Estudo da religião de Israel, algumas questões de método
Jorge Pinheiro
Quando se estuda a religião de Israel, questões referentes
à revelação e ao processo epistemológico parecem difíceis de compreender. Duas
macrocorrentes do pensamento teológico apresentaram nos últimos dois séculos
respostas para essas questões. Uma que parece evidente e coloca a ênfase na revelação,
outra vê a religião de Israel como inflexão da experiência cultural e religiosa
dos povos vizinhos.
Essas duas correntes, apesar do arsenal considerável de
informações reunidas, que não podem ser descartadas, pecam ao nível da
metodologia. Não levam em conta que todo conhecimento pressupõe elaboração nova
e exige do estudioso jamais esquecer a dialética de qualquer processo social e
histórico. Apresenta-se diretamente ligado ao ser humano enquanto sujeito,
dá-se no terreno formal e só torna-se necessário depois de elaborado. Mas,
também, acontece no terreno do real e possibilita a conquista da objetividade.
É um erro afirmar que uma nova estrutura pode ser fruto
único de um processo exclusivo apriorístico, revelado ou inato; ou, por
oposição, que repousa exclusivamente em características preexistentes no
objeto. Em ambas os casos, o erro consiste em definir o conhecimento como
predeterminado, quer por estruturas internas ao sujeito, quer por características
preexistentes no objeto. Descarta-se, assim, o conhecimento enquanto construção
efetiva e contínua.
O conhecimento não começa com um sujeito plenamente
consciente de seu ato histórico, nem de realidades definidas a priori. Resulta
sim de interações que surgem da combinação de fatores múltiplos, que vão
criando dependência e novas relações. Não é um intercâmbio entre formas
diferentes, mas a construção de realidades com plasticidades. A este processo
de surgimento de novas estruturas chamamos revolução. Isto porque são
construções de conhecimento e não crescença ou reforma de uma estrutura já
conhecida. Aqui, temos crise e ruptura de estruturas e conhecimentos
anteriores, gerando fatores que criam novas relações e novos equilíbrios. Nesse
processo haverá sempre um ou vários desequilíbrios iniciais, uma crise
epistemológica, que rompe esquemas definidos, gerando movimentos que parecem
estar fora do controle do sujeito.
Em relação à religião de Israel assistimos a essa revolução
epistemológica em dois momentos. Em primeiro lugar, em seu próprio surgimento,
ou seja, com a aliança abraâmica. E, posteriormente, durante o processo que se
abre com a guerra dos macabeus. Nesses dois momentos, movimentos ao nível do
indivíduo e sociais desencadearam processos diferentes que revolucionaram o
próprio conceito de religião e, por extensão, mudaram a face da fé em todo o
mundo. Ou como diz Schillebeeckx:
“Não existe uma experiência da Revelação sem mediação
histórico-social; além disso, a Revelação tem também, na realidade, um papel de
mediação com relação à autocompreensão das comunidades, de modo que a Revelação
tem, inclusive, uma função ideológica. Este fato é analisado de duas formas: de
maneira histórico-crítica e de maneira temática; em ambos os casos constata-se
que a experiência da Revelação implica sempre uma teologia política, seja no
sentido afirmativo (e renovador), seja em sentido pioneiro (abrindo o futuro)”.
Metodologicamente, com o aparecimento da aliança abraâmica
e com a guerra dos macabeus temos na história da religião de Israel o
surgimento de estruturas epistemológicas novas.
A aliança sinaítica é um
fenômeno de consolidação em relação à aliança anterior. É uma normatização. E o
movimento liderado por Esdras, no período pós-exílio, é um momento de reforma,
partenogênese do judaísmo. A revolução virá depois, no bojo da guerra dos
macabeus. Entender esse processo é definir uma metodologia para a compreensão
da história da religião de Israel e, por extensão, dos fenômenos sociais e
históricos que eclodiram com o surgimento do cristianismo.
A tradição bíblica apresenta os pais da humanidade e os
patriarcas como monoteístas. Adão, Sete, Noé, Abraão e seus descendentes
conheciam Elohim, o Deus único, e guardavam seus preceitos. O henoteísmo surge como
excrescência e o politeísmo como degeneração. Essa visão, ainda hoje, prevalece
no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, e era hegemônica em toda a cultura
ocidental até há duzentos anos. No entanto, a partir de Darwin e do
desenvolvimento das ciências naturais no século dezenove essa crença foi
seriamente abalada.
