mardi 8 décembre 2015

A igreja diante da revolução social -- segunda parte

A igreja diante da revolução social -- segunda parte
Jorge Pinheiro, PhD


Do lado protestante, o século XIX foi um século inglês. A Inglaterra era o berço da revolução industrial, Londres possuía o centro financeiro mais importante do Ocidente, o comércio britânico rodeava a Terra e a marinha britânica dominava os mares. Os protestantes ingleses estavam reunidos na igreja oficial, a anglicana, mas também em denominações não-conformistas, como a metodista, a batista, a congregacionalista e algumas menores. Mas havia o temor de que aquele tempo de prosperidade e liberdade fosse engolfado em dias como os da Revolução francesa. Assim, o medo e a esperança, que se misturavam, levaram a sociedade inglesa, através de suas igrejas e sociedades religiosas, a encarar a questão social como um desafio para os cristãos.

E foi assim que dois movimentos marcaram a Inglaterra: a campanha contra a escravidão, que começou em 1789, com um discurso de William Wilberforce na Câmara dos Comuns, e as campanhas pelas reformas trabalhistas, que desembocaram no movimento social cristão. Em 23 de fevereiro de 1807, o tráfico de escravos foi interrompido, graças à intensa militância cristã e política de Wilberforce. A partir desse momento, as campanhas abolicionistas foram lideradas por outro ativista, Thomas Fowell Buxton. Ambos, Wilberforce e Buxton pertenciam a um pequeno grupo protestante surgido na paróquia de Clapham, vilarejo distante oito quilômetros de Londres. 

Assim, a comunidade de Clapham, aliada a grupos não-conformistas, e através da publicação de literatura, realização de palestras e mobilizações de rua, foi responsável por algumas das cruzadas sociais mais importantes da Inglaterra.[1] E em 25 de julho de 1833, o Ato de Emancipação libertou os escravos em todo o império britânico. O significado dessa ação repercutiu em todo o mundo, inclusive no Império brasileiro, estrategicamente ligado à Inglaterra. Da mesma maneira, as reformas trabalhistas mobilizaram outros intelectuais protestantes vindos do anglicanismo, como John Malcolm Ludlow (1821-1891), Charles Kingsley (1819-1875) e Thomas Hughes (1822-1896), que lutaram pelo fim da escravidão, contra o trabalho infantil nas fábricas e pela jornada de dez horas. Essas mobilizações levaram a uma ampla reforma social e ao surgimento do movimento social cristão inglês. 

Foi como reação ao socialismo anticlerical de Robert Owen e ao cartismo, que os protestantes deram início ao seu movimento social. Homens como Ludlow, Kingsley, Maurice e Hughes deram origem ao socialismo cristão na Inglaterra. Dessa maneira, afirmou Maurice: “A necessidade de uma reforma teológica inglesa, como meio de evitar uma revolução política e de trazer o que de bom existisse nas revoluções estrangeiras para se conhecer a si própria, tem estado cada vez mais impresso no meu pensamento. [2]

Nos Estados Unidos, apesar da visão escravagista de muitos religiosos, como Richard Furman, líder batista da Carolina do Sul, que, de certa forma, traduzia o sentimento generalizado entre os grandes fazendeiros sulistas, no norte surgiu um forte movimento evangélico contra a escravidão. Seu primeiro grande ativista foi Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theodore Weld e Lymann Beecher. 

Mas um romance marcará a campanha abolicionista e entrará para a história da literatura mundial: A Cabana do pai Tomás, de Harriet Stowe. Numa leitura escatológica milenarista, Harriet Stowe, considerava que a escravidão não era apenas um pecado do sul, mas que a culpa era nacional e, por isso, o juízo seria nacional. No livro atacava a consciência nacional escravagista na esperança de que uma purificação da alma dos Estados Unidos livrasse o corpo político da vingança divina.[3] 

Veio a guerra e, com a vitória do norte, a abolição da escravatura. Finda a escravidão, a discussão sobre a industrialização do país e os danos humanos, misérias e exclusão que produzia entraram na ordem do dia. Surgiram assim os “protestantes públicos” que, ao contrário dos “privatistas”, falavam de cristianismo social, evangelho social, serviço social. Expoentes desse pensamento foram Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, o escritor Charles Sheldon, que escreveu uma obra até hoje famosa, Em Seus Passos Que Faria Jesus?, e o pastor batista Walter Rauschenbusch.

Rauschenbush (1861-1918) era de origem alemã. Levantou a questão do evangelho social, a partir de uma leitura que combinava a doutrina bíblica da responsabilidade social e os socialistas utópicos. Defendeu uma democracia econômica e política e propôs uma atuação através dos sindicatos.

Nossa economia política tem sido por muito tempo o oráculo de um deus falso. Ensinaram-nos a ver as questões econômicas do ponto da vista dos bens e não do homem. Disseram-nos como a riqueza é produzida e dividida e consumida pelo homem, e não como a vida e o desenvolvimento do homem podem melhorar e serem promovidos pela riqueza material. É significativo que a discussão do consumo da riqueza esteja negligenciada na economia política, contudo a questão humana é a mais importante de todas. 

 A teologia deve ser cristocêntrica, mas a economia política deve tornar-se antropocêntrica. O homem é cristianizado quando põe Deus acima de si próprio, a economia política será cristianizada quando colocar o homem acima da riqueza. É isso que uma economia política socialista faz.[4]

Nada dará a classe trabalhadora uma compreensão real de seu status de classe e de seu objetivo final do que a luta permanente para conquistar suas reivindicações mínimas e para eliminar as pressões reacionárias contra seus sindicatos. Nós partimos do princípio de que uma organização fraternal da sociedade não terá força se for apoiada apenas por idealistas. Ela (a organização fraternal da sociedade) necessita da sustentação firme da classe trabalhadora, cujo futuro econômico depende do sucesso desse ideal. 

A classe trabalhadora industrial é, consciente ou inconscientemente, a força para a realização desse princípio. Assim, aqueles que desejam a vitória, desde um ponto de vista religioso, terão que fazer uma aliança com a classe trabalhadora. Mas o princípio protestante da liberdade religiosa e o princípio democrático da liberdade política levam à vitória através da aliança da classe média, que também deseja a conquista do poder, com a classe trabalhadora; dessa maneira, o novo princípio cristão, que busca uma organização fraternal da sociedade, deve aliar-se para a conquista que ambos querem. [5]

A leitura da questão social como prioridade da igreja também levou os protestantes à cooperação interdenominacional, assim como à formação de associações não denominacionais. As Associações Cristãs de Moços (1851) e a Christian Endeavor Society (1881) procuraram dar à juventude uma formação ética, social e religiosa. Sob a coordenação de Dwight Moody, um “protestannte privatista”, surgiu em 1886 o Student Volunteer Movement, que tinha como finalidade recrutar jovens para o trabalho missionário, e que estava ligado a um organismo interdenominacional dirigido por John R. Mott (1865-1955). 

Nessa mesma época, começou a surgir um movimento ecumênico entre as igrejas históricas norte-americanas: Samuel S. Schmucker (1799-1873) escreveu Apelo Fraternal às Igrejas Americanas e, mais tarde, foi fundado o Federal Council of the Churches of Christ in America. 


Notas

[1] Bruce L. Shelley, História do cristianismo, São Paulo. Shedd Publicações, 2004, pp. 409-413. 
[2] Vidler, A Igreja Numa Era de Revolução, op. cit., p. 97. 
[3] Bruce L. Shelley, História do cristianismo, op. cit., pp. 435-437. 
[4] Walter Rauschenbusch, Christianity and the social crisis, Nova York/Londres, The Macmillan Company, 1910, p. 371. Trad. Jorge Pinheiro. 
[5] Walter Rauschenbusch, Christianity and the social crisis, op. cit., p. 409. Trad. Jorge Pinheiro.

Apocalíptica e sabedoria grega

Espreguiçando a manhã 
com um pouco de apocalíptica 
Jorge Pinheiro, PhD


O ponto de contato mais importante entre a literatura apocalíptica e a sabedoria grega é a idéia de uma ordem cósmica predeterminada. Anteriormente, a idéia de inacessibilidade levou, por exemplo, o Eclesiastes a falar sobre a ilusão do esforço humano. A literatura apocalíptica, no entanto, apresenta uma linguagem imagológica amarrada e uma virtualidade bem encadeada. 

A preocupação do escritor apocalíptico com o definitivo não se limita à virtualidade. O poder do Eterno não pode ser limitado pela morte, de modo que a escatologia é virtualidade existencializada. Assim, Daniel refere-se existencialmente à ressurreição dos mortos: “alguns para a vida eterna, outros para a vergonha e desprezo eternos” (Dn 12.2). No final dos dias, os justos “que dormem no pó da terra” retornarão para “brilhar como as luminárias do firmamento... como estrelas, para todo o sempre” (Dn 12.3). 

É no período helenico que a idéia da ressurreição toma corpo, e se transforma numa idéia-força do judaísmo popular. A fé na ressurreição aparece de forma clara em 2Macabeus 7.9 e 14.46 e é o fundo do relato do martírio dos sete irmãos (I2Mc.7.11, 14, 23, 29 e 36). Antes, só tínhamos no Antigo Testamento dois versículos que falavam da ressurreição (Is 26.19 e Jó 19.26s). 

Outras obras importantes que fazem parte da literatura apocalíptica são os livros de Enoque, 2Esdras e Baruch. Enoque é uma edição de vários fragmentos, da qual certas partes podem até ser anteriores a Daniel. No correr do livro, o narrador Enoque (Gn 5.21-24) descreve suas visitas aos extremos da terra e sua ascensão aos palácios celestiais. O livro inclui um tratado sobre astronomia, poemas sobre o destino derradeiro do justo e do pecador, e uma seção chamada Similitudes, referente ao eleito ou Filho do Homem, que será mandado pelo Eterno nos últimos dias para julgar a humanidade. 

Em 2Esdras, o narrador sente-se perplexo ante as calamidades que recaem sobre Israel, o aparente abandono em que o Senhor deixa seu povo amado e pergunta por que tão poucos merecerão a vida eterna. Um anjo dá a Esdras conta do significado da história e seu fim, instruindo para que escreva e esconda “setenta livros” que consolarão os que viverem antes dos últimos dias. 

Baruch, de quem se diz ter sido escriba de Jeremias, trata de questões similares. Contém uma oração de confissão e de esperança, um poema sapiencial, no qual a sabedoria é identificada com a Lei, um trecho profético, onde Jerusalém personificada se dirige aos judeus da diáspora e onde o profeta a encoraja com a evocação das esperanças messiânicas. A importância dessa coleção de textos sob o nome de Baruch é nos levar às comunidades da diáspora e de nos mostrar como a vida religiosa também lá, distante, estava relacionada com Jerusalém, pela oração, pelo culto à Lei, pelas promessas proféticas e pelo espírito messiânico. 

Assim, a partir dos diferentes textos apocalípticos analisados podemos definir os elementos formais desse gênero de literatura: 

(1) Uso de pseudônimo. É um contemporâneo dos seus primeiros leitores, mas fala como se fosse um personagem antigo. É o que se vê no livro de Daniel. No Apocalipse de João é um anjo quem revela. 

(2) Caráter reservado. As revelações foram comunicadas ao personagem da Antiguidade; que deviam, porém, ficar em segredo até os dias do fim. Veja-se, por exemplo, Dn 8.26 e 12.9. 

(3) Presença de anjos. Estes aparecem, nos apocalipses, ora como ministros de Deus que colaboram com a Providência Divina na dispensação da salvação aos seres humanos, ora como intérpretes das visões ou revelações que o autor do livro descreve. Cf. Ez 40.3; Zc 2.1s; 2.5-9; 5.1-4; 6.1-8; Ap 7.1-3; 8.1-13. 

(4) Forte imagologia. Animais podem significar homens e povos; feras e aves representam geralmente as nações pagãs; os anjos bons são descritos como se fossem homens, e os maus como estrelas caídas. O recurso aos números é frequente, explorando-se então o simbolismo dos mesmos -- 3, 7, 10, 12, 1000 como imagens de bonança; 3 ½, como imagem de penúria e tribulação. É a exuberância da imagologia dos apocalipses que torna difícil a compreensão dos mesmos. O leitor analisar essa imagologia a partir de passagens bíblicas e extrabíblicas paralelas. Há imagens que se repetem com a mesma significação: gafanhotos, águias, cedro, três anos e meio, mil anos. Os autores de apocalipses estão livres ao construir virtualidades a partir de imagens, visões e personificações: propõem tais virtualidades sem se preocupar com a realidade em que vivemos. Exemplo é Jerusalém nova em Ez 47.1-12 e Ap 21.1-7. (5) Forte escatologia. Os apocalipses se referem a tempos finais virtuais e os descrevem apresentando a intervenção do Eterno em meio a um cenário cósmico, o julgamento dos povos, o abalo da natureza, a punição dos maus e a exaltação dos bons, estando reservado para Israel nesse contexto um papel de relevo e recompensa. 

Na literarura apocaliptìca a razão ética perde força a favor do discurso existencial. O que preocupa João, por exemplo, é a fidelidade, que deve nascer da esperança escatológica. E as duas idéias que revolucionaram o judaísmo: a recompensa apresentada na ressurreição[1] e a restauração da justiça, apresentada na figura do Messias, fundamentarão o Apocalipse joanino.[2]

Vejamos agora como a preocupação existencial do pensamento helênico se fez presente no livro de Eclesiastes, no capítulo 15 de Romanos e no Apocalipse de João. 


Notas

[1] 2Macabeus 7; Daniel 12:2-3; Escrito de Damasco 4:4. 
[2] ”O Espírito Santo desceu sobre o seu Messias”. 2 Q 287 3:13. “Céu e terra pertencerão ao meu Messias (...) e tudo o que neles há. Ele não se afastará dos mandamentos dos santos (linha 6) e o seu Espírito estará sobre os humildes e os crentes serão fortalecidos por seu poder”. 4 Q 521 (fragmento 1, coluna 2). “O Messias da justiça, o rebento de Davi”. 4 Q 252. “Assim ele (Deus) o glorificou, quando tu te santificaste para ele, quando ele te tornou um santo dos santos (...) ele decidiu sobre o teu destino e em muito multiplicou a tua glória, e te tornou primogênito para ele eternamente”. 4 Q 416 1:4-5. In Berger, Klaus, op. cit., pp. 90-92, 96-97.

lundi 7 décembre 2015

A igreja diante da revolução social -- primeira parte

A igreja diante da revolução social -- primeira parte
Jorge Pinheiro, PhD


Para entender as relações construídas entre o cristianismo social e os socialistas democráticos, a nova esquerda e o trotskismo, devemos analisar como surgiu na Igreja cristã, católica e protestante, um pensamento crítico do capitalismo e de defesa das populações expropriadas e excluídas nas sociedades modernas. E como os séculos XIX e XX foram de revolução social, começaremos a partir daí, já que a Revolução Francesa colocou o pensamento católico e, por extensão, toda a cristandade diante de profundos desafios.[1] Assim, os anos que se seguiram ao pontificado de Pio VI foram de choques com a nova ordem social que se estabelecia na Europa e, em especial, na França. De todas maneiras, este foi um período de aproximações e rupturas, e Napoleão Bonaparte, entre os muitos papéis, cumpriu o de por fim no longo conflito entre católicos e protestantes franceses.

Foi também como homem de estado [Napoleão] que impôs o fim do cisma na Igreja francesa. Até que ponto ele era um crente católico é discutível, mas teve o sentido exato do papel que a Religião desempenha para dar unidade, coesão e contentamento a uma sociedade. A utilidade social da Religião não foi, claro, idéia sua: Voltaire, Rousseau, Chateaubriand e muitos outros condutores do pensamento francês já se lhe tinham referido de várias formas. [2]

Embora os choques entre Napoleão e os papas Pio VI e Pio VII traduzissem as difíceis relações entre o poder napoleônico e a Igreja católica, ela mostrou-se disposta ao diálogo com a nova ordem social, já que sua preocupação centrava-se no liberalismo teológico, que era visto como inimigo. Pensadores católicos, como o teólogo Félicité Robert de Lamennais, aconselharam a Igreja a refletir sobre as questões sociais na Europa, em especial as liberdades política e de imprensa, mas as propostas de Lamennais, apesar de sua amizade com o papa Gregório XVI, não produziram o efeito que ele esperava. Ainda era cedo para a Igreja apresentar ao mundo sua compreensão acerca da nova realidade do mundo.

