A GLOBALIZAÇÃO
E O ENSINO DA TEOLOGIA NA AMÉRICA LATINA
Por Jorge
Pinheiro
Pra refazer o trabalho
pra semear minha vida
já bate a cancela
bate o tempo do pilão
já bate o atabaque
rebatendo a imensidão
o céu pegando fogo
uma estrela vai queimar
eu sou de quem me chama
eu não sou desse lugar
Serra do mar noite alta
vou preparar minha volta (...)
Na volta do caminho
tem os anjos pra velar
a gente lá de casa
bate roupa pra lavar
Pra renascer todo dia
pra descobrir o compasso
já bate a correnteza
bate asa no sertão
o boi puxando o carro
o candeeiro a direção
Cacaso1
Um poema de Cacaso pode
parecer estranho como abertura de um trabalho que pretende analisar questões
referentes à ideologia no ensino teológico. O termo ideologia foi criado por Destutt de Tracy (1754-1836), a quem Marx chama de “frio zelador da doutrina burguesa” em O Capital. v. I, Paris, Gallimard, 1965, p. 1166. Nesse trabalho, o conceito ideologia será usado sempre no sentido de falsa consciência geradora de alienação histórica, conforme desenvolvido por Marx.2 Mas como método e conteúdo fazem
parte da mesma totalidade, assuntos focalizados neste artigo, como
globalização, intelectualidade e missão profética, e os desafios da brasilidade
não estão separados da emoção, da ação em comunidade e objetivamente do ensino
teológico. Ao contrário, nos dão elementos para entendermos por que e quando nossa
pedagogia e didática descambam para a falsa consciência e alienação.
Descartamos a possibilidade
de uma pedagogia formadora e transformadora no ensino teológico brasileiro e
latino-americano, sem a compreensão de que o desafio consiste em pensar
globalmente, mas agir localmente. Por isso, a universalidade do trabalho, da
volta ao espaço de vida e do renascimento a cada dia, traduzidos no poema de
Cacaso, norteiam o caminho que desenvolvemos neste estudo.
As contradições da globalização
O planeta mudou de cara com o fim da Segunda
Guerra Mundial. Uma grande parte do mundo tornou-se comunista, incluindo mais
da metade da Europa, a maior parte da Ásia e um país latino-americano.3 Durante 40 anos, os países comunistas
transformaram-se em um pólo, exercendo o papel de centro político no mundo,
cuja expressão espacial e física se encontrava em Moscou. De outro lado, os
países democráticos consolidaram-se em bloco opositor de poder político,
expresso através da hegemonia norte-americana. Essa polaridade do poder
político e militar desenhou a face mundial durante esses anos.
No mundo comunista, a igreja enfrentou a
perseguição. Milhares de cristãos foram presos, internados em campos de
trabalhos forçados e mortos. No mundo democrático, construiu-se um muro de
separação entre o estado e as igrejas nacionais. O liberalismo deu origem ao
secularismo e ao individualismo ególatra da sociedade de consumo.4
Mas com a derrota da democracia ocidental,5 capitaneada pelos Estados Unidos, no Vietnã,6 e com o desmoronamento do bloco comunista
fez-se um vazio de poder político no conjunto do planeta. Mais rapidamente do
que poderíamos imaginar, à cavalo da informatização e da verticalização da
informação, a democracia do livre comércio ocupou o vazio existente.
Desaparecia um mundo liderado pela polarização política, dando lugar à livre
expressão econômica do capital financeiro. Por isso, no mundo atual as relações
de força não mais se realizam de maneira centralizada, como eram antes. Temos
um mundo que desorganiza centros, mas que se organiza a si mesmo.
Hoje, as empresas globais, supranacionais,
realizam uma nova centralidade, atuam a partir de centros frouxos, mas são
socialmente cegas, já que abandonaram qualquer objetivo ético ou solidário. A
idéia de finalidade inexiste para esses condutores na economia globalizada.
Para a democracia de livre comércio não há nacionalidade. Por isso, quando
falamos em benefícios para o Brasil, num mundo globalizado pela não
espacialidade do capital financeiro, estamos seqüestrando o conceito de
nacionalidade. Haverá benefícios, sem dúvida, mas não para a nação nomeada e
sim para os agrupamentos supranacionais. Algumas migalhas poderão chegar à
população, mas não enquanto finalidade.
O conceito de nação implica em territorialidade,
isto porque é a partir dela que temos a expressão mais ampla de uma comunidade.
Território é isso, a área através da qual um estado exerce sua força e poder.
Nesse sentido, a globalização choca-se com um adversário, que é a realidade do
território. Não há, em termos de globalidade, a possibilidade de se definir o
que deve ser feito dentro de cada território, em todos os territórios
existentes no mundo. Atualmente, os estados são coadjuvantes da democracia de
livre comércio. Aceito esse papel, os presidentes de repúblicas tornaram-se
caixeiros viajantes ou meros executivos das empresas supranacionais. Mas a
nacionalidade continua existindo porque a sua base é o território e como
conseqüência temos a realidade do estado, ainda hoje um elemento de força
expressiva.
A tradução viva do território é a sociedade,
enquanto maioria da população, das empresas e instituições. As empresas
supranacionais não necessitam de território, mas de centros frouxos que são as
alavancas da realização de sua riqueza. Dizer que o estado nacional acabou, que
não é possível um projeto nacional é, ao menos até agora, uma afirmação
superficial. O estado planetário, no nível atual de previsão, é uma fantasia.
Nossa terceira onda urbanizatória, fruto direto
da industrialização dos anos 50/60, aliada ao movimento migratório,
principalmente nordestino, e à expressão democrática de novas correntes de
pensamento, mudou a cara das cidades brasileiras e por extensão do país. Esse
fenômeno, uma versão indígena da secularização global golpeou a estrutura
familiar, fortaleceu o individualismo e aumentou o fosso social entre
participantes do mercado e deserdados do capital.
Esse processo, que coincidiu a nível
latino-americano com a revolução cubana, produziu em nosso país um comunismo
mulato, que mais tarde foi traduzido em teologia da libertação por brasileiros
como Rubem Alves e Leonardo Boff, na trilha do teólogo católico peruano Gustavo
Gutierrez. Profundamente influenciada pelo marxismo, essa teologia define-se em
primeiro lugar pela práxis da ação social. Teve muita importância nos anos 70 e
80, quando criou e desenvolveu as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que
serviram como elemento dinamizador, ao lado dos sindicatos, para a formação do
Partido dos Trabalhadores. Apesar desse fortalecimento no campo político, a
igreja católica começou a viver um refluxo de vocações, baixa freqüência à
missa e fortes pressões a favor do sincretismo.
No campo protestante, os evangelicais—aqueles
que crêem na Bíblia como regra da fé e prática inspirada e infalível, na
expiação vicária e na ressurreição de Cristo, no novo nascimento e numa vida
transformada pelo poder do Espírito Santo—ganham um peso até então inédito
enquanto setor de expressão na sociedade. Divididos em dois grandes grupos,
históricos e carismáticos, incluídos aí pentecostais clássicos e
neopentecostais, cada vez mais deram as costas a sua origem social,
desenvolveram um discurso dirigido à classe média e lançaram-se a uma
experiência denominacional fracional e sectária.
Atualmente, quarenta anos depois da eclosão
desses fenômenos, podemos dizer que os extremos entraram em caducidade: a
teologia da libertação e as pressões favoráveis ao fracionalismo e sectarismo
denominacional estão em pleno declínio. Da mesma maneira, o liberalismo e as
correntes neo-ortodoxas entraram em franco esgotamento. Há uma busca crescente
pelo dinamismo religioso da cruz.
A traição da intelectualidade
O profetismo bíblico traduz a inquietude e o
descontentamento da população em relação a acontecimentos sociais e religiosos
concretos. Os profetas hebreus, no cumprimento de sua missão, não entram em
choque físico, militar, como em outros lugares, com as barreiras intransponíveis
levantadas pelos governos centrais. Ao invés disso, utilizam a palavra, o
discurso crítico, como forma de trazer à superfície novas soluções e de
influenciar aqueles que exercem o poder.