A visão clássica da crítica
bíblica, da qual Karl Graf, Abraham Kuenen e J. Wellhausen são expoentes,
parte de uma construção progressiva do desenvolvimento da profecia clássica que
caminha em direção ao monoteísmo ético. A estrutura construída por Wellhausen, por exemplo, é
persuasiva, tem coesão interna e ajusta pormenores antes difíceis no texto das
Escrituras hebraicas. Assim, apesar dos avanços da crítica posterior, sua visão
do desenvolvimento e da datação das fontes continua sendo importante para os
estudos modernos. A partir daí, podemos tirar três referências da teoria de
Wellhausen, que devem ser consideradas: (1) A análise das três fontes
primárias: JE, narrativas javista e da tradição do reino do norte, combinadas e
editadas nos séculos nove e oito antes de Cristo; P, narrativa histórica
expandida interessada na origem e nos regulamentos das instituições de Israel,
presente no período do exílio e da restauração; e D, material que forma o
núcleo do livro de Deuteronômio, composta na época de Josias, com suas leis e
arcabouço narrativo. (2) O atual livro da Torah não era nos tempos
pré-exílicos, canônicos e obrigatórios para a nação. A literatura que iria ser
incorporada à Torah existia em vários documentos e versões. Um único livro
ainda não fora cristalizado. Antes houve um período extenso de criação
literária por parte de sacerdotes e escritores religiosos. (3) O livro de
Deuteronômio foi promulgado no reinado de Josias e a Torah, como um todo, foi
fixada na época de Esdras e Neemias.
Para os defensores da hipótese Graf-welhausiana,
os profetas literários criaram o monoteísmo ético, e a Torah é a formulação
sacerdotal-popular posterior do pensamento profético. Essa hermenêutica analisa
as Escrituras como documento histórico-textual, à luz de outros textos
religiosos, da história, da poesia e dos mitos dos povos vizinhos a Israel.
Preocupado com questões de autoria, data, circunstâncias, estilo e
desenvolvimento do pensamento, o conteúdo da Revelação tem valor secundário.
Como conseqüência, tal postura leva a dois problemas: nega a história bíblica
como está apresentada no texto sagrado e propõe alterações em sua mensagem, a
fim de refletir o desenvolvimento do pensamento religioso. Assim, nossa divergência com Wellhausen se dá
com respeito a datação da parte principal do Pentateuco, o Código Sacerdotal, e
a relação do Pentateuco com a profecia clássica. E a pergunta que faz é: até
que ponto a Torah pode ser usada como fonte da fase mais antiga da religião de
Israel? Ou, o monoteísmo da Torah é pré-profético? A tradição bíblica nos conta
que os pais da raça humana e os patriarcas de Israel eram monoteístas. Dessa
maneira, a idolatria teria surgido como degeneração posterior. Esta compreensão
prevalece nas principais cosmovisões teístas: no judaísmo, no cristianismo e no
islamismo. Por isso, afirmamos que o monoteísmo de Israel é anterior ao
profetismo clássico e ao próprio surgimento do Pentateuco.
Duas
questões são pertinentes nessa discussão com a crítica bíblica: memória e
oralidade.
A construção da memória dos clãs de Deus deve ser vista como fenômeno dinâmico
e não como conhecimento apriorístico e externo à vida desses clãs. A memória é
atividade, imaginação, lembrança e esquecimento, enfim, um trabalho de criação
coletiva.
Diante
da ameaça de extermínio, de escravidão e exclusão em meio à civilização
egípcia, e sem documentação formal que comprovasse suas origens e chamado por
parte de Deus, surgiu a necessidade de construção de uma história após a fuga e
a travessia do mar Vermelho. E será essa necessidade que levará esse aglomerado
de gentes a fazer a transição da memória da oralidade étnica, oriunda dos
tempos imemoriais do Pai Alto (ab ram), em direção a um longo período onde
oralidade e escrita começaram a conviver. A escrita surgiu então no deserto
como tentativa de assenhoramento da memória, ferramenta reveladora de um
passado épico, de uma história grande, com heróis forjados nas experiências com
o Deus eterno. Nesse enredo que busca as origens estarão presentes as memórias
pessoais e coletivas.
