
פעולת המחאה נגד הזרם (1)
חורחה Pinheiro [1]
"מה טוב הוא טוב, אם הטוב מתבטל בבת אחת, או שהם מחוסלים עבורם הם טובים?" (ברטולט ברכט, של השיר אשר משרת את הטוב).
התיאולוג האמריקאי-אמריקני פאול טיליך, בנצרות ובסוציאליזם (1919-1931), סוציאליסטיס אלמינדס, מספק בסיס לעיצוב של פעילות מחאה נגד הזרם. ואחד מבסיסים אלה הוא המושג של העיקרון הפרוטסטנטי, הנחוץ להבנת תופעות השינוי החברתי מנקודת מבט תיאולוגית, גם כאשר אירועים כאלה מתרחשים מחוץ למבנים דתיים.
עבור טיליך, הרדיקליות של פעולות המחאה קיימת כאשר האפשרות של הישות החדשה מוצהרת. הפרוטסטנטיות היא זו. היא עשויה להיות נוכחת בדתות מאורגנות, אך היא אינה תלויה בהם. אולי, אם כן, אנשים יחוו את הרדיקליזם של להיות פרוטסטנטי יותר בחוץ מאשר בתוך הכנסיות. הרדיקליזם הזה, הקיים במערב, אינו מרמז על זיקה כנסייתית או מוסדית, אלא מתרגם את המצב האנושי לפני האתגרים של טרנסצנדנטליות החיים. כאשר במצבים אלה חי את העיקרון הפרוטסטנטי, אז זה שם ולא בכנסיות כי הפרוטסטנטיות הופכת בחיים.
על בסיס תפיסה כזו, יש לנו כלי מתודולוגי שעליו לבסס את עצמנו כדי לבנות את פעולת המחאה נגד הזרם. בניתוח העקרון הפרוטסטנטי כמבקר רדיקלי יש לקחת בחשבון היבטים היסטוריים, כמו גם את התנועות האידיאולוגיות של המודרניות.
לדבר בעמדה של ביקורת רדיקלית, של שיפוט והפיכת המציאות, פירושו דיבור על כיוונים: אנכיים, לפני האופק והאופק, לפני הסיבה. לנוכח המצבים, כאשר עלינו להתנגד לקטסטרופה ההיסטורית, המסר של המחאה חייב להיות פשוט, לא אשליה, אלא מודע ומלא תקווה.
בהקשר זה, אנו רואים שהמודרניות כבר נתנה למערב את עקרון האוטונומיה, אך שמרה, באופן סותר, את האדם חסר הביטחון בתוך האוטונומיה הזאת. זה לקח חלק מן הארגונים הפוליטיים של העובדים לניסיון לשחרר עובדים על ידי כניעה לקריאות הישנות של החיים, כלומר, היררכיה ומסורת. תופעה זו אנו קוראים ביורוקרטיזציה. אבל החירות כבר נוסתה וזו חוויה שמאחדת את כל מי שמוחים.
"מה טוב החופש, אם החופשי צריך לחיות בין הלא-חופשיים? מהו השימוש של התבונה, אם רק unreason מקבל את האוכל שכולם צריכים? (ברטולט ברכט, משירו של זה משרת את הטוב).
טיליך השתמש במושג, במצב של גבול, כדי להתייחס אל אותם רגעים שבהם יש איום על משמעות החיים. לקום להגנה על החיים ומשמעותה היא הפרש של הפרוטסטנטיות. ביטוי זה נולד סביב רעיון של רפורמציה פרוטסטנטית, של הצדקה על ידי האמונה. משמעות הדבר היא שהחיים בחופש מרמזים על הכרה בחוסר הצדק של הצדק. לכן הביקורת והפעולה הרדיקלית של המחאה נוטשים מן ההכרה בקיומם של מצבים גבוליים, שיש לשפוטם ולהשתנותם, לא מילים ומעשים לטובת היררכיה ומסורת.
