mercredi 29 janvier 2020

Por uma teologia da vocação

ESCOLHA E DESTINO
Por uma teologia da vocação
Jorge Pinheiro

“Pois sabemos que todas as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles a quem ele chamou de acordo com o seu plano. Porque aqueles que já tinham sido escolhidos por Deus ele também separou a fim de se tornarem parecidos com o seu Filho. Ele fez isso para que o Filho fosse o primeiro entre muitos irmãos. Assim Deus chamou os que havia separado. Não somente os chamou, mas também os aceitou; e não somente os aceitou, mas também repartiu a sua glória com eles”. Romanos 8. 28-30.

Introdução

É difícil entender a profundidade do capítulo oito da epístola de Paulo aos Romanos se não entendemos a religiosidade helênica e seu conceito de destino. 

A antiga religião dos deuses olímpicos, explica Naécia Simões, após a dissolução da pólis, deixou um vazio que as correntes filosóficas do mundo greco-romano procuraram preencher com maior espiritualidade, nos termos de uma necessidade religiosa não racional. Quando apareceu o cristianismo, tornou-se conveniente e necessário à mentalidade pagã “examinar esta fé que reúne adeptos tão fieis, avança por todas as terras e, curiosamente, com recursos intelectuais emprestados à própria tradição clássica, parece aplicar com eficiência as formas necessárias para fazer-se entender por todos, gentios e cristãos”.

Para homens e mulheres da época de Paulo a questão do destino era tema crucial, porque acreditavam que deuses e demônios se divertiam com o sofrimento humano. E esse viver manipulado por deuses e demônios, os gregos e romanos chamavam de destino. Teologicamente, dentro da cosmovisão helênica, destino pode ser definido como potência  misteriosa e personificada que rege o devir universal, incluindo o curso da história humana, sem qualquer possibilidade de intervenção da vontade ou da previsão do ser humano. O destino era entendido como uma lei cega, fixada de antemão, que não se conhece e sob a qual todos estão sujeitos e dela não conseguem escapar. Traduzia uma negação, a impossibilidade da liberdade humana. Um bom exemplo é Édipo, o herói da tragédia grega.

A partir do destino demoníaco, o mundo helênico criou uma teologia de culpa e castigo, onde um profundo pessimismo atravessava o pensamento religioso da época, tanto no mitraísmo, quanto nos cultos de mistério. 

O mitraísmo tinha como centro o culto ao deus Mitra, visto como intermediário entre os seres humanos e o Deus supremo. Havia nesta colocação algo similar ao credo cristão, com o qual concorreu, principalmente no terceiro século, ao tempo do Império Romano. Forte concorrente da fé nascente, por suas afinidades, o mitraísmo deixou fortes marcas de sua influência sobre as duas primeiras faces do cristianismo: o romano e o ortodoxo.

As religiões de mistério, místicas e de cultos extáticos, criavam nos seus devotos uma atitude muito propícia para a pregação cristã, porque alertavam para o fato de que por si só nenhuma criatura pode chegar a Deus. Mas esta verdade, sem a componente da graça, desembocava num labirinto: o que fazer? Mas, se por um lado, fatores propícios possibilitaram o diálogo, por outro também deixaram marcas nas correntes místicas do cristianismo medieval e moderno. Muitos teólogos entenderam esse processo. Tillich, por exemplo, em suas reflexões, nunca deixou de lado os aspectos universalizantes do fenômeno místico. “Essa preocupação com o místico aparece também nos textos editados de suas aulas sobre a história do pensamento cristão e dos movimentos teológicos dos últimos dois séculos. Por isso ele ressaltou as religiões de mistério na elaboração da teologia cristã primitiva”.

Ameaçado pelo destino demoníaco, o mundo helênico ansiava por um destino salvador, necessitava graça. E essa é a discussão que Paulo entabula com a religiosidade helênica no capítulo oito de Romanos.

A liberdade do cristão

Em sua carta aos Romanos, Paulo analisa três questões centrais: do capítulo primeiro ao oito fala da justificação pela fé; do capítulo nove ao onze discute a separação temporal dos judeus e a inclusão dos gentios ao povo de Deus, e do capítulo doze ao dezesseis apresenta exortações práticas.

Ao analisar a justificação, Paulo mostra que a libertação humana repousa sobre a fé, proveniente da graça de Cristo e não de aspectos externos, seja a lei de Moisés ou os principados e potestades, o mundo do zodíaco e deuses e demônios da religiosidade helênica. Essa misericórdia de Deus não provém de aspectos externos, estejam eles no céu ou na terra, na vida ou na morte, porque o homem, em sua natureza, não tem como responder às exigências de Deus.

A graça provém de Cristo, que no seu amor e sacrifício, perdoa a alienação humana. A liberdade da vida cristã, que é espontaneidade e criatividade diante da lei, e vitória diante de principados e potestades, do mundo do zodíaco e de deuses e demônios, não depende do próprio homem, nem do que ele possa fazer, mas daquilo que Cristo fez por ele.

Temos no trecho em análise (Rm 8.28-30) dois blocos: um maior, que é o capítulo oito inteiro, cuja temática é a da vida cristã sob a lei do Espírito; e um bloco menor, 28-30, que trata do chamado e vocação do cristão. 

O bloco maior nos dá a linha de pensamento de Paulo: uma seqüência de análises sobre a vida: emancipada (versos 1-11), exaltada (12-17), esperançosa (18-30) e exultante (31-39). Dessa maneira, no capítulo oito, o apóstolo traça o curso da vida cristã, na qual a graça triunfa sobre o destino demoníaco e os crentes experimentam a liberdade cristã.

É interessante notar que o texto de Romanos oito, em grego, começa com dois advérbios intercalados por uma partícula ilativa, que poderíamos traduzir: "Atualmente, por isso, nada em absoluto” pode condenar aqueles que estão em Cristo Jesus. 

Essa partícula ilativa, que é um conectivo, está relacionada ao capítulo sete, onde Paulo mostra que lei e pecado não são sinônimos, e que há uma grande diferença entre a natureza da lei e a natureza humana, entre o que é Espírito e o que é carnal. O corpo, com os membros que o compõem (7.24), interessa a Paulo enquanto instrumento da vida. Submetido à tirania da carne (7.5), à alienação e à morte (6.12+; 7.23), Paulo clama: quem me livrará? E dá "graças a Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor" (7.25). É a partir desse clímax, que o apóstolo dá seqüência ao texto, informando que "por isso", "hoje", "nada em absoluto" pode condenar os que estão em Jesus Cristo.

É a partir desta hermenêutica, delineada nos passos apresentados neste trabalho, que o trecho de Romanos 8.28-30 deve ser interpretado. Teremos, então, uma melhor compreensão daquilo que o apóstolo Paulo chama de "a lei do Espírito da vida em Jesus Cristo" e de sua importância no caminhar do cristão.

A dimensão trinitária

Escolha, chamado, vocação, missão e destino são conceitos cujos conteúdos têm núcleos de compreensão que se cruzam e se completam. Para entender tais conceitos, e em especial o de vocação, que Paulo apresenta em Romanos, vamos partir da relação existente entre a igreja e o relacionamento expresso na Trindade. 

A igreja é unidade, diversidade e comunhão da comunidade cristã que traduz a unidade, diversidade e comunhão do Pai, Filho e Espírito Santo. Nesta linha de raciocínio, o Pai é o horizonte último, o Filho é a exemplaridade definitiva de como corresponder ao Pai, e a vida no Espírito é o ser cristão concreto. 

Nesse sentido, explica Sobrino, a tarefa mais urgente da Cristologia, por causa da declaração doutrinária de que Cristo é o Filho de Deus, “não consiste tanto em re-interpretar in recto o dogma cristológico, o que continua sendo uma tarefa importante, e sim se re-situar o caminho do crente para que sua vida seja pro-seguimento de Jesus e assim ela seja também o processo de sua filiação concreta”.

Por isso, muda também a relacionaridade da igreja com o mundo: a igreja não é mais o lado adulto, completo, da secularidade, mas sinal e instrumento, memorial para a libertação integral de homens e mulheres. A partir desta compreensão devemos entender o sentido eclesial da vocação de pastores, ministros e missionários, e o sentido secular da vocação de trabalhadores, profissionais e empresários, enquanto pessoas chamadas à comunhão com a Santa Trindade de Deus. Cada vocação está ligada ao desígnio do Pai, à missão do Filho e à obra do Espírito Santo.

Esta dimensão trinitária da escolha e chamado mostra a ligação que existe entre a vocação, a vida e a espiritualidade. Escolha e chamado direcionam a um relacionamento pessoal com Deus vivido no interior de uma comunidade concreta. A escolha é psiu de Deus. O chamado inicia um diálogo que pode levar a um encontro com Ele. Mas vocação é uma sedução, uma conquista do coração por parte de Deus, para uma vida de intimidade, de comunhão com Ele. É um casamento.

Por ser um relacionamento de intimidade com a Trindade, a vocação implica em santidade, plenitude da vida cristã e perfeição do amor. Vocação é, então, comportar-se como o Pai se comporta. A santidade é uma prerrogativa de Deus. Deus é santo porque é totalmente diferente dos seres humanos e do mundo, porque ama e acolhe as pessoas. 

Somos chamados a participar da santidade divina. A santidade consiste em ser perfeito no amor e o amor é o distintivo dos cristãos. Ser santo significa fazer a diferença, responder aos desafios de cada época num serviço sem medidas. Mas esta mesma santidade é vivida de formas diferentes em razão da diversidade dos dons, dos serviços e dos ministérios.

Quando partirmos de Romanos 8.28, -- “sabemos que todas as coisas trabalham juntas para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles a quem ele chamou de acordo com o seu plano” – vemos que em Deus todas as coisas, circunstâncias, projetos e sonhos, trabalham juntas para cumprir um propósito, dentro de um plano de Deus.

Por isso, vocação não é isolamento, mera busca de satisfações ou realização pessoal. Não é apenas construção de projetos pessoais, mas dar a vida pela defesa da vida. Vocação é amar, é servir, é relacionar-se com a Trindade, a partir do encontro, da relação com o próximo. É responder ao chamado inserindo-se na vida da comunidade. É tomar parte ativa na construção do Reino. 

Na vocação somos comunidade, participamos na vida e na missão da igreja. Estes são elementos que não podem ser esquecidos, nesta contemporaneidade marcada pelo individualismo.

Vocação enquanto chamado à comunhão e participação nos leva a descobrir, como elemento essencial do chamamento, a vida de fraternidade. Faz parte da vocação o compromisso de reproduzir na igreja e no mundo o tipo de relacionamento que existe na Trindade de Deus. A participação na comunhão trinitária exige comunhão fraterna entre nós. Não pode ser sincero um relacionamento de comunhão com Deus quando não se traduz no relacionamento com os irmãos. 

Não é autêntica a vocação que não se abre à solidariedade. A Trindade permanece como modelo da comunhão que deve brotar da vivência da nossa vocação. Esta vida de comunhão é o que dá autenticidade a nossa vocação. Ela é o sinal mais claro de que estamos vivendo realmente numa intensa comunicação com a Trindade.

Humanos e cristãos

O capítulo 8.29 de Romanos nos diz que “aqueles que já tinham sido escolhidos por Deus ele também separou a fim de se tornarem parecidos com o seu Filho. Ele fez isso para que o Filho fosse o primeiro entre muitos irmãos”. Ou seja, fomos escolhidos e chamados pela graça para sermos parecidos com seu Filho, realizarmos um serviço, uma missão.

Devemos ser imagem do Pai, imagem do Filho, imagem do Espírito, e é isto que faz com que a vocação seja comunhão com a Trindade, que se traduz na experiência do cristão na igreja e no mundo. Segundo teólogos como Bonhoeffer e Schillebeeckx, a pergunta humana da experiência deve sempre ser posta em correlação com a resposta da fé. Essa correlação só é obtida se a pergunta humana pode ser configurada como pergunta que tenha sentido, a respeito da realidade e da experiência, à qual se segue uma resposta humana que tenta articular um sentido, mas que recebe somente da resposta cristã uma superabundância de sentido, um sentido último e definitivo. Quando falamos de vocação, tal correlação pode ser traduzida em três dimensões, que marcam a vida do vocacionado. Nenhuma destas dimensões subsiste em separado, mas estão correlacionadas.

Para Oliveira, a primeira dessas dimensões, a humana, é o chamado a ser pessoa humana. Isto quer dizer que, antes de qualquer coisa, o vocacionado tem que ser gente, com todas aquelas qualidades que caracterizam o ser humano enquanto imagem de Deus. Uma atenção particular deve ser dada à capacidade de relacionar-se bem com as demais pessoas, já que a pessoa humana foi criada por Deus como ser social. Como já vimos acima, a vocação é sempre dialogal. Ela só se concretiza nas relações interpessoais, sejam elas as da família, da amizade, das comunidades pequenas ou grandes de que participa o ser humano. Não é possível falar de vocação, deixando de lado as exigências da natureza humana. 

A segunda dimensão, a cristã, é o chamado a viver a santidade através de uma participação ativa na vida da comunidade. É o viver em comunhão com Cristo na comunhão e cooperação com os demais. Esta dimensão da vocação se traduz numa tríplice missão: profética, sacerdotal e real. Isto leva à dignidade de todas as vocações e de todos os membros do corpo de Cristo. Existe uma variedade de vocações, de dons, mas todos possuem a mesma dignidade. Ninguém é superior a ninguém, ninguém é melhor do que ninguém. Isto mostra que, em Cristo, a partir do serviço e da obediência, todos temos a mesma missão.  

A terceira dimensão, a particular, é toda vocação, que mesmo sendo vivida na comunidade e a serviço da comunidade, é personalizada. Cada cristão responde a escolha e chamado do Pai de acordo com os dons recebidos do Espírito Santo. A vocação particular é a forma concreta que permite a cada cristão dar sua contribuição para a construção do reino de Deus. Esta dimensão particular da vocação remete à singularidade de cada pessoa. Mas há diversidade também de aptidões, de qualidades pessoais, como as circunstâncias diferentes nas quais brotam e se desenvolvem os chamados de Deus. Mas mesmo realizando de forma pessoal a vocação comum, o cristão deve direcioná-la para a comunidade. Se o Espírito Santo distribui os dons a cada um conforme ele quer, Ele o faz para o bem e uso de todos. 

