vendredi 14 mars 2014

A hermenêutica do quadrívio e seus desafios

O quadrívio
E SEUS DESAFIOS HERMENÊUTICOS

Jorge Pinheiro, PhD

Ó Deus, oramos por tua Igreja, que está vivendo hoje em meio às perplexidades de constantes mudanças e se encontra diante de um novo e grande trabalho. Lembramo-nos com gratidão de como ela nos nutriu no começo de nossa vida espiritual, das tarefas que ela nos deu para que ficássemos mais fortes, da influência que recebemos das pessoas que ela reúne e do poder constante do bem que ela exerce. Quando a comparamos com todas as outras instituições, nós nos alegramos, porque não há nenhuma outra que se iguale a ela. Mas quando a julgamos com a mente de seu Mestre, nos curvamos com piedade e contrição. Batiza-a novamente no Espírito de Jesus! Permite que ela renasça, ainda que para isso tenha de passar pelas dores de parto do arrependimento e da humilhação. Dá-lhe sensibilidade maior para seus deveres, compaixão mais intensa pelo sofrimento e lealdade total para com a vontade de Deus. (...) Dá-lhe força para aceitar a causa do povo e para reconhecer nas suas mãos, que tateiam em busca da liberdade e da luz, as mãos feridas de Cristo. Ordena que ela pare de procurar sua própria vida, para que ela não a perca. Dá-lhe coragem para se dedicar à humanidade, e, como o Senhor crucificado, que ela possa andar pelo caminho da cruz em direção a uma glória mais alta.
Oração Pela Igreja, do teólogo Walter Rauschenbusch.

1. Que desafios são esses?

Ao percorrer os caminhos da brasilidade, ao longo dos últimos cinco séculos, podemos encontrar as raízes que explicam a miséria da nação. As bandeiras da emancipação, da democracia e da justiça social continuam presentes hoje com tanta força como em épocas passadas. Essas bandeiras, sociais e políticas, traduzem a fragilidade do cristianismo no Brasil, que no correr das últimas décadas parece ter crescido muito, mas pouco tem feito em relação aos miseráveis e excluídos.

No entanto, essas bandeiras emancipatórias são indissociáveis do cristianismo e da ética do amor cristão. E precisam ser vividas, enquanto tradução do cristianismo que professamos.

Ética cristã e democracia não são excludentes. Ao contrário, se completam e precisam ser vividas na Igreja e na denominação, se desejamos fazer a diferença, fazer com que o significado histórico do projeto marque nossa presença no futuro da nação.

2.  O texto bíblico e a hermenêutica

Jesus respondeu:

-- Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, passou pelo outro lado da estrada. Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo outro lado da estrada. Mas um samaritano estava viajando por aquele caminho e chegou até ali. Quando viu o homem, ficou com muita pena dele. Chegou perto e fez curativos, pondo azeite e vinho nas feridas. Depois disso, colocou o homem no seu próprio animal e o levou para uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, entregou duas moedas de prata ao dono da pensão, dizendo:
-- Tome conta dele. Na volta, quando eu passar por aqui, pagarei o que você gastar a mais com ele.
Então Jesus perguntou ao professor da Lei:
-- Na sua opinião, qual desses três foi o próximo do homem assaltado?
-- Aquele que o socorreu – respondeu o professor da Lei.
-- Pois vá e faça a mesma coisa – disse Jesus.
Parábola do bom samaritano, Evangelho de Lucas 10.30-37, versão da Bíblia na Linguagem do Hoje.

Dentro dos limites possíveis, vamos trabalhar com a teorização produzida a partir da hermenêutica patrística, que chegou ao seu momento mais alto com a lectio scolastica e lectio divina da escolástica de Tomás de Aquino. Essa hermenêutica que ficou conhecida como quadrivium, parte da compreensão de que o texto ensina os fatos, a alegoria projeta em direção à teologia, o sentido ético mostra o que se deve fazer e o sentido anagógico aponta para o que tende a ser.

Quadrivium é uma palavra latina derivada da junção de duas outras: quattuor, que significa quatro, e via, que quer dizer caminho. Temos assim, quatro vias, quatro sentidos, quatro caminhos. Quadrívio/quadrivium é então encruzilhada em forma de + e, por extensão, lugar freqüentado, praça pública. Mas quadrívio é também hermenêutica.

O sentido primeiro ou sentido literal do quadrívio apresenta fatos e acontecimentos. O sentido simbólico traduz verdades teológicas do texto percebido primeiramente em seu sentido literal. O sentido ético diz respeito àquilo que o crente deve fazer. E por último, o sentido escatolõgico aponta para os fins últimos.

É claro que esses quatro sentidos formam um processo, que vão num crescendo, embora cada um dependa do outro. Assim, é preciso guardar-se da simplificação das categorias. Quando a exegese é fraca e desprezamos o sentido literal, o sentido simbólico que leva ao teológico, tende a descolar-se da realidade produzindo conclusões disparatadas. E se não entendermos o sentido teológico, da mesma maneira, o fazer ético deixa de ser objetivo e prático. Por fim, quando não vivemos o sentido ético, o escatológico passa a ser um sonho, ou um pesadelo, por não ter relação com a vida cristã.

Os caminhos do quadrívio

A tomada de decisão na vida pessoal e social é uma exigência constante. Vivemos sob um bombardeio de encruzilhadas. Quando possuímos desejo de mudança, advindo dos erros cometidos, postura e atos mudam a vida até aqui levada. Invertem-se então os papéis. De qualquer maneira, é incontestável o defrontar-se com a necessidade de solucionar difíceis questões no correr de nossa vida.

Nossas perplexidades diante das circunstâncias e do mundo têm sempre solução na encruzilhada da cruz, que nos apresentam caminhos novos a percorrer. Mas o sentido desse caminhar é desafiador.

A encruzilhada surge quando precisamos percorrer os quatro caminhos que nos levam à mudança: a escolha de opções, a renúncia da indiferença, a renúncia do status quo e a escolha da pessoa.

O primeiro caminho é o da opção ou a via das opções

É preciso ter em mente que a partir do momento em que tomamos esse caminho, temos as opções práticas de escolha para a decisão.

Quando estamos diante de um desafio, estamos também diante de alternativas de escolha, quer seja uma só ou várias. Toda opção exige liberdade de escolha, preferência, tomada de decisão. Por isso é tão difícil.

Mas, diante da indecisão, temos de escolher dentre as opções a que melhor soluciona o desafio que se levanta diante de nós. Quando entendemos isso, já demos o primeiro passo no caminho das opções. E esse primeiro passo é um progresso.

Quando tomamos uma decisão é preciso refletir até que ponto ela é inquestionável. Quando descobrimos sua incontestabilidade as dificuldades tornam-se mais fáceis de serem resolvidas, porque temos a convicção de que a melhor opção já foi tomada. Mas ainda faltam caminhos a percorrer.

O segundo caminho é o da renúncia à indiferença

Renúncia a tomar posições é uma tentação presente em nossas vidas. É algo demoníaco e só se justifica em casos não vitais e passíveis de aprazamento. Muitas vezes, renunciamos à tomada de decisão quando ela nos parece traumática, não cabível ou impossível à primeira vista, assim protelamos porque nos traz um aparente conforto. Mas, na maioria dos casos, este é o pior caminho. Através dele ignoramos a decisão e optamos pela indiferença: fingimos que a decisão não se refere a nós e preferimos não enxergá-la.

Normalmente, quando ignorarmos a decisão, a situação tende a se complicar ainda mais. Além, é claro, da possibilidade de sermos considerados covardes e irresponsáveis por aqueles que nos observam.

Ao escolhermos a via da renúncia à indiferença, procuramos mudar o cenário da decisão a fim de mudar paralelamente as opções de escolha. Ao percebermos que as opções disponíveis não bastam ou não nos atende de maneira satisfatória, procuramos uma mudança nas premissas que estabeleceram a decisão. E é esta situação que nos leva ao terceiro caminho.

O terceiro caminho é o da renúncia ao status quo

Quando trilhamos o caminho das opções e avançamos através da renúncia à indiferença somos, muitas vezes, desafiados a fazer um terceiro caminho: percorrer a via da resignação da dignidade de posições aparentemente inquestionáveis. Renúncia aos privilégios do status quo é isso... sacrifício para que possamos superar circunstâncias e tomar decisões.

O quarto caminho é a escolha da pessoa

Quando nos deparamos com circunstâncias adversas, é fundamental que a escolha de opções e nossas renúncias nos levem à pessoa. É claro que os fatores externos precisam ser levados em conta, a mudança dos paradigmas pessoais é prioritária, mas se permanecermos neles como únicas bases para nossa escolha, o futuro será implacável. A criatura humana, imagem de Deus, ser consciente de si mesmo, senhor dos seus atos e, por isso, responsável por eles, é o quarto momento do quadrívio. Mas, esta pessoa é também unidade social que se expressa no agrupamento humano organizado. No caminhar, o caminhante faz o caminho. E esta é uma questão radical.

É isso que Jesus nos ensina nesta belíssima parábola do Bom Samaritano. E é por isso que ele finaliza a história dizendo:
-- Vá e faça a mesma coisa.

3. A ética do amor cristão

O cristianismo é em sua essência uma experiência transcendente ao nível da materialidade humana, uma experiência que acontece em todos os tempos e em todas as situações e é em si mesma independente de formas sociais e econômicas. Nesse sentido, o cristianismo não pode ser identificado com um tipo determinado de organização social, em detrimento de seu caráter transcendente e universal.

Mas, ao mesmo tempo, o cristianismo é portador de poder e oferece à humanidade uma mensagem de vida, de conhecimento e de verdade, tanto para a pessoa como particularidade, como para a sociedade como um todo. Exatamente por isso, apresenta-se como capenga toda forma de cristianismo que se fecha na pura interioridade.