Une saga de combat
L'histoire anabaptiste nous en apprend beaucoup. L'histoire anabaptiste est une saga à la manière du christianisme antique, antérieure à la stabilisation impériale post-Constantin du sang, de la persécution et du martyre. Et les événements remarquables et les actes héroïques du mouvement anabaptiste à ce jour résonnent dans l'imaginaire protestant, conduisant certains historiens et théologiens à exorciser le mouvement et ses dirigeants.
Selon Weber, l'ascèse séculaire du mouvement anabaptiste [2] s'est répandue dans les pays d'Europe occidentale et aux États-Unis aux XVIe et XVIIe siècles, donnant naissance directement ou par adoption à de nouvelles formes de pensée religieuse, telles que celles de baptistes [ 3], Mennonites et Quakers. Au Brésil, les évangéliques ne peuvent oublier l'histoire des anabaptistes car les influences ecclésiologiques du mouvement, héritées des baptistes, ont été transmises aux communautés, aux églises et aux penseurs évangéliques qui, à un moment ou à un autre de leur histoire, ont communié avec la pensée baptiste.
Par conséquent, nous aborderons les origines de l’anabaptisme, en particulier celui du contenu social fort, de la lecture historique et de la sociologie de la religion, dans le but de démontrer que, dans sa pratique, l’anabaptisme a construit une ecclésiologie qui a façonné une théologie et non le sinon. Mais alors que nous travaillons ici sur la relation entre l’ecclésiologie et la révolution paysanne dirigée par les anabaptistes, nous devons comprendre ce que l’ecclésiologie signifie. Nous la considérons comme l’étude théologique de la réalité des communautés de foi sous ses aspects structurels: sa manière de se rapporter au monde, son rôle social et sa forme de gouvernement. Voyons maintenant le communautarisme, qui a ensuite été qualifié de socialisme utopique par Karl Marx et Friedrich Engels, comme une construction religieuse et politique centrale et frappante du mouvement anabaptiste.
Les anabaptistes étaient des chrétiens réformés qui se sont soulevés contre l'hégémonie de l'Église catholique et des princes allemands. De la phrase de l'évangile de Marc (16:16), "celui qui croira et qui sera baptisé sera sauvé, mais celui qui ne croira pas sera damné", ils déduisent que celui qui ne croit pas avance le baptême qu'il a reçu comme un enfant. Ils ont nié toute valeur pour le baptême des enfants, affirmant que ce sacrement catholique et réformé ne devrait être reçu que lorsque la personne était pleinement consciente de ce qu'elle faisait. Par conséquent, ceux qui ont été baptisés avant d'être conscients du bien et du mal devraient être baptisés à nouveau.
Le fait qu’ils soulignent l’importance du choix personnel dans le choix de la marche chrétienne a conduit les groupes et les communautés anabaptistes à se développer rapidement. Mais la croissance des anabaptistes en Allemagne et en Europe centrale est devenue un problème pour les autorités ecclésiastiques, après tout, elles ont proposé que les gens ne baptisent pas leurs enfants. Bien sûr, les catholiques et les réformés se sont opposés à cette idée. Et comme le pouvoir ecclésiastique était lié aux forces du féodalisme ou aux forces de la bourgeoisie naissante, les deux camps ont opté pour l'extermination des anabaptistes.
A ação do protesto contra a corrente (2)
Jorge Pinheiro
Para
Engels, a descentralização, a autonomia local e regional, a diversidade
comercial e industrial das províncias alemães e a insuficiência das
comunicações foram os fatores que explicam o agrupamento das classes sociais da
Alemanha no início do século dezesseis em três campos: o feudal nucleado ao
redor do catolicismo; o burguês reformista, ao qual se aliaram os luteranos; e
o plebeu/camponês liderado pelos anabatistas.
É bom lembrar que na
Alemanha medieval a Igreja católica tinha o monopólio da educação, o que fazia
com que todo o ensino tivesse um caráter religioso. Nas mãos do clero católico
estavam a política, a jurisprudência e o conhecimento, que era visto como
extensão da teologia. E os dogmas do catolicismo, assim como a compreensão
católica das Escrituras tinham força de lei em todos os tribunais. Dessa
maneira, críticas ou ataques ao feudalismo traduziam-se em confronto com o
catolicismo.