As relações entre memória, oralidade e escrita na
história de Israel são complexas e dificultam uma leitura simples da religião
de Israel. Por isso, consideramos que podemos falar de três grandes ciclos que
caminham da memória oral à memória escrita. Podemos dizer que de Abraão até
Moisés e a fuga do Egito temos memória oral, cujos liames são a identidade
étnica individual e coletiva. Do deslocamento no deserto até a monarquia temos
um ciclo que combina oralidade com memória escrita. Neste ciclo, as lembranças
e as histórias são contadas, as idéias que estão na cabeça são gravadas.
Começa, assim, a nascer, de fato, uma história com suas peculiaridades, mas não
há uma linearidade na produção dessa história, já que é registro de lembrança
dos fatos do passado, vividos por pessoas e comunidades em diferentes tempos,
mas também da oralidade profética que vão sendo registrados, muitos deles, em
sua contemporaneidade. A partir da volta da diáspora babilônica, com Esdras e
Neemias até o surgimento do cristianismo, estamos diante de um terceiro ciclo
onde predominou a memória escrita, com sinagogas, escribas e a leitura semanal
dos rolos da Torah. A memória, matéria prima da história é, durante este último
ciclo, produzida como campo de poder, evidenciados claramente na construção do
judaísmo em sua disputa com o helenismo, mas também no deslocamento da pregação
profética. Assim, a memória escrita produziu dois fenômenos na história de Israel:
matou a oralidade profética e possibilitou o assenhoramento da história pela
hierarquia político-religiosa. Dessa maneira, podemos dizer que memória,
oralidade e escrita na história de Israel são construções que ocorreram num
campo de disputas culturais e ideológicas, onde pessoas e comunidades, com seus
interesses, apresentaram releituras do passado. Para se refletir sobre essa
questão sugerimos a leitura de uma história que encontramos no livro de Juízes:
a do levita, sua concubina e a guerra contra Benjamim (Jz 19, 20 e 21), que
reproduzem antigas tradições sobre a migração danita e a fundação do santuário
de Dã, e nos fala das tradições dos santuários de Masfá e de Betel,
possivelmente de origem benjaminita. A edição que temos do livro de Juízes é de
origem monárquica, apresenta uma leitura hostil à realeza de Saul em Gibeá e faz
a defesa da monarquia davídica na repetição da declaração “naqueles dias não
havia rei em Israel” (17.6; 18.1; 19.1; 21.25).
Mas, se levarmos em conta o ciclo da memória oral, qualquer
análise do surgimento da religião de Israel deve partir do homem Abraão,
enquanto personagem transistórico, e de seu contexto
histórico e social. O mundo de Abraão é um mundo real e a aliança com o Senhor,
o Eterno, a chave para
entender o processo. A questão da aliança coloca em pauta a relação entre o
conhecimento formal de Abraão e a realidade histórico-social do patriarca e
leva a um ponto de partida comum, o processo revelatório. Essa participação
revelatória deve ser entendida como diferente das características inatas do
sujeito, que estão ligadas aos sentidos, ao sistema nervoso e pertencem à ordem
estrutural da pessoa. Já o processo revelatório, que abre caminho para um
conhecimento novo, realiza-se ao nível da organização funcional. Caracteriza-se
por ser ilimitado em sua possibilidade de construir noções e, acima de tudo,
sobrepassa, vai além das informações sensíveis.
Apesar de seu reducionismo, a crítica bíblica fornece
material importante no campo da história, arqueologia, lingüística, sociologia
e religião para entender o texto sagrado em seu contexto, historicidade e
revelação progressiva. Tomemos um exemplo: Merneptah II, o faraó do êxodo. Ramsés
II, o terceiro rei da décima nona dinastia, era filho de Seti I. Guerreiro, ele
realizou uma grande expedição contra Cades, a capital dos heteus, em parte
fracassada, porque não conseguiu tomar a cidade. Foi um grande administrador e
desenvolveu projetos arquitetônicos às margens do Nilo, como Pa-Ramesses
(Tânis) e Pitom, conforme estão descritas em Êxodo 1:11. Seu décimo terceiro
filho, Merneptah II, o faraó do êxodo, enfrentou uma invasão dos líbios,
vencida por seu exército mercenário. Mas em que se baseia toda esta história?