No final do século XIX, a Europa vivia momentos de conflitos trabalhistas, com o fortalecimento dos sindicatos anarquistas (IWW) e socialistas (II Internacional dos Trabalhadores). Diante da polarização de classes, Leão XIII, cujo pontificado durou de 1878 a 1903, produziu a encíclica Rerum Novarum ("Das coisas novas"), que veio à luz no dia 15 de maio de 1891. O documento discutia os direitos e as responsabilidades do capital e do trabalho, descrevia aquilo que a Igreja entendia como função do governo, e defendia os direitos dos trabalhadores à organização de associações para tentarem conseguir salários e condições de trabalho justas. 

Esta foi a primeira tentativa da igreja, desde a revolução francesa, de fazer uma leitura dos novos tempos. Dessa maneira, a partir de Leão XIII, a Igreja católica se lançou à reflexão das questões sociais, partindo da defesa da pessoa e da dignidade do ser humano. Isto fica claro quando Leão XIII fala do direito natural, “estável e perpétuo” e do direito do ser humano possuir “as coisas exteriores”, “tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido”.[3] Na verdade, a encíclica traduzia a imersão da Igreja na crise social do século XIX, quando afirmava que “o homem [...] é senhor de suas ações; também sob a direção da lei eterna e sob o governo universal da Providência divina, ele é, de algum modo, para si a sua lei e a sua providência”.[4] Esse sentido da imersão da Igreja católica nas questões sociais traduzia na encíclia de Leão XIII a preocupação com a difícil situação do cristianismo, pois reconhecia que a consciência do cargo apostólico impunha “como um dever”[5] tratar de tais problemas.

Assim, Leão XIII levantou a tese, sem dúvida revolucionária para a época, do direito dos operários de se associarem para a defesa de suas justas reivindicações, e, posicionando-se contra o pensamento político liberal, disse que era dever do Estado interferir no campo social e econômico, para a proteção dos que não tinham como se defender. Mas, denunciou também o perigo representado pelo comunismo, que vinha abalar valores fundamentais da sociedade e da cultura. Leão XIII percebeu a gravidade da situação, que ameaçava levar para dentro da Igreja as tensões entre capitalismo e socialismo, que distendiam as estruturas da sociedade civil. Os católicos, como o conjunto da sociedade, estavam divididos entre católicos liberais e católicos sociais. Leão XIII procurou definir um ponto de equilíbrio entre os extremos que se confrontavam.

Mas a revolução não acabou no século XIX. Na verdade, se estendeu século XX adentro com a expansão das idéias socialistas e o surgimento de Estados comunistas que se opuseram à Igreja e ao cristianismo. Assim, a revolução, como movimento social de transformação, criou uma permanente instabilidade, levando muitos a considerarem que os dias da Igreja estavam contados.

Caso se fizesse uma avaliação completa das mudanças revolucionárias que têm tido lugar nos mundos do pensamento e da invenção, nas estruturas política e social, e nas condições de vida e trabalho, e caso se levasse em conta a origem das Igrejas na ordem pré-revolucionária ou o Ancien Régime, então a sua sobrevivência com tantas das suas antigas características e acessórios intactos é admirável, para não dizer mais. Não sobreviveram porque estavam bem preparados para a rebelião em que se veriam involuntariamente envolvidos, ou porque, quando os alcançou, mostraram prontos poderes de adaptação às novas circunstâncias. [6]

Como explicou Vidler, a Igreja católica não mostrou prontas respostas às novas circunstâncias, mas evitou perder-se no dilema: ou a liberdade absoluta do desenvolvimento espontâneo ou a radical abolição da liberdade, com suas consequências. Procurou um meio termo, que permitisse reter o princípio da iniciativa privada e sua fecundidade, e o da intervenção pública, e sua não menos evidente necessidade. Assim, diferentemente do liberalismo econômico e do socialismo, a Igreja recusou-se a resolver o dilema, pois discerniu na realidade capitalista uma força insubstituível, uma estrutura modificável, um princípio condenável.[7] 

Exemplo disso é a encíclica Quadragesimo Anno ("No quadragésimo ano") do papa Pio IX, lançada em 1931, que denunciou os efeitos da concentração do poder econômico sobre os trabalhadores e a sociedade, pediu a distribuição da riqueza segundo as exigências do bem comum e da justiça social, defendeu o direito à propriedade, mas também a oportunidade de acesso à mesma, e declarou que a propriedade tem uma finalidade social e um papel na promoção da harmonia entre as classes sociais. Assim, a Quadragesimo Anno condenou aquilo que mais tarde chamaremos de capitalismo selvagem: 

“Ora, a livre concorrência, ainda que dentro de certos limites seja justa e vantajosa, não pode de modo nenhum servir de norma reguladora à vida econômica. [...] Urge, portanto, sujeitar e subordinar de novo a economia a um princípio diretivo, que seja seguro e eficaz. A prepotência econômica que sucedeu à livre concorrência não o pode ser; tanto mais que, indômita e violenta por natureza, precisa, para ser útil à humanidade, de ser energicamente refreada e governada com prudência; ora, não pode refrear-se nem governar-se a si mesma. Força é, portanto, recorrer a princípios mais nobres e elevados: à justiça e caridade sociais”.[8]

E mais adiante acrescenta: 

“É coisa manifesta como nossos tempos não só amontoam riquezas, mas acumula-se um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negociam a seu talante. Esse despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo em suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive a economia, e manipulam de tal maneira a alma da mesma, que não pode respirar sem sua licença”.[9]

Ainda na Quadragesimo Anno, Pio XI definiu a posição que os bispos deveriam ter na relação dos católicos com os sindicatos: 

“Pertence aos bispos, se reconhecerem que tais associações são impostas pelas circunstâncias e não oferecem perigo para a religião, permitir que os operários católicos se inscrevam nelas, observando a este respeito as normas e precauções recomendadas por nosso predecessor Pio X, de santa memória. A primeira e a mais importante é que, ao lado dos sindicatos, existam sempre outros grupos com o fim de dar a seus membros uma séria formação religiosa e moral, para que eles depois infiltrem nas organizações sindicais o bom espírito que deve animar toda a sua atividade”.[10]

E na Divini Redemptoris, lançada em 1937, Pio XI ao condenar o comunismo considerou o liberalismo como a causa direta daquele mal. 

“Não haveria nem socialismo nem comunismo se os que governam os povos não tivessem desprezado os ensinamentos e as maternais advertências da Igreja; eles, porém, quiseram, sobre as bases do liberalismo e do laicismo, levantar edifícios sociais que à primeira vista pareciam poderosas e magníficas construções, mas bem depressa se viu que careciam de sólidos fundamentos, e se vão miseravelmente desmoronando, um após outro, como tem que desmoronar tudo quanto não se apóia sobre a única pedra angular, que é Jesus Cristo”. [11]

Dessa maneira, a partir da Rerum Novarum, três princípios vão estar no centro das encíclicas sociais. O primeiro será a vida, a dignidade e os direitos da pessoa humana. O critério de justiça de toda a política estará no grau com que ela protege a vida humana, favorece a dignidade humana e respeita os direitos humanos. Este princípio será o fundamento da doutrina da Igreja com respeito à guerra, à paz e à vida social. O segundo princípio será o da solidariedade, que será visto como definidor da formação de um mundo novo. 

É uma expressão moral de interdependência, um aviso de que a humanidade é uma família, sejam quais forem as diferenças de raça, nacionalidade, ou poder econômico. Os povos das terras mais distantes não são inimigos ou intrusos e os pobres não são um fardo, mas irmãs e irmãos, pessoas que os cristãos são chamados a proteger. E o terceiro, que vem como desenvolvimento deste segundo, será o da opção preferencial pelos pobres, no sentido de que os excluídos têm o primeiro direito de reivindicação perante a consciência e as práticas humanas. Embora a linguagem seja nova, já que surge a partir do final dos anos 1960 na América Latina, ela foi absorvida pela Igreja enquanto compreensão das palavras de Jesus em Mateus 25, ou seja, de que a humanidade será julgada em termos da resposta que tiver dado “ao menor entre estes”.[12]

Notas

[1] Alec R. Vidler, A Igreja Numa Era de Revolução, Lisboa, Editora Ulisséia, 1961, p.18. The Church in an Age of Revolution, Harmondsworths, Middlesex, Penguin Books, Ltd., 1961. Tradução: Manuel Marques da Silva. 
[2] Vidler, A Igreja Numa Era de Revolução, op. cit., p. 18. 
[3] Rerum Novarum, “A propriedade particular” (4 e 5), “Uso comum dos bens criados e propriedade particular deles” (6) e “A propriedade sancionada pelas leis humanas e divinas” (7) in Antonio De Sanctis (org.), Encíclicas e documentos sociais, São Paulo, Edições LTr, 1972, pp. 15-18. 
[4] Rerum Novarum, “Uso comum dos bens criados e propriedade particular deles” (6), op. cit., p. 16-17. 
[5] Rerum Novarum, “A Igreja e a questão social” (10), op. cit., p. 20-21. 
[6] Vidler, A Igreja Numa Era de Revolução, op. cit., p. 271. 
[7] Pierre Bigo, A dourina social da Igreja, São Paulo, Edições Loyola, 1969, p. 143. 
[8] Quadragesimo Anno, “Princípio diretivo da economia” (88-98), in Antonio De Sanctis (org.), Encíclicas e documentos sociais, São Paulo, Edições LTr, 1972, pp. 80-83. 
[9] Quadragesimo Anno, “Despotismo econômico” (105), op. cit., pp. 84-85. 
[10] Quadragesimo Anno, “Associações operárias” (31-36), op. cit., pp. 60-62. 
[11] Divini Redemptoris, ‘Será verdade que a Igreja não procedeu segundo a sua doutrina?” (36-38), in Antonio De Sanctis (org.), Encíclicas e documentos sociais, São Paulo, Edições LTr, 1972, pp. 122-123. 
[12] “Doutrina social da Igreja e análise social”, Manual de Justiça-e-Paz, Missionários da Consolata. Site: www.consolata.org (Acesso 8.11.2005).

Comment célébrer Hanoucca

Comment célébrer Hanoucca


Bien que parfois appelé le "Noël juif", Hanoucca est en réalité une fête entièrement différente. Hanoucca est connue par les Juifs comme "la fête des Lumières". En effet, la fête se déroule autour de l'allumage de 8 bougies, une chaque jour de la fête. Bien que Hanoucca ne soit pas l'une des fêtes juives les plus importantes, elle est tout de même célébrée par des plats et des cérémonies spécifiques.

1
Apprenez la signification de la fête. Hanoucca commémore la protection de Dieu aux Israélites et les miracles qui se sont produits à la même époque de l'année, il y a des siècles et des siècles. La fête célèbre le triomphe de la foi et du courage sur la puissance militaire, lorsque qu'un groupe d'Israélites défendirent leur droit à être juif. L'étude des textes sacrés et le respect des mitzvot (commandements) les plus importantes leur étaient interdits, sous peine de mort. Leur Temple sacré avait été maculé, et il leur avait été ordonné de vénérer d'autres dieux. Néanmoins, un petit groupe d’israélites pieux, les Maccabées, s'élevèrent contre les envahisseurs et les mirent en défaite. Ils reprirent possession du Temple, et le consacrèrent à nouveau à Dieu. 

La flamme éternelle de la grande menorah (chandelier) du Temple dû être rallumée. Les Maccabées avaient néanmoins besoin de 8 jours pour presser et purifier l'huile d'olive sacrée utilisée pour faire brûler cette flamme éternelle, alors qu'ils ne leur restait que suffisamment d'huile pour faire brûler la flamme pendant une journée. Ils décidèrent, dans leur foi, d'allumer la flamme tout de même. C'est alors qu'un grand miracle se produit. La carafe d'huile se remplit chaque jour avec suffisamment d'huile pour rallumer la grande menorah du Temple. Ce miracle se reproduit pendant 7 jours, soit exactement le temps pour les Maccabées de produire l'huile sacrée! Il est souvent cru que l'huile brûla pendant 8 jours en continu. Cette histoire est même mentionnée par Flavius Josèphe, l'historien juif du 1er siècle.[1] Depuis ce jour, Hanoucca est célébrée pendant 8 jours, pour commémorer le miracle de l'huile renouvelée 8 fois. Le plus grand miracle de Hanoucca est néanmoins la victoire des Maccabées sur l'armée la plus puissante du monde.



2
Procurez-vous une hanukkia. L'élément principal de la célébration de Hanoucca est un chandelier à 9 branches, appelé "hanukkia" (ou parfois "menorah", bien qu'une menorah soit techniquement un chandelier à 7 branches), et des bougies. Huit des branches du chandelier correspondent aux 8 nuits de Hanoucca, alors que la dernière branche (d'une taille différente, généralement plus grande), appelée le "shamash" (le "serviteur"), est utilisée pour allumer les autres bougies. La hanukia est généralement allumée au couché du soleil ou juste après.

Le premier soir, on allume le shamash, on récite une bénédiction, puis on allume la première bougie. La première bougie est celle placée la plus à gauche de la hanukkia.

Les bougies sont "placées" de droite à gauche mais sont "allumées" de gauche à droite. La bougie que vous allumerez en premier sera toujours la dernière que vous aurez placée sur la hannukia. La dernière bougie allumée sera alors celle que vous aurez mise en place en premier sur la hanukkia.

La deuxième nuit, on allume le shamash ainsi que les deux premières bougies, et ainsi de suite jusqu'à la 8ème nuit de Hanoucca: les 9 bougies du chandelier sont alors allumées.

Traditionnellement, la hanukkia allumée est placée près d'une fenêtre, afin que les passants puissent se souvenir du miracle de Hanoucca. Certaines familles plaçant la hanukkia près d'une fenêtre, placent alors les bougies de gauche à droite, afin qu'elles soient disposées de droite à gauche pour les passants.

3
Récitez les bénédictions alors que vous allumez la hanukkia, ou menorah.Les bénédictions sont une façon de témoigner son respect à Dieu et aux ancêtres juifs.

Le premier jour de Hanoucca, récitez la bénédiction suivante[2]:

Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech Ha'olam, asher kidshanu b’mitzvotav v’tzivanu l’hadlik ner shel Hanukkah.

Béni sois-Tu, Éternel notre D.ieu, Roi de l’Univers, qui nous a sanctifiés par Ses commandements et nous a ordonné d’allumer les lumières de Hanoucca

Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech Ha'olam, she’asah nisim l’avoteinu, b’yamim haheim bazman hazeh.

Béni sois-Tu, Éternel notre D.ieu, Roi de l’Univers, qui a fait des miracles pour nos pères en ces jours-là, en ce temps-ci.

Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech Ha'olam, shehekheyanu, v’kiyamanu vehegianu lazman hazeh.

Béni sois-Tu, Éternel notre D.ieu, Roi de l’Univers, qui nous a fait vivre, exister et parvenir jusqu’à ce moment.


Toutes les nuits suivantes de Hanoucca, lorsque vous allumez la hanukkia, récitez la bénédiction suivante:

Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech Ha'olam, asher kidshanu b’mitzvotav v’tzivanu l’hadlik ner shel Hanukkah.

Béni sois-Tu, Éternel notre D.ieu, Roi de l’Univers, qui nous a sanctifiés par Ses commandements et nous a ordonné d’allumer les lumières de Hanouka

Baruch Atah Adonai Eloheinu Melech Ha'olam, she’asah nisim l’avoteinu, b’yamim haheim bazman hazeh.

Béni sois-Tu, Éternel notre D.ieu, Roi de l’Univers, qui a fait des miracles pour nos pères en ces jours-là, en ce temps-ci.


4
Jouez au dreidel. Lors de Hanoucca, on utilise une toupie à 4 faces, appelée "dreidel" ou "sevivon", pour jouer à un jeu de hasard avec de petits bonbons ou des noix. Les joueurs obtiennent une quantité égale de bonbons dont certains sont placés au milieu dans un pot. Les joueurs font ensuite tourner le dreidel chacun leur tour. Sur chaque face du dreidel, est inscrit une lettre indiquant aux joueurs s'ils doivent prendre ou ajouter des bonbons dans le pot. Le jeu prend fin lorsque l'un des joueurs détient tous les bonbons, ou lorsque tous les bonbons ont été mangés (ce qui est généralement le cas dans les foyers où vivent de jeunes enfants!)


5
Offrez de petits cadeaux aux enfants. De petits cadeaux d'argent (gelt, en yiddish) sont offerts aux enfants lors de chaque soir de Hanoucca. Les pièces en chocolat sont également de petits cadeaux très appréciés des enfants lors de Hanoucca. Vous pourriez également offrir chaque soir à chaque enfant un chèque de 5 euros qu'il remettra à l'organisation caritative de son choix.
Les adultes peuvent aussi recevoir des cadeaux à Hanoucca. Mais bien que Hanoucca se déroule pendant la saison de Noël, il ne s'agit pas d'un "Noël juif", comme beaucoup le pense.
Des bougies de Hanoucca, de l'huile de cuisine de bonne qualité, ou un livre de cuisine juive font par exemple de beaux cadeaux de Hanoucca pour les adultes.