A oposição ao
feudalismo, começou bem antes do século dezesseis, com os albigenses e valdenses,
com as insurreições nos cantões suíços e foi tomando conta da Alemanha com as
reivindicações religiosas, sociais e políticas que tomaram corpo como
pensamento divergente. Os plebeus e camponeses alemães queriam o
estabelecimento da igualdade cristã, que devia se traduzir em igualdade civil e
social. Ou seja, a nobreza devia colocar-se ao nível dos camponeses, e os
patrícios e burgueses no mesmo nível dos plebeus. Ou seja, reivindicavam, pela
primeira vez na história, direitos cidadãos universais. Além disso, exigiam o
fim das leis feudais, tais como obrigatoriedade dos serviços pessoais,
tributos, privilégios e nivelamento das escandalosas diferenças no que se
referia à propriedade. Dessa maneira, essas reivindicações democráticas levaram
às reivindicações pelo estabelecimento de comunidades onde a propriedade e os
bens fossem comunitários, o que era visto como a realização da promessa do
Reino de Deus.
Até 1525-1526, o
movimento protestante era mais ou menos informal na Alemanha. Mas com as
guerras camponesas, os conventos foram secularizados, o direito canônico
abandonado e, com a recusa dos bispos de se associarem ao movimento pelas
reformas, as autoridades civis foram empurradas a se tornar favoráveis às novas
orientações e a se envolver na reorganização da igreja. Estas ações se
inspiraram nas antigas visitas pastorais efetuadas antes pelos bispos. Os
príncipes passaram, então, a visitar as paróquias, com delegações compostas de
juristas e teólogos. A partir de 1530, criaram instituições permanentes com superintendentes,
levando as igrejas a ficarem dependentes do príncipe que, de fato, substituiu o
bispo. Nasceu assim a igreja territorial reformada.
Em 1555, a Dieta de
Augsbourg proclamou o princípio do “cujus
regio, ejus religion” segundo o qual o príncipe ou uma outra autoridade
podia determinar a religião das pessoas. A legislação e o órgão jurisdicional,
em especial matrimonial, passaram para o poder do príncipe, que o entregava a
uma instância jurídica: e o príncipe ou o magistrado das cidades passaram a ser
a autoridade última em matéria de liturgia, doutrina ou nomeação de sacerdotes.
Os bens eclesiásticos secularizados foram incorporados às possessões dos
príncipes, ou geridos por administradores autônomos, em especial as escolas.
Dessa maneira, passou a existir um controle sobre o comportamento religioso, e
o estado jurídico e financeiro das paróquias, bem como sobre a doutrina e a
vida moral dos pastores.
Thomas Münzer e outros
dissidentes do protestantismo reformado procuraram mobilizar seus pares e
exigir das autoridades políticas liberdade de expressão e de ação religiosas e
criaram comunas autônomas, proibindo os seus adeptos de exerceram funções
políticas no Estado. Entre suas ações, Münzer suprimiu completamente o uso do
latim, em 1522, antes de Lutero. Em Altstadt, nos cultos que dirigia vinha
gente de todas as partes ouvi-lo. Seus ataques voltaram-se em especial contra o
clero católico, chamando os príncipes e o povo à intervenção armada contra a
Igreja católica.
“Não
disse Cristo, vim trazer-vos não a paz, porém a espada? E que deveis fazer com
ela? Nada, senão afastar a gente má que se opõe ao Evangelho. Cristo ordenou
com grande severidade (Lucas 19.27): quanto, porém, a esses meus inimigos, que
não quiseram que eu os governasse, trazei-os aqui e matai-os diante de mim...
Não vos valhais do vão pretexto de que o braço de Deus deve faze-lo sem ajuda
da vossa espada que bem poderia enferrujar-se na bainha. Os que se oponham à
revelação divina que sejam aniquilados sem piedade, como Ezequiel, Ciro,
Josias, Daniel e Elias destruíram os pontífices de Baal; de outro modo a Igreja
cristã não pode retornar à sua origem. Na época da vindima temos que arrancar a
erva daninha das vinhas do Senhor. Deus disse (Deuteronômio 7.5): nem terás
piedade dos idólatras;... deitarás abaixo seus altares... e queimarás a fogo as
suas imagens de escultura... Porque tu és um povo santo e Jeová teu Deus...”