Também não se pode dizer que o cristianismo é um movimento que mecanicamente parte da interioridade em direção à exterioridade, apropriando-se de formas culturais ou simplesmente passando ao largo delas. Na verdade, dá forma às expressões culturais e, concomitantemente, toma novas formas a partir delas.

A ética do amor, translúcida no texto de Lucas 10.30-37, leva o cristianismo a ter uma postura crítica diante da ordem social que se apóia na opressão e na exclusão social.

A ética do amor cristão faz a crítica da ordem social que está erigida sobre o egoísmo político e econômico, e proclama a necessidade de uma nova postura, na qual o sentido de comunidade seja o fundamento da organização social.

Essa ética denuncia o egoísmo pessoal e social, assim como as estruturas que mantêm e favorecem esse egoísmo, e que, em última instância, levam à exclusão de grandes parcelas de pessoas em nosso estado e em nosso País. A ética do amor, ao contrário, propõe uma parceria solidária onde a alegria não seja fruto do lucro, mas do próprio trabalho.

Da mesma maneira, a ética do amor cristão condena o egoísmo de grupo, quando fechamos nossa igreja entre quatro paredes, para não ver, sentir e sofrer com a miséria e a exclusão de homens e mulheres, que para nós são apenas paisagens dos cenários urbano e rural.

A ética do amor cristão condena o egoísmo que justifica a violência e o abandono. E, ao contrário, prega a submissão à idéia do direito à cidadania, à vida e à construção de uma consciência comunitária.

Não somos os primeiros cristãos a viver os tempos difíceis. A igreja no correr de sua história viveu tempos terríveis. Mas agora, no terceiro milênio da história cristã, somos mais uma vez desafiados. E tendemos a oscilar entre dois perigos: a desesperança, ou seja, viver como se Cristo nunca fosse voltar, ou esperar o clímax iminente da história humana. Em ambos os casos, caímos numa cilada, que é virar às costas para a realidade social.

É impressionante notar, que o Brasil ocupa um lugar de destaque em população cristã evangélica em todo o mundo. O que pode ter um significado estratégico para a causa da justiça social. Mas para que isso aconteça é necessário uma compreensão da ética cristã em relação próximo.

Omissão e indiferença, esses dois inimigos ameaçam o evangelho de Cristo. O primeiro deixa o amor ao próximo para depois, e o segundo está tão ausente que nem o próximo consegue enxergar. Por isso, precisamos desenvolver uma teologia que mostre às nossas igrejas que não existe cristianismo pleno sem compromisso social.

O amor cristão parte da compreensão de Deus. Ele é o Deus da justiça, é o Deus da misericórdia. Os cristãos em comunidade formam a igreja e ela é o corpo de Cristo na terra. É através da comunidade cristã que se dá o exercício terreno da graça de Deus.

Definida a necessidade de uma teologia e ética do amor, somos levados a estudar a viabilidade da prática dessa atividade cristã.

É importante ficar claro que nossa responsabilidade social deve levar em conta dois princípios: a justiça e a paz. Está claro que toda decisão a favor da justiça exige não somente uma decisiva postura cristã, mas coragem para renunciarmos ao status quo.

Posicionar-se no Brasil de hoje, a partir de uma ética do amor, implica em entender uma contradição essencial, que muito possivelmente só poderá ser resolvida no longo prazo: vivemos num país onde imperam a herança do autoritarismo colonial escravista (a ética da casa grande & senzala) e uma moral da sensualidade absoluta (a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador, vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”).

Do lado oposto, entendemos que o uso ególatra de bens e posses, a corrupção, a discriminação social e a depravação só produzem miséria e sofrimentos. Não dizemos que a pessoa brasileira está impossibilitada de criar e produzir coisas boas e belas, mas que esta ação é efêmera. Assim, temos um ser ambíguo (como o resto da humanidade), que produz uma cultura também ambígua, por vezes plena de beleza e criatividade, mas também maligna e destruidora.

Nossa atuação no campo social implica em entendermos a realidade cultural e optarmos por trilhar a via dolorosa das opções, das renúncias e do encontro com nosso próximo.

Só assim, a construção de uma ética do amor produzirá frutos eternos, que florescerão através dos anos para a honra e a glória do nosso Senhor. Por isso, não falamos de um momento, mas de um processo, que crescerá conforme cresça também a consciência ética, de que fomos chamados pelo Cristo para desenvolver uma tarefa histórica, juntos com os setores éticos da sociedade, que é o de transformar o Brasil num país onde todos tenham acesso a cidadania, à justiça e às condições dignas de vida.

4. O encontro com o excluído é encontro com a pessoa e sua espiritualidade.

A cultura brasileira, fruto direto da escravidão, tem um caráter mágico, fortemente empapado no maravilhoso. Isto se dá porque o dia-a-dia da pessoa brasileira está ligado à busca da transcendência. Nesse sentido, o elemento que vai além e ultrapassa o concreto do dia-a-dia do brasileiro é o transcendente.

Essa presença do maravilhoso caldeia toda a malha relacional, indo do brasileiro simples e pobre ao sofisticado e rico. No entanto, é preciso entender que o maravilhoso relacional da cultura brasileira não nasceu de um processo pacífico, mas violento, do choque entre o universo transcendental de brancos e a matriz sacralizadora da natureza, de índios e negros. A contra-reforma católica produziu genocídio indígena e escravidão negra, macerando o universo religioso de povos e nacionalidades. Mas nós não ficamos longe disso, já que assimilamos e aceitamos como paisagem cultural a exclusão resultante da escravidão.

A recuperação da história dos povos indígenas e do povo negro realizada enquanto tradição e cultura ligam-se à necessidade de conscientização da identidade brasileira. Aquele que esquece nega o esquecido, reprimindo ou suprimindo. A identidade está imbricada à memória. Evocar a memória é convocar e provocar, é transformar.

Dessa maneira, conhecendo e reconhecendo o negativo da cultura relacional brasileira, que se traduz na tentativa de esconder as injustiças sociais, podemos resgatar o que ela construiu de positivo. Afirmar a cultura à qual pertencemos é o primeiro passo para construir uma teologia que responda às necessidades da pessoa brasileira, compreender a identidade desse povo e a sua busca de felicidade e transcendência.

Fruto dessa cultura relacional e da presença evangélica estamos presenciando em nosso País a descoberta da realidade da vida espiritual e da dimensão religiosa.

Diante disso, sugerimos a formulação de uma prática que deve partir de duas tarefas: uma de negação e outra de afirmação.

1. A negação consiste em realizar a crítica da tendência à privatização da igreja. O Iluminismo rompeu a unidade entre existência religiosa e existência social. Por isso, a igreja acabou por refugiar-se na esfera do privado. Privatizou a mensagem da salvação e reduziu o exercício da fé à pessoa separada da vida social e do mundo em que vive. Para a consciência, determinada por essa teologia, as realidades social e política têm apenas uma existência efêmera. As categorias que essa teologia utiliza para explicar a mensagem cristã são as categorias do íntimo, do privado, do não social, do não político.

2. A afirmação consiste em desenvolver as implicações sociais da mensagem cristã. Não se trata de dar as costas ao problema levantado pelo Iluminismo, mas em responder teologicamente aos desafios, assumindo a tarefa de desenvolver uma nova relação entre teoria e prática. A Igreja pode e deve fazê-lo, pois as promessas escatológicas da tradição bíblica, de liberdade, de paz, de justiça e de reconciliação, não constituem um horizonte vazio na expectativa cristã, mas têm uma dimensão política, que é preciso fazer valer na sua função crítica do processo histórico-social.

Assim, na elaboração de uma prática, à igreja cabe a tarefa de proclamar o evangelho da salvação, exercendo função crítica diante da sociedade. A igreja pode e deve assumir essa tarefa. Esta tarefa deve ser exercida na defesa da pessoa e de sua pessoalidade -- que não podem ser vistas como paisagens de um cenário -- e na mobilização do poder crítico do amor que está no centro da tradição cristã.

A função crítica frente à exclusão e miséria e produzirá repercussões na própria igreja: promoverá uma nova consciência no interior da igreja e criará uma transformação das relações da igreja com a sociedade.

Mas, se deve haver uma ação para fora, deve também haver uma ação para dentro. Isto porque, herdamos em nossas relações sociais, religiosas e denominacionais o padrão autoritário. Tal padrão nos leva a transformar, conscientes ou não, a democracia em discurso ideológico, sem tradução prática com o conjunto da denominação, que não tem como eleger democraticamente, por voto direto e universal, os executivos de nossas empresas, definir mandatos, propor programas e apresentar candidaturas, chapas e programas para essas empresas e suas gestões. Reproduzimos assim o padrão autoritário, impossibilitando que jovens participem dele, que a criatividade e gente melhor capacitada participem do processo democrático da gestão e governo da denominação e suas empresas.

Por isso, podemos dizer que a ética do amor, democracia e transparência não são excludentes. Ao contrário, se complementam e precisam ser vividas também nas empresas da denominação, se desejamos fazer a diferença, fazer com que o significado histórico do projeto marque presença no futuro da nação.

Afinal, quando nos deparamos com circunstâncias adversas, é fundamental que a escolha de opções e nossas renúncias nos levem à pessoa. É claro que os fatores externos precisam ser levados em conta, a mudança dos paradigmas pessoais é prioritária, mas se permanecermos neles como únicas bases para nossa escolha, o futuro será implacável. A criatura humana, imagem de Deus, ser consciente de si mesmo, senhor dos seus atos e, por isso, responsável por eles, é o momento especial do quadrívio. Mas, esta pessoa é também unidade social que se expressa no agrupamento humano, denominacional ou não. No caminhar, o caminhante faz o caminho. E esta é uma questão radical.