Missão e destino

De volta a Romanos (8.30) vemos que “Deus chamou os que havia separado. Não somente os chamou, mas também os aceitou; e não somente os aceitou, mas também repartiu a sua glória com eles”. Ora, a escolha e chamado do Pai, a aceitação através do sacrifício vicário de Jesus é completada na glória da ação do Espírito Santo sobre nossas vidas.

Por isso, o dinamismo da vocação está ligado à escolha e ao chamado, à missão e ao plano de Deus para cada um de nós. Nesta dinâmica, os dons são diferentes capacitações entregues para a realização de serviços diferentes, a partir de diferentes modos de agir, suscitados pelo Espírito e destinados à edificação da comunidade cristã. Poderíamos dizer então que os dons são capacitações do Espírito que tornam o cristão apto para o exercício da própria vocação em favor de toda a comunidade. 

Os dons são potencialidades para a execução de serviços concretos, atividades concretas, que possibilitam a vivência de uma determinada vocação particular. Existe, pois, pluralidade de dons. Para cada forma de vocação pode existir uma diversidade de dons. Enquanto meios concretos de atuação de uma determinada forma de vocação, os dons não são apenas dons extraordinários concedidos a pessoas extraordinárias. Eles são elementos que fazem parte do cotidiano da comunidade e não apenas privilégio de alguns. 

Dons e vocação não são fins em si mesmos. Existem para a missão. Por isso toda reflexão sobre a vocação requer pensar missão. Dentro de uma teologia evangélica da vocação é preciso destacar a missionariedade da Igreja. Toda a igreja está sujeita à missão. Esta missionariedade deve ser vivida em todos os níveis. Missão não é somente evangelizar, anunciar a salvação, mas viver a boa nova da libertação operada por Cristo dentro da situação atual do mundo, ajudando à humanidade a fazer a história, a contribuir para uma nova criação, construindo no aqui e no agora uma sociedade nova e diferente.

A missão é para o mundo e se desenvolve no mundo, é sempre uma missão de compromisso efetivo com o bem da pessoa humana na sua totalidade. A missão leva o cristão a aproximar-se, com os olhos e com o coração, daqueles que sofrem. Por ser serviço à humanidade, vocação e missão possuem uma dimensão pessoal e uma dimensão comunitária. Pessoal, enquanto cada crente tem o seu jeito de vivenciar a missionariedade da igreja. Comunitária porque esta missionariedade foi confiada à igreja, enquanto comunidade convocada e reunida pela Trindade.

Esta realidade nos obriga a entender que a iniciativa divina do chamado é dirigida à pessoa humana livre. É indispensável por isso entender a questão do destino na sua relação com a dinâmica do chamado do Senhor. 

Dentro da visão paulina, destino, no sentido de que os limites estão dados de antemão, é a correlação entre lei e espontaneidade. Destino traduz uma relação dialética com liberdade: destino e liberdade são polaridades; destino implica que a liberdade está sujeita à lei; destino implica que liberdade e lei são interdependentes e complementares. Para Paul Tillich, liberdade e destino formam uma polaridade ontológica, onde a descrição da estrutura ontológica básica e seus elementos atingem tanto sua realização, quanto seu ponto decisivo: “O homem é homem porque tem liberdade. Mas ele tem liberdade só em interdependência polar com o destino”.

Analisando o conceito cristão palestino de destino, exposto por Paulo, podemos dizer que há uma interdependência entre lei e espontaneidade, de tal forma que destino e liberdade se encontram intrinsecamente entrelaçados. Só quem tem liberdade tem um destino, explica Tillich. “As coisas não têm destino porque não têm liberdade. Deus não tem destino, porque ele é liberdade. A palavra destino aponta para algo que está para acontecer a alguém; ela tem conotação escatológica. Isso a qualifica a estar em polaridade com liberdade. Ela aponta não para o oposto da liberdade, mas para suas condições e limites”. 

A certeza de que o destino cristão está prenhe de graça tem um significado realizador e não destruidor e, por isso não é demoníaco, ao contrário, é a peça-chave do pensamento de Paulo, quando coloca Cristo acima do destino. Ao fazer isso, Paulo está dizendo que a compreensão plena do destino não está ao alcance do homem, pois há nele uma componente escatológica que escapa ao conhecimento humano.

A verdade incondicional de Deus não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas mesmo assim, podemos e devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo em que a verdade pode ser revelada aos seres finitos e históricos.

Quando mantemos uma relação com o Cristo eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao destino em nossa vocação. Podemos reconhecer que desde o princípio nossa vocação esteve submetida ao destino e que muitas vezes desejou livrar-se dele, mas nunca conseguiu.

Na análise cristã do destino, Cristo e o tempo de Deus estão relacionados. Cristo leva ao tempo de Deus. Cristo envolve e domina os valores universais, a plenitude do tempo, a verdade e o destino da existência. Na vida do cristão a separação entre Cristo e a existência chegou ao fim. Cristo alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco ao Cristo, mas porque é a expressão de seu próprio caráter, de sua liberdade.

É necessário, porém, entender que tanto existência quanto conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento que transcende o destino: a revelação.      

Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui potencialidades, enquanto ser, para realizar seu destino. Quanto maiores as potencialidades do ser, que crescem à medida que é envolvido e controlado pelo Cristo, mais profundamente está implicado seu conhecimento do destino.

Partindo da liberdade que nos foi dada, enquanto imago Dei, nosso destino, que deve ser entendido como manifestação do desígnio do Pai, da missão do Cristo e da obra do Espírito Santo, é o projeto de Deus para nossa vida. Destino é servir à Trindade, num tempo novo, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais nos aproximamos da compreensão de nosso destino, no sentido de estar colocado, de ser proposto, tanto mais seremos livres. Então, nosso trabalho, nossa vocação será plena de força e verdade.

O projeto de Deus para uma pessoa não é algo estático, mas um chamado que é feito através de mediações concretas. Deste modo a pessoa pode dizer sim, fazendo acontecer a história da libertação, ou dizer não, distanciando-se da missão e do destino que nasceram do projeto de amor do Pai, do Filho e do Espírito.

Igreja e vocações

No que tange às vocações particulares, convém observar que a vocação do cristão é a vocação comum da qual dependem as vocações ministeriais e seculares. Tal vocação de vida consagrada se fará antes de tudo a partir da dimensão simbólica da mesma: somos chamados a contextualizar o significado do ser cristão na vida da comunidade onde vivemos e dentro da qual nos relacionamos. A questão da especificidade de vocação, na igreja e na sociedade, passa por ser seguidor radical de Jesus, profeta e sinal visível da radicalidade do Evangelho. 

A vocação de pastores, ministros e missionários, e de trabalhadores, profissionais e empresários deve determinar o específico destes ministérios. Por exemplo, ainda é forte o monopólio por parte de pastores, ministros e missionários. A teologia deve contribuir para a superação da visão privatista presente na formação ministerial. Da mesma maneira, a vocação secular de trabalhadores, profissionais e empresários deve ser entendida como aquela de serviço à unidade da comunidade. Embora a vocação particular do ministério pastoral seja a presidência da igreja.

As dificuldades, no que respeita às vocações, estão ligadas a uma compreensão insuficiente do que é igreja. Por isso, é indispensável uma reflexão sobre o que é igreja.

Devemos começar por uma pergunta: qual o modelo de igreja ao qual nos referimos quando falamos em vocação? Aqui voltamos ao início do texto, onde entendemos igreja como corpo reunido na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Tal visão de igreja contribui para que todos os seus membros vivam em estado de vocação e de missão, sentindo-se convocados pelo Pai para o serviço ao Reino.

Somente uma igreja que é imagem da Trindade pode tomar-se espaço para o surgimento e desenvolvimento de vocações. Isto porque nela os crentes constituem um só corpo em Cristo, com dignidade e variedade de funções, com espaço para a comunhão e participação. Numa igreja assim existe a presença de instrumentos e de organismos que permitem o engajamento dos crentes e abrem caminho para o surgimento das vocações. Aqui os jovens encontram um terreno eficaz para o amadurecimento humano, cristão e apostólico.

Tal igreja é mãe das vocações. Sente-se chamada e ao mesmo tempo convocada a chamar. Tem consciência de ser uma comunidade de pessoas chamadas que, por sua vez, torna-se apelo vivo da Trindade. Este modelo de igreja que comunga e participa se identifica com as vocações de que é constituída. Nela os crentes recebem o chamamento ao sacerdócio universal e à santidade. Nela surgem, por dom do Espírito Santo, os chamamentos especiais para os ministérios e profissões, para a consagração eclesial e secular, e para a vida missionária. Ela é a reunião de todos quantos, em comunhão com o seu pastor e entre si, são chamados pelo Pai a seguirem o Senhor Jesus, de acordo com os dons do Espírito. E porque há identificação, todos se sentem responsáveis pelas vocações.

A igreja onde as vocações podem brotar escuta o clamor da comunidade e vive em processo de renovação. Não reclama privilégios, mas vive na sociedade a sua missão profética, denunciando as injustiças e anunciando o kairós evangélico de uma sociedade nova, humana e fraterna. Tal igreja é capaz de dialogar com a sociedade pluralista, sem abandonar sua doutrina e propósitos. É uma igreja servidora, ministerial (minus stare), onde todos são chamados a servir. 

Uma igreja onde os crentes descobrem a realidade em que vivem, os chamados aos ministérios eclesiais (pastores, ministros, missionários) e o sentido das vocações seculares (trabalhadores, profissionais, empresários) de que a comunidade tem necessidade, faz-se igreja necessária. E os compromissos de hoje podem se tornar prelúdio de uma consagração definitiva. Na igreja que está voltada para sua comunidade, os jovens e adultos não são crentes passivos, mas agentes, participantes e responsáveis, protagonistas, de acordo com os dons e as possibilidades de cada um.

Por uma teologia batista da vocação

A partir do que vimos vale a pena analisar alguns elementos que podem balizar a construção de uma teologia batista da vocação.

Em primeiro lugar, deve ficar claro que as experiências humana e cristã são realidades correlatas ao chamado para as vocações particulares. Por isso, a vocação de pastores, ministros, missionários e de trabalhadores, profissionais e empresários, enquanto chamado de Deus que se realiza na igreja e na comunidade, deve fundar-se numa teologia evangélica e numa práxis em sintonia com nossos princípios e doutrinas.

Partindo desta avaliação é preciso entender que partimos do Deus triúno e da teologia do amor que tal comunhão implica: vocação é relacionamento, o que implica em dar valor à experiência humana e à espiritualidade cristã, mas também dar atenção à questão da inculturação e aos desafios da contemporaneidade. Vivemos um tempo de transição, caracterizado por atitudes ambivalentes. As transformações da sociedade revelam a inadaptação de muitas igrejas, presas à tradição, e a necessidade de novos projetos de existência humana.

E por fim, é preciso definir o específico de cada vocação, dando valor à participação de toda a igreja enquanto corpo de Cristo. Isto traduz a necessidade de se encontrar uma metodologia adequada para cada situação, lugar e grupo de pessoas. 

Considerações finais

O cristianismo é a vitória sobre a cosmovisão da religiosidade helênica de que estamos debaixo das forças de deuses e demônios, traduz a idéia de que o mundo é uma criação divina. 

É a negação radical do caráter demoníaco da existência em si. Dá à existência um valor essencialmente positivo e valoriza os acontecimentos da ordem temporal. Com o cristianismo, a ordem do tempo não leva apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.

No cristianismo o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do tempo bom substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse kairós, a presença de Cristo entre nós, destino outorga graça, que traz libertação no tempo e na história. O mundo helênico e sua interpretação da vida foram superados e com eles o pessimismo da religiosidade helênica.

Agora depositamos nossa certeza nas palavras de Paulo em Romanos 11.29, quando diz que “Deus não muda de idéia a respeito de quem ele escolhe e abençoa”. E a partir do chamado e vocação entregues por Deus a nós, realizemos nossa missão, destino glorioso que traduz o desígnio do Pai, a missão do Filho e a obra do Espírito Santo nas nossas vidas, e através delas, na igreja e na sociedade.

Notas

Leonildo Silveira Campos, “Os Novos Movimentos Religiosos no Brasil Analisados a Partir da Perspectiva da Teologia de Paul Tillich”, revista eletrônica Correlatio, no. 3. J. Sobrino, Cristologia desde América Latina, Esbozo a partir del seguimiento del Jesús histórico, México DF, CRT, 1976 (2a. ed. ver. 1977), p. 91.
“O regime da lei no Antigo Testamento era bom, mas temporário (Gn. 3.24, 4.1+), e foi planejado para o mundo da carne e o pecado. Com a morte e a ressurreição de Jesus o regime da lei foi superado. O cristão está livre da lei, assim como Cristo que teve seu corpo carnal feito corpo espiritual (Rm 7.4-6, cf. 1Co 15.45). O cristão não está mais debaixo da lei, mas debaixo da graça (Rm 6.14). E a graça é grátis (Gl 5.1, 13). Na medida em que se é cristão, filho de Deus guiado pelo Espírito (Rm 8.14), a única lei que lhe convém é aquela que Paulo chama de a lei do Espírito (Rm 8.2), não só dada pelo Espírito, mas vivida no crente através do Espírito, que segundo Tomás de Aquino, não é simples norma externa, mas princípio de ação, atividade do Espírito no cristão”. Guy Lafon, Epitre aux Romains, Flammarion, Paris, 1987, p. 59. 
J. Sobrino, Cristologia desde América Latina, Esbozo a partir del seguimiento del Jesús histórico, México DF, CRT, 1976 (2a. ed. ver. 1977), p. 91.
I. Ellacuría, Conversión de la iglesia al Reino de Dios para anunciarlo y realizarlo em la historia, Santander, Sal Terrae, 1985, pp. 179-261.
José Lisboa Moreira de Oliveira, “Teologia e Eclesiologia da Vocação”, revista Espírito no. 65, (jan/mar 1996, pp. 22-31).
E. Schillebeeckx, L`intelligenza della fede: interpretazione e critica (1972), Roma, Paoline, 1975, p. 102.
José Lisboa Moreira de Oliveira, op. cit., pp. 22-31.
Idem op. cit., pp. 22-31.
Ibidem, op. cit., pp. 22-31.
Paul Tillich, Teologia Sistemática, Editora Sinodal, Edições Paulinas, São Leopoldo, São Paulo, 1984, p. 156.
Paul Tillich, idem, op. cit., p. 158.
  