Em documentos, entre os quais numa estela de vitória composta que diz:
"Os chefes curvam-se fazendo saudações de paz/ nenhum
dos povos inimigos ousou erguer a cabeça/ a terra dos líbios está vencida/ está
em paz a terra dos heteus/ o lugar de Pa-Canana, ao sul da Palestina, foi
devastado com grande violência/ o lugar de Ascalom foi levado para longe/
aniquilado está o lugar de Gazer/ o lugar de Inuã, perto de Tiro foi reduzido a
nada/ o povo isiraalu foi aniquilado, sem deixar semente/ lugar de Car, a
Palestina do sul, fez-se qual viúva do Egito/ o mundo inteiro está em paz/ tudo
quanto era rebelião caiu subjugada pela mão do rei Merneptah”.
É interessante notar que esse povo isiraalu é mencionado em
estreita ligação com as regiões ocupadas por heteus, cananeus, filisteus e
fenícios. Sem estar determinado, o termo isiraalu, não define um país ou
cidade, querendo significar antes uma tribo nômade. Assim, partindo da
arqueologia e da história, vemos que o berço dessa nação isiraalu foi o Egito,
e que esses eventos aconteceram, muito possivelmente, no final do século treze
antes de Cristo, durante o reinado de Merneptah (1235-1227). Mostramos a
historicidade do surgimento da nação de Israel como exemplo metodológico que
nos ajuda a definir o processo vivido.
O conhecimento que se origina na atividade reflexa do sujeito
recebe com a Revelação esta organização funcional que o torna possível. Convém
notar que no conhecimento que tem por base o processo revelatório a organização
funcional sempre se mantém invariável. Ou seja, essa organização funcional se
mantém em equilíbrio, apesar dos processos vividos nas estruturas. E mais do
que isso se impõe a elas como necessárias.
Podemos dizer que a matriz do Pentateuco se encontra na
aliança feita por Deus com Abraão, conforme encontramos em Gênesis 15. A
consolidação dessa aliança acontecerá com Moisés, descrita em Êxodo 24 e
reiterada em Deuteronômio cinco, numa das montanhas do deserto do istmo, entre
o Egito e Madiã-Seir. Essa é a idéia força de toda a religião de Israel. Um
acordo que implica em salvação. Berit, aliança, tem o sentido de obrigação, mas
também de segurança. É um acordo entre duas pessoas, celebrado solenemente, com
o derramamento de sangue. A parte mais forte fornece a segurança ou a salvação,
e a mais fraca se obriga a determinados compromissos. Dessa maneira, a aliança
impôs um relacionamento especial entre Deus e o povo. E os
mandamentos e leis, dados no período da consolidação, transportam, assim, toda
conotação legal e externa, para uma perspectiva de acordo maior. O centro da
aliança está no primeiro mandamento do decálogo (as dez palavras, em hebraico)
que proíbe a adoração de outros deuses, da milícia do céu e dos ídolos.
Mas a aliança é também um pacto moral. Só que o fundamental
desse pacto, que perpassa toda a Torah não é sua mera formalização, já que
outros povos também possuíam noções desenvolvidas de lei e moralidade. O
assassinato, o roubo, o adultério e o falso testemunho eram condenados não
apenas pela lei moral universal, mas também duramente punidos pelos códigos de
Ur-Nammu, de Lipit-Ishtar e de Hamurabi, para citar os mais
representativos. Agora, no entanto, pela primeira vez a moralidade é
apresentada pelo próprio Deus como fruto de um relacionamento entre
ele e o povo, com normas para o estabelecimento de um reino de novo tipo. É uma
aliança com toda a nação. A consolidação sinaítica, fruto da aliança abraâmica,
vai além das sabedorias babilônica e egípcia, que lidam com o indivíduo. A
moralidade apresentada no Gênesis, por exemplo, que é individual, ganha aqui
uma roupagem nova, passa a ser coletiva e nacional. Assim para Kaufman,
Deus “não elegeu Israel para fundar um novo culto mágico em
benefício dele; elegeu-o para ser seu povo, para realizar nele o seu arbítrio.