É isso que Jesus nos ensina na parábola do Bom Samaritano. E é isso que ele enfatiza ao dizer:
-- Vá e faça a mesma coisa.

mardi 11 mars 2014

Entrevista -- Quando eu tinha 63 anos

Entrevista com Jorge Pinheiro*

Omar de L. Barros Filho*

VP - Você ainda é jovem. Políticos, jornalistas e escritores, em geral, escrevem suas memórias já tarde, quando o ocaso se aproxima. Por que você está lançando seu livro agora?
Jorge Pinheiro - Obrigado pelo jovem. Tenho 63 anos, saudáveis até agora, mas 63 anos nos levam a pensar no trânsito em direção à eternidade. Donde, começou a contagem regressiva. As idéias do livro partem de dois fatores, o papel da utopia socialista na minha vida e os demônios que infernizaram a minha juventude. Na verdade, como novela de memórias o livro tem dois personagens: eu mesmo e a utopia socialista. Quando falo utopia não estou menosprezando o sonho do socialismo, mas colocando-o num patamar de realização permanente, histórica e transhistórica. Ou seja, vejo o caminhar permanente da utopia, sinto o seu cheiro agradável, mas não necessariamente vou vivê-la como desejaria. E os demônios, seguindo Nietzsche, são os pecados da juventude que se tornam virtude na velhice. São os pesadelos que andam sempre ao lado dos sonhos. Nesse sentido, como qualquer texto biográfico, o meu livro tem função de exorcismo. Exorcizar fantasmas e demônios e ficar com a utopia geradora de novos sonhos. O livro é a primeira parte de uma trilogia esperada. É a minha história e a história da minha utopia, onde tudo o mais é cenário. É biografia, mas também ficção, pois sonhos e demônios são personificados, interferindo na vida do autor e de seu sonho maior.
VP - Qual o período de sua história pessoal que é abrangido pela obra que em breve será lançada?
Jorge Pinheiro - A história cobre os anos de 1969 a 1973. Ou seja, minha militância no Movimento Nacionalista Revolucionário/MNR, o primeiro exílio, a militância no Chile de Allende, a prisão depois do golpe de Pinochet e a condenação por fuzilamento. Se levarmos em conta que fui para o paredón para ser fuzilado e hoje posso contar a história para vocês, é fácil entender os demônios da minha história pessoal.
VP - Você sente algum tipo de nostalgia em relação ao período marcado pela ação política de 68, passados 40 anos do ocorrido?
Jorge Pinheiro- Vocês publicaram a coisa de semanas um ótimo artigo sobre Daniel Cohn-Bendit
http://www.viapolitica.com.br/artigo_view.php?id_artigo=58
, onde ele pede às novas gerações que esqueçam o Maio francês. Eu e minha mulher, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos, temos trabalhado bastante sobre esta questão. E, ao contrário de Cohn-Bendit, não negamos a contemporaneidade de 1968. Ao contrário, agradecemos a Deus por aquele kairós, enquanto esforço de ruptura com uma sociedade arcaica e sem sintonia com o novo que se avizinhava, e de construção de um socialismo democrático e revolucionário. Chamar o movimento de 68 de rebeldia juvenil é não entender a riqueza criativa do kairós histórico é negar as lutas que partiram de estudantes e trabalhadores da França em direção aos EUA, Itália e Alemanha, e jogar no lixo as lutas entre o capital e o trabalho, as guerras do Vietnã, Laos, Camboja e as insurreições populares no Chile, Portugal e Nicarágua. Não tenho nostalgia, porque não situo minha ação no passado, mas no presente, enquanto ativista político-social que sou. O Maio francês abriu um novo momento na história do planeta e não se limitou à Europa. Espraiou-se pelo mundo. E minha vida política, quer no Brasil, no Chile, na Argentina e mesmo na Europa, esteve correlacionada ao Maio francês. Aprendi desde pequeno que não se cospe no prato em que se come. Creio que cresci em relação à minha ingenuidade militante e juvenil, mas isso não significa negar os momentos nobres e poderosos da minha militância nos anos 60 e 70. Minha conversão ao cristianismo, que é um ato de fé no sacrifício do Cristo, de forma nenhuma implicou um abandono de minha consciência política. Nós, batistas, consideramos inalienável a liberdade de consciência e acreditamos que cada pessoa é livre perante Deus em todas as questões de consciência. Nesse sentido, sou um utópico: acredito que devo me posicionar a partir de uma ética da responsabilidade social. Isso implica entender o paradoxo da multicultura relacional brasileira: vivemos num país onde impera a moral autoritária do senhor, da casa grande e da senzala, e a moral libertária da contracultura – a moral do “não existe pecado do lado de baixo do Equador/ vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor”. Por isso, qualquer atuação no campo social implica compreender esta realidade. Mas, consciente de que as sociedades devem se organizar através de relações democráticas considero que a igreja na América Latina tem como desafio embasar seu compromisso no imperativo protestante: liberdade, conhecimento e justiça.Tal processo se expandirá conforme cresça a consciência de que temos a tarefa de transformar o Brasil num país onde todos possam acessar condições dignas de vida e justiça social. E, logicamente, todo o continente.
VP- Como ocorreu o processo vivido por você -- um militante marxista radical considerado perigoso pela ditadura militar brasileira -- de rompimento com sua política e o posterior encontro com o cristianismo, a Igreja Batista, a teologia? Como você lida com essa questão hoje?
Jorge Pinheiro – Jesus proclamou a chegada do Reino de Deus, que é um reino de justiça, paz e alegria. É bem verdade que, muitas vezes, o cristianismo tem deixado a proclamação do Reino de Deus de lado e procurado viver sob a tutela do reino deste mundo. Mas, só para mostrar o envolvimento cristão protestante na transformação do mundo, vou me remeter à história da militância cristã na Inglaterra do século XVIII. William Wilberforce e William Pitt são nomes conhecidos na Inglaterra, mas não entre nós. Amigos desde a universidade, esses dois homens, no século 18, chegaram ao Parlamento no início dos seus vinte anos. Pitt elegeu-se primeiro-ministro e ganhou o apelido de "o jovem", para diferenciá-lo do pai, que também ocupara o cargo. E resolveu implantar um projeto político audacioso: acabar com o tráfico de escravos, liderado pela Inglaterra. Projeto difícil, pois a maioria dos parlamentares estava direta ou indiretamente ligada ao tráfico. Pitt convocou Wilberforce para ajudá-lo na tarefa. E foi assim que dois movimentos marcaram a Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. Em 23 de fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido, graças à intensa militância cristã e política de Wilberforce. A partir desse momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton, pertenciam a um pequeno grupo protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros de Londres. Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não-conformistas, e através da publicação de literatura, realização de palestras e mobilizações de rua, foi responsável por algumas das manifestações sociais mais importantes da Inglaterra. Em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o império britânico. O significado dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro, estrategicamente ligado à Inglaterra, através de três intelectuais: Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e Luiz Gama. Nabuco, que era diplomata, se inspirou no cristianismo militante de Wilberforce para organizar o movimento que levou a monarquia brasileira a aprovar a Lei do Ventre Livre. Somada à pressão britânica, a militância de Nabuco contribuiu para determinar a abolição da escravatura, em 1888.Junto com as campanhas abolicionistas, as reformas trabalhistas mobilizaram outros intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow (1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e ao surgimento do movimento social cristão inglês. Assim, os protestantes deram início ao movimento social inglês. Homens como Ludlow, Kingsley, Maurice e Hughes criaram o socialismo cristão na Inglaterra. Com plena consciência do que estava fazendo, Maurice afirmou “a necessidade de uma reforma teológica inglesa, como meio de evitar uma revolução política e de trazer o que de bom existe nas revoluções estrangeiras, tem estado cada vez mais impresso no meu pensamento”.O movimento inglês repercutiu com força nos Estados Unidos. E, apesar da visão escravista de muitos protestantes estadunidenses, como Richard Furman, líder batista da Carolina do Sul, que, de certa forma, traduzia o sentimento generalizado entre os grandes fazendeiros sulistas, no norte surgiu um forte movimento protestante contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher. Um romance marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura mundial: “A cabana do pai Tomás”, de Harriet Stowe. Numa leitura escatológica milenarista, Harriet Stowe considerava que a escravidão não era apenas um pecado do Sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria nacional. No livro, atacava a consciência nacional escravista na esperança de que uma purificação da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina. É interessante que o argumento de Wilberforce, exposto em suas campanhas, sobre a inviolabilidade do conceito de que todos os homens são iguais, foi usado pelo presidente estadunidense Abraham Lincoln no ato de 1863, que aboliu a escravidão nos Estados Unidos. Lincoln, cujo mandato se desenrolou em meio à Guerra de Secessão, compartilhava a visão de Wilberforce de que era uma imoralidade possuir um outro ser humano e citava o inglês em seus discursos.Com a guerra, veio a vitória do norte e a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a discussão sobre a industrialização do país, os danos humanos, misérias e exclusão que produzia entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social, evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que produziu uma obra até hoje famosa, “Em Seus Passos Que Faria Jesus?”, e o pastor batista Walter Rauschenbusch.Rauschenbusch (1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combinava a doutrina bíblica da responsabilidade social e os socialistas utópicos. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos.“Nossa economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso. Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a mais importante de todas. A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz”, afirmou em “Christianity and the social crisis”.No mesmo livro, dizia que “nada dará a classe trabalhadora uma compreensão real de seu status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela (a organização fraternal da sociedade) necessita da sustentação firme da classe trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. A classe trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem”.Acho que estou em boa companhia, principalmente quando me lembro do companheiro Martin Luther King Jr., pastor batista, e um dos maiores militantes da causa social em todos os tempos.
VP - Como essa crise e a superação dela aparecem no livro? A revolução e Cristo ainda caminham juntos na América Latina? Por quê?
Jorge Pinheiro – Hoje, na América Latina, muitos intelectuais, pastores e teólogos protestantes estão organizados ao redor de projetos político-sociais. Mas, logicamente, a preocupação primeira das igrejas protestantes é com a vida espiritual das pessoas e sua renovação em Cristo. Hoje, não poucos evangélicos atuam inspirados na fé cristã em movimentos populares, sindicatos, partidos políticos e ministérios de ação social de suas igrejas. E, em relação ao nosso país, atuar politicamente já faz parte da vida dos protestantes brasileiros. Em termos de organização, vou falar de dois movimentos que, embora novos, têm fermentado positivamente o solo militante evangélico. O primeiro é o movimento da Missão Integral, que procura envolver as igrejas locais com o compromisso social. Na visão da Missão Integral, da qual faço parte e sou um dentre muitos teóricos, a proclamação do Evangelho tem conseqüências sociais quando olha o ser humano como totalidade. Assim, a teologia da Missão Integral busca a justiça social porque entende a fé como intervenção política, material e espiritual, e acredita que a transformação das pessoas e as mudanças estruturais estão correlacionadas. E porque acreditamos que o ser humano é a imagem de Deus, a Missão Integral é uma teologia para aqueles que carecem de bens e possibilidades, mas que, como os demais, são imagem de Deus. Os despossuídos de bens e possibilidades têm conhecimento, habilidades e recursos. Tratá-los com respeito significa propiciar condições para que sejam arquitetos de mudança em suas comunidades, ao invés de impor soluções. Trabalhar com os despossuídos e expropriados envolve a construção de relações que conduzem a uma mudança mútua. E, para a Missão Integral, quem pode e deve atuar assim são as igrejas locais. O futuro da missão integral se define, pois, em termos de capacitar as igrejas locais para que transformem as comunidades das quais fazem parte. As igrejas, como comunidades de cuidado e inclusividade, estão no coração do que significa fazer missão. As pessoas são, em particular, atraídas à comunidade cristã antes de serem atraídas pela mensagem cristã. Esse jeito de produzir inclusão social nasce de baixo, nasce nas igrejas, traduz uma teologia do Reino de Deus, comunitária, a experiência de caminhar com as comunidades. Olhando assim, a igreja não é meramente uma instituição, mas comunidade na qual se concretizam os valores do Reino de Deus. A participação dos despossuídos e expropriados na vida da igreja leva a encontrar novas maneiras de ser igreja no contexto da cultura brasileira. Dessa maneira, a Missão Integral, que hoje envolve centenas de igrejas evangélicas brasileiras, é uma teologia social. Tal atividade se amplia para incluir avanços até a transformação de valores, a valorização das comunidades e a cooperação em questões de justiça. Em sua presença entre os despossuídos e expropriados, a igreja está numa posição singular para restaurar a dignidade das pessoas, apresentando valores que produzem recursos e criam redes de solidariedade. Mas os problemas continuam presentes, por isso toda ação de transformação é permanente. Temos problemas políticos e sociais, como pobreza, violência, corrupção. Má qualidade dos serviços públicos nas áreas de educação e saúde, agressões contra o meio ambiente. Por isso, num momento em que a visibilidade e o reconhecimento da presença protestante reclamam expressões políticas de responsabilidade e serviço, nós, ou seja, um grupo de evangélicos de igrejas diferentes e de diferentes partes do Brasil, estamos atuando na construção de um movimento chamado Evangélicos pela Justiça.Bem, você deve estar pensando, mas por que dois movimentos: Missão Integral e Evangélicos pela Justiça? Considero que a Missão Integral, que hoje já é estudada como matéria em muitas faculdades de teologia, visa atuar através das igrejas, sugerindo programas e propostas para estas atuarem nos lugares onde estão implantadas. Aqui, então, o agente é a igreja local: agente de transformação social. Já no caso do movimento dos Evangélicos pela Justiça desejamos ter neste primeiro momento uma atuação conscientizadora sobre os formadores de opinião do mundo protestante. Ao mesmo tempo, temos uma preocupação definitivamente política, pois queremos uma alter sociedade, que supere o capitalismo e suas orientações ideológicas, o neoliberalismo e as chamadas terceiras vias. Trata-se de meta histórica e estratégica, que necessita de um programa de transição, e que envolverá contribuições de dentro e de fora do campo protestante. Mas, acima de tudo, não é um projeto que envolva a criação de um poder evangélico ou apoiado na religião. Por isso, nós, os Evangélicos pela Justiça, rejeitamos os modelos de fusão entre instituições religiosas e poder político. Não porque consideramos a política indigna ou contrária à mensagem do Reino de Deus, mas porque acreditamos que as instituições políticas de uma sociedade democrática devam ser construções históricas, pactuadas entre pessoas de qualquer fé ou de nenhuma fé. E que o papel dos cristãos é testemunhar de sua fé também nas questões sociais e políticas. Assim, a luta contra a globalização excludente e suas formas de legitimação ideológicas, seculares e religiosas, conservadoras ou progressistas, é um projeto que exige estratégia histórica, que vai além das confissões religiosas, remetendo à aspiração de uma humanidade livre e democrática. Mas é um projeto legítimo para quem vê a fé cristã como chamado ao compromisso com a libertação de todas as formas de escravidão, opressão e discriminação, que negam nos seres humanos a imagem de Deus e nos impedem de um encontro com nosso Criador. É isso aí.

