A GLOBALIZAÇÃO
E O ENSINO DA TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA
Por Jorge
Pinheiro
Pra refazer o trabalho
pra semear minha vida
já bate a cancela
bate o tempo do pilão
já bate o atabaque
rebatendo a imensidão
o céu pegando fogo
uma estrela vai queimar
eu sou de quem me chama
eu não sou desse lugar
Serra do mar noite alta
vou preparar minha volta (...)
Na volta do caminho
tem os anjos pra velar
a gente lá de casa
bate roupa pra lavar
Pra renascer todo dia
pra descobrir o compasso
já bate a correnteza
bate asa no sertão
o boi puxando o carro
o candeeiro a direção
Um poema de Cacaso pode
parecer estranho como abertura de um trabalho que pretende analisar questões
referentes à ideologia no ensino teológico. O termo ideologia foi criado por Destutt de Tracy (1754-1836), a quem Marx chama de “frio zelador da doutrina burguesa” em O Capital. v. I, Paris, Gallimard, 1965, p. 1166. Nesse trabalho, o conceito ideologia será usado sempre no sentido de falsa consciência geradora de alienação histórica, conforme desenvolvido por Marx. Mas como método e conteúdo fazem
parte da mesma totalidade, assuntos focalizados neste artigo, como
globalização, intelectualidade e missão profética, e os desafios da brasilidade
não estão separados da emoção, da ação em comunidade e objetivamente do ensino
teológico. Ao contrário, nos dão elementos para entendermos por que e quando nossa
pedagogia e didática descambam para a falsa consciência e alienação.
Descartamos a possibilidade
de uma pedagogia formadora e transformadora no ensino teológico brasileiro e
latino-americano, sem a compreensão de que o desafio consiste em pensar
globalmente, mas agir localmente. Por isso, a universalidade do trabalho, da
volta ao espaço de vida e do renascimento a cada dia, traduzidos no poema de
Cacaso, norteiam o caminho que desenvolvemos neste estudo.
As contradições da globalização
O planeta mudou de cara com o fim da Segunda
Guerra Mundial. Uma grande parte do mundo tornou-se comunista, incluindo mais
da metade da Europa, a maior parte da Ásia e um país latino-americano. Durante 40 anos, os países comunistas
transformaram-se em um pólo, exercendo o papel de centro político no mundo,
cuja expressão espacial e física se encontrava em Moscou. De outro lado, os
países democráticos consolidaram-se em bloco opositor de poder político,
expresso através da hegemonia norte-americana. Essa polaridade do poder
político e militar desenhou a face mundial durante esses anos.
No mundo comunista, a igreja enfrentou a
perseguição. Milhares de cristãos foram presos, internados em campos de
trabalhos forçados e mortos. No mundo democrático, construiu-se um muro de
separação entre o estado e as igrejas nacionais. O liberalismo deu origem ao
secularismo e ao individualismo ególatra da sociedade de consumo.
Mas com a derrota da democracia ocidental, capitaneada pelos Estados Unidos, no Vietnã, e com o desmoronamento do bloco comunista
fez-se um vazio de poder político no conjunto do planeta. Mais rapidamente do
que poderíamos imaginar, à cavalo da informatização e da verticalização da
informação, a democracia do livre comércio ocupou o vazio existente.
Desaparecia um mundo liderado pela polarização política, dando lugar à livre
expressão econômica do capital financeiro. Por isso, no mundo atual as relações
de força não mais se realizam de maneira centralizada, como eram antes. Temos
um mundo que desorganiza centros, mas que se organiza a si mesmo.
Hoje, as empresas globais, supranacionais,
realizam uma nova centralidade, atuam a partir de centros frouxos, mas são
socialmente cegas, já que abandonaram qualquer objetivo ético ou solidário. A
idéia de finalidade inexiste para esses condutores na economia globalizada.
Para a democracia de livre comércio não há nacionalidade. Por isso, quando
falamos em benefícios para o Brasil, num mundo globalizado pela não
espacialidade do capital financeiro, estamos seqüestrando o conceito de
nacionalidade. Haverá benefícios, sem dúvida, mas não para a nação nomeada e
sim para os agrupamentos supranacionais. Algumas migalhas poderão chegar à
população, mas não enquanto finalidade.
O conceito de nação implica em territorialidade,
isto porque é a partir dela que temos a expressão mais ampla de uma comunidade.
Território é isso, a área através da qual um estado exerce sua força e poder.