Münzer, segundo
Tillich, foi o mais criativo dos evangélicos radicais e acreditava que o
Espírito podia falar por meio das pessoas. No entanto, para se receber o
Espírito era preciso participar da cruz.
“Lutero, dizia ele, prega um Cristo doce, um Cristo do perdão.
Devemos também pregar o Cristo amargo, o Cristo que nos chama a carregar sua
cruz.”
Assim, os anabatistas atacavam a teologia de
Lutero a respeito das Escrituras, porque consideravam que Deus não falara
apenas no passado, tornando-se mudo no presente. Mas que sempre falou e fala
nos corações ou nas profundezas de qualquer ser humano preparado para ouvi-lo
por meio de sua própria cruz. O Espírito habita nas profundezas do coração. A
cruz, explica Tillich, representava a situação limite, era externa e interna.
“Surpreendentemente, Münzer expressa esta idéia em termos
existencialistas modernos. Quando percebemos a finidade humana, desgostamo-nos
com a totalidade do mundo. E nos tornamos pobres de espírito. O homem é tomado
pela ansiedade de sua existência de criatura e descobre que a coragem é
impossível. Nesse momento Deus se manifesta e ele é transformado. Quando isso
acontece, o homem pode receber revelações especiais. Pode ter visões pessoais
não apenas a respeito de teologia como um todo, mas sobre assuntos de vida
diária”.
Nessa conjuntura de
choque, em Zurique, na Suíça, no meio dos seguidores do reformador Zwinglio,
surgiu um grupo de cristãos que rejeitou o poder eclesiástico, fosse ele
católico ou reformado, exigindo a autonomia das comunidades cristãs. Assim, os anabatistas fundaram sua primeira comunidade no dia 21 de janeiro
de 1525.
E
eles próprios passaram a escolher seus pastores e a construir comunidades
separadas do estado.
Mas, no sul da Alemanha, sem dúvida, foi Thomas Münzer quem se levantou como
defensor de uma proposta de revolução social camponesa. Em 1521, liderou um grupo de
anabatistas que se somaram aos camponeses sublevados ao redor da reivindicação
de terra e liberdade. Münzer criou, assim, pela primeira vez na história um
movimento de libertação camponês anabatista.
Münzer não
foi apenas um pensador, mas um militante que praticava a fé. Acreditava ser um
profeta, chamado para implantar o Reino de Deus. Considerava ser seu dever
denunciar e executar as sentenças contra os governantes que exploravam o povo.
Suas pregações estavam impregnadas de conteúdo social e político: o fim da
velha Igreja deveria marcar o inicio de uma nova ordem social.
Engels, que
junto com Marx foi um dos pais do socialismo moderno, considerou as guerras
camponesas lideradas pelos anabatistas como combates sociais. Afirmou que “se, em termos gerais, a burguesia podia
arrogar-se o direito de representar, em suas lutas com a nobreza, além dos seus
interesses, os das diferentes classes trabalhadoras da época, ao lado de todo
grande movimento burguês que se desatava, eclodiam movimentos independentes
daquela classe que era o precedente mais ou menos desenvolvido do proletariado
moderno. Tal foi na época da Reforma e das guerras camponesas na Alemanha, a
tendência dos anabatistas e de Thomas Münzer”.
Considerou
que, apesar de terem uma face cristã reformada, as reivindicações anabatistas
iam além da expressão religiosa que apresentavam. Para Engels,
a política de Münzer nasceu de seu pensamento revolucionário, que caminhava
adiante da situação social e política de sua época. Seu programa propunha o
estabelecimento do Reino de Deus, com o milênio de justiça, paz e felicidade,
com a supressão de todas as instituições que se encontravam em contradição com
o mandamento do amor.
Para Münzer, o céu
estava aqui no chão. E, por isso, o cristão deveria construí-lo na vida. A esse
cristão anabatista cabia a missão de estabelecer o Reino de Deus sobre a terra.