Omar de Barros Filho é jornalista, tradutor e editor do site

www.viapolitica.com.br
Leia mais sobre eles em:
www.viapolitica.com.br/anima_view.php? id_anima=65
http://www.tlaxcala.es/pp.asp?lg=po&reference=5134

Sobre um certo jornal




 Terça-feira, 11 de Março de 2014 | ISSN 1519-7670 - Ano 17 - nº 789


VERSUS
Sobre um certo jornal

Por Jorge Pinheiro em 25/08/2009 na edição 552

Numa primeira olhada era um jornal da contracultura, de linguagem mítica, que tinha como referência a América Latina. A partir dessa linguagem viveu a política sob novas perspectivas. Passou, por exemplo, a editar um caderno dedicado à questão negra, "Afro-Latino-América", que se tornou um espaço de resistência do movimento negro. Tornou-se também uma embaixada de exilados latino-americanos, que chegavam atraídos por sua linguagem continental.

Era grande o seu prestígio entre artistas e intelectuais. Nomes como Milton Nascimento, Chico Buarque, MPB-4, Simone e o grupo Tarancón participaram de um show de apoio ao jornal, com a presença de 15 mil pessoas, transmitido por sistemas de som para outras 20 mil no congresso alternativo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no segundo semestre de 1977, em São Paulo.

Marcou época, junto com outros jornais e revistas da imprensa alternativa, nos anos 1970. Foi criado por Marcos Faerman, que na época trabalhava no Jornal da Tarde. O primeiro número saiu em outubro de 1975.

Vez e voz

Em janeiro de 1978, recém-chegado de meu segundo exílio, depois de passar um ano na Europa a observar e participar da organização de partidos socialistas na Espanha e Portugal, entrei para o jornal.

"Alguns boatos corriam nas mesas dos botequins de São Paulo. Entre um suspiro e outro se comentava: o pessoal do Versus recebeu dinheiro da social-democracia européia, há uma fita gravada que comprova tudo." [Ênio Bucchioni e Omar L. de Barros Filho, "O editorial dos editoriais", São Paulo, Versus nº 28, janeiro de 1979, pp. 3-9]

Nascia o ano de 1978 e, com ele, uma indagação para a equipe. Um desafio: a hora era da discussão de perspectivas. E textos especiais foram publicados: Chico Pinto, José Álvaro Moisés, Fernando Henrique Cardoso. O tema da discussão eram os novos partidos. E pensamos o passado. Vimos que ao movimento popular de 1964 faltaram lideranças. E como colegas escreveram, era um movimento de base frágil, a receber inspiração de fora. Foi abandonado, sem esboço de reação de seus líderes. Entre as lideranças faltosas estava a figura de um ex-presidente.

Foi assim que o jornal correlacionou contracultura e discurso político. Passou a discutir conjuntura, a se identificar com correntes que pensavam a construção da democracia. E sonhou o socialismo: Almino Affonso, Edmundo Moniz, Plínio de Arruda Sampaio, a Tendência Socialista do MDB no Rio Grande do Sul tiveram voz e vez. Mas o jornal entendeu que a questão política era questão nacional, mas também global, onde entravam estudantes, mulheres, negros, índios e trabalhadores.

Jornalismo autônomo

O jornal se pautou, então, por uma ética do companheirismo que nascia da filosofia da práxis. E fez da autonomia crítica diante da autocracia do regime sua perspectiva de ação contra o egoísmo econômico e político. Proclamou a necessidade de uma nova ordem, na qual o sentido de comunidade fosse o fundamento da organização social.

Tal ética fez a denúncia do egoísmo da economia das multinacionais e dos governos latino-americanos que a elas serviam e levavam à expropriação de muitos em benefícios de poucos. Propôs uma economia solidária onde a alegria não fosse meramente fruto do ganho, mas do próprio trabalho. E condenou o egoísmo de classe, onde cada qual procurava enriquecer através da exploração do próximo, e as consequências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite.

Mas condenou também o egoísmo internacional do comércio e da força, que justificava a violência e a guerra sobre povos, nações e continentes. Assim, pregou a submissão das nações, fossem ricas ou pobres, à ideia do direito e à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que levasse a um internacionalismo real entre as nacionalidades.

Apesar de ter uma ética que repousava sobre a filosofia da práxis, o jornal entendeu que, no Brasil, a alma da unidade espiritual é a religião, e que o fracionamento espiritual característico da segunda metade do século 20 no país traduzia fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E que qualquer processo cultural de unidade futura levaria a uma nova base de unidade e solidariedade econômica e social.

Nesse sentido, viu que havia na realidade brasileira e latino-americana um processo de desenvolvimento que se realizava de forma desigual na história do continente, mas que combinava mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais circunstâncias, considerou que o jornalismo autônomo e crítico frente aos poderes estava eticamente obrigado a fazer uma escolha: ou participava do processo, inspirando e atuando a favor desse desenvolvimento, ou se retraía e entrava em processo de caducidade ao afastar-se da vida real das comunidades.