Nesse sentido, a globalização choca-se com um adversário, que é a realidade do
território. Não há, em termos de globalidade, a possibilidade de se definir o
que deve ser feito dentro de cada território, em todos os territórios
existentes no mundo. Atualmente, os estados são coadjuvantes da democracia de
livre comércio. Aceito esse papel, os presidentes de repúblicas tornaram-se
caixeiros viajantes ou meros executivos das empresas supranacionais. Mas a
nacionalidade continua existindo porque a sua base é o território e como
conseqüência temos a realidade do estado, ainda hoje um elemento de força
expressiva.
A tradução viva do território é a sociedade,
enquanto maioria da população, das empresas e instituições. As empresas
supranacionais não necessitam de território, mas de centros frouxos que são as
alavancas da realização de sua riqueza. Dizer que o estado nacional acabou, que
não é possível um projeto nacional é, ao menos até agora, uma afirmação
superficial. O estado planetário, no nível atual de previsão, é uma fantasia.
Nossa terceira onda urbanizatória, fruto direto
da industrialização dos anos 50/60, aliada ao movimento migratório,
principalmente nordestino, e à expressão democrática de novas correntes de
pensamento, mudou a cara das cidades brasileiras e por extensão do país. Esse
fenômeno, uma versão indígena da secularização global golpeou a estrutura
familiar, fortaleceu o individualismo e aumentou o fosso social entre
participantes do mercado e deserdados do capital.
Esse processo, que coincidiu a nível
latino-americano com a revolução cubana, produziu em nosso país um comunismo
mulato, que mais tarde foi traduzido em teologia da libertação por brasileiros
como Rubem Alves e Leonardo Boff, na trilha do teólogo católico peruano Gustavo
Gutierrez. Profundamente influenciada pelo marxismo, essa teologia define-se em
primeiro lugar pela práxis da ação social. Teve muita importância nos anos 70 e
80, quando criou e desenvolveu as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que
serviram como elemento dinamizador, ao lado dos sindicatos, para a formação do
Partido dos Trabalhadores. Apesar desse fortalecimento no campo político, a
igreja católica começou a viver um refluxo de vocações, baixa freqüência à
missa e fortes pressões a favor do sincretismo.
No campo protestante, os evangelicais—aqueles
que crêem na Bíblia como regra da fé e prática inspirada e infalível, na
expiação vicária e na ressurreição de Cristo, no novo nascimento e numa vida
transformada pelo poder do Espírito Santo—ganham um peso até então inédito
enquanto setor de expressão na sociedade. Divididos em dois grandes grupos,
históricos e carismáticos, incluídos aí pentecostais clássicos e
neopentecostais, cada vez mais deram as costas a sua origem social,
desenvolveram um discurso dirigido à classe média e lançaram-se a uma
experiência denominacional fracional e sectária.
Atualmente, quarenta anos depois da eclosão
desses fenômenos, podemos dizer que os extremos entraram em caducidade: a
teologia da libertação e as pressões favoráveis ao fracionalismo e sectarismo
denominacional estão em pleno declínio. Da mesma maneira, o liberalismo e as
correntes neo-ortodoxas entraram em franco esgotamento. Há uma busca crescente
pelo dinamismo religioso da cruz.
A traição da intelectualidade
O profetismo bíblico traduz a inquietude e o
descontentamento da população em relação a acontecimentos sociais e religiosos
concretos. Os profetas hebreus, no cumprimento de sua missão, não entram em
choque físico, militar, como em outros lugares, com as barreiras intransponíveis
levantadas pelos governos centrais. Ao invés disso, utilizam a palavra, o
discurso crítico, como forma de trazer à superfície novas soluções e de
influenciar aqueles que exercem o poder.
Há uma semelhança metodológica entre o
profetismo bíblico o conceito de intelectual, desenvolvido a partir dos
trabalhos de Gramsci.Assim, para esse pensador italiano, o intelectual
representa organicamente uma determinada comunidade, tem função superestrutural
e, apesar de sua organicidade, precisa exercer autonomia em relação às pressões
sociais que sofre. É dessa postura que nasce sua força crítica e sua
compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes daquelas
expressas pelo poder.
Quando ao profeta bíblico, sem negar sua característica
enquanto homem de Deus, expressão humana e verbal da vontade divina,é importante analisar também o fato de que
possuía uma concepção unitária do fato e que constantemente procurava a síntese
entre política e ética.