Há uma semelhança metodológica entre o
profetismo bíblico o conceito de intelectual, desenvolvido a partir dos
trabalhos de Gramsci.7Assim, para esse pensador italiano, o intelectual
representa organicamente uma determinada comunidade, tem função superestrutural
e, apesar de sua organicidade, precisa exercer autonomia em relação às pressões
sociais que sofre. É dessa postura que nasce sua força crítica e sua
compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes daquelas
expressas pelo poder.
Quando ao profeta bíblico, sem negar sua característica
enquanto homem de Deus8, expressão humana e verbal da vontade divina,9é importante analisar também o fato de que
possuía uma concepção unitária do fato e que constantemente procurava a síntese
entre política e ética.
“Para Jacob10, eram ao mesmo tempo revolucionários voltados
para o passado e conservadores impulsionados pela paixão do porvir; igual
julgamento vemos em L. Ramlot11: os profetas nada fazem sem invocar a tradição, no
entanto, sua grande mensagem são os novos tempos. Outros exegetas julgam que os
profetas sabiam servir-se do passado para as necessidades do presente. (...)
Todos parecem ter algo em comum: uma atitude realista. Abominam o palavreado
inútil, a eloquência abstrata. Ao contrário dos falsos profetas, interessam-se
pelo concreto e procuram não viver envoltos em véu de ilusões. A pregação do
futuro não constitui o essencial de suas prédicas; é antes, o fruto e o
resultado final de conhecimento aprofundado no mundo adjacente, da atualidade e
do passado”12.
É desesperante ver que a intelectualidade brasileira,
hoje, esteja sendo cooptada pelo establishment,
perdendo assim sua força crítica e sua capacidade de elaborar e apresentar
alternativas diferentes daquelas colocados pelo status quo. Nossa intelectualidade
é formada, tradicionalmente, por filhos da oligarquia, o que faz dela
uma expressão ideológica ligada ao poder. O que em parte explica a realidade
desse tropismo em direção ao poder. E quando os intelectuais optam por ser
poder, abandonam de fato sua vontade crítica, sua missão.
É próprio do profeta e do intelectual criar o
desconforto. Ambos têm que ser fortes para trabalhar se necessário na solitude
e continuar exercendo seu papel. O que outros pensam, no imediatismo do
presente, deve ser indiferente para eles. É um equívoco pensar que vantagens
imediatas sejam uma vantagem política. O fruto da política é sempre abrangente,
realiza-se enquanto totalidade. Assim, quanto maiores os frutos ou vantagens
que uma determinada política produz, maior a sua abrangência social.
O trabalho do intelectual é plantar idéias políticas e
lutar para que elas floresçam. Trocar essa missão por benesses e imediatismos é
um trágico equívoco. A defesa de idéias corretas de transformação social tem um
custo, que pode ser a perda momentânea de privilégios pessoais, imediatos,
quando a preocupação é participar do establishment.
Mas se o intelectual tem consciência de seu papel na sociedade, não há de fato
uma perda.
Atualmente, na sociedade secular brasileira, a traição
de um número crescente de intelectuais, em relação à missão que receberam da
sociedade, tem como pano de fundo a globalização. Há uma forte tendência,
subjetiva, para a cooptação. É essa realidade que faz o profeta superar,
transcender e substituir objetivamente o intelectual de corte gramsciano na
sociedade globalizada.13
É claro que nem sempre foi assim. No fim dos anos 50 e
começo dos anos 60, a comunidade intelectual brasileira buscou contribuir para
um projeto de desenvolvimento nacional. A diferença básica entre aquele momento
e os posteriores vividos pelo Brasil é, em essência, o projeto. Naquela época
havia a busca de um projeto nacional, sem uma preocupação unívoca, ou seja,
ninguém desejava uniformizar uma solução. Em torno do poder aconteceram discussões
e floresceram divergências que permitiram à sociedade como um todo construir um
alternativa. E havia os partidos que tinham credibilidade social e participavam
de todo o processo de discussão. Tínhamos uma gama muito ampla de opiniões,
indo de uma União Democrática Nacional até o Partido Comunista do Brasil, todos
com projetos explícitos.
Hoje não temos projeto explícito, nem por parte do
poder, nem dos agrupamentos políticos existentes. Sem projetos políticos não
pode haver discussão política. Num país onde o aparelho de estado não tem um
projeto, os partidos ficam capengas. Não há o que discutir. Sempre foi, dentro
da democracia burguesa, função do estado a produção de um projeto próprio de
governo. A política é exatamente isso, a discussão dos vários projetos
existentes e o exercício da escolha e apresentação desses projetos para a
sociedade.
Há uma diferença entre profeta e professor. Nossas
faculdades teológicas formam ambos. Mas o número de profetas, enquanto elemento
crítico, produtor de desconforto, dentro e fora das faculdades será sempre bem
menor que o de professores. Mas isso não quer dizer que sua produção seja menos
importante. A faculdade não é unívoca. Abriga quadros diferentes, teólogos,
professores, pastores, missionários, ministros de música e de educação cristã,
com perspectivas e compreensões diferentes da realidade. É necessário entender
que o ensino teológico brasileiro tem cerca de cinqüenta anos e seu
desenvolvimento traduz uma produção carente de caminhos próprios.
Outro problema é o isolamento do ensino e da produção
teológica brasileira. Nossas faculdades e seminários acabam existindo enquanto
entidades fechadas, que de forma consciente ou não deixam de lançar suas idéias
ao debate acadêmico e nacional. Correm assim o risco de transformarem-se em
grupos sectários, fechados em si mesmos, que por isso deixam de pensar
criticamente a sociedade, apresentar alternativas e pressionar positivamente
governo e establishment.
Diante da crise estrutural da intelectualidade, nossas
faculdades de teologia estão desafiadas a produzir profetas. Homens de Deus,
conscientes de seu papel histórico, que sob a luz do Evangelho, façam a crítica
cristã das políticas reducionistas e antipopulares. Tal postura deve nascer de
um ensino teológico que responda aos desafios da globalização e da
pós-modernidade14: necessidade e urgência para a reconstrução da
intelectualidade e desenvolvimento do conjunto da sociedade brasileira.15
Os desafios da brasilidade
No mundo secular, a difusão do saber produzido não é
tarefa exclusiva das universidades. A mídia, por exemplo, deveria ser um dos
agentes principais nessa tarefa. Acontece, infelizmente, que a mídia
transformou-se em traidora de sua missão original, clássica. E todos sabemos
que essa omissão é fruto de sua dependência intrínseca, e cada vez maior, das
empresas globais, que direcionam a democracia do livre comércio.
Tal fato gerou um desequilíbrio, que pode ser
equacionado da seguinte forma: quanto maior o peso da estrutura global menor é
a responsabilidade ética da mídia na difusão do saber produzido. Há uma redução
da qualidade de pudor e de indignação. Assim, ao invés da palavra profética
temos um cronista do establishment.
A questão da justiça social parte de três realidades
que estão imbricadas, nesse novo século, com a globalização. São elas, a
materialidade de nosso corpo, a individualidade e a cidadania. A corporeidade é
a minha primeira expressão enquanto pessoa, a forma que possibilita a minha
comunicação com os outros, com a minha espacialidade e com o meio.16 Essa possibilidade de comunicação é limitada ou
facilitada pela minha individualidade, que socialmente, traduz-se enquanto
cidadania. Ou seja, pela maneira como participo, pela sociabilidade.
O problema é que no Brasil a cidadania não se
completou. De tal maneira que meu corpo aparece como diferença central em
relação a outros corpos. Não importa que minha individualidade cresça, enquanto
consciência que tenho de minha realidade e de minhas possibilidades, inclusive
através da ampliação de meus conhecimentos, se a cidadania me escapa por falta
de espacialidade, de geografia. Quando alguém tem o poder de tirar a minha
espacialidade, de me colocar para fora de minha casa e de meu espaço de
produção, dentro da realidade urbana, ou de minha casa e da terra onde produzo,
dentro da realidade rural, minha
corporeidade torna-se inferior às demais, porque deixo de ser cidadão.