6
Mangez des aliments cuits dans l'huile. La fête de Hanoucca ne serait pas la même sans les latkes traditionnels et la compote de pommes. Les latkes (pancakes de pommes de terre râpées, d'oignons, de farine de matzoh et de sel) sont frits dans l'huile, jusqu'à être croustillants et dorés, puis servis avec de la compote de pommes, et bien souvent de la crème fraîche. L'huile de friture rappelle ici le miracle de l'huile. De petits beignets au sucre, appelés "soufganiyot" sont également des friandises populaires de la saison de Hanoucca, tout particulièrement en Israël. Les aliments frits et riches en huiles sont de circonstance!

Les produits laitiers sont également consommés par beaucoup de gens lors de Hanoucca, en commémoration de l'histoire de Judith. Judith sauva son village d'un général conquérant assyrien en lui servant continuellement du fromage salé et du vin. Lorsqu'il perdit connaissance, elle prit son épée et le décapita, dit l'histoire.[3] Pour cela, on prépare des latkes au fromage ainsi que des blintzes au fromage pour Hanoucca.

7
Faites "tikun olam". Profitez de la fête pour parler avec vos enfants de leurs croyances et de ce que défendre sa foi signifie pour eux. Trouvez des causes actuelles illustrant la liberté de paroles et la liberté de culte, et aidez vos enfants à transmettre ce message, des siècles après le miracle de Hanoucca. Après tout, Hanoucca est l'histoire des Israélites se battant pour la liberté de culte!

Hanoucca s'écrit de plusieurs façons différentes, dont Chanukah, Chanukkah, Chanucah, Hannukah. Toutes ces formes sont correctes puisqu'il s'agit d'une translittération de l'hébreu.

N'essayez pas de comparer Hanoucca à Noël. Si les deux fêtes se déroulent à la même période de l'année, elles ne sont aucunement liées. Célébrez la fête pour ce qu'elle représente dans nos vies d'aujourd'hui: la liberté de culte et la défense de sa foi contre une opposition forte.

Apprenez les règles du dreidel!

Sachez que Hanoucca est une fête joyeuse et se célèbre dans la bonne humeur.


Avertissements

Surveillez toujours les bougies allumées. Ne placez jamais la hanukkia sur une surface d'où elle pourrait ou près de quelque chose qui pourrait prendre feu. Assurez-vous que les petits enfants, les cheveux longs et les vêtements amples restent à bonne distance des flammes.

Lors du (ou des) vendredi soir de Hanoucca, assurez-vous d'allumer les bougies avant le début du sabbat, car il est alors interdit d'allumer le feu après le coucher du soleil.

Ne soufflez pas les bougies, à moins que cela ne soit absolument nécessaire. L'objectif est de laisser les bougies se consumer entièrement. À moins que vous ne quittiez la maison et que personne ne puisse les surveiller, laissez les bougies brûler aussi longtemps que possible. Si vous avez peur que la cire ne coule partout, utilisez des bougies sans coulures ou placez du papier aluminium sous la hanukkia.


Éléments nécessaires

Une hannukia
Des bougies
Un dreidel
De l'argent, de petits cadeaux
Les ingrédients pour préparer les latkes et autres aliments cuits à l'huile
De petits bonbons pour les enfants


↑ Antiquities of the Israelites, Book 12, chapter 7, sections 6 and 7
↑http://www.chabad.org/holidays/chanukah/article_cdo/aid/103874/jewish/Blessings.htm
↑ http://www.pbs.org/food/features/history-of-latkes/



Que festa é essa?

Chanucá ou Hanucá (חנכה ḥănukkāh ou חנוכה ḥănūkkāh) é uma festa judaica, também conhecido como o Festival das luzes. "Chanucá" é uma palavra hebraica que significa "dedicação" ou "inauguração". A primeira noite de Chanucá começa após o pôr-do-sol do 24º dia do mês judaico de Kislev e a festa é comemorada por oito dias. Uma vez que na tradição judaica o dia do calendário começa no pôr-do-sol, o Chanucá começa no 25º dia.
História.

Por volta do ano de 200 a.C. os judeus viviam como um povo autônomo na terra de Israel, a qual, nessa época, era controlada pelo rei selêucida da Síria. O povo judeu pagava impostos à Síria e aceitava a autoridade dos selêucidas, sendo, em troca, livre para seguir sua própria fé e manter seu modo de vida.

Em 180 a.C. Antíoco IV Epifanes ascendeu ao trono selêucida. Braço remanescente do império grego, encontrou barreiras para sua dominação completa sobre o povo judeu, e o modo mais prático para resolver isso era dominar de vez a região de Israel (mais precisamente a Judéia, ao sul) impondo de maneira firme a cultura da Grécia sobre os judeus, eliminado, assim, aquilo que os unificava em qualquer lugar que estivessem: a Torá. O rei Antíoco ordenou que todos aqueles que estavam sob seu domínio (em específico Israel) abandonassem sua religião e seus costumes. No caso dos judeus, isso não funcionou, ao menos em parte. Muitos judeus, principalmente os mais ricos, aderiram ao helenismo (cultura grega) e ficaram odiados e conhecidos pelos judeus mais pobres como "helenizantes", uma vez que ficavam tentando fazer a cabeça do resto dos judeus para também seguirem a cultura grega. Antíoco queria transformar Jerusalém em uma "pólis" (cidade) grega, e conseguiu.

Em 167 a.C., após acabar com uma revolta dos judeus de Jerusalém, Antíoco ordenou a construção de um altar para Zeus erguido no Templo, fazendo sacrifícios de animais imundos (não kasher) sobre o altar, e proibiu a Torá de ser lida e praticada, sendo morto todo aquele que descumprisse tal ordem.

Na cidade de Modim (sul de Jerusalém), tem início uma ofensiva contra os greco-sírios, liderada por Matatias (Matitiahu) (um sacerdote judeu de família dos Hasmoneus) e seus cinco filhos João, Simão, Eliézer, Jonatas e Judas (Yehudá). Após a morte de Matatias, Yehudá toma à frente da batalha, com um pequeno exército formando em sua maioria por camponeses. Mesmo assim, os judeus lograram vencer o forte exército de Antíoco no ano 164 a.C, e libertaram Jerusalém, purificando o Templo Sagrado. Judas acabou conhecido como Judas Macabeu (Judas, o Martelo).

O festival de Chanucá foi instituído por Judas Macabeu e seus irmãos para celebrar esse evento. (Mac. 1 vers. 59). Após terem recuperado Jerusalém e o Templo, Judá ordenou que o Templo fosse limpo, que um novo altar fosse construído no lugar daquele que havia sido profanado e que novos objetos sagrados fossem feitos. Quando o fogo foi devidamente renovado sobre o altar e as lâmpadas dos candelabros foram acesas, a dedicação do altar foi celebrada por oito dias entre sacrifícios e músicas (Mac. 1 vers. 36).

Até aqui, viu-se a vitória do pequenino exército judeu, esse foi o primeiro milagre. O segundo milagre é mais sobrenatural e deu origem à festa de Chanuká. Após a purificação da Cidade Santa e da Casa de Deus, foi constatado que só havia um jarrinho de azeite puro no Templo com o selo intacto do Cohen Gadol (Sumo Sacerdote) para que as luzes da Menorá fossem acesas, e isso duraria apenas um dia, mas milagrosamente durou oito dias, tempo suficiente para que um novo azeite puro fosse produzido e levado ao templo para o seu devido fim conforme manda a Torá (Ex 27:20-21). A Judéia ficou independente até a chegada do domínio romano em 63 a.C. A festa é realizada no dia 25 de Kislev (cai normalmente em dezembro), data onde o Templo foi reedificado. É uma festa marcada pelo clima familiar e pela grande alegria. 

Encontramos os fragmentos históricos de Chanuká nos livros deuterocanônicos de I e II Macabeus e também em escritos talmúdicos. O mandamento principal de Chanuká hoje é o acendimento da Chanukia (Menorá - candelabro - de 9 braços). Oito braços são para lembrar o milagre dos oito dias em que a Menorá ficou acesa com azeite que era para ter durado apenas um dia. O outro braço, que é chamado de "shamash" - servente - é um braço auxiliar para o acendimento das outras velas. Segundo a tradição, somente ele (o shamash) pode ser usado para, se for o caso, iluminar a casa ou para outro fim, sendo que as outras velas só podem servir para o cumprimento do mandamento. A cada noite um nova vela é acrescentada até que se completem as nove. Outras tradições como brincar com o "sevivon" (pião) onde em cada lado dele estão escritas as iniciais da frase "nes gadol hayá sham" (um grande milagre aconteceu lá - em Israel) são válidas, e para quem está em Israel a última palavra da frase é "pó" (aqui). Também há o costume de servir alimentos como sonho com geléia (sufganyot) e panquecas de batata (latkes).

Um grande número de historiadores acreditam que a razão pelos oito dias de comemoração foi que o primeiro Chanucá foi de fato uma tardia comemoração do festival de Sucot, a Festa das Cabanas (Mac. x. 6 e i. 9). Durante a guerra os judeus não puderam celebrar Sucot propriamente. Sucot também dura oito dias, e foi uma festa na qual as lâmpadas tiveram um papel fundamental durante o período do Segundo Templo (Suc.v. 2-4). Luzes também eram acesas nos lares e o nome popular do festival era, portanto, segundo Flávio Josefo ([1] Antiguidades judaicas xii. 7, § 7, #323) o "Festival das Luzes" ("E daquela época até aqui nós celebramos esse festival, e o chamamos de Luzes"). Foi notado que os festivais judaicos estavam ligados à colheita das sete frutas bíblicas na qual Israel ficou famoso. Pessach é a comemoração da colheita da cevada, Shavuot do trigo, Sucot dos figos, tamareiras, romãs e uvas, e Chanucá das olivas. A colheita das olivas é em Novembro e o óleo de oliva ficaria pronto para o Chanucá em Dezembro.


Uma Chanukiá.

O milagre de Chanucá é descrito no Talmud, mas não nos livros dos Macabeus. Esse feriado marca a derrota das forças selêucidas que tentaram proibir Israel de praticar o judaísmo. Judas Macabeu e seus irmãos destruíram forças surpreendentes, e rededicaram o Templo. O festival de oito dias é marcado pelo acendimento de luzes com uma menorá especial, tradicionalmente conhecida entre a maioria dos Sefaradim como chanucá, e entre muitos Sefaradim dos Balcãs e no Hebraico moderno como uma chanukiá.

O Talmud (Shabat 21b) diz que após as forças de ocupação terem sido retiradas do Templo, os Macabeus entraram para derrubar as estátuas pagãs e restaurar o Templo. Eles descobriram que a maioria dos itens ritualísticos havia sido profanada. Eles buscaram óleo de oliva purificado por ritual par acender uma Menorá para rededicar o Templo. Contudo, eles encontraram apenas óleo suficiente para um único dia. Eles acenderam isso, e foram atrás de purificar novo óleo. Milagrosamente, aquela pequena quantidade de óleo queimou ao longo dos oito dias que levou para que houvesse novo óleo pronto. É a razão pela qual os judeus acendem uma vela a cada noite do festival.

No Talmud dois costumes são apresentados. Era comum tanto ter oito lamparinas na primeira noite do festival, e reduzir o número a cada noite sucessiva; ou começar com uma lamparina na primeira noite, aumentando o número até a oitava noite. Os seguidores do Shamai preferiam o costume anterior; os seguidores do Hilel advogavam o segundo (Talmud, tratado Shabat 21b). Josefo acreditava que as luzes eram um símbolo da liberdade obtida pelos judeus no dia em que Chanucá é comemorado.

As fontes talmúdicas (Meg. eodem; Meg. Ta'an. 23; comparar as diferentes versões Pes. R. 2) descrevem a origem do festival de oito dias, com seus costumes de iluminar as casas, até o milagre dito ter acontecido na dedicação do Templo purificado. Isso foi que o pequeno vasilhame de óleo puro que os sacerdotes Hasmoneus encontraram intocados quando eles entraram no Templo, tendo estado vedado e escondido. Esse pequeno montante durou por oito dias até que novo óleo pudesse ser preparado para as lamparinas do candelabro sagrado. Uma lenda similar em características, e obviamente mais antigo, é aquele aludido em Mac. 2 1:18 et seq., de acordo com o qual o reacendimento das luzes do fogo do altar por Nehemias foi devido a um milagre que ocorreu no vigésimo quinto dia de Kislev, e no qual parece ter sido dado como a razão para seleção da mesma data para a rededicação do altar por Judas Macabeu.

A história de Chanucá é preservada nos livros de Macabeus 1 e Macabeus 2. Esses livros não são parte da Bíblia Hebraica, mas são parte do material religioso e histórico deuterocanônico da Septuaginta; esse material não foi codificado mais tarde pelos judeus como parte da Bíblia, mas foi codificado pelos católicos e cristãos ortodoxos. Uma outra, provavelmente tardia, fonte é o Megillat Antiokhos — um texto escrito pelos próprios Macabeus por Saadia Gaon, e mais provavelmente escrito por volta do primeiro ou segundo século d.C.

A festa de Chanucá é celebrada durante oito dias, do dia 25 de Kislev ao 2 de Tevet (ou o 3 de Tevet, quando Kislev só tem 29 dias). Durante esta festa se acende uma Chanukiá, ou candelabro de 9 braços (incluindo o central e maior, denominado Shamash, ou servente). Na primeira noite acende-se apenas o braço maior e uma vela, e a cada noite se vai acrescentando uma vela, até que no oitavo dia o candelabro está completamente aceso. Este ritual comemora o milagre do azeite que queimou por oito dias no candelabro do Templo de Jerusalém .[1]

Antes do século XX, o Chanucá era um feriado relativamente menor. Contudo, com o crescimento do Natal como o maior feriado no Ocidente e o estabelecimento do estado moderno de Israel, o Chanucá começou a servir crescentemente tanto como celebração da restauração da soberania judaica em Israel e, mais importante, como um feriado para se dar presentes voltado para a família em Dezembro que poderia ser um substituo judaico para o feriado cristão. É importante notar que a substituição pelo Natal não é universalmente aceito, e muitos judeus não tomam parte nesta significação extra naquilo que eles consideram um feriado menor. Crianças judias, primariamente entre os Ashkenazim, também jogam um jogo onde eles giram um pião de quatro faces com letras hebraicas chamado de dreidel (ס ביבון sevivon em hebraico) .

Notas

198 a.C.: Exércitos do Rei Selêucida Antíoco III (Antíoco o Grande) expulsa Ptolomeu V de Judéia e Samária.
175 a.C.: Antíoco IV (Epifanes) ascende ao trono Selêucida.
168 a.C.: Sob o reinado de Antíoco IV, o Templo é destruído, os judeus massacrados e o judaísmo é proibido.
167 a.C.: Antíoco pede um altar para Zeus erguido no Templo. Matatias e seus cinco filhos, João, Simão, Eliézer, Jonatas e Judas lideram uma rebelião contra Antíoco. Judas se torna conhecido como Judas Macabeu (Judas, o Martelo).
166 a.C.: Matatias morre, e Judá toma seu lugar como líder. O Reino Judaico Hasmoneu começa; Ele duraria até 63 a.C..
165 a.C.: A revolta judaica contra a monarquia selêucida é bem sucedida. O Templo é libertado e rededicado (Chanucá).
142 a.C.: Estabelecimento da Segunda Comunidade Judaica. Os selêucidas reconhecem a autonomia judaica. Os reis selêucidas tem autoridade formal, o que os Hasmoneus reconhecem. Isso inaugura um período de grande expansão geográfica, crescimento populacional, e desenvolvimento religioso, cultural e social.
139 a.C.: O senado romano reconhece a autonomia judaica.
130 a.C.: Antíoco VII sitia Jerusalém, mas desiste.
131 a.C.: Antíoco VII morre. Israel se livra do subjugo sírio completamente.
96 a.C.: Começa uma guerra civil de oito anos.
83 a.C.: Consolidação do Reino no território a leste do Rio Jordão.
63 a.C.: O Reino Judaico Hasmoneu chega ao final graças a uma rivalidade entre os irmãos Aristobolus II e Hyrcanus II, sendo que ambos apelam à República Romana para intervir e assegurar o poder em suas mãos. O general romano Gnaeus Pompeius Magnus (Pompeu, o Grande) é despachado para a área. Doze mil judeus são massacrados quando da vinda dos romanos a Jerusalém. os sacerdotes do Templo são abatidos no altar. Roma anexa a Judéia.