Bibliografia recomendada

BRUCE, F.F. Romanos, introdução e comentário. Odayr Olivetti, trad., São Paulo, Vida Nova e Mundo Cristão, 1991.
CULLMANN, Oscar. A formação do Novo Testamento, 5a. ed., Bertoldo Weber, trad., São Leopoldo, Sinodal, 1990.
FRANZMANN, Martin H. Carta aos Romanos, Mário e Gládis Rehfeldt, trads., Porto Alegre, Concórdia, 1972. 
LAFON, Guy, Saint Paul, épitre aux romains, Les Editions du Cerf, 1953 e 1973, Paris, GF-Flammarion, 1987.
LEENHARDT, Franz J. Epístola aos Romanos, Waldyr Carvalho Luz, trad., São Paulo, ASTE, 1969.
OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de, Nossa Resposta ao amor, teologia das vocações específicas, São Paulo, Editora Loyola.
TENNEY, Merril C. O Novo Testamento sua origem e análise, 2. ed., São Paulo, Vida Nova, 1972.
TILLICH, Paul, La dimension religieuse de la culture, Paris, Genebra, Québec, Les Editions du Cerf, Editions Labor et Fides, Presses de l´Université Laval, 1990.
____________, L´Etre nouveau, tradução de J. M. Saint, Planète, Paris, 1969, do texto original: The New Being, Charles Scribner's Sons, 1955. 

____________, Teologia Sistemática, São Leopoldo, São Paulo, Editora Sinodal, Edições Paulinas, 1984.

dimanche 26 janvier 2020

O pensamento judaico antigo


História da Tradição e História da Religião no pensamento judaico antigo

Texto base
HASEL, Gerhard F.. Teologia do Antigo Testamento, Questões Fundamentais no Debate Atual, Ed. JUERP, São Paulo. Capítulos 3 e 4.


A posição de VON RAD

Ele faz um contraste das duas versões da história de Israel, a pesquisa histórico-moderna, histórico-crítica, e a definida pela fé, história da salvação. Von Rad diz que o quadro da história de Israel conforme o método histórico crítico busca um mínimo irrefutável, ou seja, a preocupação é a história. Enquanto que a perspectiva querigmática, moldada pela fé, pende para uma máxima teológica. Afirmou que a teologia do do pensamento judaico antigo precisa tratar o mundo de testemunhos originado na fé, ou seja o quadro querigmático. O ponto crucial, segundo Von Rad, é a ausência de premissas de fé no programa histórico-crítico da história de Israel, uma vez que não considera a hipótese do elemento Deus. Von Rad rejeitou a opção de considerar não-histórico o quadro querigmático ou de considerar histórico o quadro histórico-crítico, pois sustenta que a apreciação querigmática também está fundamentada numa história real, não tendo sido inventada. Pois a história foi percorrida por uma estrada que o próprio Iavé fez, e a história limita-se à revelação do próprio Iavé através de atos e palavras. Para ele não é que o cerne histórico esteja envolto em ficção, mas que a experiência de fé do narrador, depreendida da saga, é histórica e resulta num grande conteúdo teológico. Presumiu que as duas perspectiva da história de Israel podem colaborar com a teologia do pensamento judaico antigo, esclarecendo o quadro querigmático e ignorando, em grande parte, o histórico-crítico. 

A posição de FRANZ HESSE
Ao adotar a tese de Von Rad de que o pensamento judaico antigo se fez presente enquanto livro de história ou testemunhos, argumentou que era necessário ser dar ênfase teológica à história de Israel reconstituída pelo método histórico-crítico. Isto é relevante, pois apresenta a fé como o que realmente aconteceu, e não no que se declara ter acontecido. Hesse volta-se contra a duplicidade de Von Rad, ou seja, de que a história secular deve tratar da história de Israel, pois a versão querigmática tem relevância teológica. Ele salienta alguns conceitos que realçam a diferença entre as duas perspectivas da história de Israel: real ou irreal, isto é, o que é história e o que é tradição; correta e incorreto, o querigma não é formador da fé, mas sim a realidade histórica. Hesse procura derrubar as duas leituras da história de Israel ao identificar a leitura histórico-crítica com a história da salvação. Ele afirmou que a história da salvação está presente em tudo que o povo experimentou no decorrer dos séculos, em tudo que realizou e em tudo que sofreu. Esta não caminha de mãos dadas com a história, não pertence a uma esfera superior, mas, embora não seja idêntica à história, existe. Diz que é impossível uma separação entre a história e a história da salvação no pensamento judaico antigo. A história da salvação oculta-se na história, por meio dela e por trás dela. Conclui-se então que toda história do povo de Israel e seus vários aspectos são os objetos da pesquisa teológica. Hesse fundamenta a história da salvação unicamente na versão histórico-crítica da história de Israel 

A posição de WALTER EICHRODT
Confronta o dualismo estabelecido por Von Rad, entre os dois quadros da história de Israel. Faz uma distinção entre os fatos extrínsecos da história da salvação e a experiência decisiva. Isto é, o domínio de Deus sobre o espírito humano através da invasão do íntimo. É neste ponto, na criação e evolução do povo, na consciência do relacionamento da aliança, que ocorre a experiência decisiva, sem a qual todos os fatos extrínsecos tornam-se mitos. Einchrodt considerou necessária uma reconciliação das duas leituras da história de Israel. 

A posição FRIEDRICH BAUMGARTEN
Criticou a tentativa de Von Rad de solucionar a questão teológica da interpretação da história e da tradição. Afirmou que nenhuma das duas leituras tem relevância teológica para a fé cristã, porque o pensamento judaico antigo é o testemunho de uma religião não-cristã. 

A posição de CLAUS WESTERMANN
Critica Baumgarten, concluindo que este, então, considera que a igreja poderia passar sem o pensamento judaico antigo.

A posição de JOHANNES HEMPEL
Segundo Hempel, continua sendo fato a atividade de Deus no decorrer da história, mesmo que não se saiba como Ele atuou.

A posição de WEISER e HEMPEL
Consideraram que a realidade histórica e a expressão querigmática, isto é, fato e interpretação, formam unidade no pensamento judaico antigo.

A posição de GEORG FOHRER
Defendeu que, se existe uma unidade fundamental entre fato e interpretação, evento e palavra, não devemos atirar um contra o outro, porque os autores do primeiro testamento se utilizaram de tradições que consideravam históricas. 

A posição de WOLFHART PANNENBERG
A história constitui o mais amplo horizonte da teologia cristã. Ela é realidade em seu todo, desde o Israel antigo até o presente. A revelação de Deus é o significado inerente da história, e não algo que lhe foi acrescentado. Pannenberg enquadra a história da salvação na história universal. 

A posição de RENDTORFF
Propôs que se estabelecesse uma relação entre a história da salvação e a apreciação histórico critica da história de Israel. Combinar-se-ia a divisão: história de Israel versus história da tradição e teologia do primeiro testamento, em um novo gênero de pesquisa escolástica. O método histórico-crítico deveria ser transformado e ampliado de forma a verificar também a revelação de Deus na história. 

A posição de  H. J. KRAUS
Afirmou que o ponto de partida da teologia de Von Rad tinha cunho histórico crítico, como se evidencia no fato de sua teologia ser uma teologia das tradições.

Parafraseando Kraus, podemos dizer que história da tradição e história da religião no pensamento judaico antigo só é teologia do testamento antigo pelo fato de aceitar o contexto textual do cânon como histórica, que carece de explicação e interpretação. Se esta é a função da teologia do pensamento judaico antigo, então não deve ser considerada história da revelação.


Diferentes leituras do pensamento judaico antigo

Eichrodt – Aliança 
E. Sellin – A santidade de Deus 
Ludwig Kohler – Deus é o Senhor 
Hans Nildberger – Eleição de Israel como povo de Deus 
Günther Klein – O Reino de Deus 
Georg Fohrer – O governo de Deus e a comunhão Deus/homem 
Horst Seebass – O governo de Deus 
Uriezem – Deus é o povo focal de todos os Escritos. Comunhão. 
Von Rad – Admite Iavé como centro do Antigo Testamento. Parte de um centro secreto. Deus atua na história e é na História que Deus revela o segredo de sua Pessoa. 

Podemos então considerar que o testamento judaico se apresenta enquanto livro de história: história de Deus e Israel; de Deus e as nações; de Deus e o mundo.


Notas

Gerhard von Rad est né en 1901 à Nuremberg, en Bavière, de parents luthériens. Il fait ses études à l'Université d'Erlangen et à l'Université de Tübingen. Il est notamment influencé par O. Procksch, par l'étude de la théologie du Deutéronome et par le concept d'histoire dans les livres des Chroniques. En 1925, il devient pasteur protestant en Bavière. Von Rad enseigne ensuite un an comme tuteur à l'Université d'Erlangen, en 1929, puis comme privatdozent à l'Université de Leipzig, en 1930, où il est profondément marqué par Albrecht Alt pour qui l'Ancien Testament ne peut être compris sans le concept d’histoire.


À cette époque, après la première guerre mondiale, une partie de la théologie allemande semble se détourner de l'Ancien Testament, voire le mépriser, tel l’historien des dogmes et protestant libéral Adolf von Harnack. Face à cette dépréciation de l'Ancien Testament et alors que se développait la propagande nazie, quelques biblistes protestants allemands (les Rudolf Kittel, W. Eichrodt, O. Protschk, etc.) vont opérer une revalorisation de la théologie de l'Ancien Testament, et Gerhard von Rad sera parmi eux.

Von Rad enseigne ensuite à Iena à partir de 1934 et jusqu'à 1945, dans un contexte universitaire favorable au nazisme (contre lequel il prononcera de nombreuses conférences), puis partira pour enseigner à l'Université de Göttingen, de 1945 à 1949. Après cela, il devient professeur d'Ancien Testament à l'Université Ruprecht Karl de Heidelberg dans l'État de Bade-Wurtemberg, de 1949 à sa mort en 1971.

Les travaux de von Rad participent alors au renouveau d'intérêt pour les études sur l'Ancien Testament à partir des 20 et 30. Avec Martin Noth, il applique la recherche sur la tradition orale du Pentateuque et la critique des formes, initiée par Hermann Gunkel, aux explications relatives à l'origine de ces textes et à l'hypothèse documentaire.

Il a notamment dirigé avec Günther Bornkamm la grande collection Wissenschaftliche Monographien zum Alten und Neuen Testament.

C'est durant son enseignement à Heidelberg qu'il produit son œuvre majeure, sa Théologie de l'Ancien Testament, en 1957 et 1960. Dans le premier volume, il montre comment la foi, en œuvre dans la liturgie, fournit une conception de l'histoire comme déroulement des événements du salut. Foi et histoire sont alors deux réalités différentes mais s'éclairant mutuellement. Après avoir étudié les confessions de foi de l'Hexateuque, von Rad s'applique à présenter la théologie des multiples traditions historiques. Dans son deuxième volume, il applique ses recherches au prophétisme biblique, puis aux rapports entre Ancien et Nouveau Testament.

Il publia ultérieurement une étude qui venait compléter le corpus déjà étudié : Israël et la sagesse. Il montre que les courants de sagesse ne sont pas dépendants d'une théologie de l'histoire du salut, mais sont un effort pour comprendre les énigmes et les difficultés de la vie.

S'il est incontournable dans l'histoire de l'exégèse contemporaine, von Rad est d'abord un théologien. Cette théologie biblique s'est élaborée dans un rapport à la fois théologique et historique à l'Écriture, en interaction avec la recherche de son temps.

Œuvres

G. von Rad, Théologie de l'Ancien Testament,. Tome I, Théologie des traditions historiques d'Israël, Genève, Labor & Fides, 1963
G. von Rad, Théologie de l'Ancien Testament, Tome II, Théologie des traditions prophétiques d'Israël, Genève, Labor & Fides, 1967
G. von Rad, La Genèse, Labor & Fides, Genève, 1968
G. von Rad, Israël et la sagesse, Labor & Fides - Librairie protestante, Genève - Paris, 1971

Références

Laurin, Robert B., Contemporary Old Testament Theologians, Judson Press, Valley Forge, 1970, (ISBN 0-8170-0488-2), p.65

Dans un des travaux importants d'Adolf von Harnack, publié en 1921, celui-ci indique : « Voici la thèse que je pose avant de l'argumenter : rejeter l'Ancien Testament au IIe siècle était une faute que la Grande Église a rejetée avec raison ; la conserver au XVIe siècle était une fatalité à laquelle la Réformation n'a pas encore été capable de se soustraire ; mais, depuis le XIXe siècle, le conserver encore dans le protestantisme comme document canonique est la conséquence d'une paralysie » (p. 217 de l'édition allemande, p. 240 de la traduction), in Adolf von Harnack, Marcion, l'Évangile du Dieu étranger, Paris, Cerf, coll. « Patrimoines christianisme », 2003.Cf. Recension et analyse du livre d’Harnack, par Édouard Cothenet.

Society for Biblical Literature, Henning Graf Reventlow introduces von Rad's "From Genesis to Chronicles: Explorations in Old Testament Theology", Cross, F. L., ed. The Oxford dictionary of the Christian church. New York: Oxford University Press. 2005.

Johann Jakob Hess est un théologien protestant suisse, né à Zurich le 21 octobre 1741 et mort le 29 mai 1828. Il se distingua comme prédicateur et devint doyen du clergé dans sa ville natale.

Histoire des trois dernières années de la vie de J.-C., Zurich, 1772;
Histoire des Apôtres, 1775 ; Histoire des Israélites, 1776-86.

Walther Eichrodt (1 août 1890 à Gernsbach, Baden - 20 mai 1978 à Bâle) était un savant allemand de l'Ancien Testament et un théologien protestant. De 1908 à 1914, il a étudié la théologie à Bethel, Greifswald et Heidelberg, obtenant son habilitation à l'Université d'Erlangen en 1918. En 1922, il succède à Albrecht Alt en tant que professeur agrégé d' histoire des religions et d'études de l'Ancien Testament à l' Université de Bâle, où de 1934 à 1960 il a enseigné des classes en tant que professeur titulaire. En 1953, il est nommé recteur d'université.