A grande possibilidade do futuro está na comunicação,
mas não na comunicação à distância, e sim na comunicação na proximidade. O que
não falta hoje é informação, divulgação de dados e fatos verticalizados, numa
rapidez e quantidade assombrosos. Isso produz alienação, já que não há
discussão de metas, prioridades ou contexto em que esses dados e fatos devam
ser inseridos. Nesse sentido, a globalização permite falar na construção
antecipada de violência deliberada.17 É assim que atuam os grandes conglomerados da
indústria editorial no mundo. Decidem a priori quais serão os best sellers. Criaram um fosso entre o
mercado das idéias e a produção teórica do saber.18
Por isso, a comunicação está na comunidade, 19 nos conglomerados, entre os povos do mundo. São
eles que criam, já que a comunicação é a expressão da solidariedade de
preocupações, do fato de viver juntos, de depender para continuar vivendo.20 E aí está, sem dúvida, o caminho para outra
globalização, que não precisa necessariamente de toda essa sofisticação
pós-moderna.
Até agora, o mundo da globalização é verticalizado,
tem preocupações pragmáticas, localiza-se em centros frouxos, de onde comanda a
violência da informação e a violência do dinheiro. Mas isso é uma transição. As
comunidades, os grandes centros urbanos, as grandes massas, no entanto, estão
criando outra coisa. Respondem à informação e ao pragmatismo com comunicação e
emoção. Abandonaram, sem terem consciência disso, a epistemologia do
iluminismo.
A emoção permite a liberação de quadros estabelecidos,
por isso tem um papel motor na produção do conhecimento. Quando falamos de
emoção estamos realçando tendências motivadoras, quer sejam imitação,
defensiva, agressiva, gregária, de propriedade, de domínio, de submissão. Isto
porque a iniciativa da vontade ou da atividade pode ser insuficiente ou
deficiente na descoberta e criação do conhecimento.
O Antigo Testamento é rico nesse tipo de experiência
vivencial que faz cruzar emoção e comunicação. O povo israelita se movimenta,
sacrifica, luta, vence, num processo contínuo de novas emoções e conhecimentos
para obter uma conquista final. A fé se constrói dentro do mesmo princípio,
dando forças para suportar, em Jó, no agir, em José, e na obediência como fruto
da confiança, em Abraão. A própria assinatura da aliança no Antigo Testamento
acontece no contexto de uma crise emocional sem precedentes na vida do herói da
fé. E como ponto alto dessa dialética emoção/conhecimento na cultura
judaica-cristã temos o sermão do monte, onde todo o discurso é carregado de
beleza motivadora: dos pobres de espírito
é o reino dos céus; os mansos herdarão a terra; os que choram serão consolados,
os que têm fome e sede de justiça serão saciados, etc. Assim, as escrituras
bíblicas têm transmitido confiança e esperança ao comunicar emoção. E isso não
acontece por acaso. É Deus quem leva à emoção. Ele criou o homem com
possibilidades que não se restringem à razão e à lógica. O mundo é um incentivo
à vida. Nesse sentido, toda a criação é um desafio às nossas emoções.
Os setores médios da sociedade estão alicerçados no
consumo, que é um redutor do pensamento, por isso tendem a ver o mundo como uma
realidade estática, onde nada muda. A mídia, através do massacre da informação,
aprofunda essa falsa consciência e fortalece o enquadramento dos setores
médios. É desse enquadramento que nasce sua prosperidade e, como conseqüência,
sua dificuldade para pensar a realidade. E a universidade, como centro pensante
dos setores médios, perde sua capacidade de gerar reflexão crítica e
indignação.
O que vemos, no que se refere às grandes massas, é a
racionalidade ceder lugar à emoção,21 enquanto geradora de atividades sociais produtivas.
Temos, então, uma produção que nasce das entranhas das massas, a partir de
baixo, num nível e intensidade até agora desconhecidas na história humana.
Numa sociedade aparentemente rica,22 a sabedoria passa a ser privilégio daquele que
conhece a experiência da escassez. É o caminho da descoberta, do que valho
realmente enquanto ser. Nesse sentido, tanto o continente latino-americano,
como o Brasil passam a ser historicamente afortunados, por serem potencialmente
produtores de sabedoria.
Nesse sentido, estamos deixando a era tecnológica e
entrando na era da democracia das grandes massas. O que é uma mudança de
qualidade nas relações humanas. As grandes massas, que estão em movimento desde
os anos 50, começam agora a fazer uso da comunicação, enquanto linguagem
transformadora da situação dos deserdados da terra. Esse fenômeno que se
expande, mas ao mesmo tempo se aprofunda, aponta para algo inteiramente novo no
cenário latino-americano.
Ensinar teologia pode ser emocionante
Exatamente porque a função da faculdade de teologia é
desenvolver a capacidade crítica e criadora, informar e formar hábitos e
habilidades, desenvolver atitudes e ideais, deve procurar romper com a tradição
racionalista da modernidade. O futuro pastor, missionário, ministro e teólogo
vivem num mundo real e querem transformá-lo,23 ganhando vidas para Jesus Cristo. A faculdade
de teologia que funciona enquanto realidade isolada não entendeu uma das
exigências da pós-modernidade: o ensino que não se integra na vida real, em
sentido horizontal e também vertical, não é motivador, abandonou o fator
experiência. Por isso, enumeramos sete recursos pedagógicos que favorecem a
mediação da emoção na produção do conhecimento teológico:
1.
Fracasso e sucesso estão carregados de conteúdos
emocionais. Na
discussão de questões do Antigo Testamento, seja a aliança abraâmica, o êxodo
ou a reforma de Esdras e Neemias não importa se o aluno se embaraça em entender
os sentidos mais profundos de cada teologia, por desconhecer os pontos de
partida: ele sente-se desafiado em descobri-los, se as aulas foram emotivamente
dirigidas nesse sentido. É necessário, porém, equilibrar sempre fácil e
difícil, levando em conta que os mais inseguros são estimulados pelo sucesso e
os mais seguros com a possibilidade do fracasso.
2.
A segurança depende do conhecimento de
possibilidades e realizações,
não do conhecimento das teologias da aliança, do êxodo ou das reformas de
Esdras e Neemias. Para manter o aluno motivado, para explorar ao máximo suas possibilidades
criadoras, o professor deve visualizar uma espécie de conta corrente: onde o
ativo são os resultados dos esforços do aluno ao competir consigo mesmo e o
passivo sua preparação em direção à autodeterminação.
3.
Competir faz parte da vida, mas nem sempre há
justiça na premiação. A
faculdade de teologia deve preparar os futuros pastores, missionários,
ministros e teólogos para a competição da vida, que é inevitável. Eles vão
competir consigo mesmos, vão competir enquanto indivíduo no grupo, vão competir
com outros grupos. Como eles têm um ministério cristão é importante ter claro
que vão concorrer com outros grupos do ponto de vista teológico, mas não
apenas, também vão fazê-lo ao nível social, cultural e político. Sabemos porém
que é quase impossível prever como vão participar dessa concorrência e até onde
vão conseguir realizar seus interesses particulares, e como tal competição se
transformará em mola propulsora de desenvolvimentos posteriores.
4.
Prêmio e castigo sempre fizeram parte da
educação judaico-cristã.
Nos últimos anos, andaram em desuso, mas a realidade tem mostrado que os
prêmios satisfazem a tendência natural de auto-afirmação e de obtenção de
prestígio, enquanto os castigos contrariam essas necessidades. Assim, quando um
estudante erra e não recebe a reprimenda esperada estamos enevoando seu sistema
de valores. Estamos confundindo e não educando. Por isso, principalmente numa
faculdade de teologia é melhor repreender ou elogiar do que ausentar-se de
qualquer manifestação diante dos trabalhos realizados. É bom lembrar que o
castigo reforça o desprazer de um mau resultado e o prêmio faz a transição da
ansiedade à liberação.24
5.