Fonte
Wikipedia

PINHEIRO, ABRHAM

ALFABETISCHE LIJST VAN LEDEN SEFARDISCH PORTUGEES JOODSE GEMEENTEN
1e "KAHAL ZUR ISRAEL" TE RECIFE
2e "MAGEN ABRAHAM" TE MAURITSSTAD (MAURICIA)
1648-1653 NEDERLANDS BRAZILIE

PINHEIRO / ABRHAM (140), in 1655 koopman te Amsterdam.

ABRAHAM PINHEIRO (PEREIRA)
In 1648 is hij koopman te Recife.
In 1655 is hij koopman in suiker te Amsterdam.

     
WELKOM OP DE WEBSITE VAN
H.W.G. van Blokland-Visser

300 JAAR HANDEL IN SUIKER 1695-1905
(door H.W.G. van Blokland-Visser)

LIJST MET LEDEN VAN DE 2 SEFARDISCH-JOODSE GEMEENTEN
IN RECIFE PERNAMBUCO/NEDERLANDS BRAZILIE,
SAMENGEVOEGD OP 16-11-1648.




Pinheiro, a origem portuguesa

The name Pinheiro is of Portuguese origin.

The English meaning of Pinheiro is Pine tree

There are many indicators that the name Pinheiro may be of Jewish origin, emanating from the Jewish communities of Spain and Portugal.

When the Romans conquered the Jewish nation in 70 CE, much of the Jewish population was sent into exile throughout the Roman Empire. Many were sent to the Iberian Peninsula. The approximately 750,000 Jews living in Spain in the year 1492 were banished from the country by royal decree of Ferdinand and Isabella. The Jews of Portugal, were banished several years later. Reprieve from the banishment decrees was promised to those Jews who converted to Catholicism. Though some converted by choice, most of these New-Christian converts were called CONVERSOS or MARRANOS (a derogatory term for converts meaning pigs in Spanish), ANUSIM (meaning "coerced ones" in Hebrew) and CRYPTO-JEWS, as they secretly continued to practice the tenets of the Jewish faith.

Our research has found that the family name Pinheiro is cited with respect to Jews & Crypto-Jews in at least 11 bibliographical, documentary, or electronic references: 
-Sources 1 - 10 for Pinheiro. From the civil records of Amsterdam, The Netherlands | 

The Amsterdam Municipal Archives possess a complete set of registers of intended marriages from 1578 to 1811, the year when the present Civil Registry was started. Between 1598 and 1811, 15238 Jewish couples were entered in these books. Both the number of records and the volume of data that may be extracted from them are unprecedented.


From the records of Bevis Marks, The Spanish and Portuguese Congregation of London

Bevis Marks is the Sephardic synagogue in London. It is over 300 years old and is the oldest still in use in Britain.The Spanish and Portuguese Jews' Congregation of London has published several volumes of its records: they can be found in libraries such as the Cambridge University Library or the London Metropolitan Archive

From the burial register of Bethahaim Velho Cemetery, Published by the Jewish Historical Society of England and transcribed by R. D. Barnett. | 

The register gives us dates for the burials in the "Bethahaim Velho" or Old Cemetery. The dates are listed as per the Jewish calendar. 


Finding Our Fathers | A Guidebook to Jewish Genealogy, by Dan Rottenberg

In this work Dan Rottenberg shows how to do a successful search for probing the memories of living relatives, by examining marriage licenses, gravestones, ship passenger lists, naturalization records, birth and death certificates, and other public documents, and by looking for clues in family traditions and customs. Supplementing the "how to" instructions is a guide to some 8,000 Jewish family names, giving the origins of the names, sources of information about each family, and the names of related families whose histories have been recorded. Other features included a country-by-country guide to tracing Jewish ancestors abroad, a list of Jewish family history books, and a guide to researching genealogy.


Precious Stones of the Jews in Curaçao; Curaçaon Jewry 1656-1957, by Isaac Samuel Emmanuel (1957) 

Names taken from 225 tombstones of 2536 persons, 1668 - 1859, men, women and some Rabbis. Includes cemetery history and plan, biographies including family histories, chronological list of names, alphabetical list of family names + number of members + eldest tombstone year, large bibliography, general alphabetical index, 15 genealogies.


A Life of Menasseh Ben Israel,by Cecil Roth.

This book contains names from the Sephardic community of greater Amsterdam. Amsterdam was a major haven and transfer point for Sephardim and Crypto-Jews leaving Iberia.


From the PhD Dissertation of Michelle M. Terrill, "The Historical Archaeology of the 17th and 18th-Century Jewish Community of Nevis, British West Indies", Boston University, 2000 | 

This is an historical archaeological examination of a 17th- and 18th-century Jewish community on the island of Nevis in the British West Indies. Unlike earlier archaeological studies of the Jewish Caribbean Diaspora that focused on single sites, the focus of this investigation was on increasing the understanding of the roles and lives of the Sephardim in the colonial Caribbean. The study of the Neevis community indicates that the Jews of the Caribbean were not fully integrated socially or politically into British colonial society.


Raizes Judaicas No Brasil,(Jewish Roots in Brazil) by Flavio Mendes de Carvalho. 

This book contains names of New Christians or Brazilians living in Brazil condemned by the Inquisition in the 17th and 18th centuries, as taken from the archives of Torre do Tombo in Lisbon. Many times details including date of birth, occupation, name of parents, age, and location of domicile are also included. The list also includes the names of the relatives of the victims. There are several cases in which many members of the same family were tortured and sentenced so some family lines may end here.


Noble Families Among The Sephardic Jews, by Isaac Da Costa, Bertram Brewster, and Cecil Roth. 

This book provides genealogy information about many of the more famous Sephardic families of Iberia, England and Amsterdam. It documents the assimilation, name changes and conversion of many Sephardic families in Spain, England and The Netherlands. There is a large section dealing with the genealogy of the members of Capadose and Silva families in Spain and Portugal. This reference includes genealogical tables and a translation of Da Costa’s 1850 work "Israel and the Gentiles", with chapters by Bertram Brewster on the Capadose conversion to Christianity and by Cecil Roth on their Jewish history.

A Origem Judaica dos Brasileiros (The Origin of The Brazilian Jews), by Jose Geraldo Rodrigues de Alckmin Filho | 

This publication contains a list of 517 Sephardic families punished by the inquisition in Portugal and Brazil. 
+Sources 11 - 11 for Pinheiro

Around the 12th century, surnames started to become common in Iberia. In Spain, where Arab-Jewish influence was significant, these new names retained their old original structure, so that many of the Jewish surnames were of Hebrew derivation. Others were directly related to geographical locations and were acquired due to the forced wanderings caused by exile and persecution. Other family names were a result of conversion, when the family accepted the name of their Christian sponsor. In many cases, the Portuguese Jews bear surnames of pure Iberian/Christian origin. Many names have been changed in the course of migration from country to country. In yet other cases "aliases", or totally new names, were adopted due to fear of persecution by the Inquisition.

Some common variations of Pinheiro are Pinhero and Pignero.

The following websites are relevant to the surname Pinheiro:

•http://www.saudades.org/Letter_Recife_Increasing_Returns.htm

•http://knowlescollection.blogspot.com/2011/02/sephardic-families-of-nevis.html

samedi 5 décembre 2015

Convergência socialista: o exemplo espanhol -- segunda parte

Convergência socialista: o exemplo espanhol -- segunda parte
Jorge Pinheiro, PhD


Nessa época, como membro da direção da Liga Operária brasileira e da Fração Bolchevique da Quarta Internacional, o autor da tese vivia no bairro de Aluche, na periferia de Madri. Suas atividades estavam voltadas à construção da seção espanhola da Quarta Internacional, tanto em Madri, como em Vigo, na Galícia. O fato de ser trotskista, aliado à história da oposição de esquerda e do POUM durante a Guerra Civil, possibilitou conversações com lideranças do proletariado madrilenho e com dirigentes sindicais, o que o levou a acompanhar de perto o processo de democratização espanhol e a unificação dos socialistas. 

Assim, trouxe a experiência vivida pelos socialistas espanhóis para o Brasil. Aprovada pelo comitê central do PST a proposta de centralizarmos a luta pela democratização na construção do Partido Socialista, iniciamos o processo do lançamento público da Convergência Socialista, que desde seu início foi além da leitura dogmática do marxismo, situando-se no campo da nova esquerda européia e norte-americana. Surgiu, dessa maneira, como novidade no espectro da esquerda brasileira. 

“Nos últimos dias do mês passado, diversos núcleos que participam desse movimento pela criação de um partido socialista deram um passo adiante. Em reunião realizada na PUC de São Paulo, no dia 28 passado, criaram o movimento Convergência Socialista, que tem como objetivo a unificação de todos os setores que lutam pela criação de um partido socialista”.[1]

E a reportagem esclarecia que participaram do encontro cerca de 200 pessoas, representando aproximadamente vinte entidades. E dizia ter sido formada uma coordenação provisória integrada por todos os grupos que participam da Convergência Socialista, a fim de desenvolver esforços na tentativa de uma reunião nacional, “pois a intenção é criar antes das eleições de novembro próximo pelo menos um amplo movimento pró-criação do PS”.[2] A partir daí a Convergência Socialista manteve um debate com a esquerda brasileira, realizando conversações com Almino Affonso, Chico Pinto, Edmundo Moniz, Fernando Henrique Cardoso, José Álvaro Moisés, Plínio de Arruda Sampaio, e a Tendência Socialista do MDB, no Rio Grande do Sul. [3]

A Convergência se lança como um movimento que pretende unir todos os socialistas, dispersos em muitos agrupamentos clandestinos, que tivessem posicionamento pela construção de um partido socialista dos trabalhadores. Nesse período começamos a ter uma unidade maior com os sindicalistas do ABC. No 1º de maio de 1978 a esquerda toda se dividiu entre comemorar com os sindicalistas do ABC ou fazer o 1º de maio com os da oposição em Osasco. Nós fomos a única corrente de esquerda que comemorou o 1º de maio no ABC. Dessa relação com eles surgiu o apoio eleitoral, no segundo semestre.[4]

A Convergência Socialista definiu, então, como tática apoiar candidatos operários dentro das listas do PMDB, “uma mediação para tentar construir a independência política de classe. Procuramos o Lula, ele não quis ser candidato. Apoiamos o Benedito Marcílio, que era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Quando propusemos, como condição do acordo eleitoral, que no programa da candidatura estivesse explicitado que éramos por um partido socialista dos trabalhadores, o Marcílio nos disse: ‘Digamos por um Partido dos Trabalhadores, não se coloque o socialista. Construamos primeiro um PT e depois discutamos o que é o socialismo, porque os trabalhadores não sabem’. Aí surgem as primeiras articulações que vão originar o movimento pró-PT. Nesse processo começam a se unir muitos outros companheiros. Mas foi uma iniciativa pioneira. Nós temos orgulho”.[5] E no 9o. Congresso dos Metalúrgicos de São Paulo, em janeiro de 1979, em Lins (SP), Zé Maria[6], do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e militante da CS, propôs um manifesto chamando "todos os trabalhadores brasileiros a unir-se na construção de seu partido, o Partido dos Trabalhadores". A moção foi aprovada.[7]

“A proposta de formação de um Partido de Trabalhadores começou a ser veiculada pelo jornal Versus, influenciado pela organização Convergência Socialista, em meados do ano de 1978. Tal proposta se materializou na tese que o Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, apresentou no 9º Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos, Mecânicos e de Material Elétrico do Estado de São Paulo realizado na cidade de Lins, em janeiro de 1979.[8] A tese propunha um chamado a todos os trabalhadores brasileiros para a construção de ‘seu partido, o Partido dos Trabalhadores’. Tal partido deveria excluir a colaboração com a burguesia, deveria ser ‘de todos os trabalhadores da cidade e do campo’, [9] mas ‘sem patrões’.” [10]

Mas, se por um lado realizava conversações com as lideranças da esquerda, montava seus núcleos nas fábricas do ABC e atuava nas oposições sindicais classistas, por outro, a Convergência Socialista adotou a linguagem da nova esquerda européia e norte-americana, apresentando através do jornal Versus a política sob novas perspectivas. Entre as acusações que sofreu, era de que estava formada por estudantes e intelectuais, e que sua política de proletarização de quadros através do trabalho nas fábricas do ABC e a ida para os bairros operários, não poderia mudar a realidade de que seus militantes vinham da classe média. Na verdade, essa acusação já tinha sido feita antes à Polop e também à AP. Mas, como já tinha afirmado Marcuse, essa era uma característica da nova esquerda, que “assume um caráter aparentemente elitista, em virtude de seu conteúdo intelectual: um assunto mais para ‘intelectuais’ do que para ‘trabalhadores’”.[11]

“O predomínio de intelectuais (e de intelectuais antiintelectuais) no movimento é, de fato, obvio. Pode muito bem ser expressivo do crescente uso de intelectuais de todos os gêneros tanto na infraestrutura como no setor ideológico do processo econômico e político. Além disso, à medida que a libertação pressupõe o desenvolvimento de uma consciência radicalmente diferente (uma contraconsciência), capaz de suplantar o fetichismo da sociedade de consumo, ela pressupõe um conhecimento e uma sensibilidade que a ordem estabelecida, através do seu sistema de classes na educação, interdita à maioria das pessoas. Em sua fase atual, a Nova Esquerda e, necessária e essencialmente, um movimento intelectual (...)”.[12]

Consciente do papel intelectual que jogava, a Convergência procurou abrir ao máximo o espectro de suas relações com a radicalidade opositora ao regime: enfocou a questão negra e abrigou em suas fileiras ativistas do movimento negro unificado. E apoiou também outras minorias que começavam a se organizar. Um exemplo: em 1980, no Rio de Janeiro, durante a Semana Santa, foi realizado o I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais. Participaram cerca de oitocentas pessoas e se fizeram presentes os grupos Eros de São Paulo, Somos de Sorocaba e do Rio de Janeiro, Beijo Livre de Brasília, Libertos de Guarulhos, Ação Lésbico-Feminista, e a Facção Homossexual da Convergência Socialista.[13] Manteve também um diálogo com a América Latina, Estados Unidos e Europa, através de relacionamento com partidos e pensadores trotskistas e da nova esquerda. E procurou participar do processo revolucionário latino-americano, mandando, por exemplo, militantes para a Nicarágua, que acompanharam a queda do regime de Somoza.

Dessa maneira, a tradição democrática do PSB, a revolução comportamental da nova esquerda e a crítica trotskista do stalinismo fizeram parte da história da esquerda brasileira no século XX e construíram compreensões da realidade que se fizeram presentes na formação do pensamento socialista no PT. Mas é importante entender como foram construídas as relações políticas entre o cristianismo social e essas correntes de esquerda. 


Citações

[1] “As articulações por um partido socialista”, Movimento, no. 136, São Paulo, 06.02.1978, p. 4. 
[2] “As articulações por um partido socialista”, artigo citado, p. 4. 
[3] Ênio Bucchioni e Omar de Barros Filho, “O editorial dos editoriais”, 1978, São Paulo, Versus no 28, 01.1979, pp.3-9. 
[4] Entrevista de Valério Arcary, artigo citado. 
[5] Entrevista de Valério Arcary, artigo citado. 
[6] “Foi um militante dessa tendência, o metalúrgico José Maria de Almeida, o Zé Maria, quem apresentou uma tese no Congresso dos Metalúrgicos do Estado de São Paulo, realizado em janeiro de 1979 na cidade de Lins, propondo a criação de um ''partido de trabalhadores sem patrões''. A proposta era defendida, desde o final de 1978, pelo chamado Movimento Convergência Socialista (MCS). Lula, que até então havia se manifestado contrariamente à criação de um partido de trabalhadores, apoiou a proposta. Aprovada a proposta, uma primeira reunião para discutir a formação de um Movimento pró-PT foi realizada em 30 de janeiro no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco. Após essa reunião, coube a uma Comissão Provisória, composta por Jacó Bittar, Paulo Skromov, Henos Amorina, Wagner Benevides e Robson Camargo, discutir a Carta de Princípios do movimento. Camargo era diretor do Sindicato dos Artistas de São Paulo e membro do MCS. Nenhum representante do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema participava dela, o que indica o papel secundário ocupado por Lula e seus companheiros neste primeiro momento. O texto da Carta incorporava muitas propostas do MCS, dentre elas a recusa 'a aceitar em seu interior representantes das classes exploradoras'. Lula declarou ter participado da elaboração do texto e conhecer sua versão final, sem fazer objeções a ele. Mas logo a seguir, a distribuição da mesma Carta no 1º de maio de 1979 foi vetada pelo próprio Lula”. Alvaro Bianchi, “25 Anos de PT”, JB Online, 30.30.2005. 
[7] “Suplemento PSTU 10 anos”, PSTU. Site: www.pstu.org.br/jornal.asp?id=2028 (Acesso em 12/10/2004). 
[8] Partido dos Trabalhadores. “A Tese de ‘Santo André-Lins’, 1979”. In Resoluções de Encontros e Congressos. 1979-1998. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998, pp. 47-48. 
[9] Partido dos Trabalhadores. “A Tese de ‘Santo André-Lins”, 1979”, op. cit., p. 48. 
[10] Álvaro Bianchi, Do PCB ao PT: continuidades e rupturas na esquerda brasileira, São Bernardo do Campo, UMESP. Site: http://planeta.terra.com.br/educacao/politikon/dopcbaopt (Acesso em 15.10.2004). 
[11] Herbert Marcuse, Contra-revolução e revolta, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1978, p. 39. 
[12] Marcuse, Contra-revolução e revolta, op. cit., p. 39. 
[13] “Livre Expressão, uma ação comunicativa contra o preconceito e pela cidadania”, Secretaria Nacional de Gays, Lésbicas e Homossexuais, PSTU, 15.03.1999. Site: www.pstu.org.br/gaylesb (Acesso em 15.10.2004).

vendredi 4 décembre 2015

Currículo Lattes

Jorge PINHEIRO dos Santos 

http://lattes.cnpq.br/4935547912430778 



É Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2011) e pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2008), Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2006), Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2001) e Graduado em Teologia pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2001). É professor de tempo integral na Faculdade Teológica Batista de São Paulo e Jornalista Profissional. Atua na área de Ciências da Religião, com especialização nas relações entre religião e política, e filosofia, teologia e cristianismo.