Eichrodt croyait que le livre de la Genèse avait été ajouté comme prologue à l'Ancien Testament après l'achèvement de l'écriture d' Exode.

Die Quellen der Genesis (1916).
Die Hoffnung des ewigen Friedens alten Israel (1920).
Theologie des Alten Testaments, 3 volumes (1933-1939); traduit en anglais et publié en 3 volumes comme Théologie de l'Ancien Testament (1961, 1967).
Das Menschenverständnis des Alten Testaments (1944); traduit en anglais et publié sous le titre Man in the Old Testament (1951).
Ézéchiel; un commentaire ; Traduction anglaise par Cosslett Quin (1970).



mercredi 22 janvier 2020

A Reforma Radical e Thomas Münzer



A Reforma de Lutero, Zwinglio e Calvino, quando surgiu, foi certamente uma revolução, mas foi uma revolução inserida na sociedade, na cultura dominante, e no processo geral da história da civilização ocidental. A Reforma dissolveu a natureza hierárquica do feudalismo e quebrou sua capacidade de interligar direitos e deveres. Liberou os ativos congelados sob a propriedade eclesiástica — mais da metade das terras férteis da Europa Ocidental e provavelmente a maior parte de seu ativo. Aboliu a alfândega e todas as sanções legais e a alfândega que mantinham a economia estática. Sancionou a usura e permitiu ao agiota exigir o juro que quisesse. Anulou a supressão ou o controle da competição entre os sócios das agremiações. 

Na Idade Média os camponeses tinham claramente definidos os seus direitos e deveres, sancionados por um costume imemorial e por leis. As pessoas comuns estavam subordinadas ao senhor local que, por seu turno, tinham responsabilidades e privilégios em relação ao seu superior. E assim por diante até chegar ao imperador ou papa. Com a Reforma, o camponês que no princípio esperava ganhar uma vaga, mas maravilhosa liberdade a partir da nova moralidade social pregada pelo jovem Lutero, acabou mesmo reduzido ao estado de servo, sem quaisquer direitos e, em vez de deveres, era obrigado a trabalhos forçados. 

Ao final da Idade Média, a sociedade estava abarrotada de organizações de caridade de todos os tipos que cuidavam de desempregados crônicos ou pessoas fora do mercado de trabalho. Com a concentração de riqueza da Igreja, apenas uma pequena fração destas instituições eram alimentadas pelos auspícios privados ou estatais e pela absorção da mais valia necessária para manter-se diante de uma economia estática. Desde aquela época até os dias presentes os legisladores tornaram-se ferozes perseguidores dos "desocupados" e “vagabundos”. 

As leis da Europa pós-Reforma, que dizem respeito aos pobres, não importa o país, todas tem um ponto em comum — a pobreza é culpa do próprio pobre e a indigência é um vício. Teoricamente os velhos tratos da Idade Média foram substituídos por uma estrutura de contratos entre indivíduos, homem a homem, "pessoa jurídica" ou instituições legais; mas devido ao tamanho da população não comportar contratos de qualquer espécie, isso acabou resultando em uma progressiva atomização. O homem medieval era salvo como um membro do corpo de Cristo, a Igreja, que literalmente incorporava seus membros. O cristão luterano salvava-se sozinho, por um ato individual de fé, e a sua relação com a deidade era um momento atômico totalmente contingente e destituído de auto-suficiência diante da absoluta onipotência e auto-suficiência de Deus. 

O calvinismo introduz apenas uma mudança de ênfase. Se Deus predestina um eleito à salvação, e todos os outros homens à danação desde o começo dos tempos, esse eleito não faria parte de uma comunidade, porque sua sociedade era desconhecida e irreconhecível. Alguém poderia pensar que isto conduziria a um completo antinomianismo, o abandono de toda moralidade. Totalmente o contrário, tudo aquilo que o homem poderia fazer era se comportar como eleito e esperar o melhor. Assim, o extremo ascetismo de Calvino circunscrevia o comportamento do homem de tal forma que ele não poderia fazer outra coisa senão trabalhar duro, acumular dinheiro, e investi-lo. Lutero era a religião do livre empreendimento, Calvino da acumulação de capital. Em tal sistema, com as teocracias calvinistas de Genebra, França, Escócia, ou Nova Inglaterra, o pobre estava condenado a priori pela sua própria condição. Nem todo sócio da elite poderia ser um sócio do eleito, mas o pobre, e especialmente o indigente pobre, obviamente não o era. O incompetente, o antigo defeituoso, o bêbado, e todos aqueles que apenas viveram para o prazer em vez do lucro eram por si só evidentemente malditos. 

Embora os três grandes reformadores enfatizassem a Bíblia -- “apenas pela fé, apenas pela Bíblia”, disse Lutero -- a era apostólica, e os pais da Igreja, sua teologia na realidade foi derivada diretamente de Santo Agostinho e dos escolásticos medievais. Sua insistência na salvação pela fé e predestinação representa apenas leves mudanças de ênfase, comparados com os ensinamentos dos escolásticos mais ortodoxos. Não foi assim no começo do século dezessete na Inglaterra onde a Igreja Anglicana iniciou uma séria tentativa para construir uma teologia baseada nos Pais e no testemunho de uma Igreja unida por conselhos ecumênicos. 

Para os reformadores a Igreja era coligada ao Estado, da mesma maneira que para os teólogos católicos, a Igreja e o Estado exerciam apenas papéis diferentes no exercício do poder. A diferença era que a Igreja não tinha mais a autoridade final -- personificada no papa. Em princípio a principal apelo foi o próprio Lutero. Os outros líderes da Reforma alemã sempre adiaram decisões concludentes -- como no caso da doutrina da Eucaristia de Zwinglio; na questão das relações com a igreja de Utraquisto da Boêmia, dos remanescentes Taborites, e dos primeiros irmãos suíços; foi no bojo desses problemas disciplinares que surgiu Thomas Münzer; e, naturalmente, a notória condenação da Revolta dos Camponeses por parte de Lutero. 

A maioria dos problemas religiosos eram conhecidos pelo Estado secular, pelos conselhos da cidade, pelos senhores locais, e até mesmo pelos príncipes e duques dos conglomerados de estados insignificantes e de reinos pequenos que compunham o Império alemão, a velha comunidade política começava a desmoronar sob o sopro do conflito universal gerado pela Reforma. Assim foi estabelecido o princípio cujus regio, ejus religio, “como o governo, assim a religião”, sem o qual a Europa Central se esfacelaria em uma guerra de todos contra todos, já que a autoridade espiritual na realidade não estava mais centrada em um imperador ou em algum poder secular abstrato, mas circunstancialmente nas insignificantes cortes da Alemanha. 

A religião dos anabatistas e a reforma radical, em termos gerais, se opunham diametralmente à Reforma de Lutero. Thomas Münzer em Mühlhausen e Frankenhausen, da mesma forma que a comuna apocalíptica anabatista de Münster, pretendiam estabelecer o reino milenário na forma de um Império secular, mas apesar de toda sua notoriedade eles eram atípicos. Em termos relativos, poucas pessoas estavam envolvidas nos grupos anabatistas. Recentes historiadores americanos menonitas e batistas têm ligado as antigas raízes anabatistas e os reformadores radicais do século dezesseis com seitas similares ao longo da Idade Média que vêm desde o tempo dos apóstolos. Eles estão essencialmente certos. 

A Reforma aparenta, de forma bem superficial, advogar a liberdade de expressão, libertar e tornar pública a dissidência radical, que estava lá todo o tempo, e brevemente permitiu que o proselitismo se espalhasse através de pastores cujas doutrinas eram subversivas à própria Reforma, até mesmo mais do que ao catolicismo romano. Há registros que indicam que até a Reforma a Igreja romana vinha provavelmente ignorando a maioria dos cultos estranhos que floresciam na Idade Média, a menos que dessem algum escândalo ou fizessem questão de aparecer, algo semelhante à concubinagem clerical. Nos anos posteriores os extremistas sectários e os católicos romanos freqüentemente formavam uma frente unida contra a igreja protestante e o estado, conforme testemunha a estreita amizade entre William Penn e James II. 

Os sectários radicais não apenas apelaram às tradições da Igreja, antes de serem cooptados por Constantino, eles se esforçavam em restabelecê-la totalmente em fé e prática, como um remanescente salvo em um mundo condenado. Eles eram indiferentes ao conflito de poder entre o imperador e o papa, entre Lutero e o príncipe, porque eles não acreditavam no poder mundano como tal. Eles eram indiferentes a leis que regulam competição e tomada de interesse porque eles não acreditavam nessa coisa que mais tarde foi denominada "economia política". 

Eles se esforçavam por alcançar a economia auto-suficiente de uma subcultura fechada, um comunismo de produção e consumo. Na maioria dos casos as circunstancias não permitiam isso, mas eles sempre defendiam uma comunidade apostólica de bens coletivos, a responsabilidade compartilhada para o bem-estar físico de todos os sócios; e desde os primeiros dias eles freqüentemente praticaram um comunismo de consumo enquanto ganhavam seu pão e trabalhavam no mundo. 

Profundamente influenciados por Eckhart, Tauler, e Suso, que segundo a maioria dos seus leitores teólogos, eles olhavam o processo de salvação como uma progressiva deificação do homem em comunidade em vez da forense "justificação" do indivíduo diante do julgamento de Deus pela fé no sacrifício de Cristo — eles acreditavam em com-ação não em compensação, no Cristo vivo não em seu sacrifício, na comunhão não na Missa. Assim, os anabatistas (duas-vezes-batizados) se opunham ao batismo de crianças inconscientes ou de crianças imaturas. Para eles o batismo era o selo divino na alma desperta na comunidade do eleito, um ato consciente pelo qual o indivíduo dá as costas para o mundo e embarca na peregrinação espiritual pela divinização em companhia de sua amada comunidade. 

Embora praticamente todos os anabatistas sejam milenaristas no sentido de que eles esperam a vinda do reino em um futuro indefinido, eles não concebem a si mesmos como o exército do apocalipse para o qual foi dada a função de condutor nos últimos dias, eles concebem a si mesmo como aqueles que aguardam o advento divino. Os dois episódios mais famosos da história dos anabatistas primitivos não surgiu fora do corpo principal do movimento mas germinou de uma forma independente. 

Thomas Münzer não foi um anabatista, ou pelo menos não dava qualquer importância a questões sobre quando e por que batizar, várias vezes em sua carreira ele deu respostas contraditórias sobre esse assunto. Nem mesmo em seus últimos dias ele pregou comunidade de bens coletivos, e sua única declaração definida no assunto foi feita em sua confissão final após tortura e antes da execução. 

Münzer nasceu em Stolberg de uma família próspera nas montanhas de Harz e foi educado em Leipzig e Frankfurt. Parece que ele se encontrou com Lutero por volta de 1519, passou seus anos de escola estudando seriamente a procura de respostas, profundamente aborrecido pela apostasia da Igreja estabelecida. Naquele mesmo ano tornou-se padre confessor em um convento em Beuditz e com a segurança e o lazer proporcionados por sua posição, gastou mais de um ano em um intensivo estudo lendo Josephus, a história da igreja de Eusebius, St. Augustine, os atos dos conselhos gerais, os atos de Constance e Basel, e os escritos místicos de Suso e Tauler. Ele começou a se corresponder com os principais reformadores, a maioria dos quais eram de cinco a dez anos mais velhos do que ele. No próximo ano lhe recomendaram como pastor na Igreja de Santa Maria em Zwickau para substituir temporariamente o pastor João Egranus. No princípio ele parecia ser mais um dos jovens apóstolos de Lutero -- cuja fama se espalhava por toda a Alemanha -- até que se envolveu em uma violenta controvérsia com os franciscanos locais. 

Zwickau por aqueles dias era uma das maiores cidades da Alemanha, três vezes maior do que Dresden. Fora um próspero centro têxtil mas com o desenvolvimento das minas de prata nas montanhas vizinhas, abandonou o comércio de tecelagens gerando desemprego entre os tecelões. A cidade assumiu uma característica de boom econômico com uma grave inflação dos preços locais, típico das cidades mineradoras, a polarização radical das classes, com uma grande riqueza ao topo e pobreza e desemprego em massa na base. Zwickau fazia fronteira com a Boêmia e fora o pivô da agitação de Tamborite no século anterior. Nicholas Storch -- o descendente de uma família anteriormente rica e poderosa, mas que foi levada à falência pelos proprietários das minas -- juntou e organizou pequenos grupos clandestinos de Picardos remanescentes formando um movimento aberto conhecido como os Profetas de Zwickau. Quando se encontrou com Münzer, Storch já era um líder pentencostal extremista, de uma seita quiliástica de religiosos revolucionários, freqüentemente bem ao gosto dos tecelões desempregados. 

A violência dos sermões de Münzer contra os franciscanos resultou em problemas com a assembléia municipal, a congregação de Santa Maria, e com João Egranus, ao qual devolveu o púlpito, ele se viu cada vez mais lançado em direção a Storch. Eventualmente ele deixou a classe alta de Santa Maria tornando-se o pastor de Santa Catarina, uma grande congregação composta por mineiros, tecelões pobres, e desempregados. Em Santa Catarina, Münzer tornou-se conscientemente um pastor de pobres. Ele abandonou sua postura de luterano ortodoxo tornando-se um apocalíptico como Storch, dedicando cada vez mais tempo em reuniões com os Profetas. A assembléia municipal assumiu um crescente antagonismo. Na primavera de 1521 Münzer recebeu ordem para sair de Zwickau. Lutero retirara seu apoio. 

Münzer foi a Praga onde recebeu entusiásticas boas-vindas como um dos novos luteranos, sendo convidado a pregar nas igrejas. Mas seus sermões não eram luteranos; ele não apenas se tornara um chiliasta desenvolvido, como também sua linguagem se tornara extraordinariamente violenta, abusiva, e grosseira, ao mesmo tempo que reivindicava-se escolhido por Deus para recrutar os eleitos para a luta armada final antes do milênio, devido às condições ultrajantes daqueles dias. Os sofisticados cidadãos de Praga ouviram tudo isso cem anos antes e não se impressionaram. 