Portanto, por sua natureza, também a aliança religiosa foi uma aliança
moral-legal, envolvendo não apenas o culto, mas também a estrutura e os
regulamentos da sociedade. Assim, colocou-se o alicerce da religião da Torah,
incluindo tanto o culto como a moralidade e concebendo a ambos como expressões
da vontade divina”.
Na verdade, a aliança que Deus faz com Abraão em
Gênesis 15, historicamente, tem seu cumprimento em outra estrutura, no Sinai.
Dessa maneira, literariamente, Gênesis não somente prepara o roteiro Pentateuco,
mas faz parte intrínseca dele. É bereshit não somente como saga da
origem, mas como alicerce de todo o Pentateuco.
Em relação à segunda parte do livro, que trata da diáspora,
do helenismo e da guerra, é importante precisar que o conhecimento é sempre um
processo de interação e organização, de construção de novas estruturas que se
inserem nas já existentes. Todo conhecimento é sempre um padrão, uma medida de
relação entre o sujeito e o objeto. Ou, se preferirmos, entre a nossa
existência e o mundo. É impossível compreender a revolução do período macabaico
se não visualizarmos a dinâmica interior, que rasgou corações e mentes, assim
como os fatores externos que combinados geraram crise e ruptura nessa relação
interação/organização.
O período histórico aberto com a reforma de Esdras, sob a
dominação persa, levou Israel a um profundo equilíbrio. Havia interação com a
reforma religiosa e com o momento histórico. Prevalecia a organização.
Colocamos os conceitos nessa ordem, porque interagir e organizar são aspectos
de um mesmo processo. Interagir é sempre o equilíbrio necessário que resulta da
relação entre a inteligência e o ambiente. É a resposta que damos às novas
questões, quer de forma reflexiva, a partir do sujeito, quer de maneira
dinâmica, procurando adaptar a realidade aos nossos desejos e necessidades. Só
que acontece em primeiro lugar ao nível do objetivo, formalizando-se a
posteriori.
Interagir implica em transformar a realidade circundante.
Por isso, podemos dizer que a face objetiva da interação é a mudança, a reforma
ou mesmo a revolução, e a subjetiva é a organização.
A organização tem como finalidade restabelecer um
equilíbrio e para isso trabalha ao nível daquilo que se deseja. Procura-se uma
meta, um fim, que coloque as coisas em seus devidos lugares e nos mostre a
razão de ser das coisas. Quando se deseja alguma coisa é porque não temos essa
coisa. Assim, organizar é definir como alcançar esse objetivo. Só que a
organização é sempre genética, está em movimento. Não se estabiliza. Aponta
sempre para uma organização nova e está sempre em construção. É claro que a
organização é um processo formal, que se resolve ao nível do pensamento
intelectual, por isso quando as condições sociais são violentamente
desequilibradas, esse processo nunca é plenamente consciente. Ele se realiza,
enquanto processo, historicamente. E é esse fenômeno, riquíssimo, construtor de
novas estruturas e conhecimentos, que vemos acontecer em todo o processo da
revolução dos macabeus.
Nossa abordagem da história e da religião de Israel quebra
alguns paradigmas por considerarmos que o conhecimento não começa com certeza,
mas com questionamentos. Nessa leitura quase judaica das Escrituras hebraicas
queremos dizer aos leitores que não devem esquecer os três fundamentos da Guemará
babilônica, quando diz que há apenas um Deus verdadeiro, justo e bom; que a
Torah, dada por Ele, contém toda a verdade e a justiça; e que o ser humano deve
fazer o possível para caminhar com Ele e ser também verdadeiro, justo e bom. E
a melhor maneira de viver essa meta é investigar e viver a Torah. As histórias,
contos, biografias, provérbios e profecias que encontramos nela podem e devem
servir como fonte inesgotável de inspiração para a multiculturalidade
brasileira. Afinal, essa tradição milenar da história e da religião de Israel
ainda serve aos estudiosos e ao fiel como roteiro de vida mesmo nos momentos
mais sombrios da história.
Questões para reflexão e debate
Leia os capítulos 19, 20 e 21 do livro
de Juízes, mas dê atenção aos versículos 1,12-14, 16, 18 e 30 do capítulo 19 e
versículos 1-5, 9 e 12 do capítulo 20, e versículo 25 do capítulo 21.