Etienne de La Boétie

Discurso Sobre a Servidão Voluntária
Etienne de La Boétie

Para download sugiro
http://www.culturabrasil.org/zip/boetie.pdf


Palavras iniciais

Etienne de La Boétie morreu aos 33 anos de idade, em 1563. Deixou sonetos, traduções de Xenofonte e Plutarco e o Discurso Sobre a Servidão Voluntária, o primeiro e um dos mais vibrantes hinos à liberdade dentre os que já se escreveram.

Toda a sua obra ficou como legado ao filósofo Montaigne (1533 – 1592), seu amigo pessoal que, diante de uma primeira publicação – pirata – do Discurso em 1571, viu-se obrigado a se pronunciar a respeito da Obra, que procura minimizar em seus efeitos apodando-lhe o epíteto de “obra de infância” e “mero exercício intelectual”. Montaigne, com todo o seu inegável brilho intelectual, era um Homem do Estado e disso não escapava.

Entre muitos pontos importantes e relevantes do Discurso em si, ressalta-se:

1. O poder que um só homem exerce sobre os outros é ilegítimo.
2. A preferência pela república em detrimento da monarquia.
3. As crenças religiosas são frequentemente usadas pelas monarquias para manter o povo sob sujeição e jugo.
4. Etienne de La Boétie afirma no Discurso a liberdade e a igualdade de todos os homens na dimensão política.
5. Evidencia, pela primeira vez na história, a força da opinião pública.
6. Repele todas as formas de demagogia.
7. Incursionando pioneiramente pelo que mais tarde ficará conhecido como psicologia de massas, informa da irracionalidade da servidão, desde o título provocativo da Obra, indicada como uma espécie de vício, de doença coletiva.

O Discurso, que no século XVI Montaigne considerava difícil prefaciar, hoje em dia é ainda tristemente atual.

O ser humano encontra-se em amarras auto-infligidas por toda a parte. Como dizia Manuel J. Gomes, importante tradutor de La Boétie para o português:

Se em 1600 era tarefa difícil escrever um prefácio a La Boétie, hoje não é mais fácil. Hoje como nos tempos de La Boétie e Montaigne, a alienação é demasiado doce (como um refrigerante) e a liberdade demasiado amarga, porque está demasiado próxima da solidão. E da loucura.” 
LCC – verão de 2004


Discurso Sobre a Servidão Voluntária
Etienne de La Boétie


Muita gente a mandar não me parece bem; um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.

Assim proclamava publicamente Ulisses em Homero [Homero, Ilíada, cap. II] Teria toda a razão se tivesse dito apenas:

Muita gente a mandar não me parece bem.

Deveria, para ser mais claro, ter explicado que o domínio de muitos nunca poderia ser boa coisa pela razão de o domínio de um só que usurpe o título de soberano ser já assaz duro e pouco razoável; em vez disso, porém, acrescentou:

Um só chefe, um só rei, é o que mais nos convém.

Uma única desculpa terá Ulisses e é a necessidade que teve de recorrer a tais palavras para apaziguar as tropas amotinadas, adaptando (julgo) o discurso às circunstâncias mais do que à verdade.

Vistas bem as coisas, não há infelicidade maior do que estar sujeito a um chefe; nunca se pode confiar na bondade dele e só dele depende o ser mau quando assim lhe aprouver.

Ter vários amos é ter outros tantos motivos para se ser extremamente desgraçado.

Não quero por enquanto levantar o discutidíssimo problema de saber se as outras formas de governar a coisa pública são melhores do que a monarquia. A minha intenção é antes interrogar-me sobre o lugar que à monarquia cabe, se algum lhe cabe, entre as mais formas de governar. Porque não é fácil admitir que o governo de um só tenha a preocupação da coisa pública.

É melhor, todavia, que esse problema seja discutido separadamente, em tratado próprio, pois é daqueles que traz consigo toda a casta de disputas políticas.

Quero para já, se possível, esclarecer tão-somente o fato de tantos homens, tantas vilas, cidades e nações suportarem às vezes um tirano que não tem outro poder de prejudicá-los enquanto eles quiserem suportá-lo; que só lhes pode fazer mal enquanto eles preferem agüentá-lo a contrariá-lo.

Digno de espanto, se bem que vulgaríssimo, e tão doloroso quanto impressionante, é ver milhões de homens a servir, miseravelmente curvados ao peso do jugo, esmagados não por uma força muito grande, mas aparentemente dominados e encantados apenas pelo nome de um só homem cujo poder não deveria assustá-los, visto que é um só, e cujas qualidades não deveriam prezar porque os trata desumana e cruelmente.

Tal é a fraqueza humana: temos frequentemente de nos curvar perante a força, somos obrigados a contemporizar, não podemos ser sempre os mais fortes.

Se, portanto, uma nação é pela força da guerra obrigada a servir a um só, como a cidade de Atenas aos trinta tiranos, não nos espanta que ela se submeta; devemos antes lamentá-la; ou então, não nos espantarmos nem lamentarmos mas sofrermos com paciência e esperarmos que o futuro traga dias mais felizes.

Está na nossa natureza o deixarmos que os deveres da amizade ocupem boa parte da nossa vida. É justo amarmos a virtude, estimarmos as boas ações, ficarmos gratos aos que fazem o bem, renunciarmos a certas comodidades para melhor honrarmos e favorecermos aqueles a quem amamos e que o merecem. Assim também, quando os habitantes de um país encontram uma personagem notável que dê provas de ter sido previdente a governá-los, arrojado a defendê-los e cuidadoso a guiá-los, passam a obedecer-lhe em tudo e a conceder-lhe certas prerrogativas; é uma prática reprovável, porque vão acabar por afastá-lo da prática do bem e empurrá-lo para o mal. Mas em tais casos julga-se que poderá vir sempre bem e nunca mal de quem um dia nos fez bem.

Mas o que vem a ser isto, afinal?

Que nome se deve dar a esta desgraça? Que vício, que triste vício é este: um número infinito de pessoas não a obedecer, mas a servir, não governadas mas tiranizadas, sem bens, sem pais, sem vida a que possam chamar sua? Suportar a pilhagem, as luxúrias, as crueldades, não de um exército, não de uma horda de bárbaros, contra os quais dariam o sangue e a vida, mas de um só? Não de um Hércules ou de um Sansão, mas de um só indivíduo, que muitas vezes é o mais covarde e mulherengo de toda a nação, acostumado não tanto à poeira das batalhas como à areia dos torneios, menos dotado para comandar homens do que para ser escravo de mulheres?

Chamaremos a isto covardia? Temos o direito de afirmar que todos os que assim servem são uns míseros covardes?

É estranho que dois, três ou quatro se deixem esmagar por um só, mas é possível; poderão dar a desculpa de lhes ter faltado o ânimo. Mas quando vemos cem ou mil submissos a um só, não podemos dizer que não querem ou que não se atrevem a desafiá-lo.

Como não é covardia, poderá ser desprezo, poderá ser desdém? Quando vemos não já cem, não já mil homens, mas cem países, mil cidades e um milhão de homens submeterem-se a um só, todos eles servos e escravos, mesmo os mais favorecidos, que nome é que isto merece? Covardia?

Ora todos os vícios têm naturalmente um limite além do qual não podem passar. Dois podem ter medo de um, ou até mesmo dez; mas se mil homens, se um milhão deles, se mil cidades não se defendem de um só, não pode ser por covardia.

A covardia não vai tão longe, da mesma forma que a valentia também tem os seus limites: um só não escala uma fortaleza, não defronta um exército, não conquista um reino.

Que vício monstruoso então é este que sequer merece o nome vil de covardia? Que a natureza nega ter criado, a que a língua se recusa nomear?

Disponham-se de um lado cinqüenta homens armados e outros tantos de outro lado; ponham-se em ordem de batalha, prontos para o combate, sendo uns livres e lutando pela liberdade, enquanto os outros tentam arrebatá-la dos primeiros: a quais deles, por conjectura, se atribui a vitória? Quais deles irão para a luta com maior entusiasmo: os que, em recompensa deste trabalho receberão o prêmio de conservar a liberdade ou os que, dos golpes que derem ou receberem, esperam tão-somente a servidão?

Os primeiros têm constantemente diante dos olhos a felicidade de sua vida passada, a esperança de no porvir a poderem conservar. Preocupa-os menos o que têm de sofrer no decurso da batalha do que tudo o que vão ter de suportar eles, os filhos e toda a posteridade. Os outros nada têm que os anime, a não ser um pouco de cobiça que é insuficiente para protegê-los do perigo e tão pouco ardente que não tardará a extinguir-se logo que derramem as primeiras gotas de sangue.

Nas muito famosas batalhas de Milcíades, Leônidas e Temístocles, travadas há já dois mil anos e que permanecem tão frescas na memória dos livros e dos homens como se tivessem acontecido ontem, nessas batalhas travadas na Grécia para bem da Grécia e exemplo do mundo inteiro, donde terá vindo aos gregos escassos não digo o poder mas o ânimo para se oporem à força de navios tão numerosos que mal cabiam no mar? E para desbaratarem nações tão numerosas que em toda a armada grega não se achariam soldados que chegassem para preencherem, se tal fosse mister, os postos de comandantes desses navios?

É que, em boa verdade, o que estava em causa nesses dias gloriosos não era tanto a luta entre gregos e persas como a vitória da liberdade sobre a dominação, da razão sobre a cupidez.

Quantos prodígios temos ouvido contar sobre a valentia que a liberdade põe no coração dos que a defendem! Mas o que acontece afinal em todos os países, com todos os homens, todos os dias? Quem, só de ouvir contar, sem o ter visto, acreditaria que um único homem tenha logrado esmagar mil cidades, privando-as da liberdade? Se casos tais acontecessem apenas em países remotos e outros no-los contassem, quem não diria que era tudo invenção e impostura? Ora o mais espantoso é sabermos que nem sequer é preciso combater esse tirano, não é preciso defendermos-nos dele. Ele será destruído no dia em que o país se recuse a servi-lo. Não é necessário tirar-lhe nada, basta que ninguém lhe dê coisa alguma.

Não é preciso que o país faça coisa alguma em favor de si próprio, basta que não faça nada contra si próprio. São, pois, os povos que se deixam oprimir, que tudo fazem para serem esmagados, pois deixariam de ser no dia em que deixassem de servir. É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios.

Se fosse difícil recuperar a liberdade perdida, eu não insistiria mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais ardor do que o retorno à sua condição natural, deixar, digamos, a condição de alimária e voltar a ser homem? Mas não é essa ousadia o que eu exijo dele; limito-me a não lhe permitir que ele prefira não sei que segurança a uma vida livre.

Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la? Se basta um ato de vontade, se basta desejá-la, que nação há que a considere assim tão difícil? Como pode alguém, por falta de querer, perder um bem que deveria ser resgatado a preço de sangue? Um bem que, uma vez perdido, torna, para as pessoas honradas, a vida aborrecida e a morte salutar?

Veja-se como, ateado por pequena fagulha, acende-se o fogo, que cresce cada vez mais e, quanto mais lenha encontra, tanta mais consome; e como, sem se lhe despejar água, deixando apenas de lhe fornecer lenha a consumir, a si próprio se consome, perde a forma e deixa de ser fogo.

Assim são os tiranos: quanto mais eles roubam, saqueiam, exigem, quanto mais arruínam e destroem, quanto mais se lhes der e mais serviços se lhes prestarem, mais eles se fortalecem e se robustecem até aniquilarem e destruírem tudo. Se nada se lhes der, se não se lhe obedecer, eles, sem ser preciso luta ou combate, acabarão por ficar nus, pobres e sem nada; da mesma forma que a raiz, sem umidade e alimento, se torna ramo seco e morto.

Os audazes, para que obtenham o que procuram, não receiam perigo algum, os avisados não recusam passar por problemas e privações. Os covardes e os preguiçosos não sabem suportar os males nem recuperar o bem. Deixam de desejá-lo e a força para o conseguirem lhes é tirada pela covardia, mas é natural que neles fique o desejo de o alcançarem. Esse desejo, essa vontade, são comuns aos sábios e aos indiscretos, aos corajosos e aos covardes; todos eles, ao atingirem o desejado, ficam felizes e contentes.

Numa só coisa, estranhamente, a natureza se recusa a dar aos homens um desejo forte. Trata-se da liberdade, um bem tão grande e tão aprazível que, perdida ela, não há mal que não sobrevenha e até os próprios bens que lhe sobrevivam perdem todo o seu gosto e sabor, corrompidos pela servidão.

A liberdade é a única coisa que os homens não desejam; e isso por nenhuma outra razão (julgo eu) senão a de que lhes basta desejá-la para a possuírem; como se recusassem conquistá-la por ela ser tão simples de obter.

Gentes miserandas, povos insensatos, nações apegadas ao mal e cegas para o bem! Assim deixais que vos arrebatem a maior e melhor parte das vossas riquezas, que devastem os vossos campos, roubem as vossas casas e vo-las despojem até das antigas mobílias herdadas dos vossos pais!

A vida que levais é tal que (podeis afirmá-lo) nada tendes de vosso. Mas parece que vos sentis felizes por serdes senhores apenas de metade dos vossos haveres, das vossas famílias e das vossas vidas; e todo esse estrago, essa desgraça, essa ruína provêm afinal não dos seus inimigos, mas de um só inimigo, daquele mesmo cuja grandeza lhe é dada só por vós, por amor de quem marchais corajosamente para a guerra, por cuja grandeza não recusais entregar à morte as vossas próprias pessoas.

Esse que tanto vos humilha tem só dois olhos e duas mãos, tem um só corpo e nada possui que o mais ínfimo entre os ínfimos habitantes das vossas cidades não possua também; uma só coisa ele tem mais do que vós e é o poder de vos destruir, poder que vós lhe concedestes.

Onde iria ele buscar os olhos com que vos espia se vós não lhos désseis? Onde teria ele mãos para vos bater se não tivesse as vossas? Os pés com que ele esmaga as vossas cidades de quem são senão vossos? Que poder tem ele sobre vós que de vós não venha? Como ousaria ele perseguir-vos sem a vossa própria conivência?

Que poderia ele fazer se vós não fôsseis encobridores daquele que vos rouba, cúmplices do assassino que vos mata e traidores de vós mesmos? Semeais os vossos frutos para ele pouco depois calcar aos pés. Recheais e mobiliais as vossas casas para ele vir saqueá-las, criais as vossas filhas para que ele tenho em quem cevar sua luxúria. Criais filhos a fim de que ele, quando lhe apetecer, venha recrutá-los para a guerra e conduzi-los ao matadouro, fazer deles acólitos da sua cupidez e executores das suas vinganças.

Matai-vos a trabalhar para que ele possa regalar-se e refestelar-se em prazeres vis e imundos. Enquanto vós definhais, ele vai ficando mais forte, para mais facilmente poder refrear-vos. E de todas as ditas indignidades que os próprios brutos, se as sentissem, não suportariam, de todas podeis libertar-vos, se tentardes não digo libertar-vos, mas apenas querer fazê-lo.

Tomai a resolução de não mais servirdes e sereis livres. Não vos peço que o empurreis ou o derrubeis, mas somente que o não apoieis: não tardareis a ver como, qual Colosso descomunal, a que se tire a base, cairá por terra e se quebrará.