“Para Jacob, eram ao mesmo tempo revolucionários voltados
para o passado e conservadores impulsionados pela paixão do porvir; igual
julgamento vemos em L. Ramlot: os profetas nada fazem sem invocar a tradição, no
entanto, sua grande mensagem são os novos tempos. Outros exegetas julgam que os
profetas sabiam servir-se do passado para as necessidades do presente. (...)
Todos parecem ter algo em comum: uma atitude realista. Abominam o palavreado
inútil, a eloquência abstrata. Ao contrário dos falsos profetas, interessam-se
pelo concreto e procuram não viver envoltos em véu de ilusões. A pregação do
futuro não constitui o essencial de suas prédicas; é antes, o fruto e o
resultado final de conhecimento aprofundado no mundo adjacente, da atualidade e
do passado”.
É desesperante ver que a intelectualidade brasileira,
hoje, esteja sendo cooptada pelo establishment,
perdendo assim sua força crítica e sua capacidade de elaborar e apresentar
alternativas diferentes daquelas colocados pelo status quo. Nossa intelectualidade
é formada, tradicionalmente, por filhos da oligarquia, o que faz dela
uma expressão ideológica ligada ao poder. O que em parte explica a realidade
desse tropismo em direção ao poder. E quando os intelectuais optam por ser
poder, abandonam de fato sua vontade crítica, sua missão.
É próprio do profeta e do intelectual criar o
desconforto. Ambos têm que ser fortes para trabalhar se necessário na solitude
e continuar exercendo seu papel. O que outros pensam, no imediatismo do
presente, deve ser indiferente para eles. É um equívoco pensar que vantagens
imediatas sejam uma vantagem política. O fruto da política é sempre abrangente,
realiza-se enquanto totalidade. Assim, quanto maiores os frutos ou vantagens
que uma determinada política produz, maior a sua abrangência social.
O trabalho do intelectual é plantar idéias políticas e
lutar para que elas floresçam. Trocar essa missão por benesses e imediatismos é
um trágico equívoco. A defesa de idéias corretas de transformação social tem um
custo, que pode ser a perda momentânea de privilégios pessoais, imediatos,
quando a preocupação é participar do establishment.
Mas se o intelectual tem consciência de seu papel na sociedade, não há de fato
uma perda.
Atualmente, na sociedade secular brasileira, a traição
de um número crescente de intelectuais, em relação à missão que receberam da
sociedade, tem como pano de fundo a globalização. Há uma forte tendência,
subjetiva, para a cooptação. É essa realidade que faz o profeta superar,
transcender e substituir objetivamente o intelectual de corte gramsciano na
sociedade globalizada.
É claro que nem sempre foi assim. No fim dos anos 50 e
começo dos anos 60, a comunidade intelectual brasileira buscou contribuir para
um projeto de desenvolvimento nacional. A diferença básica entre aquele momento
e os posteriores vividos pelo Brasil é, em essência, o projeto. Naquela época
havia a busca de um projeto nacional, sem uma preocupação unívoca, ou seja,
ninguém desejava uniformizar uma solução. Em torno do poder aconteceram discussões
e floresceram divergências que permitiram à sociedade como um todo construir um
alternativa. E havia os partidos que tinham credibilidade social e participavam
de todo o processo de discussão. Tínhamos uma gama muito ampla de opiniões,
indo de uma União Democrática Nacional até o Partido Comunista do Brasil, todos
com projetos explícitos.
Hoje não temos projeto explícito, nem por parte do
poder, nem dos agrupamentos políticos existentes. Sem projetos políticos não
pode haver discussão política. Num país onde o aparelho de estado não tem um
projeto, os partidos ficam capengas. Não há o que discutir. Sempre foi, dentro
da democracia burguesa, função do estado a produção de um projeto próprio de
governo. A política é exatamente isso, a discussão dos vários projetos
existentes e o exercício da escolha e apresentação desses projetos para a
sociedade.
Há uma diferença entre profeta e professor. Nossas
faculdades teológicas formam ambos. Mas o número de profetas, enquanto elemento
crítico, produtor de desconforto, dentro e fora das faculdades será sempre bem
menor que o de professores. Mas isso não quer dizer que sua produção seja menos
importante. A faculdade não é unívoca. Abriga quadros diferentes, teólogos,
professores, pastores, missionários, ministros de música e de educação cristã,
com perspectivas e compreensões diferentes da realidade. É necessário entender
que o ensino teológico brasileiro tem cerca de cinqüenta anos e seu
desenvolvimento traduz uma produção carente de caminhos próprios.