Seus sermões eram clamores políticos e estavam dirigidos a instaurar uma nova
ordem social. A partir de Münzer, os anabatistas fizeram dos sermões
proféticos, elaborados a partir da realidade social em que estavam inseridos,
manifestos revolucionários, cujas propostas atemorizavam as autoridades,
governantes eclesiásticos e príncipes de toda a Europa.
A crise econômica
fruto exploração agrícola predatória e extensiva; a crise demográfica, por
causa das epidemias e fome; a crise social gerada com o surgimento da burguesia
e dos assalariados; a crise clerical, devido às contradições e o
enfraquecimento da Igreja católica e a crise espiritual ocasionada pelo
surgimento de novas leituras do cristianismo fizeram da baixa Idade Média um
período de alta instabilidade e angústia coletiva. Milhares de camponeses sem
terra e plebeus desempregados vagavam pelos campos e cidades. Essa situação
levou às propostas de construção de comunidades formadas por camponeses e
plebeus, onde pudessem viver e trabalhar juntos, num sistema de vida em comum
com os bens partilhados, disponíveis segundo as necessidades das pessoas e
famílias. E, de fato, os anabatistas organizaram comunidades com este formato,
organizações baseadas na propriedade social autônoma em relação ao Estado e aos
poderes eclesiásticos e laicos da época, em primeiro lugar católico e depois
reformado.
Dessa
maneira, a compreensão que os anabatistas tiveram de que o cristianismo era uma
ferramenta para a mudança da condição social em que se encontravam os
camponeses e deserdados da terra, sem dúvida, partiu de suas próprias
experiências de vida e trabalho e quebraram o paradigma de que a fé devia estar
alienada da vida social e política.
Mais tarde,
em combate, e exército de Münzer foi derrotado e ele foi preso, torturado e
executado. Mas a guerra camponesa na Alemanha se estendeu até 1525, quando os
anabatistas revolucionários foram afogados em sangue. O conflito, que teve
lugar nas áreas do sul, centro e oeste da Alemanha, também afetou regiões
vizinhas na Suíça e Áustria, e envolveu no seu auge, no verão de 1525,
cerca de 300 mil camponeses. Estimativas da época situaram o número de mortes
em torno de 100 mil camponeses e plebeus.
O sonho anabatista,
porém, não morreu aí, subsistiu no coração de milhares de cristãos. Vejamos
alguns exemplos. Sete anos depois da morte de Münzer, em 1532, uma insurreição
tomou conta da cidade de Münstzer. Ela foi iniciada por um ex-padre da Catedral
de Münstzer, que se tornou luterano, Bernard Rothmann, e acabou sendo expulso
da cidade. Dois anos depois, em 1534, o pastor anabatista Jan Matthys, junto
com outros líderes, entre os quais Jan van Leiden e Gert Tom Kloster, declarou
a cidade de Münstzer livre do domínio dos príncipes e do poder eclesiástico.
Matthys iniciou uma revolução social: os proprietários de terras foram
expropriados e suas terras e bens distribuídos entre os camponeses. Dando
seqüência à revolução, ele e um grupo de anabatistas atacaram a guarnição
liderada pelo príncipe Franz von Waldeck, que era bispo de Münstzer e também
chefe do exército. No confronto Matthys foi morto. Foi, então, sucedido
por Jan van Leiden. Após um ano de resistência, Waldeck liderou um exército bem
equipado e assaltou a cidade. Jan van
Leiden e seus oficiais foram presos, torturados e executados. Os
combatentes anabatistas foram lançados às prisões e, posteriormente, deportados
para outras regiões da Alemanha e Suíça.
A partir desse momento
as comunidades anabatistas passaram a viver umas isoladas das outras, de forma
clandestina. Seus líderes eram leigos que pregavam em roupas civis. Adotaram
uma disciplina e uma ética rígidas a fim de sobreviverem na clandestinidade.
Essas pequenas comunidades se refugiaram no interior da Europa e se
estruturaram de forma autônoma. Cada comunidade de fé sobrevivia do compromisso
de serviço e financeiro de seus afiliados.