Münzer partiu, desiludido com os bohemios. Antes de partir, imitando Lutero, ele pregou um manifesto nas portas das principais igrejas, resumindo suas principais idéias que o guiariam até o fim de sua vida, mas com a violência e a incoerência de sua linguagem configurando sua característica mais notável. Durante 1522 ele vagou quase que sem uma ocupação regular. Ele visitou Lutero em Wittenberg, com o qual aparentemente se aborreceu, mas que parece ter usado de sua influência tanto que Münzer obteve uma posição como pastor da Igreja de São João na pequena cidade de Alstedt na Saxony. Lá ele deu seu primeiro sermão no dia de Páscoa em 1523. 

Os dezesseis meses que Münzer permaneceu em Alstedt foram os mais quietos e os mais produtivos de sua breve carreira. Ele se casou com uma ex-freira, Ottilie von Gersen. Na Páscoa do ano seguinte ela o presenteou com um filho. Münzer, que tinha iniciado, de uma forma muito tranqüila para ele, como um porta-voz da Reforma ortodoxa, embora emocional e excêntrico; decidiu-se mover cautelosamente e com uma certa dose de duplicidade, mas seus tempestuosos sermões logo fizeram dele o pastor mais popular de todo distrito. As pessoas vinham dos arredores para ouvi-lo. Ele escreveu e celebrou a primeira Eucaristia no idioma alemão e depois publicou um missal completo com liturgias para comunhão, batismo, matrimônio, comunhão do doente e funerais, inclusive confissão pública de pecado antes da comunhão. Sua liturgia prometia ser amplamente adotada, mas seu envolvimento com a Revolta dos Camponeses trouxe a condenação por parte de Lutero que, porém, não teve escrúpulos em copiá-la três anos depois. A coisa mais impressionante sobre a liturgia de Münzer é a completa ausência de sua habitual grosseria e violência. Pelo contrário elas mostram uma excepcional sensibilidade poética e devocional. 

Com o tempo Münzer revelou cada vez mais sua mensagem apocalíptica, apresentando-se abertamente como um homem escolhido de Deus. Ao mesmo tempo ele começou a organização secreta de um exército revolucionário. A Liga dos Eleitos começou a invadir, pilhar, e incendiar conventos e monastérios na zona rural aos arredores da cidade. Em pouco tempo ele recrutara para sua liga um vasto círculo de comunidades da Thuringia. Com sua fama chegando até o estrangeiro, suas atividades começaram a preocupar Frederick, o eleitor da Saxônia, seu irmão Duque João, que eram partidários da Reforma, e Lutero, com o qual sua relação tornava-se cada vez mais atribulada e divergente. Münzer também entrou em uma violenta disputa com o senhor local, o Conde de Mansfeld. Enquanto isso ele constantemente emitia panfletos, cada um mais radical que o outro. Frederick decidiu investigar e enviou o Duque João, seu filho João Frederick, seu chanceler, e vários outros oficiais para Alstedt. Eles convidaram Münzer para que pregasse para eles no castelo e em 13 de julho ele formulou aquilo que foi considerado a expressão vocal pública mais extraordinária da era da Reforma. 

Seu sermão baseou-se em visões apocalípticas do livro de Daniel, Münzer anunciou uma guerra iminente entre as forças do Diabo e a Liga dos Eleitos que conduziria ao milênio, e apelou aos príncipes visitantes para que se juntassem ao exército de santos. Ele visava uma nova reforma tendo como sua capital a pequena cidade de Alstedt, dali a palavra se esparramaria, primeiro pela Saxônia, depois por toda a Alemanha, e finalmente por todo o mundo. Seria um reino exclusivo de eleitos, alcançado por um método simples -- matar todos os opositores. Ele terminou ameaçando exterminar seus nobres ouvintes se não se juntassem a ele. Nada revelou melhor a turbulência intelectual da época do que o Duque João confiando em Münzer e aceitando suas idéias.

O sermão foi impresso e distribuído. Duque João retornou para consultar o Eleitor Frederico, que no princípio estava preparado para tolerar o fanatismo de Münzer, desde que seu fanatismo não se convertesse em ações. Münzer persistiu acossando tanto Lutero como os governantes. Ele foi chamado até Weimar, onde proclamou ser o líder do final dos tempos, e onde sua linguagem sanguinária tornou-se ainda mais extremada. Ele voltou a Alstedt, ainda confiante da vitória sobre a corte saxônica. Frederick, Duque João, e Lutero começaram a exercer pressão no conselho de Alstedt para que o expulsassem da cidade. Repentinamente, na noite de 7 de agosto de 1524, ele saiu de Alstedt, deixando para trás sua esposa, seus filhos e todas suas posses. 

Münzer passou o outono e o inverno viajando, primeiro para Mühlhausen, onde o militante anabatista Henry Pfeiffer organizara sua Liga dos Eleitos visando assumir a cidade. Münzer imediatamente assumiu a liderança de Pfeiffer, sobrepôs seu próprio programa apocalíptico, organizou uma manifestação, e tentaram tomar a prefeitura e o conselho da cidade. Os nobres, juntamente com uma companhia de soldados mercenários, dispersaram a multidão e expulsaram Münzer e Pfeiffer. 

Münzer foi até Nuremberg visitar seu amigo João Hut, que publicou o panfleto mais violento, incoerente, e abusivo de Münzer contra Lutero, uma expressão de ódio histérico e contínuo. As autoridades de Nuremberg confiscaram e destruíram quase todas as cópias, apreenderam a impressora, e expulsaram Münzer e Pfeiffer. Münzer foi para a Suíça em busca de aliados entre os Irmãos Suíços, nessa oportunidade visitou João Oecolampadius, um reformador ortodoxo zwingliano. Ele também visitou Balthasar Hübmaier em Waldshut na fronteira com a Alemanha, um líder anabatista ligeiramente menos militante do que Münzer, tudo isso na busca de aliados, em toda parte, na tentativa de levantar as pessoas para a sua revolução. Todavia ele não conseguiu impressionar nem os líderes nem as pessoas, o máximo que conseguiu foi chocar profundamente os pacíficos Irmãos Suíços. Münzer retornou a Mühlhausen. Pfeiffer já retornara e os radicais controlavam a cidade. Münzer revitalizou e armou sua liga, expeliu os oponentes, e estabeleceu oficialmente um novo conselho no qual tanto ele como Pfeiffer recusaram pertencer. Nesse meio tempo a Revolta dos Camponeses já havia alcançado a Thuringia, e Münzer estava pronto, não apenas para juntar-se a ela, mas também para assumi-la. 

Embora Münzer fosse muitas vezes chamado de herói das Revoltas Camponesas, devemos entender que, na verdade, ele nada teve a ver com elas. A revolta em Mühlhausen foi uma ação completamente separada e com objetivos bastante diferentes. Como a Reforma procedeu destruindo relações econômicas e sociais do feudalismo, os camponeses da Alemanha assumiram a postura de Lutero como favorável à liberdade econômica, uma sociedade de fazendeiros independentes e de trabalhadores livres. A velha relação social começava a despencar — desde o topo — de tal forma que os nobres e magnatas iniciaram uma servidão forçada aos camponeses, uma condição bem diferente dos camponeses medievais que tinham direitos e deveres. A servidão pós-Reforma em muito se assemelha à versão Russa, uma condição servil muito próxima à escravidão. 

Na medida em que as classes dominantes fechavam o cerco, os camponeses de todo o sul da Alemanha começaram a se rebelar. Desde o princípio do século dezesseis todos os anos em algum lugar eclodiram revoltas esporádicas, normalmente sob a liderança do soldado Joss Fritz, e pela difusão de uma organização secreta chamada no princípio de Bundschuh e depois de Pobre Konrad. Estas não foram pequenas revoltas, mas batalhas que envolviam algo em torno de cinco mil camponeses armados. Em 1525 as ações locais e revoltas se fundiram em uma completa guerra no Tirol, Áustria e sudoeste da Alemanha. 

Antes desse tempo, Lutero, que tinha permanecido originalmente neutro, culpando tanto camponeses como governantes, passou a denunciar os camponeses e incitar a nobreza para a matança, em uma linguagem tão desenfreada quanto a de Thomas Münzer. “Só há uma maneira do sr. povinho fazer sua obrigação", disse Lutero, "constrangendo-o pela lei e pela espada, prendendo-o em cadeias e gaiolas, da mesma forma que se faz com bestas selvagens . . . melhor a morte de todos os camponeses do que a morte dos príncipes . . . estrangulem os rebeldes como fariam com cães raivosos”. E quando a rebelião foi suprimida através de um massacre total, Lutero disse "que todo seu sangue recaia sobre mim", procedendo uma justificação teológica à nova servidão. 

As demandas dos camponeses eram simples, consistentes, longe de milenarismos, raramente religiosas, e certamente não comunistas. Eles reivindicavam a abolição do que restara do feudalismo e das novas medidas que os lançava na servidão, o desestabelecimento da Igreja, uma drástica redução de taxas, o restabelecimento de direitos comuns nos pastos, bosques, e liberdade de caça e pesca. Não havia nada de subversivo na nova ordem social inaugurada pela Reforma. Pelo contrário, era o retorno a um capitalismo semi-feudal, o esmagamento da Revolta dos Camponeses, o que assegurou o desenvolvimento alemão por trezentos anos. 

Thomas Münzer não estava interessado nos problemas práticos dos camponeses e proletários. Em todos os seus escritos ele não mostra nem mesmo qualquer evidência de estar atento a eles. Seu interesse estava apenas no milênio, e em seu retorno a Mühlhausen ele dedicou-se febrilmente a essa idéia. Münzer enviou mensageiros em todas as direções para juntar forças onde quer que a Liga dos Eleitos tivesse membros, ou onde Münzer formasse grupos de discípulos. Alstedt, Zwickau, Mansfeld, foram chamadas para compor as tropas. Da mesma forma que Tabor, um século antes, os revolucionários puseram-se a caminho quando chegaram as notícias de Mühlhausen. Nicholas Storch chegou encabeçando seu próprio pequeno exército. Naquele momento Münzer, Pfeiffer, e Storch podem ter apresentado a comunidade de bens coletivos, entretanto é impossível determinar se isso ocorreu na forma de um comunismo de assédio, ou simplesmente na forma de comunismo de cidade sitiada. Esse assunto apenas é mencionado na passagem da confissão final de Münzer. 

Durante a primeira semana de maio o exército camponês, entre oito e dez mil, se reuniu em Frankenhausen, que tinha sido tomada por revolucionários de Mühlhausen. Em onze de maio Münzer chegou ao acampamento camponês e começou a organizar o exército do apocalipse. É importante destacar que ele trouxe apenas trezentos de seus próprios seguidores de Mülhausen e que Pfeiffer tenha ficado para traz, opondo-se à aliança da cidade do apocalipse com o exército de camponeses. Enquanto isso o Duque João, que havia se tornado eleitor pela morte de seu irmão em quatro de maio, e outros príncipes das vizinhanças levantaram um exército sob o comando de Filipe, proprietário de terras em Hesse, que imediatamente marchou para Mühlhausen. 

No dia 15 Filipe atacou com cerca de cinco mil artilheiros e dois mil cavaleiros, os camponeses não tinham nada disso. Filipe propôs paz se entregassem Münzer; mas após uma resposta emotiva do próprio Münzer -- dizendo que pegaria as balas de canhão com seu capote, que aqueles que tivessem fé completa seriam imunes às balas, que apareceria um arco-íris (símbolo de sua bandeira) no céu -- os camponeses recusaram. Enquanto o exército camponês cantava "Veni Sancte Spiritus" a artilharia de Filipe abriu fogo forçando os camponeses a recuar abrindo o flanco à cavalaria enquanto que a infantaria atacava pelos outros dois lados. Completamente cercados, os camponeses foram feitos em pedaços. Foram mortos cinco mil no campo de batalha, seiscentos capturados, o restante fugiu para as florestas da Thuringian. O exército de Filipe perdeu seis homens. 

No momento em que o ataque começou Münzer correu para longe escondendo-se em um sótão em Frankenhausen. Os soldados o descobriram deitado em uma cama com a cabeça coberta. Ele dizia ser um homem doente e que não tinha nada a ver com a revolta; como recusava mostrar seus documentos foi descoberto. Ele foi levado à presença de Filipe e depois ao seu inimigo, o Conde Ernesto de Mansfeld, que o torturou a maior parte da noite. Pela manhã Münzer assinou uma confissão onde nomeava todos seus confederados e proclamava ter iniciado sua carreira revolucionária num grupo secreto em Halle quando era garoto. 

Em 24 de maio um exército do Duque capturou Mühlhausen que implorando clemência não ofereceu nenhuma resistência. Em 26 de maio Pfeiffer e a maioria dos membros do "conselho eterno" foram decapitados, Münzer foi decapitado em praça pública. Münzer retratou-se e recebeu comunhão de acordo com o rito católico mas não conseguiu se lembrar do Credo de Niceia. Pfeiffer recusou e morreu desafiante. A cidade de Mühlhausen foi multada em quarenta mil gulden (mais de meio milhão de dólares). Seu estatus de cidade livre foi abolido e nunca mais recuperou sua prosperidade. 

A batalha de Frankenhausen marcou o fim da Revolta dos Camponeses, embora os anos seguintes tenham sido dedicados a operações de rescaldo, julgamentos, execuções, e massacres secundários de camponeses desmoralizados por toda parte do sul da Alemanha e da Áustria. Lutero publicou um panfleto exultante, A Terrivel História e o Julgamento de Deus para com Thomas Münzer. Os documentos de Münzer ficaram em poder de Filipe de Hesse e de George da Saxonia que depositou-os nos arquivos de Marburg, Dresden, e Weimar. 