Nova esquerda

Levantou, então, a bandeira da construção de um amplo e democrático Partido Socialista, que deveria partir, para isso, das "leis vigentes no país, que consideramos restritivas, não democráticas e antipopulares. Lutamos para que esse partido seja construído através de uma ampla e livre discussão interna, que integre todos os que se reclamam socialistas, organizando núcleos de base por locais de trabalho" [Ênio Bucchioni e Omar L. de Barros Filho, idem, op. cit., p. 8].

Procurou somar contrários não antagônicos em direção ao sonho maior. E assim construiu uma maneira profética de fazer jornalismo: integrou três linguagens como forma de ação, a da contracultura, a reflexão sociológica e a discussão da instância diretamente política.

Tal presença contracultural e política na vida de milhares de brasileiros, principalmente daqueles envolvidos com a democratização do país, fez do jornal um bastião avançado nas lutas pelas liberdades democráticas.

"Estivemos na linha de frente na campanha pela Anistia e pelas liberdades democráticas, reclamadas pela população brasileira. Fomos duramente atingidos pelos vários organismos repressivos do regime, inclusive com as prisões de alguns companheiros da redação, administração e colaboradores. Fomos sufocados financeiramente, e houve momentos em que a sobrevivência material diária ficou em mãos de nossos amigos e companheiros. No entanto, permanecemos e nos transformamos, nesse terceiro ano de vida, o mais agitado, sem dúvida. Ousamos nos entranhar na realidade social e política, e nos definimos. Acreditamos na profundidade de nossos ideais e estamos convencidos de rumar no mesmo sentido da história, sendo uma de suas parcelas vivas e atuantes." [Ênio Bucchioni e Omar L. de Barros Filho, ibidem, op. cit., pp.3-9.]

Sua produção jornalística remeteu ao pensamento da intelectualidade socialista da época. O debate de ideias traduziu força e formatou um dos pólos da nova esquerda: o ideal do convergir sem diluir-se em estruturas.

Dessa maneira...

Versus, versus 
Li a linha 
Geisel já vai tarde 
Entrei na fileira 
Cresceu a revolta 
Marchei na coluna 
Levantei fuzis de reconstrução 
Versus, versus 
É canto e dança!

...foi e ainda é fonte para a compreensão do pensamento socialista da época e da nova esquerda em particular.

*** Jornalista e escritor





Berit, um conceito histórico-genético

Aliança
Um conceito histórico-genético 


Prof. Jorge Pinheiro, PhD
Faculdade Teológica Batista de São Paulo
Teologia do Antigo Testamento

Metodologia e definição

Quando se estuda a religião de Israel, questões referentes à revelação e ao surgimento de determinados conceitos teológicos vêm à tona. Duas fortes correntes teológicas tentaram nos últimos duzentos anos apresentar respostas para essas questões. Uma apriorística, colocando a ênfase exclusivamente na revelação, e outra empirista, vendo a religião de Israel como fruto da experiência cultural e religiosa dos povos vizinhos.

Essas duas correntes, embora tenham armazenado um arsenal considerável de informações, que não podem ser descartados, pecam ao nível da metodologia. Não levam em conta que todo conhecimento pressupõe uma elaboração nova, e exige do estudioso jamais esquecer as duas caras de qualquer processo social e histórico. A primeira dessas facetas está diretamente ligada ao homem, enquanto sujeito, se dá no terreno formal, e só se torna necessária depois de elaborada. A outra cara dessa moeda, acontece ao nível do objeto, no terreno do real, e possibilita a conquista da objetividade.

Assim, o que precisamos entender é como se dá a origem de um conhecimento específico, ou de uma estrutura nova. Em primeiro lugar, seria um erro, afirmar que uma nova estrutura pode ser fruto único de um processo exclusivo, apriorístico, revelado ou inato. Ou, ao contrário, que repousa em características preexistentes do objeto. Em ambas os casos, o erro consiste em definir o conhecimento como predeterminado, quer por estruturas internas ao sujeito, quer por características preexistentes no objeto. Descarta-se, assim, o conhecimento enquanto construção efetiva e contínua.

O que acontece é que o conhecimento não começa com um sujeito plenamente consciente de seu ato histórico, nem de realidades definidas a priori. Resulta sim de interações que surgem da combinação de múltiplos fatores, que vão criando dependência e novas relações. Não é um intercâmbio entre formas diferentes, mas a construção de realidades com plasticidades inteiramente novas.

A este processo de surgimento de novas estruturas chamamos revolução. Isto porque são novas construções de conhecimento e não evolução ou reforma de uma estrutura já conhecida. Aqui, temos crise e ruptura de estruturas e conhecimentos anteriores, gerando fatores que criam novas relações e novos equilíbrios. Nesse processo haverá sempre um ou vários desequilíbrios iniciais, uma crise epistemológica, que rompe esquemas definidos, gerando movimentos que parecem estar fora do controle do sujeito.

Em relação à religião de Israel assistimos a essa revolução epistemológica na própria formação da aliança. Na construção dessa realidade, movimentos ao nível do indivíduo e da sociedade patriarcal desencadearam processos que revolucionaram o próprio conceito de religião e, por extensão, mudaram a face da fé no mundo.

Neste trabalho queremos mostrar como esse processo se desenvolveu e se realizou. Mais do que escrever a história da aliança abraâmica a intenção é definir uma metodologia de trabalho, que possibilite ao estudante entender o processo que gerou novas estruturas na religião de Israel e a partir daí compreender a afirmação de Kaiser, quando diz que “a natureza da teologia do AT (...) não é meramente uma teologia que está em conformidade com a Bíblia inteira, mas é aquela teologia que se descreve e se contém na Bíblia (...) e conscientemente vinculada de era em era, enquanto todo o contexto antecedente e mais antigo se torna a base para a teologia que se seguia em cada era. Sua estrutura é disposta historicamente, e seu conteúdo é exegeticamente controlado. Seu centro e conceitualidade unificada se acham nas descrições, explanações e conexões textuais”.[2]

Assim, a aliança sinaítica, ou mosaica, surgirá como um fenômeno de consolidação em relação à aliança anterior. É, na verdade, uma normatização. E o movimento liderado por Esdras, no período pós-exílio, é um momento de reforma. Aliás, convém notar que o judaísmo, alavancado por Esdras, é um movimento reformista dentro da religião de Israel. Outro revolução epistemológica acontecerá depois, no bojo da guerra dos macabeus. Entender esse processo, é definir o movimento de uma metodologia que leva à compreensão da religião de Israel e, por extensão, dos fenômenos sociais e históricos que eclodiram com o surgimento do cristianismo.

A tradição bíblica apresenta os pais da humanidade e os patriarcas como monoteístas. Adão, Sete, Noé, Abraão e seus descendentes conheciam Elohim e guardavam seus preceitos. O politeísmo surge como degeneração e distanciamento do Deus criador. Essa visão, ainda hoje, prevalece no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, e era hegemônica em toda a cultura ocidental até há duzentos anos. No entanto, a partir de Darwin, e do desenvolvimento das ciências naturais no século 19, essa crença foi seriamente abalada.

O criticismo clássico

A visão clássica da crítica bíblica, da qual J. Wellhausen é um dos expoentes, parte dessa postura empiricista e considera que a profecia clássica foi a fonte do monoteísmo israelita. Na verdade, para Wellhausen, os profetas literários criaram o monoteísmo ético, e a Torah é apenas a formulação sacerdotal-popular posterior do pensamento profético.

É importante notar que a hermenêutica crítica vê a Bíblia apenas como objeto histórico, fonte preservada de informações sobre a cultura e história dos hebreus. Assim, as bases de sua metodologia repousam sobre um arcabouço que combina racionalismo alemão, historicismo e idealismo filosófico. Em outras palavras, esta corrente que caracteriza a crítica acadêmica do século 19, considera a Bíblia, e no caso o Pentateuco, não como a palavra do Deus transcendental e imanente, que apresenta ao homem sua vontade e suas ações sobrenaturais, mas um documento histórico e textual, embora invulgar, que deve ser estudado à luz de outros textos religiosos, da história, da poesia e dos mitos dos povos vizinhos a Israel nos dois milênios que antecedem a Jesus Cristo.

O criticismo está preocupado com questões de autoria, data, circunstâncias, estilo e desenvolvimento do pensamento. O conteúdo da revelação tem valor secundário. Como conseqüência, esta postura leva a dois problemas: em primeiro lugar nega a história bíblica, como está apresentada no texto sagrado, e em segundo lugar propõe alterações em sua mensagem, a fim de que reflita o desenvolvimento do pensamento religioso.

Ao contrário, acreditamos que qualquer análise do surgimento da religião de Israel deve partir do homem Abraão e de seu contexto histórico e social. O mundo de Abraão é um mundo objetivo, não mitológico, e a aliança com o Deus Eterno a chave para entendermos todo o processo. Na primeira parte de nosso trabalho focalizamos a questão da aliança, como momento fundamental para a compreensão do livro de Gênesis e do Pentateuco, como um todo, já que nesses cinco livros estão as bases formais e necessárias da religião de Israel.

Mas, ao falar de aliança, colocamos em pauta uma outra pergunta: existiu entre o conhecimento formal de Abraão e a realidade histórica e social desse patriarca algum ponto de partida comum, algum elemento apriorístico? É claro que sim. E esse elemento, na questão da aliança, é o processo revelatório. Essa participação revelatória deve ser entendida como diferente das características inatas do sujeito, que estão ligadas aos sentidos, ao sistema nervoso e pertencem à ordem estrutural do sujeito. Já o processo revelatório, que abre caminho para um conhecimento novo, realiza-se ao nível da organização funcional. Caracteriza-se por ser ilimitado em sua possibilidade de construir noções e, acima de tudo, sobrepassa, vai além das informações sensíveis.