O aproveitamento da experiência prévia do aluno
é um fator espetacular de motivação, mas deve ser reinterpretado, retificado e
ratificado. Sua experiência de vida religiosa, social, cultural e política,
soluções encontradas para problemas reais vividos na família, na igreja e na
comunidade em geral não somente favorecem a integração do aluno no grupo, mas
produzem um sentido de correlação entre o meio social e a faculdade. É
necessário aproveitar a tendência gregária dos alunos no planejamento e
discussão dos cursos, na sua execução e controle, completando-se com o trabalho
socializado. Os grupos estruturam-se visando atender a soluções intelectuais e
afetivas. E as atividades extra-classe, desde que levem em conta essas
motivações, podem ter um importante
papel didático.
6.
As diferenças individuais devem ser levadas em
conta e compensadas
através de dois recursos: as entrevistas e a graduação de tarefas. Na primeira,
os estímulos tornam-se diretos, mas o sucesso depende em muito da simpatia e da
habilidade psico-pedagógica do professor. Na graduação de tarefas oferecemos
uma oportunidade de autodeterminação, um incentivo a aprendizagem afetiva.
7. A crítica,
enquanto construção aluno-professor, é imprescindível à segurança afetiva.
O amor é a grande motivação. O amor permite ao professor encontrar os recursos
necessários para educar os futuros pastores, missionários, ministros e teólogos
em atitudes e ideais, e orientá-los no caminho da
justiça e da verdade.
Caso sigamos os passos de Karl Barth, entendemos que a função da teologia é formular a
pergunta pela verdade. Donde a tarefa do teólogo é perguntar se a
igreja está a compreender e comunicar o Evangelho. Não entanto, é preciso
evitar o perigo do presente século obscurecer o reconhecimento da revelação. A justiça
social apresenta este desafio.
A preocupação é a justiça social e este é o norte da
teologia enquanto práxis, enquanto ação e pedagogia formadora e transformadora
da sociedade brasileira. Por isso, toda crítica à alienação e à falsa
consciência no âmbito do ensino teológico deve ter como base a justiça e a verdade,
enquanto inquirição da compreensão e proclamação do evangelho por parte da
igreja. Mas se a tarefa é formar e transformar através da justiça e da verdade,
o caminho, o fazer, é sempre o amor, que muda o presente histórico e constrói
para a eternidade.
Notas
1 Cacaso,
Um Canto de Trabalho, in Mar de
Mineiro, Rio de Janeiro, 1982.
2 Karl Marx, L’Idéologie Allemande, Paris, Gallimard, 1982. Levamos em conta,
ainda, três outros trabalhos: o primeiro de Claude Lefort, Les Formes de
l’histoire, Essai d’anthropologie politique, Paris, Gallimard, 1978, o
segundo de L. Althusser, Pour Marx, Paris, Maspero, 1965 e o terceiro de Paul Ricoeur, L'ideologie et l'utopie, Éditions du Seuil, Paris, 1977.
3 A
transformação de diversos estados da Europa central e oriental em repúblicas, a
partir de 1945, alterou o equilíbrio de poder entre os países socialistas e
capitalistas, condicionando a política do mundo inteiro e gerando um estado de
tensão permanente que ficou conhecido como Guerra Fria. Os laços entre a União
Soviética e os países satélites foram estabelecidos através de acordos
militares como o Pacto de Varsóvia e econômicos como o Comecom. De forma geral,
a política estratégica de Moscou caracterizou-se pela tentativa de conter, na
ONU, a política externa das grandes potências capitalistas; estímulo aos
movimentos de oposição ocidentais contrários à expansão armamentista; confronto
ideológico com o bloco ocidental dentro de suas esferas de influência; e
reforço de seus próprios interesses dentro do bloco socialista.
4 “Essa cisão dramática entre ética e civilização
manifesta-se de modo particularmente agudo quando se tem em vista o problema da
comunidade ética no contexto da modernidade, ou quando é colocada a questão
sobre o destino da comunidade ética numa civilização regida pelo pressuposto da
práxis. A experiência milenar das sociedades humanas logrou constituir no curso
da história formas de comunidades éticas como a família, os grupos religiosos,
as tradições culturais e outras, onde os indivíduos se acolhiam para buscar uma
razoável satisfação de suas necessidades simbólicas. O enfraquecimento ou a
dissolução dessas comunidades é, talvez, o efeito mais visívil do processo de
integração das sociedades mais diversas no âmbito e no espírito (ou na
ideologia) da civilização universal moderna. Tornou-se banal a afirmação de que
a ideologia verdadeiramente representativa da modernidade é o individualismo”.
Henrique C. de Lima Vaz, Ética e Comunidade,
in Síntese / Revista Trimestral da Faculdade de Filosofia do Centro de
Estudos Superiores da Companhia de Jesus, BH, no 52, jan./mar. 1991, p.7.
5 “O
cristianismo e o judaísmo floresceram ou pelo menos sobreviveram em toda
espécie de sistema social conhecido da humanidade. Se o capitalismo democrático
perecesse durante os próximos cinqüenta anos, como bem poderia acontecer, o
cristianismo e o judaísmo ainda sobreviveriam; segundo a promessa de Deus,
sobreviverão até o fim dos tempos. É essencial, portanto, não confundir a
transcendência do cristianismo e do judaísmo com a sobrevivência do capitalismo
democrático. Se o capitalismo democrático desaparecesse da terra, a humanidade
mergulharia em trevas relativas e judeus e cristãos sofreriam em regimes bem
mais hostis às suas liberdades e capacidades. No entanto, judaísmo e
cristianismo não requerem capitalismo democrático. Ocorre somente que, sem ele,
ambos seriam mais pobres e menos livres. Entre as economias políticas pode
haver alguma coisa melhor que o capitalismo democrático auto-regulador. Se
existe, ainda não está à vista”. Michael Novak, O Espírito do Capitalismo
Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica, 1982, p. 392.
6 A retirada americana deu início à fase final da
guerra do Vietnã e ao enfraquecimento do governo de Nguyen Van Thieu, que não
resistiu ao avanço das tropas vietcongues. O Acordo de Paris, negociado por
Henry Kissinger e Le Duc Tho, foi assinado a 21/1/1973. O documento estabelecia
o cessar fogo, a retirada das tropas americanas, a convocação de eleições para
o Vietnã do Sul e a libertação dos presos de guerra. Os EUA perderam quase 46
mil soldados e tiveram cerca de 300 mil feridos. No dia 21/4/95 deu-se a
arrancada final dos comunistas. Van Thieu fugiu para os EUA e o general Duong
Van Minh rendeu-se incondicionalmente ao vietcongue a 30/4/75.
7 Se
a relação entre intelectuais e povo-nação, entre dirigentes e dirigidos - entre
governantes e governados -, é dada por uma adesão orgânica, na qual o
sentimento paixão torna-se compreensão e portanto saber (não mecanicamente, mas
de forma viva), é somente então que a relação é de representação e que se
produz o intercâmbio de elementos individuais entre governados e governantes,
entre dirigidos e dirigentes, isto é: que se realiza a vida conjunta que, só
ela, é a vida social, cria-se um bloco histórico”. Antonio Gramsci, Il
Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto Croce, Turim, Einaudi, 1966,
p. 115.
8 “A seleção de pessoas que devem se candidatar
para aproveitar a educação teológica merece muita atenção. Ninguém pensaria em
mandar um time de futebol para representar seu país se não tivesse as
qualificações que o destacam da maioria dos jogadores. Paulo salienta fidelidade
e idoneidade (2Tm 2:2). Jesus aponta para humildade ou pobreza de espírito.
Refere-se à pessoa que é vulnerável, totalmente dependente, no sentido de que
não tem nada de si que acha poder oferecer a Deus em troca de qualquer favor
dele”. Russell P. Shedd, O Fundamento e Finalidade Última da Educação
Teológica, in Vox Scripturae,
dez/1966, p. 291.
9 M. Buber, The Prophetic Faith, Nova York, 1949,
citado por León Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da
Bíblia, São Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 113.
10 E. Jacob, Les Prophètes bibliques sont-ils des
révolutionnaires ou des conservateurs, in Csoc, 71, 1963, p. 194.
11 L.
Ramlot, Histoire et mentalité symbolique, Exégese et theéologie, Mélanges
Coppens, t. III, 1968, p. 188.