A ação do protesto contra a corrente (3)
Jorge Pinheiro
Há um poder formador no
ato do protesto. E dele podemos dizer: a espiritualidade conquista profundidade
no mergulho dentro da materialidade; o que chamamos de Eterno deve se expressar
em relação à situação presente; o mandato da vida deve ser expresso com ousadia
e risco; e, enfim, o poder formador do protestantismo deve expressar o seu radicalismo.
A ação protestante é uma
experiência transcendente ao nível da materialidade humana, uma experiência que
aconteceu em todos os tempos. Nesse sentido, a ação protestante não pode ser
identificada com um tipo determinado de organização social, mas sempre com a
transcendentalidade da justiça.
Por isso, o
protestantismo é portador de poder de transformação e oferece uma mensagem de
vida tanto para a pessoa, como para a comunidade. Mas, não se pode dizer que a
ação protestante é um movimento que mecanicamente parte da interioridade em
direção à exterioridade, apropriando-se de formas culturais ou passando ao
largo delas. Na verdade, a ação radical de protesto dá forma às expressões
culturais e toma novas formas a partir delas. Dessa maneira, o protestantismo
está ligado a modelos sociais e econômicos, embora tenha mais afinidade com
determinadas formas de organização social.
A ética da vida, por
exemplo, leva o protestantismo a ter uma postura crítica diante da ordem social
que se apóia na opressão e na exclusão social. E proclama a necessidade de uma
ordem na qual a vida e seu o sentido sejam o fundamento da organização social.
“Em vez de serem apenas
bons, esforcem-se para criar um estado de coisas que torne possível a bondade.
Ou melhor: que a torne supérflua!” (Bertolt Brecht, do poema De que
serve a bondade).
Tal ética propõe uma
economia solidária onde a alegria não seja fruto do ganho, mas do próprio
trabalho. E prega a submissão das nações, ricas e pobres, à idéia do direito, e
à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que leve a uma
globalidade real entre povos e nacionalidades.
Historicamente, rupturas
religiosas acontecem associadas a rupturas econômicas, isto porque o núcleo da
unidade cultural de determinada época ou povo é a religião, quer esteja
institucionalmente expressa ou não. Assim, o fracionamento religioso
característico de determinadas épocas traduz fracionamento econômico,
distanciamento e choque entre classes. E naquelas épocas em que temos um
processo cultural de unidade temos também uma nova base de unidade e
solidariedade social e econômica.
Nesse sentido, há um
processo de desenvolvimento que se realiza de forma desigual na história, mas
que combina mudanças religiosas e transformações econômicas e sociais. Diante
de tais circunstâncias a ação protestante está eticamente obrigada a fazer
escolhas: participar dos processos de transformação ou se retrair e entrar em
processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades.
Seja qual for a opinião
ética sobre as organizações políticas dos trabalhadores, um fato deve ser
ressaltado: o protestantismo deve apresentar a elas uma leitura radical da
incondicionalidade da justiça, que emprenhe a construção das comunidades futuras.
No século vinte, a
concepção materialista da história negou a possibilidade da aproximação do
protestantismo às organizações políticas dos trabalhadores, mas se entendemos
que em Marx esta concepção do fato histórico não é materialista, mas econômica,
vemos que há uma relação de causalidade entre fundamento econômico e
organização da cultura. E, ao contrário, tal fundamento dá às ciências humanas uma
possibilidade metodológica fecunda, que vai além do ateísmo.
“Em vez de serem apenas
livres, esforcem-se para criar um estado de coisas que liberte a todos e também
o amor à liberdade torne supérfluo!” (Bertolt Brecht, do
poema De que serve a bondade).
Assim, ao contrário do
que antes parecia, não podemos dizer que o ateísmo seja um elemento constitutivo
das organizações políticas dos trabalhadores. É uma herança burguesa, que foi
adotada pelas organizações políticas dos trabalhadores sob a crença de que
ajudaria a extirpar a idéia de opressão e abriria o caminho para a construção
de um mundo mais justo.