Quatro diferentes Thomas Münzers sobreviveram na história. Para os protestantes ortodoxos suas conclusões lógicas foram que ele seria um típico anabatista que não fez outra coisa senão empurrar suas doutrinas de sectarismo radical. Mas para os anabatistas cuja maioria sempre foi pacifista, seu pacifismo foi ainda mais intensificado devido a Münzer e a comuna de Münster alguns anos depois. Assim eles o repudiaram como um completo e lunático fanático sem nenhuma real conecção com o corpo principal do movimento. Para os historiadores católicos romanos Münzer simplesmente operou dentro das inevitáveis conseqüencias do individualismo protestante, e Mühlhausen foi apenas mais um exemplo ligeiramente mais extremo da Reforma atacando a lei e a ordem. Em 1850 Friedrich Engels publicou The Peasants' War in Germany e Münzer tornou-se um santo revolucionário, uma posição que ele nunca abandonou. Os historiadores marxistas o qualificam de ideólogo da Guerra dos Camponeses, o primeiro político cosmopolita. Engels disse que a filosofia religiosa de Münzer tocava o ateísmo e que seu programa político tocava o comunismo. Karl Kautsky em sua obra Communism in Central Europe at the Time on the Reformation e Ernst Bloch em Thomas Müntzer als Theologe der Revolution, ambos retratam Münzer como um plenamente desenvolvido, embora primitivo, ideólogo do comunismo revolucionário. Ele é um herói popular na Alemanha Oriental. Muitos livros foram escritos sobre ele, ruas e praças receberam seu nome. A versão de Engels da história de Münzer é ensinada para educar as crianças, e foram impressos selos onde aparece seu rosto. Em recentes anos pesquisas em fontes que Engels desconhecia tornaram possível desenhar um quadro bastante preciso do real Thomas Münzer. 

Münster 

Embora seja bem provável que a maioria dos primitivos líderes da Reforma radical se opusessem ao batismo infantil, apenas após 21 de janeiro de 1525, que o primeiro rebatismo de um adulto foi executado no círculo dos Irmãos Suíços em Zurique, quando seu líder, Konrad Grebel, batizou Georg Blaurock, um exato contemporâneo do começo da revolução em Mühlhausen. Em alguns anos todos que tomaram parte disso seriam martirizados, mas os Irmãos Suíços permaneceram pacifistas comunitários, sobrevivendo e provendo a primeira imigração menonita para a América. Desde os primeiros anos eles pregaram uma comunidade apostólica de bens coletivos. Na prática, em parte porque tratava-se de um movimento urbano de pessoas empregadas, tal comunalismo usualmente tomava a forma de pobreza voluntária e de um fundo comum. Eles eram milenaristas, mas não como Lutero, Zwinglio, ou Calvino. O fim do mundo estava próximo, mas sua chegada não era tão eminente; e seu milenarismo tomava a forma de uma escatologia ética — “Viva como se o mundo fosse terminar amanhã, procedendo como membro da raça humana”, que é na realidade a moralidade do Sermão do Monte. 

Depois da queda de Frankenhausen, o violento milenarismo de Thomas Münzer se espalhou de norte a oeste dos Países Baixos e pelas regiões da Alemanha onde se falava o dialeto plattdeutsch. O livreiro e impressor itinerante Hans Hut escapou da batalha e esparramou o evangelho da revolta pelo sul da Alemanha, mas acabou sendo pego e imediatamente executado. Pequenos grupos comunais milenários se levantaram em algumas partes no sul da Alemanha mas logo foram suprimidos. Muitos deles, como os conduzidos por Augustine Bader, rejeitaram todos os ritos e sacramentos, possuindo todas as coisas em comum, e vivendo de acordo com a orientação do grupo religioso Luz Eterna, aguardando o fim do mundo. O líder mais importante foi Melchior Hoffmann, um sócio de Münzer em seus primeiros dias. Ele tornou Strassburg sua sede, mas a influencia de seu ensino se esparramou como uma atividade de missão organizada, tanto ele como seus discípulos exerceram forte influência por toda a Alemanha. Ele era principalmente milenarista, e os melchioritas apenas adotaram o batismo de adultos como um símbolo para marcar o corpo do eleito. Embora ele não acreditasse pessoalmente em implantar o reino pela violência, seus seguidores tornaram-se mais e mais revolucionários. Simultaneamente as medidas repressivas tornaram-se ainda mais severas. O fervor escatológico de Hoffmann desafiava o risco de prisão ou morte, não excluindo uma violenta revolução. Mas em 1533 às vésperas do estabelecimento da Nova Jerusalém em Münster, Hoffmann foi aprisionado em Strassburg passando 10 anos de sua vida na prisão. 

Münster era um dos muitos pequenos estados eclesiásticos no noroeste da Alemanha sob o governo dos príncipes bispos, que na realidade freqüentemente eram leigos. Uma cidade com um importante comércio, sofrendo uma grave e crônica tensão entre os desejos dos príncipes bispos e o conselho de comerciantes e líderes de agremiações. Münster tinha recentemente passado por uma época de inundações, pestes, escassez local, e conflito de classes resultante da Revolta dos Camponeses no sul; mas apesar destes problemas, emergira uma quantia considerável de civismo democrático, com o poder nas mãos do conselho da cidade. 

O líder religioso mais influente da cidade foi Bernt Rothmann. De 1531 até 1533 ele constantemente se movia do catolicismo evangélico para o luteranismo, da doutrina de Zwinglio do repúdio à real presença de Cristo no pão e no vinho, para a simpatia com os melchioritas e os apóstolos do grupo Luz Eterna. Até o último momento ele teve o apoio do conselho da cidade, e a cidade tornou-se oficialmente protestante com a Igreja Católica limitada à catedral, monastérios, e conventos. 

Mas quando Rothmann e seus seguidores recusaram batizar as crianças que eram apresentadas na igreja, o conselho se rebelou e exilou-os da cidade, substituindo-os por luteranos ortodoxos. Porém, enquanto isso, a cidade estava sendo invadida por pregadores melchioritas dos Países Baixos, discípulos vagantes de Thomas Münzer e outros militantes sectários. Rothmann recusou partir e um mês depois — em janeiro de 1534 — ele reassumiu o controle, com os católicos da catedral e os luteranos permitindo-o pregar na igreja de São Lambert. 

A cidade tinha sido visitada no outono anterior por Jan Bockelson (João de Leyden), que retornou à Holanda com excitantes notícias de que o reino dos eleitos estava próximo de ser estabelecido em Münster. Jan Mattys, o líder melchiorita em Amsterdam, teve uma revelação — de que Melchior Hoffmann tinha compreendido mal suas próprias visões, e que Münster, não Strassburg, fora destinada a ser a Nova Jerusalém. No início de janeiro de 1534 dois apóstolos de Amsterdam, enviados por Mattys, foram até Münster e imediatamente rebatizaram Rothmann, o sócio de Henry Rol, e vários outros clérigos. Nos próximos oito dias Rothmann e outros batizaram mil e quatrocentos cidadãos em cerimônias privadas em suas casas. Pouco tempo depois, chegaram o próprio Mattys e Bockelson, pregando o mais militante chiliasmo e exigindo uma completa reorganização da comunidade; eles converteram Rothmann e seus seguidores, inclusive o prefeito, Bernard Knipperdolling. 

O conselho da cidade tentou resistir. O bispo juntou uma força de mercenários da vizinhança e ofereceu ajuda, que o conselho rejeitou, mas os cidadãos em massa publicamente forçaram o conselho a renunciar. Uma nova eleição foi feita e Knipperdolling, um rico comerciante de tecidos foi eleito como prefeito. Knipperdolling fora discípulo de Sebastian Franck e, mesmo antes do levante anabatista, ele fora, por ordem direta do rei, proibido de pregar a Reforma radical. Logo Bockelson se casou com Klara, a filha de Knipperdolling, e tanto ele como Mattys assumiram o completo controle da cidade. Dali em diante Rothmann dedicou-se a trabalhar principalmente como teólogo e apologista do movimento. Aparentemente, ele teve uma premonição de um futuro apocalíptico pois advertiu um amigo seu para aceitar um compromisso em outro lugar fora de Münster, pois, disse ele, "as coisas não irão bem por aqui". 

Mattys começou a instituir uma comunidade de bens coletivos e solicitou todas as riquezas em dinheiro, jóias, e metais preciosos para serem trazidas para um fundo comum. O conselho lutou resistindo e aprovou por estreita maioria uma ordem de expulsar os pregadores radicais da cidade. Os radicais foram escoltados a um portão da cidade e foram despejados, eles rodearam o muro, e entraram por outro portão, onde foram recebidos e colocados de volta a suas igrejas por uma multidão solidária; de cima do púlpito passaram a denunciar as hordas do Anticristo. Católicos, Luteranos, e pessoas neutras que desejavam evitar problemas começaram a fugir da cidade. Os habitantes, metade da população original, foram substituídos por santos entrantes. Mattys tinha enviado pregadores por toda parte dos Países Baixos e Baixa Alemanha para recrutar cidadãos para sua Nova Jerusalém, proclamando para que viessem rapidamente, desembaraçando-se de suas posses, pois lá havia suficiente para todos os eleitos. Os monastérios e as igrejas já haviam sido pilhadas quando Mattys, prevendo futuras pilhagens, confiscou toda propriedade privada daqueles que haviam fugido da cidade. Os depósitos de alimento foram declarados propriedade pública, todas as lojas particulares foram confiscadas e posteriormente transformadas em postos de livre distribuição. As casas também foram declaradas propriedade pública, mas foi permitido às famílias permanecer nelas contanto que as portas fossem mantidas abertas de dia e de noite. 

Como resultado de toda essa agitação, o príncipe bispo ficou completamente desprovido de dinheiro, pois a riqueza da Igreja era extraída da própria cidade. Ele perdeu todo seu crédito. A nobreza protestante não estava interessada em restabelecer um senhor católico e a nobreza católica era principalmente imperialista e o Império durante anos tentara tomar o controle de Münster. Na realidade desde os primeiros dias o imperador tinha enviado uma oferta de apoio à comuna de Münster. Com o fato da revolução social, o príncipe bispo pode angariar alguns empréstimos de alguns governantes e nobres da vizinhança para contratar mercenários e, embora temeroso no princípio, tentou investir sobre a cidade. A perspectiva de vida relativamente longa na comuna de Münster deveu-se principalmente ao acaso, por causa de suas ligações com a Revolta dos Camponeses. O Império entrara em colapso e não havia nenhuma entidade política como a Alemanha, relegada a uma imensa quantidade de querelas jurídicas. As velhas coletas feudais eram impossíveis de ser feitas e os príncipes só poderiam confiar em exércitos de mercenários e em estruturas tiradas do meio da nobreza que se sentia diretamente ameaçada. Os conflitos imperiais e religiosos tornaram as alianças difíceis de serem formadas e impossíveis de serem mantidas. Estados bem organizados como a França e a Inglaterra daquela época, teriam sido capazes de mobilizar forças necessárias para controlar rapidamente cidades como Münster restabelecendo a ordem dominante e esmagando a revolta. 

Embora a ajuda do Príncipe Bispo Franz von Waldek demorasse a chegar, os governantes foram bem rápidos em suprimir os anabatistas em seu próprio território através da mais completa brutalidade. Em Amsterdam todos os participantes de uma tentativa para tomar a prefeitura foram executados, da mesma forma revoltas semelhantes foram contidas em outros lugares. Depois que Bernt Rothmann chamou todos os anabatistas para vir até Münster, grandes multidões começaram a se dirigir à cidade. Eles foram caçados nas estradas, assassinados, ou aprisionados. Três mil homens, mulheres e crianças que tentavam vir pelo mar foram capturados e devolvidos aos Países Baixos. A matança indiscriminada teve que ser interrompida pelo temor de despovoar o país. A despeito dos contínuos ataques aos anabatistas, eles constituíam um número surpreendente. A população da cidade foi completamente alterada. Depois que aqueles que recusavam o batismo de adultos se retiraram, os novos habitantes se tornaram maioria. Outra maioria igualmente significante foi a população feminina que possivelmente chegou a compor dois terços da população, transformando as ruas e praças durante o dia e durante a noite em um contínuo reavivamento pentecostal, gritando, dançando, cantando, esvoaçando seus cabelos soltos, e caindo em transes pelas ruas. 

Mattys teve uma súbita visão de um banquete cerimonial que havia se tornado uma parte essencial no culto de Münster, no outro dia enviou um punhado de voluntários para atacar o exército do príncipe bispo. Jan Bockelson imediatamente tomou o poder executivo. Ele dissolveu o novo conselho por haver sido escolhido por homens em vez de por Deus que agia através dele; e designou um gabinete subordinado a Bockelson, simbolizando os doze anciãos das tribos de Israel. Em seu nome ele emitiu um novo código de leis que abrangia praticamente todos os crimes, contravenções, faltas, defeitos de caráter de gravidade capital, desde a traição e adultério até responsabilidades que atingiam os pais da pessoa. Uma vez estabelecida a lei também foi estabelecida uma política para obrigar seu cumprimento, Bockelson introduziu a poligamia, sem ouvir nem mesmo as recomendações contrárias de seu próprio gabinete. Quarenta e oito dos principais cidadãos se revoltaram e o prenderam, mas a população libertou Bockelson e os quarenta e oito foram mortos. Após algumas outras execuções, a poligamia foi estabelecida. Eventualmente Bockelson adquiriu quinze esposas e Rothmann nove. 

Nesta época Bockelson, com uma extraordinária ingenuidade, abriu negociações com Filipe de Hesse e com o Imperador Carlos V. Este último respondeu enviando um emissário para que se encontrasse com Rothmann. As negociações fracassaram. Depois de uma drástica derrota das forças sitiantes quando tentaram invadir a cidade, em um triunfal banquete massivo, Bockelson coroou-se a si mesmo como Rei do Povo de Deus e Governador da Nova Sião. Daí para a frente ele sempre aparecia em estado cerimonial, em roupões reais feitos dos vestuários religiosos mais suntuosos, segurando uma maçã dourada perfurada por duas espadas, e ostentando uma coroa que simbolizava seu governo no mundo, sempre precedido e seguido por espadachins. Knipperdolling sugeriu a si mesmo como líder espiritual enquanto que Bockelson agiria como rei nos assuntos mundanos — os messias sacerdotais e reais depois de David e Melchizedek do apocalipse judaico. Bockelson não recebeu bem essa sugestão e aprisionou Knipperdolling, como isso repercutiu mal ele logo o libertou designando-o como mestre de cerimônias, na realidade um sub-comandante.