12 León
Epsztein, A Justiça Social no Antigo Oriente Médio e o Povo da Bíblia, São
Paulo, Edições Paulinas, 1990, p. 115.
13 ”Cada
instituição teológica, consciente ou inconscientemente, também tem suas
pressuposições e tendências ideológicas, mas duvido que a maioria desses
centros educacionais tenham refletido com muita claridade e seriedade sobre
essa realidade. Essa orientação ideológica estaria vinculada à história da
instituição, à formulação da missão da igreja e o papel da educação teológica
no cumprimento dessa missão. Donde, cada instituição educará seus estudantes
para certa classe de leitura popular de acordo com suas obrigações. Tenho a
impressão de que as instituições ecumênicas articulam com maior claridade seus
compromissos ideológicos e que se esforçam para que esses se reflitam em seu
propósito, curriculum e estruturas. (...) Quanto às leituras de uma orientação
ideológica, existem dois perigos possíveis. Uma instituição pode enfocar tanto
a convicção de sua responsabilidade sociopolítica que perde sua relação com a
igreja nacional e suas congregações. (...) É importante que a instituição
teológica vá adiante da igreja e que a oriente, mas que não se adiante a tal
ponto que a igreja a perca de vista (...)
Por outro lado, uma instituição teológica de convicções mais
conservadoras pode cair na armadilha de preparar ministros de molde histórico
de acordo com modelos eclesiásticos que funcionaram nas igrejas por longos
anos. Declarações do propósito da instituição e de sua filosofia educacional podem
limitar-se a critérios denominacionais e à esfera da igreja local. Essas áreas
são importantes e fundamentais, mas pode ocorrer que se preste pouca atenção ao
contexto maior na qual se encontra a instituição, e seus graduados não estejam
adequadamente preparados para ajudar aos membros das igrejas locais ou a igreja
nacional a confrontar a realidade nacional”. M. Daniel Carroll R., Leituras
Populares da Bíblia: Seu Significado e Alerta Para a Educação Teológica, in Vox
Scripturae, set/1995, pp.139-140.
14 ” O espírito pós-moderno resiste às explicações
unificadas, abrangentes e universalmente válidas. Ele as substitui por um
respeito pela diferença e pela celebração do local e do particular à custa do
universal. (...) A compreensão moderna associava a verdade à racionalidade e
fazia da razão e da argumentação lógica os únicos árbitros da crença correta.
Os pós-modernos questionam o conceito de verdade universal descoberta e provada
graças aos esforços racionais. Eles não estão dispostos a conceber que o intelecto
humano seja o único determinante daquilo em que devemos crer. Os pós-modernos
olham para além da razão e dão guarida a meios não-racionais de conhecimento,
dando às emoções e às intuições um status
privilegiado. A busca de um modelo cooperativo e de uma maior valorização das
dimensões não-racionais da verdade emprestam uma dimensão holística à
consciência pós-moderna. O holismo pós-moderno implica a rejeição do ideal
iluminista do indivíduo fleumático, autônomo e racional. Os pós-modernos não
procuram ser indivíduos totalmente dedicados a si mesmos, desejam, isto sim,
ser pessoas ‘completas’. (...) Os pós-modernos estão bem cientes da importância
da comunidade e da dimensão social da existência. A concepção pós-moderna da
totalidade estende-se também ao aspecto religioso ou espiritual da vida. Na
verdade, os pós-modernos asseveram que a existência pessoal pode se dar no
âmbito da realidade divina”. Stanley J. Grenz, Pós-Modernismo, Um Guia para
Entender a Filosofia de Nosso Tempo, São Paulo, Edições Vida Nova, 1997, pp.
30, 32, 33.
15 ”Poucas instituições (teológicas) na AL
procuraram e conseguiram o reconhecimento das autoridades ou dos sistemas
educacionais de seus países. Inclusive, algumas das mais prestigiadas não têm
esse reconhecimento. Isto significa que temos certa liberdade para repensar a
estrutura e as formas de nossa educação teológica, de maneira que corresponda
melhor às necessidades de nossas igrejas. Tanto o crescimento numérico dos
evangélicos, como a crescente profissionalização do ministério cristão,
empurrarão nossas instituições a buscar o reconhecimento dentro dos sistemas
educacionais de seus países. Isso tem
vantagens e desvantagens. Uma desvantagem é que, como nos EUA e Europa,
limitará a liberdade e funcionalidade da educação teológica em relação à missão
das igrejas. No entanto, temos tempo para repensar de maneira funcional, as
condições dentro das quais nossas instituições vão se inscrever dentro do
sistema educacional de cada país”. Samuel Escobar, Fundamento e Finalidade da
Educação Teológica na América Latina, in Vox
Scripturae, mar/1966, pp. 72-73.
16 ”São
de enorme valor as contribuições de Emmanuel Mounier e Paul Tournier à plena
compreensão da ‘pessoa’ como um todo integral. Esses pensadores cristãos nos
convidam a superar os reducionismos, como por exemplo aqueles que em nome da
espiritualidade negavam a materialidade ao ponto de negar a liberdade e a
realidade do espiritual. Uma formação autenticamente cristã tem que regressar à
riqueza da antropologia bíblica. Aqui temos que reconhecer que nossa pastoral
evangélica foi muitas vezes muito espiritualizante”. Samuel Escobar, idem art.
cit., p. 64.
17 ”Só
recentemente começou a emergir com clareza a dimensão
comunicação/ publicidade/cultura como parte integrante do instrumental
transnacional. É cada vez mais evidente que o sistema transnacional de
comunicação se desenvolveu com o apoio e a serviço dessa estrutura
transnacional de poder. É parte integrante do sistema, e por meio do qual é
controlado o instrumento fundamental que é a informação na sociedade
contemporânea. É o veículo para transmitir valores e estilos de vida aos países
do Terceiro Mundo, que estimula o tipo de consumo e o tipo de sociedade
requeridos pelo sistema transnacional, em seu conjunto. Politicamente, defende
o status quo quando este apoia seus próprios interesses; economicamente, cria
condições para a expansão transnacional do capital. Se o sistema transnacional
perdesse seu controle sobre a estrutura de comunicações, perderia uma de suas
armas mais poderosas; daí, a dificuldade de mudanças”. Juan Somavía, A
Estrutura Transnacional de Poder e a Informação Internacional, in Meios de
Comunicação: Realidade e Mito, org. Jorge Werthein, São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1979, p. 131.
18 ”Com
o desenvolvimento dos meios eletrônicos, a indústria da consciência
converteu-se em marca-passos do desenvolvimento sócio-econômico na sociedade
pós-industrial. Infiltra-se em todos os demais setores da produção, assume cada
vez mais funções de comando e de controle, e determina a norma da tecnologia
dominante. (...) Além do mais, os meios de comunicação também suprimem a velha
categoria da obra que só se pode conceber como objeto isolado, não independente
de seu substrato material. Os meios não produzem tais objetos. Criam programas.
(...) Os programas da indústria da consciência têm que absorver seus próprios
efeitos, as reações e as correções que provocam. Do contrário, tornam-se
antiquados de imediato. Por conseguinte, não se podem considerar como meios de
consumo, e sim, meios para sua própria produção”. Hans Magnus Enzensberger,
Elementos para uma teoria dos meios de comunicaçãp, Rio de Janeiro, Tempo
Brasileiro, 1978, pp. 43, 139-140.
19 ”Um
elemento valioso dos grandes movimentos de renovação espiritual foi criar meios
que permitem que a ação pedagógica e pastoral se personalizem. Os pequenos
grupos dentro da igreja, onde se vive o ‘cara a cara’ da vida em comunidade não
são uma invenção de algum especialista em psicologia social ou das comunidades
de base no Brasil. Foram a prática dos anabatistas do século XVI, os pietistas
e dos metodistas primitivos. Sua intenção era precisamente buscar o avivamento
da fé e a piedade através do estímulo mútuo que personaliza a vivência da fé na
comunidade. Em especial, no modelo wesleyano, através dos pequenos grupos como
células, ligas e classes, a ação pastoral se ampliava e possibilitava um
pastoreio mútuo dentro das grandes linhas teológicas desenvolvidas pela
pregação de John Wesley e a hinologia de Charles Wesley”. Samuel Escobar,
Fundamento e finalidade da Educação Teológica na América Latina, in Vox
Scripturae, mar/1966, p. 63.
