universo produzido pelo poder criador de Deus. Mas aqui há um detalhe sutil: este direito de domínio não lhe é próprio, ele reina enquanto imagem de Deus. Ele não é proprietário, nem tem autonomia irrestrita sobre a criação. Imagem de Deus traduz também abertura à transcendência. Aqui estão dados os elementos que nos permitem entender porque faz parte da humanidade o abrir-se à transcendência e viver com ela. Há um deslumbramento permanente diante do absoluto, do sobrenatural e do mistério. Estamos diante de um ser que pode pensar o que não está aqui e agora, e que pode refletir sobre o que vai além da realidade factual. E é por poder pensar tais realidades que não podem ser vistas, que o ser humano enquanto imagem de Deus pode refletir sobre a eternidade e relacionar-se com o transcendente. Assim, ao ser feito imagem de Deus, o próprio Deus transfere à humanidade a capacidade de relacionar-se com Ele.
Adão é um ser plural. Esse ser humano de que fala Gênesis 1.26, que deve ser uma imagem de Deus, não é uma pessoa em particular, pois a continuação do texto fala que eles dominem. Assim, estamos diante da construção da humanidade e o domínio do universo não é dado a uma pessoa, mas a comunidade dos humanos. Ninguém pode ser excluído da autoridade de domínio dada por Deus à humanidade. Da mesma maneira, em Gênesis 1.27 temos uma outra característica fundamental dessa mesma humanidade: ela é formada por homens e mulheres. Para alguns teólogos, como Karl Barth, tal explicação de Gênesis 1.27b, de uma humanidade formada por dois sexos, é apresentada por Deus “quase à maneira de definição”. Logicamente, há uma intenção para que o texto bíblico se aprofunde em tais minúcias. É a de apresentar como o universo criado deveria ser administrado: através da convivência de seres que se completam e se amam. Ou seja, esse ser plural só poderia exercer o domínio através da comunidade, completando-se como homem e mulher.
E para onde aponta o domínio? Se toda o universo é o mundo do ser humano, há a total desmitização da natureza. Não há astros divinos, terra divina, nem animais divinos. Todo o universo pode tornar-se o ambiente do ser humano, seu espaço, que ele pode adaptar às suas necessidades e administrar. E como ele consegue isso? Através da cultura, enquanto processo social e objetivo de sujeição da natureza, e através da necessidade de expansão e domínio, pessoal e subjetivo, que é peculiar a todo homem e mulher livres. Mas, o afastamento de Deus fez com que a humanidade perdesse sua capacidade de ser imagem de Deus viva e eficaz. Seu caráter inicial está distorcido e o mal perpassa todas suas ações. Assim, o ser humano lançou-se ao domínio de seus iguais, inclusive através do derramamento de sangue; suprimiu o equilíbrio e a mútua ajuda entre homem e mulher; mitificou a ciência e técnica; e lançou-se à destruição da própria natureza. Cristo é “a verdadeira imagem do Deus invisível” (Colossenses 1.15, cf. 2a. Coríntios 4.4) e a Ele cabe fazer, a nível escatológico, aquilo que à humanidade tornou-se impossível. “Foi-me dado todo o poder no céu e na terra, por isso, indo, fazei discípulos em todas as nações...” (Mt 28.18).
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