Em 13 de outubro Bockelson convocou toda população para uma assembléia na praça da catedral, para que depois marchasse para fora para subjugar os sitiadores e desse boas vindas ao imaginário exército de anabatistas que estava vindo dos Países Baixos. Quanto todos se concentraram ele anunciou que se tratava de um teste de lealdade e convidou-os todos para um grande banquete messiânico. Foram fixadas mesas pela praça e toda população alegrou-se, dançou e cantou enquanto o rei, a rainha e os conselheiros os serviam, ao final foi distribuído pão e vinho santificado em sagrada comunhão. Quando Bockelson anunciou sua abdicação, Jan Dousentschuer, o profeta de plantão, imediatamente teve uma comunicação com a deidade que proibia a abdicação, e cerimonialmente ungiram e coroaram Bockelson novamente, enquanto o povo reunido festejava. 

Antes que se tornasse um líder religioso, Jan Bockelson tinha sido escritor de concursos e peças religiosas, e ele disse que havia planejado e organizado a comuna de Münster como um melodrama religioso. Certamente ele proporcionou às pessoas bastante esplendor nas cerimônias de sua corte: encontros religiosos ao ar livre, comunhão, banquetes messiânicos, e jogos, trata-se de uma situação revolucionária mesmo baseada no misticismo medieval e em milagres. Um de seus atos mais importantes foi difundir a distribuição de bens e de comida, e o mais importante, introduzir o comunismo de produção. Os membros da guilda cujo trabalho era essencial à vida da comunidade foram ordenados para trabalhar sem salário e contribuir com seus produtos ao depósito de bens os quais todos poderiam dispor livremente de acordo com a necessidade. Todo esse programa parece ter funcionado com pouca resistência. Algumas pessoas foram executadas por acúmulo e algumas mulheres por se oporem às práticas poligâmicas — ele próprio decapitou uma de suas esposas — mas sobretudo por se objetarem às suas medidas comunizantes. Muitas de suas execuções parecem ter sido incentivadas pelo seu gosto pela decapitação. Ele possuía uma concepção folclórica de realeza — um rei deve constantemente gritar "arranquem a cabeça dele!". Esta atitude naturalmente foi compartilhada pela maioria da população. Na realidade toda a ideologia de Münster que emerge dos documentos é carregada de folclore, uma combinação de lendas apócrifas do judaísmo, contos camponeses dos irmãos Grimm, e lendas da Idade Média, tudo sob o pano de fundo da teologia anabatista que não exerce um papel exclusivo. Durante o outono e o inverno lentamente von Waldek juntou dinheiro, aliados, e mercenários, apertando o assédio e aumentando ainda mais o cerco. Foram despachados emissários para pedir ajuda mas todos eram pegos e executados, exceto um, Henry Graess, que virou traidor e revelou o plano de mobilização efetuado para obter suporte de forças anabatistas. Poucos responderam. O próprio Graess que já havia retornado a Münster foi julgado e decapitado. 

Antes da primavera a cidade passava fome. Em junho de 1535 começou a escassez. As mulheres e crianças, com exceção da Rainha Divara e alguns outros, e os homens mais velhos, foram enviados para fora da cidade. Von Waldek recusou que atravessassem suas linhas e permaneceram cercados entre os muros e o exército sitiante até que a maioria morresse. Este ato de extraordinária crueldade foi executado sob as ordens específicas do arcebispo de Colônia que von Waldek tinha convidado para seu conselho. 

Parecia que Münster iria se render durante o verão quando de repente dois homens, Hans Eck e Henry Gresbeck, escaparam da cidade e atravessaram as fileiras do príncipe bispo. Depois de uma batalha de intensidade diabólica que durou todo o dia a cidade caiu e o exército invasor arrasou a cidade matando a maioria de seus habitantes. Bockelson, Knipperdolling, e Bernard Krechting, principais conselheiros do rei, foram capturados. Rothmann desapareceu e nunca foi encontrado, nem vivo, nem morto. Durante seis meses os três líderes desfilaram pelo país afora dentro de gaiolas. Até que foram devolvidos a Münster, julgados, condenados, e literalmente torturados até a morte. Depois seus corpos foram colocados em gaiolas e dependurados na torre da igreja de Santo Lambert, onde permaneceram até o fim do século dezenove, quando a torre foi reconstruída e as gaiolas substituídas. Assim terminou a única comunidade comunista a ser estabelecida em um estado regular até a Revolução Russa — pelo menos na civilização Ocidental. 

Thomas Münzer permanecera apenas alguns dias em Mühlhausen, e é duvidoso se qualquer uma das medidas comunizantes propostas por ele e Pfeiffer tivessem resultado efetivas, além do mais tais medidas eram centralizadas em sua política milenarista. A resistência incrivelmente longa de Münzer deveu-se a vários fatores. Tanto Burgomaster Knipperdolling como João de Leyden foram notáveis políticos qualificados e organizadores, com toda sua fantástica linguagem e cerimoniais, Rothmann foi um apologista de uma inteligência incomum. Eles não tiveram escrúpulos de fazer uso do mais extremo terror. Não apenas mantendo os rebeldes fora de circulação, como unificando e convencendo a maioria da população a consentir isso. 

O comunismo não foi um incidente no milenarismo de Bockelson, nem foi um mero "comunismo de assédio”. O comunismo de Bockelson foi central. O batismo em massa de adultos propiciava nos membros uma convenção e a comunhão em massa mantinha-os juntos. Os sacramentos não eram o principal. O principal estava na comunidade onde as coisas eram compartilhadas. Cada esforço era feito para intensificar este senso de comunidade. A vida ela melodramatizada. Concursos, execuções, grandes banquetes messiânicos, até mesmo o próprio assédio contribuiu à exultação. Se a vida em Tabor foi exaltada, a vida em Münster por mais que seus participantes fossem estáticos e encantados, havia um contínuo ágape. Havia pouca chance para pausar e lembrar de si mesmo. Até mesmo o anabatista mais convicto necessitaria apenas de alguns dias de pausa para suspeitar que não estava em nenhuma Jerusalém divina mas que se tratava de uma armadilha em que foi pego. A poucos foi permitido um tempo para reflexão. Eles foram varridos por um tremendo fervor revolucionário aumentado pelo mito. 

Houve ganhos positivos a serem considerados a partir da experiência de Münster, mas poucos deles foram percebidos. O mais importante foi precisamente a manifestação da comuna revolucionária através de um culto dramático, cerimonial. Algo que os revolucionários do futuro raramente estariam preparados para admitir. Apenas Robespierre na plenitude de seu poder e os bolcheviques nos primeiros anos da Revolução e da Guerra Civil conscientemente adotaram tal conceito ou prática. Indubitavelmente haveria coisas a serem aprendidas da economia política real de Münster mas nada sabemos sobre esse assunto. Porém, um número surpreendente de pessoas escapou para retornar posteriormente na forma de grupos comunais pacifistas provavelmente trazendo consigo alguns benefícios práticos de sua experiência. 

O anabatismo jamais seria capaz de sobreviver em Münster. Desde o começo as perseguições foram grandemente intensificadas. A descoberta de um grupo anabatista, não importa o quão pequeno fosse, era recebido com horror pelas autoridades e os sócios eram freqüentemente executados sem as mãos. Não obstante o movimento foi suficientemente grande em seu início, considerando o grande número que fugiu de Münster para voltar depois; nos anos posteriores se espalhou pelo estrangeiro crescendo de forma espantosa. Essa histeria política se assemelhou um pouco à histeria macartista que varreu o século XX em toda a Europa. As autoridades viam anabatistas em toda parte e qualquer encontro ortodoxo não católico, luterano ou calvinista era imediatamente rotulado de anabatista. Os eclesiásticos ingleses estavam convictos de que todo o sul e oeste da Inglaterra estava enxameado de anabatistas. A verdade é que se havia alguns eram bem escassos, quando descobriam um punhado de imigrantes alemães e holandeses estes eram presos, exilados ou executados. Como ocorreu com o próprio movimento anabatista, Münster tornou-se rigorosamente pacifista -- na realidade a maioria dos grupos organizados sempre foram pacifistas. 

Anabatistas, Huteritas 

Durante os quatro anos que se sucederam após a queda de Münster os anabatistas passaram a ser caçados como nunca. Eles já eram perseguidos anteriormente. Agora, protestantes, católicos, e quase todos os estados da Europa Central se uniram para extermina-los. E isto não era uma tarefa pequena. Havia um número significante de anabatistas na Suíça, onde o movimento nascera apenas dez anos atrás; no Tirol austríaco, no lado italiano dos Alpes, na Moravia, Silésia, Danzig, Polônia, sudoeste da Alemanha e a Baixa Renânia, o Vale do Rhone, e Picardia na França; e na Bélgica e Países Baixos onde, até a chegada do calvinismo e a luta pela libertação do Império, o anabatismo era adotado como a principal vertente da Reforma. 

A despeito do grande número de pessoas vindas dos Países Baixos tentando chegar até Münster, a militância quialista nunca caracterizou o anabatismo alemão. A maioria era composta por pacifistas que, mesmo supondo serem milenaristas, já havia iniciado um processo de eterealização desse item de sua fé. A maioria deles foi profundamente influenciada pelo movimento paralelo dos espiritualizadores, que colocaram pouca ênfase no batismo e na sagrada comunhão ou tinham abandonado completamente os sacramentos. Nos anos em que chegaram os espiritualizadores, Sebastian Franck, Caspar Schwenkfeld, Hans Denk, Valentin Weigel, e outros, inclusive Jakob Boehme, eles se tornaram leitura favorita dos anabatistas reorganizados e reformados — que passaram a ser chamados de menonitas. Sob a égide de uma implacável e inexorável perseguição o movimento dividiu-se em três partes: os pacifistas, que recusavam juramentos, o serviço militar, e cargo público, mas que rejeitavam o comunismo; os pacifistas e comunistas; e os militantes chialistas remanescentes que literalmente desapareceriam sob perseguição.

Menno Simons nasceu em Friesland, filho de camponeses, foi treinado para o sacerdócio romano e ordenado em 1524. Desde o princípio pareceu ser um católico evangélico mas logo rejeitou a doutrina da transubstanciação. Seu irmão Peter morreu lutando juntamente com um bando que tentava libertar Münster. Menno ficou profundamente chocado com a violência praticada por ambos os lados em Münster. Na plenitude das perseguições subsequentes ele abandonou seu sacerdócio. Passou a atuar secretamente e gastou o resto de sua vida como um pregador vagante, com a cabeça a prêmio, caçado pelas autoridades, mas sempre protegido pelos crentes. No devido tempo ele transformou o que tinha sido um movimento independente e freqüentemente antagônico em uma igreja ligeiramente organizada -- que incluía tanto comunistas como não comunistas -- mas disciplinada pela excomunhão congregacional -- a "proibição”. 

Menno recolheu e sistematizou a teologia anabatista e embora suas idéias não tenham sido universalmente aceitas elas proveram um núcleo normativo, um núcleo central. Em dez anos os anabatistas em geral passaram a ser chamados de menonitas. Por séculos a proibição foi utilizada, originalmente como um princípio unificador. Os cismas e divisões surgiam na medida da rigidez ou da flexibilidade dessas proibições, divisões bem visíveis hoje por toda a América, que separa as várias tendências. Porém, estas divisões não impediram os menonitas de se apresentarem enquanto frente unida em todo o mundo. 

Em 1577 na medida em que o protestantismo dos Países Baixos ficava mais calvinista e o país batalhava por libertar-se do Império, William de Orange conseguiu, sob sua liderança, imprimir nos Estados Gerais uma garantia de liberdade religiosa ao longo dos Países Baixos, pelo menos lá não houve mais perseguição. Com o passar do tempo os menonitas holandeses tornaram-se ricos, concordaram com parte do establishment, e finalmente permitiram seus sócios aceitar empregos públicos, e em alguns casos, participar na guerra. A tradição comunitária original estritamente pacifista, embora não propriamente comunista, sobreviveria entre os menonitas americanos. 

Mas imediatamente após a queda de Münster não foi fácil aos anabatistas praticarem o comunismo ao mesmo tempo em que eram caçados. Os militantes, sob a liderança de João de Battenberg, um dos líderes que tinham escapado de Münster, atuavam secretamente. Eles não praticavam nenhuma cerimônia pública de batismo, comunhão, ou o ágape mas escrupulosamente compareciam à Igreja Católica. Eles praticavam poligamia da melhor maneira que podiam, compartilhavam em comum os seus bens e aumentavam seu fundo comum pilhando igrejas e monastérios. Battenberg foi capturado e executado em 1538 mas o movimento sobreviveu nos Países Baixos durante outros cinco anos. Aqueles que rejeitavam a poligamia, violência, roubo, e nudismo foram mais ou menos unidos por David Joris, um artista, poeta, e compositor de hinos. O mais estudioso da maioria dos sobreviventes münsteritas, ele foi profundamente influenciado pelas profecias apocalípticas dos "três reinos" de Joachim de Fiore, pelo misticismo de Meister Eckhart, e pelos espiritualistas contemporâneos. Os seguidores de Joris desencadearam uma ativa propaganda no sudeste da Inglaterra. Suas idéias tiveram muito a ver com a determinação do caráter da Reforma radical inglesa dali em diante. Porém, a principal influência foi exercida pelo movimento puramente espiritualista fundado por Henry Nicholas — a Família do Amor. David Joris refugiou-se em Basel e conduziu o seu movimento através de cartas e missionários. Ele foi um dos poucos anabatistas a morrer pacificamente em cima de uma cama, em 1556. Depois de sua morte alguns dos seus seguidores que o acusaram de manter um harém e praticar as mais completas imoralidades, desenterraram e queimaram seu corpo. Pequenos grupos comunistas sobreviveram em alguns países como a Suíça e Países Baixos durante mais uma geração, mas a maioria imigrou por questões de segurança. 