20”A fim de criar riqueza, os indivíduos devem ser
livres para serem outros. Não devem ser compreendidos como fragmentos de uma
entidade, membros de um grupo consangüíneo ou enclave étnico, mas como
indivíduos - fontes originadoras de discernimento e opção. Tais pessoas não
estão isoladas nem são estranhas entre si. Simpatia, cooperação e associação
são para elas tão naturais e tão necessárias, como o ar que se respira. No
entanto, quando formam comunidades, elas as escolhem,
elegem-nas, contratam em seu nome. O estado natural da comunidade política
de pessoas chegou a se constituir não através de posse primordial, mas por
compactação constitucional. Antes que a raça humana escolhesse suas
comunidades, havia somente uma forma de
pietas, um tipo de amor, o amor
ao país. Ainda não fora vislumbrada a possibilidade de dilectio. O amor primordial ao país é bom. Mas a escolha, a
compactação, a eleição são melhores”. Michael Novak, O Espírito do Capitalismo
Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica, 1982, p. 415, 416.
21 ”Ambos
os autores, Heller e Wallon, apontam para a estreita relação entre emoção,
linguagem e pensamento, o que torna impossível seu estudo isolado, pois, desde
muito cedo na vida do indivíduo, a sociedade, por meio da linguagem, integra-se
no todo que constitui. (...) Por intermédio destes autores reforçamos a nossa
constatação da natureza mediacional das emoções na constituição do psiquismo
humano. Elas estão presentes nas ações, na consciência e da identidade
(personalidade) do indivíduo, diferenciando-se social e historicamente por meio
da linguagem. (...) Emoção, linguagem e pensamento são mediações que levam à
ação, portanto somos as atividades que desenvolvemos, somos a consciência que
reflete o mundo e somos a afetividade que ama e odeia este mundo, e com esta
bagagem nos identificamos e somos identificados por aqueles que nos cercam”.
Sílvia T. Maurer Lane, A Mediação Emocional na Constituição do Psiquismo
Humano, in Novas Veredas da
Psicologia Social, Sílvia T. Maurer Lane e Bader Burihan Sawaia (orgs.), São
Paulo, Educ/Brasiliense, 1995, pp. 58, 59, 62.
22 ”Outros
vícios sociais produto desse ‘cultivo da riqueza’ não podem ser ignorados.
Alimentam-se exponencialmente do ‘amor ao dinheiro’ (1 Tm 6:10); generaliza o
equívoco que privilegia o ter sobre o ser; desdenha a posição cristã de ter
muito e viver com menos do que se tem; promove a cultura do ócio que gasta em
prazeres sensuais (Lc 12:16-21). Tudo isso termina destruindo os valores e
princípios que fazem possível o próprio crescimento econômico. Qual a melhor
medicina contra esses vícios da alma? A Igreja que possui uma mensagem vibrante
e realista no social, político e econômico.” Guillermo W. Méndez L., Propostas
Para Um Fundamento Teológico da Economia, Vox Scriputurae, mar/1966, p. 95.
23 ”(...) Farei algumas citações do matemático,
filósofo e professor, Alfred North Whitehead, extraídos de sua obra The aims of education - ‘Os objetivos da
educação’: ‘(...) a compreensão que desejamos é a compreensão do presente
insistente. A única utilidade do conhecimento do passado é a de equipar-nos
para o presente. Nenhum mal é mais mortal às mentes jovens do que a depreciação
do presente. Qualquer mudança fundamental na visão intelectual da sociedade
humana deve ser necessariamente acompanhada de uma revolução educacional. Não é
possível a existência de um eficaz sistema educacional no vácuo, vale dizer, de
um sistema divorciado do contato imediato com a atmosfera intelectual
existente. A educação moral é impossível sem uma visão constante de grandeza.
Se não somos grandes, pouco importa o que fazemos ou debatemos e o sentido da
grandeza é uma intuição imediata e não a conclusão de uma argumentação lógica’.
Nós precisamos criar um Brasil - e não ensiná-lo”. Décio Pignatari,
Contracomunicação, São Paulo, Editora Perspectiva, 1971, p. 61.
24 ”Do respeito às delimitações advém a verdadeira
coragem ante a vida. Inclusive advém a elaboração daquilo que talvez nos seja
mais difícil: os limites da própria vida individual, a morte. Os poucos
indivíduos que conseguem realizar esta elaboração atingem uma admirável e
generosa coragem de viver, a possibilidade de plenamente exercer a vida.
Advém-lhes daí a sua dignidade. Os limites não são áreas proibitivas, são áreas
indicativas. São meios e modos de identificar um fenômeno. Ao encontrar os
limites, podemos configurar o fenômeno e, mais importante, ao esclarcer os
limites, qualificamos o fenômeno”. Fayga
Ostrower, Criatividade e Processos de Criação, Petrópolis, Vozes, 1986, p.160.
Bibliografia
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Universitário em Aula, São Paulo, MG Editores Associados, 1979.
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Novak, Michael, O Espírito do Capitalismo Democrático,
Rio de Janeiro, Nórdica, 1982.
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Ricoeur, Paul, L'ideologie et l'utopie, Éditions du Seuil, Paris, 1977.
Ricoeur, Paul, L'ideologie et l'utopie, Éditions du Seuil, Paris, 1977.
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técnicas na produção oral e escrita, São Paulo, Marins Fontes, 1979.
Werthein, Jorge (org.), Meios de Comunicação:
Realidade e Mito, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1979.
Citações
1 Cacaso, Um Canto de Trabalho, in Mar de Mineiro, Rio de Janeiro,
1982.
2 Marx, Karl, L’Idéologie Allemande, Paris,
Gallimard, 1982. Levamos em conta, ainda, dois outros trabalhos: o primeiro de
Claude Lefort, Les Formes de l’histoire, Essai d’anthropologie politique,
Paris, Gallimard, 1978, e o segundo de L. Althusser, Pour Marx, Paris, Maspero,
1965.
3 A transformação de diversos estados da Europa
central e oriental em repúblicas, a partir de 1945, alterou o equilíbrio de
poder entre os países socialistas e capitalistas, condicionando a política do
mundo inteiro e gerando um estado de tensão permanente que ficou conhecido como
Guerra Fria. Os laços entre a União Soviética e os países satélites foram
estabelecidos através de acordos militares como o Pacto de Varsóvia e
econômicos como o Comecom. De forma geral, a política estratégica de Moscou
caracterizou-se pela tentativa de conter, na ONU, a política externa das
grandes potências capitalistas; estímulo aos movimentos de oposição ocidentais
contrários à expansão armamentista; confronto ideológico com o bloco ocidental
dentro de suas esferas de influência; e reforço de seus próprios interesses
dentro do bloco socialista.
4
“Essa cisão dramática entre ética e civilização manifesta-se de modo
particularmente agudo quando se tem em vista o problema da comunidade ética no
contexto da modernidade, ou quando é colocada a questão sobre o destino da
comunidade ética numa civilização regida pelo pressuposto da práxis. A
experiência milenar das sociedades humanas logrou constituir no curso da história
formas de comunidades éticas como a família, os grupos religiosos, as tradições
culturais e outras, onde os indivíduos se acolhiam para buscar uma razoável
satisfação de suas necessidades simbólicas. O enfraquecimento ou a dissolução
dessas comunidades é, talvez, o efeito mais visívil do processo de integração
das sociedades mais diversas no âmbito e no espírito (ou na ideologia) da
civilização universal moderna. Tornou-se banal a afirmação de que a ideologia
verdadeiramente representativa da modernidade é o individualismo”. Henrique C.
de Lima Vaz, Ética e Comunidade, in
Síntese / Revista Trimestral da Faculdade de Filosofia do Centro de Estudos
Superiores da Companhia de Jesus, BH, no 52, jan./mar. 1991,
p.7.