Os médicos aconselham a não se tocar com a mão nas chagas incuráveis; não é, pois, sensato que eu dê conselhos a um povo que há muito perdeu a consciência e cuja doença, uma vez que ele já não sente dor, é evidentemente mortal. Temos, antes, de procurar saber como esse desejo teimoso de servir se foi enraizando a ponto de o amor à liberdade parecer coisa pouco natural.

Antes demais, eu creio firmemente que, se nós vivêssemos de acordo com a natureza e com os seus ensinamentos, seríamos naturalmente obedientes ao país, submissos à razão e de ninguém escravos.

Todos os homens, por si próprios, sem outro conselho que não seja o da natureza, guardam obediência ao pai e à mãe; quanto à razão, discutem muito os acadêmicos e todas as escolas filosóficas se ela nasce ou não conosco.

De momento penso não errar se crer que há na nossa alma uma semente natural de razão, a qual, se cultivada com bons conselhos e bons costumes, floresce em virtude; se, pelo contrário, é atacada pelos vícios, morre de asfixia e aborta.

Uma coisa é claríssima na natureza, tão clara que a ninguém é permitido ser cego a tal respeito, e é o fato de a natureza, ministra de Deus e governanta dos homens, nos ter feito todos iguais, com igual forma, aparentemente num mesmo molde, de forma a que todos nos reconhecêssemos como companheiros ou mesmo irmãos.

Ao fazer as partilhas dos dons que nos legou, deu, mais a uns do que a outros, certos dons corporais e espirituais; mas é igualmente certo que não pretendeu pôr-nos neste mundo como em campo fechado, nem deu aos mais fortes e aos mais avisados ordem para, quais salteadores emboscados no mato e armados, dizimarem os mais fracos.

É de crer, isso sim, que, favorecendo alguns e desfavorecendo outros, pretendia dar lugar à fraterna afeição, dar-lhes meios de se manifestar, pois se a uns assiste o poder de ajudar, os outros tinham necessidade de ser ajudados.

Esta boa mãe deu-nos a todos a terra para nela morarmos, albergou-nos a todos numa mesma casa, moldou-nos a todos numa mesma massa, para assim todos podermos mirar-nos e reconhecer-nos uns nos outros; a todos em comum outorgou o grande dom da voz e da palavra para sermos mais amigos e mais irmãos e, pela comum e mútua declaração dos nossos pensamentos, estabelecermos a comunhão de nossas vontades.

E pois ela buscou por todos os meios apertar e estreitar mais fortemente os nós da nossa aliança e sociedade, e por todas as formas mostrou mais desejar ver-nos unidos do que unos, não há dúvida de que somos todos companheiros e ninguém poderá jamais admitir que a natureza, integrando-nos a todos numa sociedade, tenha destinado uns para escravos.

Não importa verdadeiramente discutir se a liberdade é natural, provado que esteja ser a escravidão uma ofensa para quem a sofre e uma injúria à natureza que em tudo quanto faz é razoável.

Não há dúvidas, pois, de que a liberdade é natural e que, pela mesma ordem e de idéias, todos nós nascemos não só senhores da nossa alforria mas também com condições para a defendermos.

Se acaso pusermos isso em dúvida e descermos tão baixo que não sejamos capazes de reconhecer qual o nosso direito e as nossas qualidades naturais, vou ter de vos tratar como mereceis e por os próprios animais a dar-vos lições e a ensinar-vos qual é vossa verdadeira natureza e condição.

Só quem for surdo não ouve o que dizem os animais: viva a liberdade! Muitos deles morrem quando os apanham. Como o peixe que, fora da água, perde a vida, também outros animais se negam a viver sem a liberdade que lhes é natural. Se os animais estabelecessem entre si quaisquer grandezas e proeminências, fariam (creio firmemente) da liberdade a sua nobreza.

Alguns há que, dos maiores aos menores, ao serem presos, opõem resistência com as garras, os chifres, as patas e o bico, demonstrando assim claramente o quanto prezam a liberdade perdida. E uma vez no cativeiro, dão evidentes sinais do conhecimento que têm da sua desgraça e deixam ver perfeitamente que se sentem mais mortos do que vivos, continuando a viver mais para lamentarem a liberdade perdida do que por lhes agradar a servidão.

O que quer dizer o elefante que, depois de se defender até mais não poder, sentindo-se impotente e prestes a ser apanhado, espeta as presas nas árvores e as quebra, assim mostrando o grande desejo que tem de continuar livre como nasceu?

Assim dá a entender que deseja negociar com os caçadores, dando-lhes os dentes para que o soltem, entregando-lhes o marfim em penhor da liberdade.

Começamos a domesticar o cavalo, desde o momento em que ele nasce, preparamo-lo para nos servir e não podemos glorificar-nos de que, uma vez domado, ele não morde o freio e não se empina quando o esporeamos, como se (assim parece) quisesse mostrar à natureza e testemunhar por essa forma que serve não de boa vontade mas por ser obrigado a servir.

Que dizer perante isto? Que
Até os bois sob o jugo andam gemendo
E na gaiola as aves vão chorando

como escrevi no tempo em que versejava à francesa (não receio, escrevendo-te me particular, citar versos meus, coisa que nunca faço; como tens mostrado gostar deles, não me acusarás de ser pretensioso).

Todas as coisas que têm sentimento sentem a dor da sujeição e suspiram pela liberdade; as alimárias, feitas para servirem o homem não são capazes de se habituar à servidão sem protestarem desejos contrários. A que azar, pois, se deverá que o homem, livre por natureza, tenha perdido a memória da sua condição e o desejo de a ela regressar?

Há três espécies de tiranos. Refiro-me aos maus príncipes. Chegam uns ao poder por eleição do povo, outros por força das armas, outros sucedendo aos da sua raça. Os que chegam ao poder pelo direito da guerra portam-se como quem pisa terra conquistada. Os que nascem reis, as mais das vezes, não são melhores; nascidos e criados no sangue da tirania, tratam os povos em quem mandam como se fossem seus servos hereditários; e, consoante a compleição a que são mais atreitos, avaros ou pródigos, assim fazem do reino o que fazem com outra herança qualquer.

Aquele a quem o povo deu o Estado deveria ser mais suportável; e sê-lo-ia a meu ver, se, desde o momento em que se vê colocado em altos postos e tomando o gosto à chamada grandeza, não decidisse ocupá-los para todo o sempre. O que geralmente acontece é tudo fazerem para transmitirem aos filhos o poder que o povo lhes concedeu. E, tão depressa tomam essa decisão, por estranho que pareça, ultrapassam em vício e até em crueldade os outros tiranos; para conservarem a nova tirania, não acham melhor meio do que aumentar a servidão e afastar tanto dos súditos a idéia de liberdade que eles, tendo embora a memória fresca, começam a esquecer-se dela.

Assim, para dizer toda a verdade, encontro entre eles alguma diferença, mas não vejo por onde escolher. Sendo diversos os modos de alcançar o poder, a forma de reinar é sempre idêntica. Os eleitos procedem como quem doma touros; os conquistadores como quem se assenhoreia de uma presa a que têm direito; os sucessores como quem lida com escravos naturais.

Se acaso hoje nascesse um povo completamente novo, que não estivesse acostumado à sujeição nem soubesse o que é a liberdade, que ignorasse tudo sobre uma e outra coisa, incluindo os nomes, e se lhe fosse dado a escolher entre o ser sujeito ou o viver a liberdade, qual seria a escolha desse povo?

Não custa a responder que prefeririam obedecer à razão em vez de servirem a um homem; a não ser que se tratasse dos israelitas, os quais, sem ninguém os obrigar e sem necessidade, elegeram um tirano [I Samuel, capítulo 8]; mas nunca leio a história de tal povo sem uma grande decepção e alguma fúria, tanta que quase me alegro por lhe terem acontecido tantas desgraças.

Uma coisa é certa, porém: os homens, enquanto neles houver algo de humano, só de deixam subjugar se foram forçados ou enganados; enganados pelas armas estrangeiras, como Esparta e Atenas pelas forças de Alexandre, ou pelas facções, como aconteceu quando o governo de Atenas caiu nas mãos de Pisístrates [Pisístrates (600 – 527) foi por três vezes tirano de Atenas. Da primeira vez foi derrubado por Licurgo. Da segunda por Hermódio e Aristogíton. Deve-se, contudo, a Pisístrates a compilação das obras de Homero, como a Ilíada e a Odisséia.].

Muitas vezes perdem a liberdade porque são levados ao engano, não são seduzidos por outrem mas sim enganados por si próprios. Assim, o povo de Siracusa, cidade capital da Sicília, denominada hoje Saragoça [aqui Boétie se equivoca...], apertado pelas guerras, sem olhar a nada a não ser o perigo, elevou ao poder Dionísio Primeiro e entregou-lhe o comando do exército. Tantos poderes lhe foi dando que o velhaco, uma vez vitorioso, como se tivesse triunfado não sobre os inimigos, mas sobre os cidadãos, subiu de capitão a rei e de rei a tirano.

Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem a recupera; antes começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter perdido não a liberdade mas a servidão.

É verdade que, a princípio, serve com constrangimento e pela força; mas os que vêm depois, como não conheceram a liberdade nem sabem o que ela seja, servem sem esforço e fazem de boa mente o que seus antepassados tinham feito por obrigação.

Assim é: os homens nascem sob o jugo, são criados na servidão, sem olharem para lá dela, limitam-se a viver tal como nasceram, nunca pensam ter outro direito nem outro bem senão o que encontraram ao nascer, aceitam como natural o estado que acharam à nascença.

E todavia não há herdeiro tão pródigo e desleixado que uma vez não passe os olhos pelos livros de registros, para ver se goza de todos os direitos hereditários e se não foi esbulhado nos seus direitos, ele ou o seu predecessor.

Mas o costume, que sobre nós exerce um poder considerável, tem uma grande orça de nos ensinar a servir e (tal como de Mitrídates se diz que aos poucos foi se habituando a beber veneno) a engolir tudo até que deixamos de sentir o amargor do veneno da servidão.

Não pode negar-se que a natureza tem força para nos levar aonde ela queira e fazer a nós livres ou escravos; mas importa confessar que ela tem sobre nós menos poder do que o costume e que a natureza, por muito boa que seja, acaba por se perder se não for tratada com os cuidados necessários; e o alimento que comemos transmite-nos muito de seu, faça a natureza o que fizer.

As sementes do bem que a natureza em nós coloca são tão pequenas e inseguras que não agüentam o embate do alimento contrário. Não se mantêm facilmente, estragam-se, desfazem-se, reduzem-se a nada. Como acontece com as árvores de fruto, possuidoras de uma natureza própria que conservarão enquanto as deixarem; mas passarão a ter outra e a dar frutos estranhos, não os delas, a partir do momento em que sejam enxertadas.

As ervas têm cada uma a sua propriedade, a sua natureza e a sua singularidade próprias; mas o frio, o tempo, a terra ou a mão do jardineiro acrescentam-lhe ou tiram-lhe muitas das suas virtudes. Vê-se num sítio uma planta que outro sítio não reconhece.

Vejam-se os venezianos, um punhado de pessoas livres, tanto que até o pior de todos se recusaria a ser rei, nascidos e criados de tal modo que a grande ambição deles é defenderem ciosamente a liberdade de cada um; educados desde o berço nestes princípios, não aceitariam todas as outras felicidades da terra, se para isso tivessem de perder a menor de suas liberdades. Vejam-se os venezianos, repito, e repare-se depois nos que habitam as terras daquele a que chamamos Grão-Senhor, gente que nada mais faz do que servi-lo e que, para o manterem no poder, dão a própria vida.

Diria quem visse uns e outros que possuem todos a mesma natureza? Não julgaria antes que saíra de uma cidade de homens para entrar num curral de animais? Licurgo, reformador de Esparta, criara (diz-se) dois cães que eram irmãos, alimentados com o mesmo leite, um deles habituado a ficar na cozinha e o outro acostumado a correr pelo campo, ao som da trompa e da corneta; querendo mostrar ao povo lacedemônio que os homens são o que a educação faz de cada um, colocou os dois cães no meio da praça e, no meio deles, uma sopa e uma lebre. Um correu para o prato e o outro para a lebre. Muito embora (disse ele) fossem irmãos.

Lembrarei com prazer um dito dos favoritos de Xerxes, senhor da Pérsia, a respeito dos espartanos. Quando Xerxes se aparelhava para conquistar a Grécia, mandou embaixadores às cidades gregas, a pedir-lhes água e terra. A Esparta e Atenas não os enviou, porque os enviados de seu pai, Dario que lá tinha ido fazer igual pedido, tinham-nos os espartanos e atenienses lançado em covas e outros em poços, dizendo-lhes que tirassem terra e água à vontade e que fossem levá-la a seu príncipe.

Nenhum daqueles povos tolerava que, sequer por palavras, alguém lhes tocasse na liberdade. Por assim terem feito, viram os espartanos que tinham incorrido no ódio dos próprios deuses, especialmente no de Taltíbio, deus dos arautos.

Para os apaziguarem, mandaram a Xerxes dois cidadãos, para que fossem à presença dele e ele os tratasse como lhe aprouvesse, tirando assim a desforra dos embaixadores que seu pai enviara e tinham sido mortos. Dois espartanos, um de nome Specto e outro Bulis, ofereceram-se voluntariamente para esta missão.

Foram e, pelo caminho, entraram no palácio de um persa chamado Gidarno, lugar-tenente do rei em todas as cidades do litoral da Ásia. Este os recebeu com muita honraria. E como fossem conversando sobre vários assuntos, perguntou-lhes que motivos tinham para recusarem a amizade do rei. “Podeis crer, espartanos (dizia-lhes), juro-vos que o rei sabe honrar quem o merece e, se vos tornardes seus súditos, vereis que assim é. Se aceitardes e ele vos conhecer, vereis como será cada um de vós nomeado imediatamente senhor de uma cidade da Grécia.”

Ao que lhe responderam os lacedemônios: “Ruim conselho é o que nos dás, Gidarno. O bem que nos prometes, já o experimentaste, mas nada sabes do que nós já possuímos; gozas do favor do rei, mas nada sabes da liberdade, do gosto que ela tem, da sua doçura. Se a conhecesses, havias de nos aconselhar a defendê-la, não só com lança e escudo, mas até com unhas e dentes.”

O espartano é que tinha razão; mas um e outro falavam de acordo com o que tinham aprendido. Não era possível ao persa avaliar a liberdade, pois nunca a tivera, nem ao lacedemônio aceitar a sujeição, depois de ter conhecido o gosto da liberdade. Catão de Útica, quando era ainda menino de escola, entrava muitas vezes na casa do ditador Sila cujas portas lhe estavam abertas, não só por pertencer a uma família nobre, como até por ser parente próximo de Sila.

Acompanhava-o sempre o preceptor, como era costume entre os filhos de boas famílias. Deu ele então conta de que em casa de Sila, na presença deste ou por sua ordem, muitos cidadãos eram presos e condenados, eram uns banidos e outros estrangulados, decretava-se a confiscação dos bens e era perdida a cabeça de muitos.

Ou seja, mais parecia o paço do tirano do que a morada do governador da cidade, era menos um tribunal de justiça do que uma espelunca da tirania. Perguntou o nobre infante ao preceptor: “Dar-me-eis um punhal? Metê-lo-ei sob a toga e, como entro muitas vezes nos aposentos de Sila, antes de ele acordar, o meu braço há de ter força suficiente para libertar o povo.”.

Este é um dito digno de Catão. Assim já se revelava digno da morte que teve. Mas se porventura a história não referisse o nome dele nem o local, seria facílimo adivinhar que se trata de um romano e natural de Roma, da verdadeira Roma, quando ela era livre. Mas para que dizer mais? Em boa verdade não creio que o país o a terra importem muito. Em todos os países em todos os climas, sabe mal a sujeição e é gostosa a liberdade.

Dignos de dó são os que nasceram com a canga no pescoço. Devem ser desculpados e perdoados, pois, nunca tendo visto sequer a sombra da liberdade e ninguém lha tendo mostrado, não sabem como é mal serem escravos.

Há países em que o Sol aparece de modo diverso daquele a que estamos habituados: depois de brilhar durante seis meses seguidos, deixa-os ficar mergulhados na escuridão, nunca os visitando no meio do ano; se os que nasceram durante essa longa noite nunca tivessem ouvido falar do dia, seria de espantar que eles se habituassem às trevas em que nasceram e nunca desejassem a luz?

Nunca se lastima o que não se conhece, só se tem desgosto depois de ter gozado o prazer, depois de se ter conhecido o bem e se recordar a alegria passada. É natural no homem o ser livre e o querer sê-lo; mas está igualmente na sua natureza ficar com certos hábitos que a educação lhe dá.