Apesar de seu empirismo, a crítica bíblica nos fornece uma série de informações que devem e precisam ser levadas em conta. O material colhido no campo da história, arqueologia, lingüística, sociologia e religião são imprescindíveis para entendermos o texto sagrado em seu contexto, historicidade e revelação progressiva.

A matriz do Pentateuco

Podemos dizer que a matriz do Pentateuco se encontra na aliança feita por Iaveh com Abraão, conforme encontramos em Gênesis 15. A consolidação dessa aliança acontecerá com Moisés, descrita em Êxodo 24 e reiterada em Deuteronômio 5, numa das montanhas do deserto do istmo, entre o Egito e Madiã-Seir. Essa é a idéia força de toda a religião de Israel. Um acordo que implica em salvação.

Berit, aliança, tem o sentido de obrigação, mas também de segurança. É um acordo entre duas pessoas, celebrado solenemente, com o derramamento de sangue. A parte mais forte fornece a segurança, ou a salvação, e a mais fraca se obrigava a determinados compromissos. Dessa maneira, a aliança impôs um relacionamento especial entre Deus e o povo. E os mandamentos e leis, dados no período da consolidação, transportam, assim, toda conotação legal e externa, para uma perspectiva de acordo maior. O centro da aliança está no primeiro mandamento do decálogo (as dez palavras, em hebraico) que proíbe a adoração de outros deuses, da milícia do céu e dos ídolos.

Mas a aliança é também um pacto moral. Só que o fundamental desse pacto, que perpassa toda a Torah não é sua mera formalização, já que outros povos também possuíam noções desenvolvidas de lei e moralidade. O assassinato, o roubo, o adultério e o falso testemunho eram condenados não apenas pela lei moral universal, mas também duramente punidos pelos códigos de Ur-Nammu, de Lipit-Ishtar e de Hamurabi, para citar os mais representativos. Agora, no entanto, pela primeira vez a moralidade é apresentada pelo próprio Deus como fruto de um relacionamento entre Ele e o povo, com normas para o estabelecimento de um reino de novo tipo. É uma aliança com toda a nação. A consolidação sinaítica, fruto da aliança abraâmica, vai além das sabedorias babilônica e egípcia, que lidam com o indivíduo. A moralidade apresentada no Gênesis, por exemplo, que é individual, ganha aqui uma roupagem nova, passa a ser coletiva e nacional.

Na verdade, a aliança que Iaveh faz com Abraão em Gênesis 15, historicamente, tem seu cumprimento em outra estrutura, no Sinai. Dessa maneira, literariamente, Gênesis não somente prepara o roteiro pentateuco, mas faz parte intrínseca dele. É bereshit não somente como saga da origem, mas como alicerce de todo o Pentateuco.

Equilíbrio e organização

É importante precisar que o conhecimento é sempre um processo de interação e organização, de construção de novas estruturas que se inserem nas já existentes. Todo conhecimento é sempre um padrão, uma medida de relação entre o sujeito e o objeto. Ou, se preferirmos, entre a nossa existência e o mundo. É impossível compreender a revolução da aliança abraâmica se não visualizarmos a dinâmica interior, que rasgou corações e mentes, assim como os fatores externos, que combinados geraram crise e ruptura numa relação anterior de interação e organização.

O período histórico aberto com a decadência de Ur e outras cidades da Mesopotâmia, com as migrações de povos, entre os quais grupos semitas para a Palestina e o Egito, levou todo o Crescente Fértil a um profundo desequilíbrio. Era uma época de conflitos e guerras, que levaram a novas formas de interação e organização. Colocamos os conceitos nessa ordem, porque interagir e organizar são aspectos de um mesmo processo. Interagir é sempre o equilíbrio necessário que resulta da relação entre a inteligência e o ambiente. É a resposta que damos a novas questões, quer de forma reflexiva, a partir do sujeito, quer de maneira dinâmica, procurando adaptar a realidade aos nossos desejos e necessidades. Só que acontece em primeiro lugar ao nível do objetivo, formalizando-se a posteriori.

Interagir implica em transformar a realidade circundante. Por isso, podemos dizer que a face objetiva da interação é a mudança, a reforma ou mesmo a revolução, e a subjetiva é a organização.

A organização tem como finalidade restabelecer um equilíbrio e para isso trabalha ao nível daquilo que se deseja. Procura-se uma meta, um fim, que coloque as coisas em seus devidos lugares e nos mostre a razão de ser das coisas. Quando se deseja alguma coisa é porque não temos essa coisa. Assim, organizar é definir como alcançar esse objetivo. Só que a organização é sempre genética, está em movimento. Não se estabiliza. Aponta sempre para uma organização nova e está sempre em construção. É claro que a organização é um processo formal, que se resolve ao nível do pensamento intelectual, por isso quando as condições sociais são violentamente desequilibradas, esse processo nunca é plenamente consciente. Ele se realiza, enquanto processo, historicamente. E é esse fenômeno, riquíssimo, construtor de novas estruturas e conhecimentos, que leva à construção do conceito de aliança.

A discussão em torno de um centro para a teologia do AT é polêmica, pois o próprio conceito de centro, para muitos teólogos, limita um segundo conceito: o de revelação progressiva. Ora, dizem eles, se a revelação é progressiva toda definição de centro é descabida.

Acontece que não devemos falar de um desenvolvimento linear, mas de uma expansão da revelação. Podemos tomar uma imagem, apesar dos perigos que um grafismo pode representar, de círculos concêntricos formados na água ao cair de uma pedra. Há sem dúvida uma progressão, assim como um centro, mas a expansão não é linear, se dá em todos os sentidos.

A teologia do AT tem por base o conceito da aliança, não como paradigma doutrinário gerador de dogmas, mas como descrição de um processo vivo, que tem origem em determinado momento histórico, numa relação entre Deus e um homem historicamente definido.

Assim, ao entendermos o conceito de aliança como centro unificador do AT a partir do diálogo entre Deus e Abraão, em Gênesis, a leitura do texto bíblico passa a ter uma compreensão muito mais ampla, que cresce conforme a aliança se transforma em osso e carne, primeiramente, na vida dos patriarcas e, posteriormente, na formação da própria nação.

O livro de Gênesis apresenta a humanidade recém formada como monoteísta. Até o capítulo 11 não vemos nenhum traço de idolatria. Só após Babel surge a idolatria, que seria contemporânea ao aparecimento das nações da antigüidade. Assim, a partir de Gênesis 12, temos nações idólatras e politeístas e indivíduos que adoravam ao Deus único. Entre estes estão Abraão e Melquisedeque. A compreensão desse fato é importante para tirarmos das costas de Abraão a responsabilidade de ter criado a primeira religião monoteísta. Ele não criou a religião do Deus único, mas viveu uma tradição, no sentido de transmissão de conhecimento e cultura, que vinha, em parte, de seus antepassados.

Homem e construção transistórica?

Vejamos um pouco mais sobre a vida desse homem, conforme descrita em Gênesis 12:1 a 25:18. Ele vivia na terra formada entre os rios Tigre e Eufrates, às margens de um afluente do Eufrates, chamado Balique. Viveu com sua família em Harã, uma cidade altamente desenvolvida. Seus parentes, Terá, Naor, Pelegue, Serugue, têm seus nomes registrados nos documentos de Mari e dos assírios como nomes de cidades naquelas regiões.

A cidade de Ur, onde vivera antes de ir para Harã, é situada pelos arqueólogos na região da moderna Tell el-Muqayyar, a catorze quilômetros de Nasiryeh, no sul do Iraque. Segundo estudos de Sir Leonard Woolley, do Museu Britânico, que reconstruiu a história de Ur desde o quarto milênio até o ano 300 a.C., o deus-lua Nanar, que era adorado em Ur, também era a principal divindade em Harã.

É interessante agregar, que todas as ofensivas da teologia liberal, que se baseavam principalmente nos estudos de Graf-Wellhausen, e que afirmam que Abraão, Isaque e Jacó não existiram como indivíduos, mas são personagens criados pela literatura mitológica israelita entre os anos 950 e 400, estão em franco descrédito. Isto porque a partir de 1925, uma série de descobertas arqueológicas produziu uma revolução de informação até então inédita. “Temos agora textos, literalmente dezenas de milhares, contemporâneos ao período das origens de Israel”. E Bright cita os 25 mil textos de Mari; os milhares de textos capadócios; os das execracões, os do médio império egípcio; e os tabletes de Nuzi, Alalakh, e Ras Shamra, produzidos entre os séculos 20 a.C. e 14 a.C.

Segundo os documentos diplomáticos de Mari, cidade situada na região do rio Eufrates, o início do segundo milênio se caracterizou pelo tráfego de tribos nômades por toda a região da Mesopotâmia e Babilônia. Essas tribos tinham sua economia baseada na pecuária, ovinocultura e criação de camelos.

A necessidade básica desses grupos era água e pastagens. Assim, a escassez desses elementos determinavam o movimento de toda a comunidade. Sendo uma economia ajustada, com mútua dependência de seus membros, forte sentido coletivo de propriedade, e consciência de uma descendência comum, o grande fator de desequilíbrio, fora questões climáticas, era o aumento natural da população tribal. Esse fator levava ao fracionamento do grupo, quando este crescia em demasia, à aglutinação de parcela de uma tribo a outro grupo tribal, ou a uma postura guerreira na tentativa de apossar-se de territórios controlados por comunidades agrícolas e sedentárias.

Normalmente, quando a terceira opção acontecia, essas tribos nômades, com o tempo, acabavam sendo assimiladas pela cultura sedentária. Nesses casos, os líderes nômades e seus descendentes, geralmente, passavam a ocupar a liderança da comunidade conquistada.