Desde 1528 um santuário comunista estava sendo preparado na Moravia. Em 1526 Jacob Hutter chegou na colônia de Nicolsburg, que estava sob o patrocínio do duas vezes batizado Lord de Liechtenstein. Hutter era um milenarista e comunitarista violento, mas ele também era um "violento pacifista". Ele provocou grandes divisões na comunidade anabatista, um dos seus mais típicos seguidores, Balthasar Hübmaier, no transcorrer destas disputas foi capturado e condenado à morte em Viena em 1528. O próprio Hutter foi testemunhar o martírio, foi quando seu grupo pacifista, comunista, sob a liderança de Jacob Wiedemann e Filipe Yaeger, montou sua própria comunidade. Após uma longa e pacífica discussão, Lord Liechtenstein pediu que partissem. Eles decidiram se mudar para Austerlitz na Moravia, e nas palavras das Crônicas Huteritas: 

Então eles buscaram vender suas posses. Alguns venderam, mas outros permaneceram com o que tinham, e dividiram entre si o que possuíam. O que sobrou de suas posses o Lord de Liechtenstein enviou-lhes posteriormente. Assim Nicolsburg, Bergen, juntaram aproximadamente duzentas pessoas, sem [contar] as crianças diante da cidade [de Nicolsburg]. Algumas pessoas saíram ... tomadas de grande compaixão, mas outros discutiram ... Então eles se levantaram, saíram, e ocuparam ... uma aldeia desolada durante um dia e uma noite, formando um conselho para negociar com o Lord com relação à sua presente necessidade, ordenaram [geordnet] ministros para suas necessidades temporais [dienner in der Zeitlichenn Notdurfft] ... Então os homens estenderam uma manta diante das pessoas, e os homens deram sua contribuição, com o coração aberto e sem constrangimento, para o sustento dos necessitados, de acordo com a doutrina dos profetas e dos apóstolos [Isaías 23.18; Atos 5.4-5]. 

Naquela manta, na primavera de 1528, foram colocadas as bases da sociedade comunista de mais longa vida que o mundo já viu. Leonhardt von Liechtenstein escoltou-os até a fronteira do seu principado e lhes implorou para que ficassem. Ele prometera defender seu refúgio anabatista com seus punhos contra Viena, ao que os líderes responderam, “Mesmo que você prometa recorrer à espada para nos proteger, não podemos permanecer”. Eles enviaram mensageiros para os irmãos von Kaunitz e para os Lordes de Austerlitz, que responderam que o huteritas seriam vem-vindos, mesmo que fossem aos milhares. Depois de três meses de estrada eles foram entusiasticamente recebidos — já havia uma colônia de membros radicais dos Irmãos Boêmios por lá. Em pouco tempo eles construíram casas e começaram a trabalhar seus ofícios e cultivar a terra. Eles trouxeram consigo um programa de doze pontos para um comunismo religioso prático que havia sido desenvolvido por um grupo de anabatistas em Rattenburg, este documento sobrevive nas Crônicas Huterites e em sua primeira constituição. Em pouco tempo os refugiados começaram a chegar da Suíça, dos Países Baixos e especialmente do Tirol. A maioria chegou mais tarde, tanto que hoje o cerimonial é feito em um velho dialeto tirolês, o familiar "pequeno idioma", embora os huteritas tivessem sido forçados a vagar ao longo dos dois hemisférios. 

Durante os próximos cinco anos em toda parte os comunistas anabatistas se envolveram em divisões sectárias e expulsões muito complicadas para serem descritas brevemente; mas em 1533 Jacob Hutter, que tinha sido convidado por vários grupos, inclusive de Austerlitz, como mediador, trouxe seus próprios seguidores do Tirol e inauguraram um movimento de reunião e federação que durante os próximos dois anos congregaram todos ou a maior parte dos anabatistas. No início das perseguições que se abateram sobre a comuna de Münster ele e sua esposa foram capturados e repetidamente torturados. Hutter não sucumbiu, mesmo diante das mais fantásticas crueldades, à tentação de todos os revolucionários de negociar suas doutrinas com seus captores, muito menos de revelar os nomes de seus camaradas, ou qualquer segredo do movimento. Ele permaneceu calado diante daqueles [que julgava ser] agentes do diabo. As autoridades desejaram decapitá-lo em segredo; mas Ferdinando, que era o Arquiduque da Áustria, Rei da Boêmia, e Santo Imperador Romano, recusou. Hutter foi capturado na cidade de Klausen no Tirol, e queimado publicamente em 25 de fevereiro de 1536. 

Depois dos eventos que envolveram Münster, Ferdinando exigiu que todos os anabatistas fossem expulsos dos territórios subordinados ao trono austríaco. Eles foram expulsos de muitos lugares, muitos fugiram para as montanhas e florestas até que a tempestade da perseguição passasse; mas parece que os nobres moravianos lhes deram proteção, e tão logo Ferdinando se distraiu eles restabeleceram suas antigas colônias. Durante estes anos, sob a liderança de João Ammon, os huteritas iniciaram uma atividade missionária na Europa Central. Eles enviaram apóstolos, dos quais quatro quintos foram martirizados, para Danzig, para a Lituânia, para Veneza, e para a Bélgica. 

Um dos mais ativos missionários foi Peter Riedemann, que, tanto dentro como fora da prisão, iniciou o desenvolvimento de uma teologia sistemática e uma ordem social para os huteritas. Com a morte de Ammon em 1542 ele foi eleito líder, embora preso, muito livremente na verdade, por Filipe de Hesse. Incidentalmente, pouco antes disso, os huteritas haviam chamado seus líderes bispos, embora eles tivessem pouca semelhança com os membros do episcopado católico. Leonard Lanzenstiel tinha sido designado por Ammon como seu sucessor e tanto Riedemann como Lanzenstiel compartilharam a liderança até o ano de 1556 quando Riedemann morreu em uma nova colônia em Protzko na Eslováquia, seu lugar foi ocupado por Peter Waldpot, um dos maiores líderes huteritas, que morreu em 1578. 

Uma geração inteira havia se passado, e o comunismo anabatista tornara-se uma política bem sucedida, próspera, com raras turbulências, exceto por uma ou outra contingência sectária, expandindo colônias periféricas na Eslováquia e Boêmia. O núcleo do movimento, diretamente administrado por Waldpot, contava com algo em torno de trinta mil adultos. Desde o princípio em Austerlitz eles tinham percebido que um comunismo de consumo não era bastante e passaram a organizar seminários, pequenas fábricas de artesãos, e passaram a trabalhar com brigadas e fazendas comunais, com manuais detalhados para os diferentes ramos. Eles estabeleceram suas próprias escolas (as primeiras escolas maternais e jardins da infância) com graduações além da adolescência. O ensino superior foi rejeitado, como é até hoje, como desnecessário ao bem-estar da comunidade, por distrair do amor de Deus e do amor ao próximo. Mas suas escolas elementares foram as melhores na Europa de seu tempo. O cuidado das crianças foi socializado. As crianças normalmente moravam nas próprias escolas e eram visitadas pelos seus pais. Cada colônia huterita tinha um programa ativo e cuidadoso de saúde pública. As aldeias não apenas estavam constantemente limpas como sua higiene e serviço de saúde pública eram inigualáveis. Os matrimônios aparentemente eram organizados com a colaboração dos anciões, da comunidade, e dos indivíduos em geral, e geralmente tinham muito êxito. De todos os grupos anabatistas, não importa se fossem comunistas ou pacifistas, a história dos huteritas é singularmente livre de escândalos sexuais.

Com um sistema de produção e distribuição muitas vezes melhor organizado do que qualquer outra coisa na ocasião, as colônias cresceram ricas. Embora acreditassem individualmente em viver uma "pobreza decente" eles logo acumularam consideráveis excessos na produção, particularmente depois que as colônias permitiram vender seus produtos aos gentios. Estes excessos foram investidos em importantes melhorias e para subsidiar novas colônias, uma necessidade, como ainda é hoje, por causa da alta taxa de natalidade, e baixa taxa de mortalidade, naqueles dias devido à sua exemplar saúde pública. Os huteritas haviam descoberto uma dinâmica, contínua e expansiva economia do tipo que Marx mais tarde diagnosticaria como a essência do capitalismo, tratava-se de uma economia capitalista mas estava baseada em um nível muito alto de prosperidade para o camponês, a fonte de sua acumulação de capital. Em outras palavras, os huteritas em sua pequena sociedade fechada resolvia a contradição na acumulação do capital e da circulação que de formas diferentes maltratam os russos e os americanos hoje. 

A idade de ouro dos huteritas durou até 1622, quando os nobres da Morávia, que haviam sido seus protetores, foram forçados pela Igreja e pelo Império a expulsá-los de suas propriedades. Eles se espalharam, encontrando refúgio na Eslováquia, Transilvânia, e Hungria. Este molestamento aumentou durante a Guerra dos Trinta Anos quando os imperialistas conseguiram obliterar a Igreja Utraquista da Boêmia e dirigir secretamente os Irmãos Tchecos. Pelo século XVIII o comunismo de produção necessariamente tinha sido abandonado e a comunidade de bens coletivos só foi praticada na forma de um fundo de bem-estar comum, mas os huteritas preservaram seus costumes tradicionais e sua forma de adoração.

Em 1767 foi emitido um decreto, sob a égide dos Jesuítas, que implicava na captura de todas as crianças huterites na Hungria, inclusive a Transilvania; as crianças seriam tomadas de seus pais e internadas em orfanatos. Os huteritas fugiram para a Romênia e viram-se a si mesmos bem no meio da Guerra Russo-turca. Em 1770 a Imperatriz Catarina convidou os Pietistas Alemães e anabatistas a se instalarem na Ucrânia para que ficassem lá o tempo que quizessem. Eles se desenvolveram, degradaram, reavivaram, até que emigraram para os Estados Unidos e finalmente Canadá, onde floresceram como nunca antes. Retornaremos a eles quando voltarmos a discutir o comunalismo moderno, dos quais eles são incomparavelmente os mais bem sucedidos praticantes.

Durante a última metade do século XVI houveram sobreviventes isolados e esporádicos reavivamentos comunistas entre grupos de anabatistas e espiritualistas. A comunidade de bens coletivos permaneceu como um ideal apostólico entre os Irmãos Suiços e os Irmãos Tchecos cuja prática ressurgiu temporariamente quando alguns deles migraram para a América. Houveram colônias comunistas na poderosa Igreja Unitária da Transilvânia.

A única comunidade que pode ser comparada com as comunidades huteritas foi a de Rakow em Little Poland a noroeste de Cracóvia. Fundada em 1569 por Gregory Paul, atraíu anabatistas, espiritualistas, e líderes unitários de toda parte da Polônia, Prússia, Lituânia, Silesia, e Galícia, toda a região nordeste da Europa Central daqueles dias, antes da Contra-Reforma, parecia estar aderindo à Reforma radical. Uma das características mais notáveis da Reforma radical nesse território foi o grande número de nobres que se converteram, libertando seus servos, vendendo suas terras, distribuindo seus bens aos pobres, e tomando parte como iguais no comunismo de Rakow — nessa ordem de frequencia. Quer dizer, muitos apenas libertaram seus servos, e apenas alguns vieram a Rakow, entretanto um bom número dos nobres mais poderosos foram simpáticos ao anabatismo. 

Os rakovianos enviaram uma delegação aos huteritas da Morávia,propondo se afiliar com eles e aprender seus métodos. Os rakovianos ficaram impressionados pela eficiência e prosperidade huterite, mas rejeitaram seu trinitarianismo, e ficaram ofendidos pela suposta arrogância, intolerância e vaidade que viram neles. Neste momento, a julgar pelo testemunho polonês, os huteritas acreditavam que “aquele que possui uma casa, terra, ou dinheiro, e não entrega essas coisas à comunidade, não é um cristão, mas um pagão, e não pode ser salvo”. O comunismo rakoviano não era uma condição de salvação, mas simplesmente a deliberação de uma vida apostólica mais perfeita.

Os huteritas por seu turno objetaram, naturalmente, o unitarianismo polonês, mas surpreendentemente, não muito fortemente. Sem dúvida o mais importante eram práticas que a nós pareceriam triviais. Os huteritas batizavam por asperção e os poloneses por imersão. Mas mais importante ainda foi a diferença de classe. Os huteritas foram camponeses e trabalhadores cuja educação, por mais estranho que pareça, foi limitada à Bíblia e alguns escritores espirituais. Eles ficaram ofendidos pelos modos aristocráticos dos poloneses, pela sua "frieza de coração", pelo seu conhecimento de idiomas, seus nomes latinizados, e sua recusa em se submeter completamente à autoridade huterite. Peter Waldpot foi tão longe em suas demandas com os poloneses que propôs que eles fossem rebatizados pelos huteritas. Durante dois anos houveram cartas e visitas até que finalmente os rakovianos deixaram uma esperança de se afiliarem aos huteritas. As negociações caminhavam bem até que os poloneses quebraram alguns protocolos quando visitaram as colônica huterites. Não há registro de nenhum huterite visitando Rakow. 

Além do anabatismo radical polonês destacou-se Faustus Socinus, um dos principais teólogos do período da Reforma, que havia migrado da Itália para a Polônia. Ele elaborou um sistema completamente desenvolvido em que unitarianismo, pacifismo, comunidade de bens coletivos, batismo por imersão, e todas as principais doutrinas do anabatismo polonês e espiritualista foram racionalmente relacionadas em uma filosofia sistemática que era ao mesmo tempo consistentemente evangélica. Quando os Irmãos poloneses foram expulsos da Polônia e acharam refúgio na Holanda eles revelaram tanto na doutrina como na prática uma considerável influência dos menonitas holandeses mais radicais, mantendo-a no desenvolvimento do movimento na Inglaterra e América. Na Polônia, a Contra-Reforma conduzida pelos jesuítas fez seu trabalho completo, e os Irmãos Poloneses comunalistas foram extintos.

Como uma nota de rodapé deveria ser mostrado que a diferença básica entre os huteritas e quase todas as outras seitas cristãs, ortodoxas ou heterodoxas, é que a sociedade das colônias huteritas foram o que os teóricos modernos chamariam de uma "cultura da vergonha", fundamentalmente não assimilável pela "cultura da culpa" do cristianismo e do judaísmo rabínico (diferente do hassídico).

Fonte

Kenneth Rexroth, Comunalismo, das origens ao século XX, pp. 93-132. Trad. Coletivo Periferia. Web: geocities.com/projetoperiferia Copyright 1974. Versão inglesa reproduzida com permissão de Kenneth Rexroth Trust.


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