A crítica das
organizações políticas dos trabalhadores esteve dirigida às instituições
eclesiásticas, já que a religião se tornou negócio. Mas, essas organizações buscaram
inspiração ética nas potencialidades da universalidade humana e, por isso,
hoje, devem aceitar os princípios da tolerância religiosa e da separação entre
religião e Estado.
Embora tenham existido razões
históricas para as críticas às instituições eclesiásticas, e ainda existam, as
organizações dos trabalhadores não podem negar a base solidária e comunitária
do ideal da ação radical protestante. E quanto à revolução, é preciso dizer que
não existe uma relação natural entre o ideal das organizações políticas dos
trabalhadores e tática revolucionária. Nem sempre se pode dizer que as táticas
propostas pelos trabalhadores são contrárias às ações protestantes. Basta ver
como Engels analisou a revolução anabatista na Alemanha.
É caros leitores e leitoras, tenho plena
consciência do caráter permanente e universal da revolução, já que está ligada
à própria vida. E creio que os movimentos libertários da história humana
traduzem esse anseio inerente à alma humana. Por isso, como disse um amigo e
intelectual sofisticado, Tomás Rosa Bueno, "cada
revolução fala a língua da sua época, radicalizada. É natural que os
anabatistas e tantos outros nos séculos pré e peri-renascentistas adotassem a
da face mais humana da religião. Mas, no fundo, é sempre a mesma velha toupeira
que cava os seus túneis sob os palácios do poder. Nós todos vamos chegar à luz
um dia. E vamos refazer a história, dando razão aos anabatistas, tirando
Espártaco da cruz, trazendo à Terra o nosso reino".
Essa é a força do reino:
é utopia humana que baliza sonhos e esperanças, em tempos e lugares diferentes.
Por isso, também resgato o pensamento libertário das comunidades cristãs
anticlericais que pontuaram a Idade Média e que culminaram com o messianismo
revolucionário anabatista de Thomas
Müntzer, que propôs uma revolução social, sem a qual não
poderia haver revolução cristã, já que para ele o reino de Deus estava presente
no cotidiano. Ele quis instaurar a dignidade de homens e mulheres, um reino de
Deus no aqui e agora. É esse caminho que me permite dialogar fraternalmente com
as comunidades cristãs. Na verdade, esse socialismo em construção permanente
não estabelece doutrinas e dogmas, mas contextualiza as reflexões e práticas
cristãs e revolucionárias. Por isso nadamos pela orla da Reforma protestante,
mergulhamos na ação revolucionária dos cristãos anabatistas e chegamos a Marx a
braçadas.
As pessoas que vivem o
princípio protestante podem, sem temor, ter uma atitude positiva em relação às
organizações políticas dos trabalhadores. Atitude positiva deve ser entendida
como a realização da incondicionalidade da justiça e da defesa do sentido da vida,
que entende a necessidade de eliminar as condições que geram exclusão e miséria.
Tal atitude traduz a urgência de combater os fundamentos do egoísmo econômico e
de ações para a construção de uma ordem social, que sem deixar de ser
globalizada, inclua excluídos e periféricos. Isto porque o pensamento e a ação
da radicalidade protestante não são tarefas, apenas, de operários e
trabalhadores fabris, mas um ideal ético que traduz anseios e esperanças de
todos que se levantam por uma sociedade mais justa.
“Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se para
criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo um mau negócio”.
(Bertolt Brecht, do poema De que serve a bondade).
Notas
Max Weber, «Anticritique
à propos de l´esprit du capitalisme» (1910), in L’Ethique protestante et l’esprit du capitalisme suivi
d’autres essais, Paris, NRF Gallimard, 2003, trad. Jean-Pierre Grossein, pp.
344-380. Ver também: Max
Weber, A ética protestante e o espírito
do capitalismo, São Paulo, Editora Pioneira, 2000, pp. 102, 196-197.
Paul Tillich, História do pensamento cristão, O conflito de Lutero com os evangélicos
radicais, São Paulo, ASTE, 2000, p. 238.
Paul Tillich, idem, op. cit., p. 238.