Abraão, seu pai e seus irmãos, assim como seu filho Isaque e seu neto, Jacó, foram nômades, ou melhor, seminômades, já que todos conheceram também a vida sedentária. Mas, Abraão, sem dúvida, foi um homem que viveu sob tendas, acompanhando seu rebanho às nascentes de água e pastagens. Enfrentou as guerras, que caracterizaram o período e o modo de vida tribal. Essa vida dura e cheia de dificuldades fazia desses homens pessoas bastante especiais para sua época.

Ao sair de Harã, Abraão deixava para trás a cultura politeísta babilônica. Mas isso não significa que todos os seus parentes compartilhavam suas idéias sobre a adoração do Deus único. Em Josué 24:2 vemos que membros de sua família eram politeístas. Em Canaã, também estava rodeado de idólatras, mas mesmo assim erigiu um altar a Elohim.

Este homem Abraão era, sem dúvida, alguém peculiar. Sua fé no Deus único produziu em sua vida um fruto muito especial. Era um homem que procurava a paz (13:8-9), generoso (14:21-24), hospitaleiro (18:1-8), intercessor (18:23-33), que buscava a justiça e o direito (18:19). Era um homem moral e temente a Deus.

Dessa maneira, os livros de Gênesis e Êxodo apresentam a fé israelita, enquanto construção, fundamentada em dois acontecimentos históricos. O primeiro, é a escolha de um homem historicamente definido, chamado Abrão, que foi tirado da cidade de Ur e levado para Canaã, uma terra prometida a ele e sua descendência (Gn.12:1-3; 13:14-17). Essa promessa foi selada com um pacto, uma aliança entre Iaveh e Abraão, conforme Gênesis 15:5-10. E o segundo fato histórico é a libertação dos descendentes de Abraão da escravidão do Egito, através de Moisés, e sua entrada na terra prometida (Ex.3:6-10).

Esses dois acontecimentos expressam a materialidade da aliança, que se traduz como escolha de Deus a favor de um homem, gerador de um povo, para uma missão definida. Realidade esta que foi reafirmada, centenas de anos depois, pelo príncipe dos profetas israelitas:

“Ouvi-me, vós, que estais à procura da justiça, vós que buscais a Iaveh. Olhai para a rocha da qual fostes talhados, para a cova de que fostes extraídos. Olhai para Abraão, vosso pai, e para Sara, aquela que vos deu à luz. Ele estava só quando o chamei, mas eu o abençoei e o multipliquei”. Isaías 51:1-2.

A aliança com Abraão foi selada com sangue, conforme os versículos 9 e 10 do capítulo 15 de Gênesis. Segundo os costumes semitas, o berit (pacto ou aliança) era feito através da degola de animais, geralmente um bezerro, que era dividido em duas partes, colocadas uma em frente à outra, e os contratantes passavam entre os pedaços (Jr.34:18-20) e diziam: “que a divindade corte em pedaços, como a estes animais, os violadores deste pacto”.

Daí as expressões, “karot berit”, imolar uma vítima para concluir um pacto; “bo ba berit”, entrar na aliança (Jr.34:10); “abor ba berit”, passar pela aliança (Dt. 39:2); “amod ba berit”, parar na aliança (2 Rs.23: 3). Assim, Deus deu a Abraão uma formalização do pacto. Ou seja, o próprio Deus selou o acordo com um costume humano, a fim de que a aliança pudesse ser visualizada por Abraão. E o Eterno, em seu amor pelo contratante mais fraco, passa no meio dos animais partidos (Gn.15:17). O versículo seguinte agrega:

“Naquele dia, o eterno estabeleceu uma aliança com Abrão nestes termos: à tua posteridade darei esta terra(...)”.

Aqui voltamos ao início dessa análise: por que o conceito de aliança fornece uma base para a compreensão do livro de Gênesis? Em primeiro lugar, porque o diálogo de Deus com Adão e Eva em Gênesis 3:15 aponta para um salvador. E em Gênesis 15 temos a primeira realização dessa promessa através da aliança com Abraão, que produzirá descendência, com duas missões: ser testemunha entre as nações, e ser a nação separada, da qual nasceria o Messias prometido.

“É de suma importância entender que a aliança iniciou uma nova relação entre Deus e Israel, uma relação imposta por Iaveh, mas exclusiva e íntima em seu ideal”.

Embora, na tradição judaica, o livro de Êxodo seja o livro da aliança, o conceito está presente e é desenvolvido no primeiro livro do Pentateuco.

Na aliança está embutida a idéia de salvação e de relacionamento pessoal com Deus. Esta realidade nova dentro do plano de redenção do homem, está implícita na declaração de Deus a Abraão: “Estabelecerei uma aliança entre eu e você, e a sua raça depois de você, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o seu Deus e o da tua raça depois de você”. Gn.17:7. E como todo pacto, além do “berit milah” (pacto da circuncisão), Abraão e seus descendentes são chamados à responsabilidade moral (v.1) e à uma adoração permanente (vs.7 e 19).

Elementos estes, que a partir de Moisés serão desenvolvidos, dando origem à religião de Israel, que tem por base, num primeiro momento histórico a primazia do culto e suas ordenanças e, num segundo momento, com o surgimento da profecia literária, da justiça social. Assim, é impossível fazer uma completa separação entre aliança e reino. Este último será uma construção que tem como primeiro tijolo a nova relação estabelecida por Deus com homens. Aqui, somos obrigados a recorrer a alguns conceitos da epistemologia, para entendermos o papel da transmissão do conhecimento de Deus e de sua vontade, realizado através da aliança, que Gênesis nos apresenta. Segundo Piaget, quando estudamos o desenvolvimento e a construção das estruturas de conhecimento, vemos que esta construção se dá através de uma dissociação de conteúdos e da elaboração de novas formas, mediante uma abstração reflexiva de conhecimentos anteriores.

Ora, a relevância da epistemologia está em que ela nos mostra que, por mais importantes que sejam as origens de dado conhecimento, o que determinará sua essência é seu movimento genético. Assim, quando temos a formalização desse processo temos de fato um conhecimento inteiramente novo, que extrapola os dados iniciais, transbordando o real. Sabemos que a circuncisão na época de Abraão era um costume generalizado, associado aos poderes da reprodução humana, que servia de distintivo tribal. Também sabemos, como vimos anteriormente, que os pactos eram selados com sangue e o seu rompimento significava a morte do transgressor.

Esses conteúdos faziam parte da cultura de Abraão e de seu clã. Da mesma forma, outros conteúdos, como adoração / “edificar um altar” (Gn.12:8), obediência / “foi habitar nos carvalhais de Manre” (13:17-18), entrega de bens e posses / “e de tudo lhe deu o dízimo” (14:20), fidelidade / “ele creu no Senhor” (15:6), e consciência da onipotência divina / “não fará justiça o juiz de toda a terra?” (18:25) são conteúdos espirituais da fé de Abraão e dos homens santos que o antecederam.

Dessa maneira, a questão não está centrada nas origens desses conteúdos que, sem dúvida, são históricos e refletem as culturas das civilizações mesopotâmica e da bacia do Nilo, assim como a tradição monoteísta na época de Abraão. O fundamental aqui é entender que esses conteúdos se organizam em nova estrutura: a aliança abraâmica, que se constrói geneticamente, com história peculiar. Esta aliança, cuja gênese e história mostram uma elaboração sucessiva, que é o próprio Pentateuco, como síntese lingüística, não é pré-formada. Sua construção histórico-genética é autenticamente constitutiva e não se reduz a um mero conjunto de conteúdos acessíveis.

O conhecimento que se origina na atividade reflexa do sujeito recebe com a revelação esta organização funcional, que o torna possível. Aqui, convém notar que para o conhecimento que tem por base o processo da revelação a organização funcional sempre se mantém invariável. Ou seja, essa organização funcional se mantém em equilíbrio, apesar dos processos vividos nas estruturas. E mais do que isso, se impõe a elas como necessárias.

É um bereshit, um fiat, um momento especial que dá origem à essa estrutura nascente: é a revelação. A partir da promessa de Gênesis 3:15 temos uma revelação. A aliança surge como revelação, como ruptura que dá vida a antigos conteúdos, colocando em movimento um processo histórico-genético que vai-se construir enquanto estrutura (povo escolhido / terra prometida) e dar novo salto com a formalização maior realizada no Sinai.

Esta realidade leva à uma outra, que é o da linguagem do Pentateuco, na seqüência da aliança. Considerando a moderna lingüística, do ponto de vista estrutural, vemos que a linguagem tem duas grandes características: por um lado é universal, enquanto estrutura geral, humana e, por outro, é livre e não serve apenas à função comunicativa, “mas é antes um instrumento para a livre expressão do pensamento e para a resposta apropriada às novas situações”.

Isto é o que explica o fato das grandes revoluções do conhecimento serem sempre acompanhadas pelo surgimento de uma linguagem nova e de novas estruturas de pensamento. Ora, a aliança descrita em Gênesis 15 e 17 vai abrir um processo de revolução em relação ao conhecimento de Deus e de sua vontade, e vai gerar uma nova linguagem.

De forma crescente vemos nos capítulos seguintes de Gênesis e dos demais livros do Pentateuco essa nova linguagem ganhar forma e consolidar-se enquanto linguagem da teologia da aliança.

Algumas palavras serão fundamentais nessa nova linguagem: acordo / aliança / pacto (berit, conforme Gn.12:2; 15:17; 17:7-8; 22: 16-18); altar / holocausto / sacrifício (conforme Gn. 12:7; 22:9; 35:1,7; Êx. 17:5; 24:4; 27:1-8; 30: 1-10; Lv. 16:16-19); circuncisão (berit milah, conforme Gn. 17:9-14; Êx. 4:24-26; Dt. 10:16); justiça / misericórdia (conforme Gn. 15:6) e santidade (conforme Gn.17:1; Êx. 19:6; Lv. 20:6).