5 “O cristianismo e o judaísmo floresceram ou
pelo menos sobreviveram em toda espécie de sistema social conhecido da
humanidade. Se o capitalismo democrático perecesse durante os próximos
cinqüenta anos, como bem poderia acontecer, o cristianismo e o judaísmo ainda
sobreviveriam; segundo a promessa de Deus, sobreviverão até o fim dos tempos. É
essencial, portanto, não confundir a transcendência do cristianismo e do
judaísmo com a sobrevivência do capitalismo democrático. Se o capitalismo
democrático desaparecesse da terra, a humanidade mergulharia em trevas
relativas e judeus e cristãos sofreriam em regimes bem mais hostis às suas
liberdades e capacidades. No entanto, judaísmo e cristianismo não requerem
capitalismo democrático. Ocorre somente que, sem ele, ambos seriam mais pobres
e menos livres. Entre as economias políticas pode haver alguma coisa melhor que
o capitalismo democrático auto-regulador. Se existe, ainda não está à vista”.
Michael Novak, O Espírito do Capitalismo Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica,
1982, p. 392.
6
A retirada americana deu início à fase final da guerra do Vietnã e ao
enfraquecimento do governo de Nguyen Van Thieu, que não resistiu ao avanço das
tropas vietcongues. O Acordo de Paris, negociado por Henry Kissinger e Le Duc
Tho, foi assinado a 21/1/1973. O documento estabelecia o cessar fogo, a
retirada das tropas americanas, a convocação de eleições para o Vietnã do Sul e
a libertação dos presos de guerra. Os EUA perderam quase 46 mil soldados e
tiveram cerca de 300 mil feridos. No dia 21/4/95 deu-se a arrancada final dos
comunistas. Van Thieu fugiu para os EUA e o general Duong Van Minh rendeu-se
incondicionalmente ao vietcongue a 30/4/75.
7
Se a relação entre intelectuais e povo-nação, entre
dirigentes e dirigidos - entre governantes e governados -, é dada por uma adesão
orgânica, na qual o sentimento paixão torna-se compreensão e portanto saber
(não mecanicamente, mas de forma viva), é somente então que a relação é de
representação e que se produz o intercâmbio de elementos individuais entre
governados e governantes, entre dirigidos e dirigentes, isto é: que se realiza
a vida conjunta que, só ela, é a vida social, cria-se um bloco histórico”.
Antonio Gramsci, Il Materialismo Storico e la Filosofia di Benedetto Croce,
Turim, Einaudi, 1966, p. 115.
8
“A seleção de pessoas que devem se candidatar para aproveitar a educação
teológica merece muita atenção. Ninguém pensaria em mandar um time de futebol
para representar seu país se não tivesse as qualificações que o destacam da
maioria dos jogadores. Paulo salienta fidelidade e idoneidade (2Tm 2:2). Jesus
aponta para humildade ou pobreza de espírito. Refere-se à pessoa que é
vulnerável, totalmente dependente, no sentido de que não tem nada de si que
acha poder oferecer a Deus em troca de qualquer favor dele”. Russell P. Shedd,
O Fundamento e Finalidade Última da Educação Teológica, in Vox Scripturae, dez/1966, p. 291.
11
L. Ramlot, Histoire et mentalité symbolique, Exégese
et theéologie, Mélanges Coppens, t. III, 1968, p. 188.
13
”Cada instituição teológica, consciente ou
inconscientemente, também tem suas pressuposições e tendências ideológicas, mas
duvido que a maioria desses centros educacionais tenham refletido com muita
claridade e seriedade sobre essa realidade. Essa orientação ideológica estaria
vinculada à história da instituição, à formulação da missão da igreja e o papel
da educação teológica no cumprimento dessa missão. Donde, cada instituição
educará seus estudantes para certa classe de leitura popular de acordo com suas
obrigações. Tenho a impressão de que as instituições ecumênicas articulam com
maior claridade seus compromissos ideológicos e que se esforçam para que esses
se reflitam em seu propósito, curriculum e estruturas. (...) Quanto às leituras
de uma orientação ideológica, existem dois perigos possíveis. Uma instituição
pode enfocar tanto a convicção de sua responsabilidade sociopolítica que perde
sua relação com a igreja nacional e suas congregações. (...) É importante que a
instituição teológica vá adiante da igreja e que a oriente, mas que não se
adiante a tal ponto que a igreja a perca de vista (...) Por outro lado, uma instituição teológica de
convicções mais conservadoras pode cair na armadilha de preparar ministros de
molde histórico de acordo com modelos eclesiásticos que funcionaram nas igrejas
por longos anos. Declarações do propósito da instituição e de sua filosofia
educacional podem limitar-se a critérios denominacionais e à esfera da igreja
local. Essas áreas são importantes e fundamentais, mas pode ocorrer que se
preste pouca atenção ao contexto maior na qual se encontra a instituição, e
seus graduados não estejam adequadamente preparados para ajudar aos membros das
igrejas locais ou a igreja nacional a confrontar a realidade nacional”. M.
Daniel Carroll R., Leituras Populares da Bíblia: Seu Significado e Alerta Para
a Educação Teológica, in Vox Scripturae, set/1995, pp.139-140.
14
” O espírito pós-moderno resiste às explicações unificadas, abrangentes e
universalmente válidas. Ele as substitui por um respeito pela diferença e pela
celebração do local e do particular à custa do universal. (...) A compreensão
moderna associava a verdade à racionalidade e fazia da razão e da argumentação
lógica os únicos árbitros da crença correta. Os pós-modernos questionam o
conceito de verdade universal descoberta e provada graças aos esforços
racionais. Eles não estão dispostos a conceber que o intelecto humano seja o
único determinante daquilo em que devemos crer. Os pós-modernos olham para além
da razão e dão guarida a meios não-racionais de conhecimento, dando às emoções
e às intuições um status
privilegiado. A busca de um modelo cooperativo e de uma maior valorização das
dimensões não-racionais da verdade emprestam uma dimensão holística à
consciência pós-moderna. O holismo pós-moderno implica a rejeição do ideal
iluminista do indivíduo fleumático, autônomo e racional. Os pós-modernos não procuram
ser indivíduos totalmente dedicados a si mesmos, desejam, isto sim, ser pessoas
‘completas’. (...) Os pós-modernos estão bem cientes da importância da
comunidade e da dimensão social da existência. A concepção pós-moderna da
totalidade estende-se também ao aspecto religioso ou espiritual da vida. Na
verdade, os pós-modernos asseveram que a existência pessoal pode se dar no
âmbito da realidade divina”. Stanley J. Grenz, Pós-Modernismo, Um Guia para
Entender a Filosofia de Nosso Tempo, São Paulo, Edições Vida Nova, 1997, pp.
30, 32, 33.
15 ”Poucas
instituições (teológicas) na AL procuraram e conseguiram o reconhecimento das
autoridades ou dos sistemas educacionais de seus países. Inclusive, algumas das
mais prestigiadas não têm esse reconhecimento. Isto significa que temos certa
liberdade para repensar a estrutura e as formas de nossa educação teológica, de
maneira que corresponda melhor às necessidades de nossas igrejas. Tanto o
crescimento numérico dos evangélicos, como a crescente profissionalização do
ministério cristão, empurrarão nossas instituições a buscar o reconhecimento
dentro dos sistemas educacionais de seus países. Isso tem vantagens e desvantagens. Uma
desvantagem é que, como nos EUA e Europa, limitará a liberdade e funcionalidade
da educação teológica em relação à missão das igrejas. No entanto, temos tempo
para repensar de maneira funcional, as condições dentro das quais nossas
instituições vão se inscrever dentro do sistema educacional de cada país”.
Samuel Escobar, Fundamento e Finalidade da Educação Teológica na América
Latina, in Vox Scripturae, mar/1966,
pp. 72-73.
16
”São de enorme valor as contribuições de Emmanuel
Mounier e Paul Tournier à plena compreensão da ‘pessoa’ como um todo integral.