1 ¶ Naqueles
dias em que Israel não tinha rei, um levita foi morar bem longe, na região
montanhosa de Efraim. Ele arranjou uma jovem de Belém de Judá para ser a sua
concubina.
12 Mas o patrão respondeu: —Não vamos parar numa
cidade onde o povo não é israelita. Vamos continuar até Gibeá.
13 É melhor a gente andar mais um pouco e passar
a noite em Gibeá ou Ramá.
14 Então passaram pela cidade de Jebus e
continuaram a viagem. O sol já se havia escondido quando eles chegaram a Gibeá,
cidade da tribo de Benjamim.
16 ¶ E
aconteceu que passou por ali um velho que estava voltando do seu trabalho na
roça. Ele era da região montanhosa de Efraim, mas estava morando em Gibeá. O
povo dali era da tribo de Benjamim.
18 O levita respondeu: —Eu estou viajando de
Belém de Judá para bem longe, para a região montanhosa de Efraim, onde moro.
Fui a Belém e agora estou voltando para casa, mas ninguém me ofereceu
hospedagem para esta noite.
30 E todos os que viam isso diziam: —Nunca vimos
uma coisa assim! Nunca houve uma coisa igual a essa, desde o tempo em que os
israelitas saíram do Egito! Pensem! O que vamos fazer agora?
1 ¶ Por causa
disso todo o povo de Israel, desde Dã, no Norte, até Berseba, no Sul, e
Gileade, no Leste, se reuniu em Mispa. Eles se reuniram na presença de Deus, o
SENHOR, como se fossem uma só pessoa.
2 Os chefes de todas as tribos de Israel
estavam presentes nessa reunião do povo de Deus. Havia quatrocentos mil homens
a pé, treinados para a guerra.
3 E o povo de Benjamim soube que todos os
outros israelitas haviam subido até Mispa e que eles queriam saber como aquele
crime havia sido cometido.
4 Então o levita, marido da mulher assassinada,
explicou: —Cheguei com a minha concubina a Gibeá, no território da tribo de
Benjamim, para passar a noite.
5 Os homens de Gibeá vieram de noite e cercaram
a casa. Eles queriam me matar. Em vez disso abusaram da minha concubina, e ela
morreu.
9 Vamos escolher alguns homens para atacar
Gibeá.
12 ¶ As tribos
israelitas mandaram que mensageiros fossem por toda a tribo de Benjamim e
dissessem: — Que crime horrível vocês cometeram!
25 Naquele tempo não havia rei
em Israel, e cada um fazia o que bem queria.
Compare com I
Samuel 10.10, 14-15.
10 Quando Saul
e o seu empregado chegaram a Gibeá, um grupo de profetas o encontrou. O
Espírito de Deus tomou conta de Saul, e ele se juntou a eles, agindo como um
profeta.
14 E Samuel
disse ao povo: —Vamos todos a Gilgal e lá confirmaremos Saul como nosso rei.
15 Então foram
todos a Gilgal e lá, no lugar sagrado, fizeram de Saul o seu rei. Ofereceram
sacrifícios de paz, e Saul e todo o povo de Israel festejaram o acontecimento.
Explique, a partir da
correlação dos textos acima, como se dão as relações entre memória, oralidade e
escrita na construção da historicidade do período de Juízes.
Por que a edição do
livro de Juízes pode ser datada do período monárquico davídico?
E o que significa no
texto de Juízes a afirmação que abre e fecha o relato: “Naquele
tempo não havia rei em Israel”.
Leituras complementares
Epstein, Isidore, Judaísmo,
Lisboa/Rio de Janeiro, Editora Ulisséia/Pelicano, 1975.
Kaufmann, Yehezkel, A
Religião de Israel, Editora Perspectiva, São Paulo, 1989.
LaSor, W. S., Hubbard, D. A., Bush, F. W., Introdução ao Antigo Testamento, São
Paulo, Edições Vida Nova, 1999.
Schillebeeckx, E., Iersel, B. Van, Revelação
e Experiência, Editora Vozes, Petrópolis, 1978.
Consideramos
transistórico o conhecimento que é transmitido oralmente por mais de uma pessoa
ou comunidade, às vezes por muitas gerações, que funcionam como amplificadores
do relato, antes que ele venha a ser, posteriormente, registrado de forma
escrita.