Assim, tem razão Mullins, citado por Harbin, quando diz que “no Antigo Testamento, a aliança entre Deus e Israel era a base de todo trato de Deus com seu povo. O significado da aliança foi que Israel pertenceu a Deus e Deus pertenceu a Israel. A relação foi às vezes descrita com semelhante àquela entre pai e filho, ou como aquela de marido e esposa. Eis a declaração freqüente no Antigo Testamento que Deus é Deus ciumento (Êx.20:5; 34:14; Dt.4:24; Is.54:5; 62:5; Os.2:19)”.

Dessa maneira, através de Abraão, a aliança é em primeiro lugar pessoal, abrangendo cada vez um espectro maior: tribal, nacional, universal. Mas, quer no primeiro caso, pessoal, quer historicamente, como redenção, ela é sempre estrutural.

Mas, se aliança é eleição, escolha, implica em preferência por alguém, escolher por prazer ou por amor. E essa conceituação entre aliança e amor é muito claramente enunciada em 1 Reis 11:13, quando Deus afirma que escolheu Jerusalém por amor.

Aliança e amor não podem ser separados, embora não sejam a mesma coisa. A aliança é o selo, o pacto. O amor, o motivo que leva à aliança. No livro de Gênesis vemos o amor de Deus na criação, na conversa com Adão e Eva e na promessa de um salvador. Mas é na aliança que o amor pelo homem caído torna-se material e compreensível.

A saga dos patriarcas descendentes de Abraão, que se torna um pai de muitos povos, mostra o caminho da concretização dessa aliança. Eis o tema central de Gênesis e de todo o Pentateuco: Deus ama e casa-se com um povo, criado por ele, e comissionado por ele. O resto da história, nós conhecemos. E por amor estamos dentro da aliança abraâmica.

Bibliografia recomendada

Bright, J., História de Israel, Paulinas, São Paulo, 1978
Eichrodt, Walter, O Homem no Antigo Testamento, A. A. João Wesley, SP, 1965
Hasel, Gerhard, Teologia do AT: Questões Fundamentais no Debate Atual, Juerp, 1992
Kidner, Derek, Gênesis, Introdução e Comentário, Mundo Cristão, SP, 1991
Rowley, H. H., A Fé em Israel: Aspectos do Pensamento do AT, Paulinas, SP, 1977
Schultz, Samuel J., A História de Israel no Antigo Testamento, Vida Nova, SP, 1992
Scott, R. B. Y., Os Profetas de Israel: Nossos Contemporâneos, ASTE, SP, 1968.
Wolff, Hans Walter, Antropologia do Antigo Testamento, Loyola, SP, 1975.

Citações

[1] “Não existe uma experiência da Revelação sem mediação histórico-social; além disso, a Revelação tem também, na realidade, um papel de mediação com relação à autocompreensão das comunidades, de modo que a Revelação tem, inclusive, uma função ideológica. Este fato é analisado de duas maneiras: de uma maneira histórico-crítica e de uma maneira temática; em ambos os casos constata-se que a experiência da Revelação implica sempre uma ‘teologia política’, seja no sentido afirmativo (e renovador), seja em sentido pioneiro (abrindo o futuro)”. Schillebeeckx, Edward / Iersel, B. Van, Revelação e Experiência, Editora Vozes, Petrópolis, 1978, pág. 5.
[2] Walter C. Kaiser, Jr., Teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Edições Vida Nova, 1997, p. 10.
[3] Epsztein, León, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, Ed. Paulinas, São Paulo, 1990, "As Leis Mesopotâmicas", págs. 11 a 26.
[4]"Yahweh não elegeu Israel para fundar um novo culto mágico em benefício dele; elegeu-o para ser seu povo, para realizar nele o seu arbítrio. Portanto, por sua natureza, também a aliança religiosa foi uma aliança moral-legal, envolvendo não apenas o culto, mas também a estrutura e os regulamentos da sociedade. Assim, colocou-se o alicerce da religião da Torá, incluindo tanto o culto como a moralidade e concebendo a ambos como expressões da vontade divina". Kaufmann, Yehezkel, "A Religião de Israel", Editora Perspectiva, São Paulo, 1989, pág. 232.
[5] "O exegeta Rashi quer que o primeiro versículo do Gênesis seja traduzido da seguinte maneira: "No princípio, ao criar Deus os céus e a terra, 2)2) a terra era vã," etc., pois a Escritura Sagrada não quer mostrar aqui a ordem da criação. A prova disso é que o fim do segundo versículo dá a entender que as águas já existiam antes dos céus e da terra". Haroldo de Campos, Bere'shith, A Cena da Origem, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1993, pág. 24.
[6] ”Não é necessário verificarmos a evolução do problema nos últimos dois séculos, quando surgiram apreciações bastante divergentes da teologia bíblica. A publicação da teologia de Eichrodt projetou a questão para uma nova dimensão. No seu entender, o “conceito central” e “símbolo apropriado” que garante a unidade da fé bíblica é a “aliança”.” Hasel, Gerhard F., “Teologia do Antigo Testamento / Questões Fundamentais no Debate Atual”, Juerp, São Paulo, 1992, p. 57.
[7] “A centralidade da aliança para a religião do ATt já possuía defensores muito antes de Eichrodt”.: August Kayser, Die Theologie des AT in ihrer Geschichtlichen Entwicklung Dargestellt (Strassburg, 1886), p. 74. : “A concepção dominante dos profetas, a âncora e o alicerce da religião do AT em geral, é a noção de teocracia ou, utilizando a expressão do próprio AT, a noção de aliança”. G. F. Oehler, Theologie des AT (Tubingen, 1873), I, p. 69.: “O fundamento da religião do AT é a aliança por meio da qual Deus recebeu a tribo escolhida, a fim de realizar seu plano de salvação”, in Gerhard Hasel, obra citada, p. 57.
[8] Kaufmann, Yehezkel, A Religião de Israel, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1989, p. 220.
[9] Schultz, Samuel J., A História de Israel no Antigo Testamento”, Ed. Vida Nova, São Paulo, 1992, p. 31.
[10] Wellhausen, J. Prolegomena to the History of Israel, Edinburgo, p. 331.
[11] Bright, J. , História de Israel, Ed. Paulinas, São Paulo, 1978, p. 97.
[12] Epsztein, León, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, Edições Paulinas, São Paulo, 1990, pág. 107, 108. “No deserto não existem muros para se protegerem, e daí a importância capital da liderança, a necessidade urgente de uma disciplina. Todavia, a mobilidade da vida nômade impede a fixação definitiva do poder em determinado grupo. Não há privilégio hierárquico. Quando surgem dificuldades, quando a guerra ameaça a segurança do grupo nômade, qualquer indivíduo de sagacidade maior ou de grande coragem impõe-se como chefe, mas não passa de primus inter pares: uma vez afastado o perigo, volta a seu lugar habitual. Diante de tais condições, o poder político dificilmente pode adquirir suficiente influência ou prestígio para prevalecer sobre a ética, sobre os valores morais, mormente com a crença dos hebreus, segundo a qual os homens, criados por Deus à sua imagem, beneficiam-se dos mesmo direitos e devem assumir as mesmas responsabilidades”.
[13] Em Gênesis 17:5 Deus muda o nome de Abrão para Abraão. Essa mudança de nome traduz o seu chamado. Abrão significa “tão grande quanto seu pai”. Mas Deus o chama “ab hamôn”, pai de multidão.
[14] Melamed, Meir Matzliah, A Lei de Moisés e as Haftarót”, Flórida, 1962, p. 33.
[15] Harbin, Byron, Teologia do Antigo Testamento”, apostila, Faculdade Teológica Batista de São Paulo, São Paulo, 1996, p. 4.
[16] ”A formalização constitui, desde o ponto de vista genético, um prolongamento das abstrações reflexivas que já atuam no desenvolvimento do pensamento, mas este prolongamento acontece através de especializações e generalizações que se tornam dominantes, adquirindo uma liberdade e uma fecundidade combinatória que sobrepassam amplamente e em todas as partes os limites do pensamento natural, mediante um processo análogo àquele, segundo o qual o possível transborda o real”. Piaget, Jean, La Epistemologia Genética”, A. Redondo Editor, Barcelona, 1970, p. 84.
[17] Davidson, F, O Novo Comentário da Bíblia”, Ed. Vida Nova, São Paulo, 1994, p. 160
[18] “O estudo da interação entre experiência e revelação leva a explorar três tópicos distintos, mas inter-relacionados. O primeiro é a especificação ou codificação da experiência. (...) Um segundo tópico é como essa experiência codificada consegue status de revelação numa comunidade. (...) O terceiro tópico refere-se à própria revelação como fonte de nova experiência. (...) Um dos elementos comuns a unir esses tópicos é a linguagem. (...) No encontro entre experiência e revelação é primariamente em sua linguagem que tanto a experiência como a revelação sofrem a mudança mais notável. A criatividade neste âmbito mostrar-se-á pela inovação linguística”. Schreiter, Robert, Especificação da Experiência e Linguagem da Revelação, in Revelação e Experiência, obra citada, pp. 58 e 59.
[19] “A aquisição da linguagem é uma questão de crescimento e maturação de capacidades relativamente fixas, em condições externas adequadas. A forma da linguagem adquirida é determinada em grande parte por fatores internos”. Chomsky, Noam, Lingüística Cartesiana”, Ed. Vozes, Petrópolis, 1972, p. 80.
[20] Chomsky, Noam, obra citada p. 23.
[21] Mullins, Edgard Young, The Christian Religion in the Doctrinal Expression”, Philadelphia, Judson, 1954, pp. 237, 431, in Harbin, obra citada, p. 5.
[22] É o “escândalo da história” ou “escândalo da particularidade” , segundo Dodd, C. H., The Apostolic Preaching and Its Development, Hodden and Stoughton, Londres, 1963, pág. 88, citado por Gabriel Moran, Teologia da Revelação, Editora Herder, São Paulo, 1969, p. 54.