Outro problema é o isolamento do ensino e da produção
teológica brasileira. Nossas faculdades e seminários acabam existindo enquanto
entidades fechadas, que de forma consciente ou não deixam de lançar suas idéias
ao debate acadêmico e nacional. Correm assim o risco de transformarem-se em
grupos sectários, fechados em si mesmos, que por isso deixam de pensar
criticamente a sociedade, apresentar alternativas e pressionar positivamente
governo e establishment.
Diante da crise estrutural da intelectualidade, nossas
faculdades de teologia estão desafiadas a produzir profetas. Homens de Deus,
conscientes de seu papel histórico, que sob a luz do Evangelho, façam a crítica
cristã das políticas reducionistas e antipopulares. Tal postura deve nascer de
um ensino teológico que responda aos desafios da globalização e da
pós-modernidade: necessidade e urgência para a reconstrução da
intelectualidade e desenvolvimento do conjunto da sociedade brasileira.
Os desafios da brasilidade
No mundo secular, a difusão do saber produzido não é
tarefa exclusiva das universidades. A mídia, por exemplo, deveria ser um dos
agentes principais nessa tarefa. Acontece, infelizmente, que a mídia
transformou-se em traidora de sua missão original, clássica. E todos sabemos
que essa omissão é fruto de sua dependência intrínseca, e cada vez maior, das
empresas globais, que direcionam a democracia do livre comércio.
Tal fato gerou um desequilíbrio, que pode ser
equacionado da seguinte forma: quanto maior o peso da estrutura global menor é
a responsabilidade ética da mídia na difusão do saber produzido. Há uma redução
da qualidade de pudor e de indignação. Assim, ao invés da palavra profética
temos um cronista do establishment.
A questão da justiça social parte de três realidades
que estão imbricadas, nesse novo século, com a globalização. São elas, a
materialidade de nosso corpo, a individualidade e a cidadania. A corporeidade é
a minha primeira expressão enquanto pessoa, a forma que possibilita a minha
comunicação com os outros, com a minha espacialidade e com o meio. Essa possibilidade de comunicação é limitada ou
facilitada pela minha individualidade, que socialmente, traduz-se enquanto
cidadania. Ou seja, pela maneira como participo, pela sociabilidade.
O problema é que no Brasil a cidadania não se
completou. De tal maneira que meu corpo aparece como diferença central em
relação a outros corpos. Não importa que minha individualidade cresça, enquanto
consciência que tenho de minha realidade e de minhas possibilidades, inclusive
através da ampliação de meus conhecimentos, se a cidadania me escapa por falta
de espacialidade, de geografia. Quando alguém tem o poder de tirar a minha
espacialidade, de me colocar para fora de minha casa e de meu espaço de
produção, dentro da realidade urbana, ou de minha casa e da terra onde produzo,
dentro da realidade rural, minha
corporeidade torna-se inferior às demais, porque deixo de ser cidadão.
A grande possibilidade do futuro está na comunicação,
mas não na comunicação à distância, e sim na comunicação na proximidade. O que
não falta hoje é informação, divulgação de dados e fatos verticalizados, numa
rapidez e quantidade assombrosos. Isso produz alienação, já que não há
discussão de metas, prioridades ou contexto em que esses dados e fatos devam
ser inseridos. Nesse sentido, a globalização permite falar na construção
antecipada de violência deliberada. É assim que atuam os grandes conglomerados da
indústria editorial no mundo. Decidem a priori quais serão os best sellers. Criaram um fosso entre o
mercado das idéias e a produção teórica do saber.
Por isso, a comunicação está na comunidade, nos conglomerados, entre os povos do mundo. São
eles que criam, já que a comunicação é a expressão da solidariedade de
preocupações, do fato de viver juntos, de depender para continuar vivendo. E aí está, sem dúvida, o caminho para outra
globalização, que não precisa necessariamente de toda essa sofisticação
pós-moderna.
Até agora, o mundo da globalização é verticalizado,
tem preocupações pragmáticas, localiza-se em centros frouxos, de onde comanda a
violência da informação e a violência do dinheiro. Mas isso é uma transição. As
comunidades, os grandes centros urbanos, as grandes massas, no entanto, estão
criando outra coisa. Respondem à informação e ao pragmatismo com comunicação e
emoção. Abandonaram, sem terem consciência disso, a epistemologia do
iluminismo.