Diga-se, pois, que acaba por ser natural tudo o que o homem obtém pela educação e pelo costume; mas da essência da sua natureza é o que lhe vem da mesma natureza pura e não alterada; assim, a primeira razão da servidão voluntária é o hábito: provam-no os cavalos sem rabo que no princípio mordem o freio e acabam depois por brincar com ele; e os mesmos que se rebelavam contra a sela acabam por aceitar a albarda e usam muito ufanos e vaidosos os arreios que os apertam.

Afirmam que sempre viveram na sujeição, que já os pais assim tinham vivido. Pensam que são obrigados a usar freio, provam-no com exemplos e com o fato de há muito serem propriedade daqueles que os tiranizam. Mas a verdade é que os anos não dão o direito de se praticar o mal, antes agravam a injúria.

Sempre haverá umas poucas almas melhor nascidas do que outras, que sentem o peso do jugo e não evitam sacudi-lo, almas que nunca se acostumam à sujeição e que, à imitação de Ulisses, o qual por mar e terra procurava avistar o fumo de sua casa, nunca se esquecem dos seus privilégios naturais, nem dos antepassados e de sua antiga condição.

São esses dotados de claro entendimento e espírito clarividente; não se limitam, como o vulgo, a olhar só para o que têm adiante dos pés, olham também para trás e para frente e, estudando bem as coisas passadas, conhecem melhor o futuro e o presente.

Além de terem um espírito bem formado, tudo fazem para aperfeiçoá-lo pelo estudo e pelo saber. Esses, ainda quando a liberdade se perdesse por completo e desaparecesse para sempre do mundo, não deixariam de imaginá-la, de senti-la e saborear; para eles, a servidão, por muito bem disfarçada que lhes aparecesse, nunca seria coisa boa.

O Grão-Turco teve perfeita consciência de que os livros e a doutrina, mais do que qualquer outra coisa, dão aos homens a capacidade de se conhecerem e de odiarem a tirania. Sabe-se que nas suas terras não há mais sábios do que os que lhe convém a ele.

Acontece que o zelo e a dedicação dos que, apesar de tudo, prezam a liberdade, não têm efeito algum, pois, mesmo que sejam em grande número, não se podem conhecer uns aos outros. A tirania subtrai-lhes toda e qualquer liberdade de agir, de falar e quase de pensar.

Têm de guardar só para eles as suas fantasias. Razão tinha Momo para zombar, quando censurou o homem forjado por Vulcano, por não lhe ter feito no coração uma janela através da qual pudessem ser vistos os seus pensamentos.

É sabido que Brutus e Cássio, ao planejarem a libertação de Roma, ou antes, do mundo inteiro, não quiseram que Cícero, o maior zelador do bem público, entrasse na conspiração; julgaram que tinha um coração demasiado débil para tal façanha, confiavam na vontade dele, mas não estavam muito seguros da sua coragem. Quem estudar os efeitos da antiguidade e as velhas crônicas descobrirá que, vendo-se o país mal governado e maltratado, e tomando-se a decisão firme de libertá-lo, poucos ou nenhum deixaram de consegui-lo; tiveram nisso a ajuda da própria liberdade, ansiosa por renascer.

Harmódio, Aristogíton, Trasíbulo, Brutus-o-Velho, Valério e Díon executaram cabalmente o que valorosamente planejaram. Em casos assim, a sorte quase nunca falta a quem quer o bem. O jovem Brutus e Cássio derrubaram a servidão e repuseram a liberdade, tendo por isso morrido, mas não desonrosamente. Desonroso seria dizer que foi desonrosa a vida ou a morte desses jovens. Tristeza e desgraça foram a ruína da república que viria a ser enterrada com eles. As conjuras que depois houve contra os imperadores romanos foram todas atos de gente ambiciosa e não devemos lamentar as derrotas que sofreram; era evidente que não queriam derrubar mas arruinar a coroa, pretendiam expulsar o tirano e manter a tirania. Não é para mim desejável que eles tivessem triunfado e apraz-me que, pelo exemplo, tenham mostrado com não se deve abusar do sagrado nome da liberdade para levar a cabo ruins empreendimentos.

Mas, voltando ao assunto principal de que me afastei: a primeira razão que leva os homens a servirem de boamente é o terem nascidos e sido criados na servidão. A esta soma-se outra que é a de, sob a tirania, os homens se tornarem covardes e efeminados. Nisso concordo com Hipócrates, pai da medicina, que assim afirmou e escreveu num de seus livros, intitulado Das Doenças.

Este homem tinha o coração no lugar e bem o demonstrou quando o rei quis atraí-lo para junto de si, com muitas dádivas e oferendas; respondeu-lhe francamente que teria muitos escrúpulos em tratar e curar os bárbaros que queriam matar os gregos e de pôr a sua arte a serviço de um rei que pretendia escravizar a Grécia.

A carta que lhe mandou pode ainda hoje ver-se entre as suas outras obras e constituirá para todo o sempre uma prova do seu bom coração e de sua natureza nobre.

Com a perda da liberdade, perde-se imediatamente a valentia. As pessoas escravizadas não mostram no combate qualquer ousadia ou intrepidez. Vão para o castigo como que manietadas e entorpecidas, como quem vai cumprir uma obrigação. E não sentem arder no coração o fogo da liberdade que faz desprezar o perigo e dá ganas de comprar com a morte, ao lado dos companheiros, a honra da glória.

Entre homens livres, todos disputam invejosamente quem há de ser o primeiro a servir o bem comum; todos desejam ter o seu quinhão no mal da derrota ou no bem da vitória. Mas as pessoas escravizadas, além desta falta de valor na guerra, perdem também a energia em todo o resto, têm o coração abatido e mole e não são capazes de grandes ações.

Os tiranos o sabem e, à vista deste vício, tudo fazem para piorá-lo. Xenofonte, historiador grave e da melhor cepa entre os gregos, em um livro fez Simônides falar com Hierão, rei de Siracusa, sobre as misérias dos tiranos. É um livro eivado de bons costumes e graves argumentos e, a meu ver, escrito com muita graça. Bom seria que todos os tiranos que já houve pusessem diante dos olhos e dele se servissem como de um espelho.

Não creio que deixassem de ver nele todas as suas verrugas e não se envergonhassem de todas as suas manchas. Conta no referido tratado o tormento por que passam os tiranos que, por fazerem mal a todos, a todos devem temer. Diz entre outras coisas que os maus reis recorrem a estrangeiros para fazerem a guerra, subornam-nos e não se atrevem a meter armas nas mãos dos próprios súditos a quem ofenderam.

Reis houve, alguns até franceses, mais outrora do que nos dias de hoje, que contrataram para a guerra mais de uma nação estrangeira, com intenção de preservarem os seus, por acharem que não era perdido o dinheiro gasto em defesa das pessoas. Era o que dizia Cipião (o grande Africano, julgo) para quem valia mais defender a vida de um cidadão do que desbaratar cem inimigos.

Mas não há dúvida alguma de que o tirano se julga absolutamente seguro e só se preocupa quando percebe que já não tem a seu serviço um único homem de valor. Com razão se lhe poderá dizer nessa altura o que Trasão, em Terêncio, se gloria de ter dito ao domador de elefantes:

Tão bravo vos hei mostrado
Que sois das bestas criado.

Mas esse estratagema com que os tiranos humilham os súditos está, mais do que em qualquer outro lado, explicitado no que Ciro fez aos lídios, depois de se ter apoderado de Sardes, capital da Lídia, quando aprisionou o riquíssimo rei Creso e o levou cativo. Trouxeram-lhe a notícia de que os de Sardes se tinham revoltado. Ter-lhe-ia sido fácil dominá-los.

Não desejando saquear uma tão bela cidade nem querendo destacar para lá um exército que a vigiasse, recorreu a um outro expediente. Fundou nela bordéis, tabernas e jogos públicos e publicou um decreto que obrigava os habitantes a freqüentá-los.

Tão bons resultados teve esta guarnição que foi desnecessário daí em diante levantar a espada contra os lídios. Os desgraçados divertiram-se a inventar toda a casta de jogos, de tal forma que a palavra latina usada para significar “passatempos” é a palavra “ludi”, que vem de “Lydi”, lídios.

Nem todos os tiranos foram tão explícitos no seu desejo de efeminarem os homens, mas o que este ordenou formalmente foi, em grande parte, realizado de forma velada. É muito próprio do vulgo, mormente o que pulula nas cidades, desconfiar de quem o estima e ser ingênuo para com aqueles que o enganam.

Atrair o pássaro com o apito ou o peixe com a isca do anzol é mais difícil que atrair o povo para a servidão, pois basta passar-lhes junto à boca um engodo insignificante. É espantoso como eles se deixam levar pelas cócegas. Os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas eram para os povos antigos engodos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania.

Deste meio, desta prática, destes engodos se serviam os tiranos para manterem os antigos súditos sob o jugo. Os povos, assim ludibriados, achavam bonitos estes passatempos, divertiam-se com o vão prazer que lhes passava diante dos olhos e habituavam-se a servir com simplicidade igual, se bem que mais nociva, à das crianças que aprendem a ler atraídas pelas figuras coloridas dos livros iluminados.

Os tiranos romanos decretaram também na celebração freqüente das decenálias públicas, para as quais atraiam a canalha que põe acima de tudo os prazeres da boca. Nem o mais esclarecido de todos eles trocaria a malga da sopa pela liberdade da república de Platão. Os tiranos ofereciam o quarto de trigo, o sesteiro de vinho e o sestércio. E os vivas ao rei eram então coisa triste de ouvir.

Não davam conta, os néscios, de que recuperavam dessa forma parte do que era seu e que não podia o tirano dar-lhes coisa que não lhes tivesse furtado antes. O que hoje ganhava o sestércio, o que se fartava de comer no festim público, louvando a grande liberalidade de Tibério e Nero, era no dia seguinte obrigado a entregar os seus haveres à avareza, os filhos da luxúria e o próprio sangue à crueldade daqueles magníficos imperadores, e fazia-o sem dizer palavra, mudo como uma pedra, quedo como um cepo.

O povo sempre foi assim. É perante o prazer que honestamente não pode atingir, aberto e dissoluto e, face ao agravo e à dor que honestamente não deveria sofrer, insensível. Não sei hoje em dia de pessoa alguma que, ao ouvir falar de Nero, não trema só com o nome de tão vil monstro, de tão hedionda e imunda besta. Pode, porém, dizer-se que após a sua morte, vil tanto quanto foi a sua vida, o povo romano ficou com tanta pena (por se lembrar dos seus jogos e festins) que pouco faltou para vestir luto. Assim o escreveu Cornélio Tácito, autor dos melhores e mais graves, e só pode estranhar o fato quem não conheça bem o que o povo fez após a morte de Júlio César, que tinha abolido as leis e a liberdade.

Achavam que era um homem sem valor (creio), mas louvaram muito a sua humanidade que afinal foi tão nociva como a crueldade mais selvagem de todos os tiranos. Em boa verdade, a sua peçonhenta doçura serviu só para adoçar a servidão que impôs ao povo romano.

Mas, depois de morto, o dito povo, que tinha ainda na boca o sabor dos banquetes e a recordação das suas prodigalidades, queimou, para honrá-lo e incinerá-lo, todos os bancos da praça, edificou-lhe uma coluna, como a um verdadeiro pai do povo (assim rezava a inscrição no capitel), e prestou-lhe mais honrarias, após a morte, do que a qualquer outro homem, à exceção talvez dos que o mataram.

Os imperadores romanos não deixavam de tomar sempre o título de tribuno do povo, seja porque seu cargo era tido na conta de santo e sagrado, seja porque havia sido estabelecido para se defenderem do povo e estarem sob o favor do estado.

Deste modo tinham por certo que o povo lhes daria toda a confiança, tendo em maior consideração o título do que os atos deles. Não procedem melhor hoje em dia os que sempre que cometem aleivosias, incluindo as mais graves, fazem-nas acompanhar de discursos sobre o bem comum e a utilidade pública. Não ignoras, Longa, os considerandos de que habilmente eles costumam lançar mão. Mas na maioria das vezes não há habilidade que chegue para cobrir tanto despudor.

Os reis assírios, e depois deles os medos, só apareciam em público o mais tarde possível, ao anoitecer, para a populaça julgar que eles tinham algo de sobre-humano, assim iludindo as gentes propensas ao devaneio e amigas de imaginar aquilo que não vêem claramente visto. Foi assim que as nações que durante longos anos pertenceram ao império sírio se habituaram, com tal mistério, a servir e serviam tanto mais quanto não sabiam quem era o soberano; e todos o respeitavam e temiam, sem nenhum deles o ter visto.

Os primeiros reis do Egito, esses nunca se mostravam em público sem levarem um ramo ou uma luz na cabeça e mascaravam-se como saltimbancos, coisa tão estranha de ver que os súditos se enchiam de respeito e veneração por eles; e havia gente tão doida e tão submissa que se prestava a tal comédia em vez de com ela se rir. Faz pena ouvir comentar as artimanhas a que os tiranos de antigamente recorriam para consolidarem as suas tiranias e o modo como de coisas somenos tiravam grande partido.

Tinham compreendido ser possível fazerem o que quisessem de um povo que se deixava apanhar na rede, por muito frágil que ela fosse, um povo tão fácil de enganar e submeter que quanto mais dele zombavam mais se rebaixava.

E que direi daquela outra patranha a que os povos antigos sempre deram grande crédito? Acreditaram, de fato, que o dedo grande do pé de Pirro, rei dos epirotas, fazia milagres e curava as doenças do baço. Acreditavam na lenda de que o dito dedo, após a cremação do corpo de Pirro, ficaria inteiro no meio das cinzas. Era o próprio povo que forjava as mentiras em que posteriormente acreditava. Muitos assim o escreveram e, pelo modo como o fizeram, é patente que se limitaram a reunir o que ouviam dizer nas cidades entre o povo miúdo.

Vespasiano, no regresso da Assíria, passando por Alexandria a caminho de Roma, tomar o governo do Império, teria realizado muitos milagres. Punha os coxos a andar, dava vista aos cegos e obrava muitas outras façanhas em que só podia acreditar quem fosse mais cego do que aqueles a quem pretensamente curava. Até os mesmos tiranos se espantavam com a forma como os homens podem suportar um homem que lhes faz mal; utilizavam por isso o disfarce da religião e, se possível, tomavam o aspecto de certas divindades, disso se servindo para protegerem a má vida que levavam.

Se dermos credo à Sibila de Virgílio e à sua descrição do inferno, Salmoneu, por ter zombado dos deuses e vestido a indumentária de Júpiter, está agora no fundo do inferno a receber o castigo que merece:

... As penas vi cruéis e penetrantes
De Salmoneu soberbo, que tanto erra,
De Júpiter Tonante o raio horrendo
E do Olimpo os trovões contrafazendo.

De quatro frisões este conduzido
Uma tocha acendida meneando,
Pelos povos de Grécia ia atrevido,
E pelo meio de Elides triunfando.
O culto aos altos deuses só devido
Pedia: mentecapto, que rodando
Pela ponte no coche miserável,

Fingia a chuva e o raio imitável.
Mas de uma nuvem densa um raio horrendo,
Vibrando irado, o padre onipotente
O derrubou com ímpeto tremendo,
Não com fumoso raio ou tocha ardente...
[Eneida, Virgílio, Cap. VI]

Se este, cujo crime foi fazer de tolo, padece hoje tais tormentos no inferno, é de crer que merecem muito pior os que abusaram da religião para fins ruins.

Os nossos semearam pela França sapos, flores de lis, a ampola e a oriflama. Pela parte que mais me cabe, não ponho em dúvida que os nossos maiores e nós não temos razão de queixa, pois sempre tivemos reis bons em tempo de paz, valorosos na guerra, reis que, embora sendo-o de nascença, parecem ter sido não criados pela natureza, como os outros, mas eleitos por Deus Todo-poderoso, antes de tomarem nas mãos as rédeas do governo e a guarda do reino.

Ainda que assim não fosse, não poria em dúvida a verdade contada pelas nossas histórias, nem as discutiria com vistas a rebaixar a nossa bela nação e deslustrar a nossa poesia francesa, a qual, mais do que remoçada, está hoje completamente renovada graças aos nossos Ronsard, Baïf e Du Bellay, que fizeram evoluir a nossa língua a pontos (ouso esperá-lo) de os gregos e latinos não serem em nada superiores, a não ser quiçá no direito de antiguidade.