Esses pensadores cristãos nos convidam a superar os reducionismos, como por
exemplo aqueles que em nome da espiritualidade negavam a materialidade ao ponto
de negar a liberdade e a realidade do espiritual. Uma formação autenticamente
cristã tem que regressar à riqueza da antropologia bíblica. Aqui temos que
reconhecer que nossa pastoral evangélica foi muitas vezes muito
espiritualizante”. Samuel Escobar, idem art. cit., p. 64.
17
”Só recentemente começou a emergir com clareza a
dimensão comunicação/ publicidade/cultura como parte integrante do instrumental
transnacional. É cada vez mais evidente que o sistema transnacional de
comunicação se desenvolveu com o apoio e a serviço dessa estrutura
transnacional de poder. É parte integrante do sistema, e por meio do qual é
controlado o instrumento fundamental que é a informação na sociedade
contemporânea. É o veículo para transmitir valores e estilos de vida aos países
do Terceiro Mundo, que estimula o tipo de consumo e o tipo de sociedade
requeridos pelo sistema transnacional, em seu conjunto. Politicamente, defende
o status quo quando este apoia seus próprios interesses; economicamente, cria
condições para a expansão transnacional do capital. Se o sistema transnacional
perdesse seu controle sobre a estrutura de comunicações, perderia uma de suas
armas mais poderosas; daí, a dificuldade de mudanças”. Juan Somavía, A
Estrutura Transnacional de Poder e a Informação Internacional, in Meios de
Comunicação: Realidade e Mito, org. Jorge Werthein, São Paulo, Companhia
Editora Nacional, 1979, p. 131.
18
”Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, a
indústria da consciência converteu-se em marca-passos do desenvolvimento
sócio-econômico na sociedade pós-industrial. Infiltra-se em todos os demais
setores da produção, assume cada vez mais funções de comando e de controle, e
determina a norma da tecnologia dominante. (...) Além do mais, os meios de
comunicação também suprimem a velha categoria da obra que só se pode conceber
como objeto isolado, não independente de seu substrato material. Os meios não
produzem tais objetos. Criam programas. (...) Os programas da indústria da
consciência têm que absorver seus próprios efeitos, as reações e as correções
que provocam. Do contrário, tornam-se antiquados de imediato. Por conseguinte,
não se podem considerar como meios de consumo, e sim, meios para sua própria
produção”. Hans Magnus Enzensberger, Elementos para uma teoria dos meios de
comunicaçãp, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1978, pp. 43, 139-140.
19
”Um elemento valioso dos grandes movimentos de
renovação espiritual foi criar meios que permitem que a ação pedagógica e
pastoral se personalizem. Os pequenos grupos dentro da igreja, onde se vive o
‘cara a cara’ da vida em comunidade não são uma invenção de algum especialista
em psicologia social ou das comunidades de base no Brasil. Foram a prática dos
anabatistas do século XVI, os pietistas e dos metodistas primitivos. Sua
intenção era precisamente buscar o avivamento da fé e a piedade através do
estímulo mútuo que personaliza a vivência da fé na comunidade. Em especial, no
modelo wesleyano, através dos pequenos grupos como células, ligas e classes, a
ação pastoral se ampliava e possibilitava um pastoreio mútuo dentro das grandes
linhas teológicas desenvolvidas pela pregação de John Wesley e a hinologia de
Charles Wesley”. Samuel Escobar, Fundamento e finalidade da Educação Teológica
na América Latina, in Vox Scripturae, mar/1966, p. 63.
20”A
fim de criar riqueza, os indivíduos devem ser livres para serem outros. Não
devem ser compreendidos como fragmentos de uma entidade, membros de um grupo
consangüíneo ou enclave étnico, mas como indivíduos - fontes originadoras de
discernimento e opção. Tais pessoas não estão isoladas nem são estranhas entre
si. Simpatia, cooperação e associação são para elas tão naturais e tão
necessárias, como o ar que se respira. No entanto, quando formam comunidades,
elas as escolhem, elegem-nas, contratam
em seu nome. O estado natural da comunidade política de pessoas chegou a se
constituir não através de posse primordial, mas por compactação constitucional.
Antes que a raça humana escolhesse suas comunidades, havia somente uma forma de pietas, um tipo de amor, o amor ao país. Ainda não fora vislumbrada a possibilidade
de dilectio. O amor primordial ao
país é bom. Mas a escolha, a compactação, a eleição são melhores”. Michael
Novak, O Espírito do Capitalismo Democrático, Rio de Janeiro, Nórdica, 1982, p.
415, 416.
21
”Ambos os autores, Heller e Wallon, apontam para a
estreita relação entre emoção, linguagem e pensamento, o que torna impossível
seu estudo isolado, pois, desde muito cedo na vida do indivíduo, a sociedade,
por meio da linguagem, integra-se no todo que constitui. (...) Por intermédio
destes autores reforçamos a nossa constatação da natureza mediacional das
emoções na constituição do psiquismo humano. Elas estão presentes nas ações, na
consciência e da identidade (personalidade) do indivíduo, diferenciando-se
social e historicamente por meio da linguagem. (...) Emoção, linguagem e
pensamento são mediações que levam à ação, portanto somos as atividades que
desenvolvemos, somos a consciência que reflete o mundo e somos a afetividade
que ama e odeia este mundo, e com esta bagagem nos identificamos e somos
identificados por aqueles que nos cercam”. Sílvia T. Maurer Lane, A Mediação Emocional
na Constituição do Psiquismo Humano, in
Novas Veredas da Psicologia Social, Sílvia T. Maurer Lane e Bader Burihan
Sawaia (orgs.), São Paulo, Educ/Brasiliense, 1995, pp. 58, 59, 62.
22
”Outros vícios sociais produto desse ‘cultivo da
riqueza’ não podem ser ignorados. Alimentam-se exponencialmente do ‘amor ao
dinheiro’ (1 Tm 6:10); generaliza o equívoco que privilegia o ter sobre o ser;
desdenha a posição cristã de ter muito e viver com menos do que se tem; promove
a cultura do ócio que gasta em prazeres sensuais (Lc 12:16-21). Tudo isso
termina destruindo os valores e princípios que fazem possível o próprio
crescimento econômico. Qual a melhor medicina contra esses vícios da alma? A
Igreja que possui uma mensagem vibrante e realista no social, político e
econômico.” Guillermo W. Méndez L., Propostas Para Um Fundamento Teológico da
Economia, Vox Scriputurae, mar/1966, p. 95.
23
”(...) Farei algumas citações do matemático, filósofo e professor, Alfred North
Whitehead, extraídos de sua obra The aims
of education - ‘Os objetivos da educação’: ‘(...) a compreensão que
desejamos é a compreensão do presente insistente. A única utilidade do
conhecimento do passado é a de equipar-nos para o presente. Nenhum mal é mais
mortal às mentes jovens do que a depreciação do presente. Qualquer mudança
fundamental na visão intelectual da sociedade humana deve ser necessariamente
acompanhada de uma revolução educacional. Não é possível a existência de um
eficaz sistema educacional no vácuo, vale dizer, de um sistema divorciado do
contato imediato com a atmosfera intelectual existente. A educação moral é
impossível sem uma visão constante de grandeza. Se não somos grandes, pouco
importa o que fazemos ou debatemos e o sentido da grandeza é uma intuição
imediata e não a conclusão de uma argumentação lógica’. Nós precisamos criar um
Brasil - e não ensiná-lo”. Décio Pignatari, Contracomunicação, São Paulo,
Editora Perspectiva, 1971, p. 61.
24
”Do respeito às delimitações advém a verdadeira coragem ante a vida. Inclusive
advém a elaboração daquilo que talvez nos seja mais difícil: os limites da
própria vida individual, a morte. Os poucos indivíduos que conseguem realizar
esta elaboração atingem uma admirável e generosa coragem de viver, a
possibilidade de plenamente exercer a vida. Advém-lhes daí a sua dignidade. Os
limites não são áreas proibitivas, são áreas indicativas. São meios e modos de
identificar um fenômeno. Ao encontrar os limites, podemos configurar o fenômeno
e, mais importante, ao esclarcer os limites, qualificamos o fenômeno”. Fayga Ostrower, Criatividade e Processos de
Criação, Petrópolis, Vozes, 1986, p.160.
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