A emoção permite a liberação de quadros estabelecidos,
por isso tem um papel motor na produção do conhecimento. Quando falamos de
emoção estamos realçando tendências motivadoras, quer sejam imitação,
defensiva, agressiva, gregária, de propriedade, de domínio, de submissão. Isto
porque a iniciativa da vontade ou da atividade pode ser insuficiente ou
deficiente na descoberta e criação do conhecimento.
O Antigo Testamento é rico nesse tipo de experiência
vivencial que faz cruzar emoção e comunicação. O povo israelita se movimenta,
sacrifica, luta, vence, num processo contínuo de novas emoções e conhecimentos
para obter uma conquista final. A fé se constrói dentro do mesmo princípio,
dando forças para suportar, em Jó, no agir, em José, e na obediência como fruto
da confiança, em Abraão. A própria assinatura da aliança no Antigo Testamento
acontece no contexto de uma crise emocional sem precedentes na vida do herói da
fé. E como ponto alto dessa dialética emoção/conhecimento na cultura
judaica-cristã temos o sermão do monte, onde todo o discurso é carregado de
beleza motivadora: dos pobres de espírito
é o reino dos céus; os mansos herdarão a terra; os que choram serão consolados,
os que têm fome e sede de justiça serão saciados, etc. Assim, as escrituras
bíblicas têm transmitido confiança e esperança ao comunicar emoção. E isso não
acontece por acaso. É Deus quem leva à emoção. Ele criou o homem com
possibilidades que não se restringem à razão e à lógica. O mundo é um incentivo
à vida. Nesse sentido, toda a criação é um desafio às nossas emoções.
Os setores médios da sociedade estão alicerçados no
consumo, que é um redutor do pensamento, por isso tendem a ver o mundo como uma
realidade estática, onde nada muda. A mídia, através do massacre da informação,
aprofunda essa falsa consciência e fortalece o enquadramento dos setores
médios. É desse enquadramento que nasce sua prosperidade e, como conseqüência,
sua dificuldade para pensar a realidade. E a universidade, como centro pensante
dos setores médios, perde sua capacidade de gerar reflexão crítica e
indignação.
O que vemos, no que se refere às grandes massas, é a
racionalidade ceder lugar à emoção, enquanto geradora de atividades sociais produtivas.
Temos, então, uma produção que nasce das entranhas das massas, a partir de
baixo, num nível e intensidade até agora desconhecidas na história humana.
Numa sociedade aparentemente rica, a sabedoria passa a ser privilégio daquele que
conhece a experiência da escassez. É o caminho da descoberta, do que valho
realmente enquanto ser. Nesse sentido, tanto o continente latino-americano,
como o Brasil passam a ser historicamente afortunados, por serem potencialmente
produtores de sabedoria.
Nesse sentido, estamos deixando a era tecnológica e
entrando na era da democracia das grandes massas. O que é uma mudança de
qualidade nas relações humanas. As grandes massas, que estão em movimento desde
os anos 50, começam agora a fazer uso da comunicação, enquanto linguagem
transformadora da situação dos deserdados da terra. Esse fenômeno que se
expande, mas ao mesmo tempo se aprofunda, aponta para algo inteiramente novo no
cenário latino-americano.
Ensinar teologia pode ser emocionante
Exatamente porque a função da faculdade de teologia é
desenvolver a capacidade crítica e criadora, informar e formar hábitos e
habilidades, desenvolver atitudes e ideais, deve procurar romper com a tradição
racionalista da modernidade. O futuro pastor, missionário, ministro e teólogo
vivem num mundo real e querem transformá-lo, ganhando vidas para Jesus Cristo. A faculdade
de teologia que funciona enquanto realidade isolada não entendeu uma das
exigências da pós-modernidade: o ensino que não se integra na vida real, em
sentido horizontal e também vertical, não é motivador, abandonou o fator
experiência. Por isso, enumeramos sete recursos pedagógicos que favorecem a
mediação da emoção na produção do conhecimento teológico:
1.
Fracasso e sucesso estão carregados de conteúdos
emocionais. Na
discussão de questões do Antigo Testamento, seja a aliança abraâmica, o êxodo
ou a reforma de Esdras e Neemias não importa se o aluno se embaraça em entender
os sentidos mais profundos de cada teologia, por desconhecer os pontos de
partida: ele sente-se desafiado em descobri-los, se as aulas foram emotivamente
dirigidas nesse sentido. É necessário, porém, equilibrar sempre fácil e
difícil, levando em conta que os mais inseguros são estimulados pelo sucesso e
os mais seguros com a possibilidade do fracasso.