E seria da minha parte grande ofensa à nossa métrica (uso de boa mente a palavra e não me desagrada) que, tornada embora por muitos mecânica, tem muita gente capaz de enobrecê-la e de restituí-la à sua honra primitiva, seria, digo, grande ofensa, subtrair-lhe os belos contos do rei Clóvis, nos quais julgo ver despontar fácil e elegantemente a veia do nosso Ronsard e da sua Francíada. Pressinto o seu alcance, reconheço-lhe a graça e finura de espírito. Tem arte para fazer da oriflama o que os romanos fizeram das ancilas, como diz Virgílio: “E os escudos do céu jazendo em terra”. Erguerá a nossa ampola tanto quanto os atenienses o cesto de Eríctono; e as nossas armas serão faladas tanto quanto o foi a oliveira que ainda hoje se encontra na torre de Minerva. Seria de fato ultrajante renegar os nossos livros e desdizer os nossos poetas.

Mas voltando ao assunto de que sem querer me afastei, quem mais do que os tiranos tem conseguido para sua segurança, habituar o povo não só à obediência e à servidão, mas até à devoção? Tudo, pois, o que até aqui disse sobre o hábito de as pessoas serem voluntariamente escravas aplica-se apenas às relações entre os tiranos e a arraia miúda e embrutecida.

Passarei agora a um ponto que, a meu ver, constitui o segredo e a mola da dominação: o apoio e o alicerce da tirania. Quem pensar que as alabardas dos guardas e das sentinelas protegem o tirano, está, na minha opinião, muito enganado; usam-nos, creio, mais por formalidade e como espantalho do que por lhes merecerem a confiança. Os arqueiros vedam a entrada no paço aos pouco hábeis, aos que não têm meios, não aos bem armados e aos façanhudos.

Dos imperadores romanos se pode dizer que foram menos os que escaparam de qualquer perigo por intervenção dos arqueiros do que os que pelos próprios guardas foram mortos. Não são as hordas de soldados a cavalo, não são as companhias de soldados peões, não são as armas que defendem o tirano. Parece à primeira vista incrível, mas é a verdade. São sempre quatro ou cinco os que estão no segredo do tirano, são esses quatro ou cinco que sujeitam o povo à servidão.

Sempre foi a uma escassa meia dúzia que o tirano deu ouvidos, foram sempre esses os que lograram aproximar-se dele ou ser por ele convocados, para serem cúmplices das suas crueldades, companheiros dos seus prazeres, alcoviteiros suas lascívias e com ele beneficiários das rapinas. Tal é a influência deles sobre o caudilho que o povo tem de sofrer não só a maldade dele como também a deles. Essa meia dúzia tem ao seu serviço mais seiscentos que procedem com eles como eles procedem com o tirano. Abaixo destes seiscentos há seis mil devidamente ensinados a quem confiam ora o governo das províncias ora a administração do dinheiro, para que eles ocultem as suas avarezas e crueldades, para serem seus executores no momento combinado e praticarem tais malefícios que só à sombra deles podem sobreviver e não cair sob a alçada da lei e da justiça. E abaixo de todos estes vêm outros.

Quem queira perder tempo a desenredar esta complexa meada descobrirá abaixo dos tais seis mil mais cem mil ou cem milhões agarrados à corda do tirano; tal como em Homero Júpiter se gloria de que, puxando a corda, todos os deuses virão atrás. Tal cadeia está na origem do crescimento do Senado no tempo de Júlio, do estabelecimento de novos cargos e das eleições de ofícios, que não são de modo algum uma reforma na justiça, mas novo apoio à tirania. E, pelos favores, ganhos e lucros que os tiranos concedem chega-se a isto: são quase tantas pessoas a quem a tirania parece proveitosa como as que prezam a liberdade.

Dizem os médicos que, havendo no nosso corpo uma parte afetada, é nela que naturalmente se reúnem os humores malignos; da mesma forma, quando um rei se declara tirano, tudo quanto é mau, a escória do reino (não me refiro aos larápios e outros desorelhados que no conjunto da república não fazem bem ou mal algum), os que são ambiciosos e avarentos, todos se juntam à volta dele para apoiarem-no, para participarem do saque e serem outros tantos tiranetes logo abaixo do tirano.

É o caso dos grandes ladrões e corsários famosos. Há uns que exploram o país e assaltam os viajantes; estão uns de emboscada e outros à espreita; uns chacinam, outros saqueiam e, havendo muito embora alguns mais proeminentes, uns que são criados e outros chefes de bando, todos afinal se sentem donos, senão do espólio principal, pelo menos de parte dele.

Conta-se que os piratas sicilianos não só se juntaram em tão grande número que foi mister enviar contra eles Pompeu Magno, como também conseguiram estabelecer alianças com algumas belas cidades e grandes praças fortes em cujos portos ancoravam com toda a segurança, no regresso do corso, dando-lhes em recompensa uma parte dos bens que rapinavam.

O tirano submete a uns por intermédio dos outros. É assim protegido por aqueles que, se algo valessem, antes devia recear, e dá razão ao adágio que diz ser a lenha rachada com cunhas feitas da mesma lenha. Vejam-se os arqueiros, os guardas e porta-estandartes que do tirano recebem não poucos agravos.

Mas os desgraçados, banidos por Deus e pelos homens, suportam de boa mente o mal e descarregam depois esse mal não naquele que os maltrata, mas nos que são como ele maltratados e não têm defesa. À vista dos que servilmente giram em redor do tirano, a executar as suas tiranias e a oprimir o povo, fico muitas vezes espantado com a maldade deles e sinto igualmente pena de tanta estupidez. Porque, em boa verdade, o que fazem eles, ao acercarem-se do tirano, senão afastarem-se da liberdade, darem (por assim dizer) ambas as mãos à servidão e abraçarem a escravatura?

Ponham eles algum freio à ambição, renunciem um pouco à avareza, olhem depois para si próprios, vejam-se bem e perceberão claramente que os camponeses, os servos que eles espezinham e tratam como escravos são em comparação com eles, livres e felizes.

O camponês e o artesão, embora servos, limitam-se a fazer o que lhes mandam e, feito isso, ficam quites. Os que giram em volta do tirano e mendigam seus favores, não se poderão limitar a fazer o que ele diz, têm de pensar o que ele deseja e, muitas vezes, para ele se dar por satisfeito, têm de lhe adivinhar os pensamentos. Não basta que lhe obedeçam, têm de lhe fazer todas as vontades, têm de se matar de trabalhar nos negócios dele, de ter os gostos que ele tem, de renunciar à sua própria pessoa e de se despojar do que a natureza lhes deu.

Têm de se acautelar com o que dizem, com as mínimas palavras, os mínimos gestos, com o modo como olham; não têm olhos, nem pés, nem mãos, têm de consagrar tudo ao trabalho de espiar a vontade e descobrir os pensamentos do tirano.

Será isto viver feliz? Será isto vida? Haverá no mundo coisa mais insuportável do que isto? Não me refiro sequer a homens bem nascidos, mas sim a quem tenha o sentido do bem comum ou, para mais não dizer, cara de homem. Haverá condição mais miserável do que viver assim, sem ter nada de seu, sujeitando a outrem a liberdade, o corpo, a vida?

Fazem tudo o que fazem para ganharem fortuna... Como se pudessem ganhar alguma coisa de seu, quando da sua própria pessoa não podem dizer que seja sua. Como se fosse possível, na presença do tirano, alguém possuir o que quer que seja, eles fazem tudo para acumularem riquezas e não se lembram de que são eles que lhe dão a força para roubar tudo a todos, não deixando a ninguém nada de seu.

Vêem que é o ter que mais sujeita os homens à crueldade, que não há para o tirano crime mais digno de morte do que a posse de quaisquer bens; que ele só quer possuir riquezas, que rouba aos ricos que se apresentam diante dele como num matadouro, para que ele os veja bem recheados e ornados e deles tenha inveja.

Estes favoritos deveriam lembrar-se menos dos poucos que no convívio com o tirano ganharam fortunas do que dos muitos que, tendo acumulado assim alguns haveres, acabaram por perder os bens e a vida. Bom será pensar que, se alguns poucos ganharam riquezas, pouquíssimos foram os que as conservaram.

Percorreram-se as histórias antigas, pense-se nas de fresca data e se verá claramente quão grande é o número dos que, ganhando as boas graças dos príncipes com falsidades e tendo recorrido à maldade ou abusado da simplicidade deles, acabaram por ser aniquilados pelos mesmos príncipes, os quais, tão facilmente quanto os tinham elevado, viram que não podiam conservá-los.

Entre o grande número de pessoas que algum dia viveram nas cortes dos maus reis, poucos ou nenhum escaparam de sentir em si a crueldade do tirano a quem tinham acirrado contra os outros. Tendo o mais das vezes enriquecido, à custa da proteção deles, com os despojos dos outros, foram eles que depois enriqueceram os outros com seus próprios despojos.

As próprias pessoas de bem, se acaso as há ao redor do tirano e gozam das suas graças, enquanto nelas brilha a virtude e a integridade, que, vistas de perto, até aos maus inspiram respeito, essas pessoas de bem não ficarão muito tempo sem perceber o mal que os outros sofrem e aprenderão às suas custas os malefícios da tirania.

Sêneca, Burro, Trázeas, esse trio de pessoas de bem que tiveram a pouca sorte de viver perto do tirano e a missão de tratar dos seus negócios, foram todos por ele estimados e benquistos; um deles fora seu preceptor e tinha como penhor da amizade e educação que lhe dera; ora todos eles testemunharam pela sua morte cruel quão pouca confiança merecem os tiranos.

Que amizade, afinal, pode esperar-se daquele cujo coração é tão duro que odeia o próprio reino que em tudo lhe obedece? Que, por não conseguir fazer-se amar, se empobrece e destrói seu império? Poderá dizer-se que todos os que referi, incorreram em grandes desgraças, por terem sido virtuosos; mas olhemos também para o resto do séqüito do tirano e veremos que todos quantos obtiveram os seus favores e os mantiveram por maldade acabaram por não durar muito.

Onde se ouviu falar de amor mais dedicado, de afeto mais duradouro, onde é que já se viu homem mais obstinadamente preso a uma mulher do que ele estava a Pompéia, a quem afinal envenenou? Agripina, mãe de Nero, matara o marido Cláudio para por o filho no trono. Fez-lhe todas as vontades, não se poupou a trabalhos para lhe agradar. Ora foi esse mesmo filho por ela gerado e feito imperador, foi ele que, depois de muitas vezes, debalde, o tentar, acabou por lhe tirar a vida; e ninguém depois diria que ela não mereceu esse castigo, mas a opinião geral é que devia tê-lo recebido das mãos de outrem e não daquele que lho infligiu.

Onde houve já homem mais fácil de manobrar, mais simples, digamos até mais ingênuo do que o Imperador Cláudio? Quem se apaixonou algum dia por uma mulher mais do que ele por Messalina? Nem por isso deixou de entregá-la ao carrasco. A simplicidade é uma crueldade de todos os tiranos: tanto que todos ignoram o que seja praticar o bem. Mas, não sei como, chega sempre o dia em que usam de crueldade para com os que os rodeiam e a pouca inteligência que possuem desperta de imediato.

É bem conhecida a palavra daquele que, vendo a descoberto o colo da mulher amada, sem a qual parecia não poder viver, a acariciou, dizendo: este belo pescoço, logo que eu o ordene, pode ser cortado.

Por isso é que a maior parte dos antigos tiranos eram geralmente mortos pelos seus favoritos, os quais, uma vez conhecida a natureza da tirania, perdiam toda a fé na vontade do tirano e desconfiavam do seu poder. Assim foi que Domiciano morreu às mãos de Estevão, Cômodo assassinado por uma das suas amantes, Antonino por Macrino, e o mesmo aconteceu com quase todos os outros.

A verdade é que o tirano nunca é amado nem ama. A amizade é uma palavra sagrada, é uma coisa santa e só pode existir entre pessoas de bem, só se mantém quando há estima mútua; conserva-se não tanto pelos benefícios quanto por uma vida de bondade. O que dá ao amigo a certeza de contar com o amigo é o conhecimento que tem da sua integridade, a forma como corresponde à sua amizade, o seu bom feitio, a fé e a constância.

Não cabe amizade onde há crueldade, onde há deslealdade, onde há injustiça. Quando os maus se reúnem, fazem-no para conspirar, não para travarem amizade. Apóiam-se uns aos outros, mas temem-se reciprocamente. Não são amigos, são cúmplices.

Ainda que assim não fosse, havia de ser sempre difícil achar num tirano um amor firme. É que, estando ele acima de todos e não tendo companheiros, situa-se para lá de todas as raias da amizade, a qual tem seu alvo na equidade, não aceita a superioridade, antes quer que todos sejam iguais. Por isso é que entre os ladrões reina a maior confiança, no dividir do que roubaram; todos são pares e companheiros e, se não se amam, temem-se pelo menos uns aos outros e não querem, desunindo-se, tornar-se mais fracos.

Quanto ao tirano, nem os próprios favoritos podem ter confiança nele, pois aprenderam por si que ele pode tudo, que não há direitos nem deveres a que esteja obrigado, a sua única lei é a sua vontade, não é companheiro de ninguém, antes é senhor de todos. Quão dignos de piedade, portanto, são aqueles que, perante exemplos tão evidentes, face a um perigo tão iminente, não aprendem com o que outros já sofreram!

Como pode haver tanta gente que gosta de conviver com os tiranos e que nem um só tenha inteligência e ousadia que bastem para lhes dizer o que (no dizer do conto) a raposa respondeu ao leão que se fingia doente: “De boa mente entraria no teu covil; mas só vejo pegadas de bichos que entram e nenhuma dos que dele tenham saído”.

Esses desgraçados só vêem o brilho dos tesouros do tirano e ficam olhando espantados para o fulgor das suas suntuosidades, deslumbrados com tanto esplendor; aproximam-se e não vêem que estão a atirar-se para o meio de uma fogueira que não tardará a consumi-los. O Sátiro indiscreto (reza a fábula), ao ver aceso o lume descoberto por Prometeu, achou-o tão belo que foi beijá-lo e se queimou.

A borboleta que, esperando encontrar algum prazer, se atira ao fogo, vendo-o luzir, acaba por ser vítima de uma outra qualidade que o fogo tem: a de tudo queimar (diz o poeta lucano). Vamos admitir que os favoritos consigam escapar às mãos daqueles a quem servem. Não escaparão do rei que vier depois. Se for bom, tudo fará para pedir contas e repor a justiça. Se for mau e semelhante ao que eles serviram, há de ter os seus favoritos que, evidentemente, além de pretenderem ocupar o lugar dos outros, hão de querer também os bens e as vidas deles.

Assim sendo, como pode haver alguém que, no meio de tantos perigos, de tanta insegurança, queira ocupar tão desgraçada posição e servir com tal risco tão perigoso amo? Que tormento, que martírio este, Deus meu: viver dia e noite a pensar em ser agradável a alguém e, ao mesmo tempo, temê-lo mais do que a qualquer homem! Que tormento estar sempre de olho à espreita, de ouvido a escuta, a espiar de onde virá o golpe, para descobrir embustes, examinando sempre as feições dos companheiros, a ver se descobre quem o trai, rindo-se para todos, receando-os a todos, não tendo inimigo declarado nem amigo certo! Que tormento fazer sempre rosto risonho, tendo o coração transido, não poder mostrar-se contente e não se atrever a ser triste!

Aprazível é considerar o que eles ganham com tanto tormento, o que podem esperar dos trabalhos que passam e da mísera vida que levam. O povo gosta de acusar dos males que sofre não o tirano, mas os que o aconselham: os povos, as nações, toda a gente, incluindo os camponeses e os lavradores, todos sabem os nomes deles e os respectivos vícios; sobre eles lançam mil ultrajes, mil vilanias, mil maldições. Todas as suas orações e votos são contra eles. Todas as desgraças, todas as pestes, todas as fomes lhes são atribuídas e, se às vezes, exteriormente, lhes tributam algum respeito, não deixam de amaldiçoá-lo no mais fundo do coração, têm por eles um horror maior do que têm aos animais ferozes.

Tal é a honra, tal é a glória que recebem em paga dos serviços que prestam aos povos, os quais nunca se darão por saciados e compensados do que sofreram, ainda que por eles repartissem o corpo em pedaços. Mesmo depois de morrerem, os que ficam tudo farão para que o nome de Come-Gente lhes seja atribuído e manchado pela tinta de mil penas, e a sua reputação desfeita em milhares de livros, e os próprios ossos, a bem dizer, pisados pelos vindouros que assim castigam depois de mortos os que tiveram vida ruim.

Aprendamos com estes exemplos, aprendamos a fazer o bem. Ergamos os olhos para o Céu, seja por amor da nossa honra, seja pelo amor da própria virtude, olhemos para Deus Todo-poderoso, testemunha certa de nossos atos e justo juiz de nossas faltas.

De minha parte, penso, e não me engano, que nada há de mais contrário a um Deus liberal e bondoso, do que a tirania e que ele reserva aos tiranos e seus cúmplices um castigo especial.

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