2.
A segurança depende do conhecimento de
possibilidades e realizações,
não do conhecimento das teologias da aliança, do êxodo ou das reformas de
Esdras e Neemias. Para manter o aluno motivado, para explorar ao máximo suas possibilidades
criadoras, o professor deve visualizar uma espécie de conta corrente: onde o
ativo são os resultados dos esforços do aluno ao competir consigo mesmo e o
passivo sua preparação em direção à autodeterminação.
3.
Competir faz parte da vida, mas nem sempre há
justiça na premiação. A
faculdade de teologia deve preparar os futuros pastores, missionários,
ministros e teólogos para a competição da vida, que é inevitável. Eles vão
competir consigo mesmos, vão competir enquanto indivíduo no grupo, vão competir
com outros grupos. Como eles têm um ministério cristão é importante ter claro
que vão concorrer com outros grupos do ponto de vista teológico, mas não
apenas, também vão fazê-lo ao nível social, cultural e político. Sabemos porém
que é quase impossível prever como vão participar dessa concorrência e até onde
vão conseguir realizar seus interesses particulares, e como tal competição se
transformará em mola propulsora de desenvolvimentos posteriores.
4.
Prêmio e castigo sempre fizeram parte da
educação judaico-cristã.
Nos últimos anos, andaram em desuso, mas a realidade tem mostrado que os
prêmios satisfazem a tendência natural de auto-afirmação e de obtenção de
prestígio, enquanto os castigos contrariam essas necessidades. Assim, quando um
estudante erra e não recebe a reprimenda esperada estamos enevoando seu sistema
de valores. Estamos confundindo e não educando. Por isso, principalmente numa
faculdade de teologia é melhor repreender ou elogiar do que ausentar-se de
qualquer manifestação diante dos trabalhos realizados. É bom lembrar que o
castigo reforça o desprazer de um mau resultado e o prêmio faz a transição da
ansiedade à liberação.
5.
O aproveitamento da experiência prévia do aluno
é um fator espetacular de motivação, mas deve ser reinterpretado, retificado e
ratificado. Sua experiência de vida religiosa, social, cultural e política,
soluções encontradas para problemas reais vividos na família, na igreja e na
comunidade em geral não somente favorecem a integração do aluno no grupo, mas
produzem um sentido de correlação entre o meio social e a faculdade. É
necessário aproveitar a tendência gregária dos alunos no planejamento e
discussão dos cursos, na sua execução e controle, completando-se com o trabalho
socializado. Os grupos estruturam-se visando atender a soluções intelectuais e
afetivas. E as atividades extra-classe, desde que levem em conta essas
motivações, podem ter um importante
papel didático.
6.
As diferenças individuais devem ser levadas em
conta e compensadas
através de dois recursos: as entrevistas e a graduação de tarefas. Na primeira,
os estímulos tornam-se diretos, mas o sucesso depende em muito da simpatia e da
habilidade psico-pedagógica do professor. Na graduação de tarefas oferecemos
uma oportunidade de autodeterminação, um incentivo a aprendizagem afetiva.
7. A crítica,
enquanto construção aluno-professor, é imprescindível à segurança afetiva.
O amor é a grande motivação. O amor permite ao professor encontrar os recursos
necessários para educar os futuros pastores, missionários, ministros e teólogos
em atitudes e ideais, e orientá-los no caminho da
justiça e da verdade.
Caso sigamos os passos de Karl Barth, entendemos que a função da teologia é formular a
pergunta pela verdade. Donde a tarefa do teólogo é perguntar se a
igreja está a compreender e comunicar o Evangelho. Não entanto, é preciso
evitar o perigo do presente século obscurecer o reconhecimento da revelação. A justiça
social apresenta este desafio.
A preocupação é a justiça social e este é o norte da
teologia enquanto práxis, enquanto ação e pedagogia formadora e transformadora
da sociedade brasileira. Por isso, toda crítica à alienação e à falsa
consciência no âmbito do ensino teológico deve ter como base a justiça e a verdade,
enquanto inquirição da compreensão e proclamação do evangelho por parte da
igreja. Mas se a tarefa é formar e transformar através da justiça e da verdade,
o caminho, o fazer, é sempre o amor, que muda o presente histórico e constrói
para a eternidade.
Notas
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