Segunda carta de Paulo aos Coríntios
Pr. Jorge Pinheiro
Fonte: Karina Garcia Coleta, Segunda Carta aos Coríntios, Theologica Latino-americana digital, (http://theologicalatinoamericana.com/?p=1803), Belo Horizonte, Brasil.
As teologias do apóstolo Paulo na segunda carta aos coríntios
1. Teologia do apostolado
Paulo apresenta na 2a. carta aos Coríntios o rascunho de uma teologia do apostolado -- de forma suave em 2.14-7.4, e depois de maneira mais incisiva nos capítulos 10–13.
Neste rascunho de uma teologia do apostolado, ele realça a questão do serviço, fazendo o contraste entre a fraqueza humana e o poder de Deus. Apresenta as circunstâncias que envolvem a identidade apostólica: os sofrimentos enfrentados, a oposição contínua e a pressão interna sofrida em função do cuidado com as comunidades.
A teologia do apostolado leva à questão da relação entre sofrimento e glória, que tem por base a Cristologia e a Escatologia paulinas. Assim, diz que seu sofrimento não é algo que deponha contra a legitimidade apostólica, antes evidencia a manifestação do poder de Deus em seu ministério (conforme 2 Co 12.10).
2. Teologia da consolação
A partir daí, ele apresenta na carta uma teologia da consolação. E faz isso, ao expor seus sofrimentos, originários de fontes diferentes, mais principalmente de seus opositores. E mostra como responde a eles por meio do consolo divino. Além disto, demonstra que o sofrimento não o desautoriza como apóstolo, é a plataforma que evidencia o poder de Deus.
A teologia da consolação pode ser sintetizada a partir das três dimensões: teológica, cristológica e soteriológica.
(a) O título dado a Deus logo no início da carta é “Deus de toda consolação”. Deus está na origem da consolação diante do sofrimento, mesmo quando a instrumentalidade humana se faça presente. A ação humana que leva à consolação é sempre uma intervenção divina. Deus consola tendo em vista as suas misericórdias em face das aflições a que seus filhos estão sujeitos. O Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo é bendito, e todos os que são por ele consolados também são convidados a bendizê-lo.
A teologia da consolação tem sua razão de ser no contexto da aflição, pois esta é a situação que confronta o cristão com sua fraqueza e necessidade do poder de Deus, além de apontar para uma expectativa quanto à consolação definitiva. Portanto, o sofrimento é a circunstância a partir da qual a consolação se destaca, ressaltando a ação divina e não o poder humano na superação dos reveses. A consolação é o contraponto do sofrimento que é parte integrante da existência cristã.
A consolação divina não é uma abstração misteriosa, mas ganha concretude nos indicadores que a tornam visível e promovem alívio na dimensão externa ou interna do cristão, conforme ilustra Paulo nos perigos e confrontos que passou. Porém, a consolação não significa apenas o alívio ou cessar imediato da situação aflitiva, mas aponta para a perseverança (conforme 2 Co 1.6).
O Deus que consola leva ao princípio da reciprocidade: os que são consolados estão capacitados a levar a consolação aos aflitos. A consolação compartilhada é coerente com o Evangelho que leva cada cristão a viver além de si mesmo, e também contribui para aumentar o número daqueles que louvam a Deus e proclamam seu poder.
(b) A dimensão cristológica da teologia da consolação merece destaque pela forma com que Paulo enfrenta os sofrimentos, pois ela oferece um paradigma aos cristãos. A constatação de que o cristão também participa nos sofrimentos de Cristo se conecta à consolação e amplia a perspectiva daquele que sofre. Pois se o sofrimento é uma realidade, a consolação também o é. A compreensão destes dois lados da moeda abre espaço para o entendimento do processo de morte e vida que ocorre na experiência do seguidor de Cristo.
Paulo defende a legitimidade de seu apostolado a partir de seus sofrimentos, que não são elementos estranhos ao seu chamado, ao contrário, indicam a presença da ação divina. Paulo sofre as circunstâncias próprias da existência e também do desempenho de seu ministério, mas convida cada cristão a viver na certeza de que a participação na consolação, por meio de Cristo, é tão abundante quanto a participação nos sofrimentos de Cristo. Portanto, da mesma forma que Paulo, cada cristão participa da consolação, assim como do sofrimento.
(c) A dimensão soteriológica da teologia da consolação nasce da dimensão cristológica, pois a consolação não tem em mira apenas o sofrimento terreno, mas está situada no arco que compreende o presente e o futuro. O processo de salvação envolve esta tensão escatológica. Paulo se refere tanto à consolação presente quanto à definitiva ao explicitar o efeito que a consolação divina deseja produzir no cristão: perseverança. O horizonte salvífico aponta para a continuidade não obstante o sofrimento, pois onde existe a fraqueza há força. E a despeito aflição, perplexidade, perseguição e ataques sem fim, em Deus não há desespero e nem total destruição.
Refletindo sobre a função da teologia da consolação na Segunda Carta aos Coríntios, percebe-se que essa correspondência se encontra marcada por um movimento de força na fraqueza, perseverança na adversidade. A realidade da consolação é importante na visão paulina da existência cristã, é a partir dela que se compreende o desgaste do ser humano, mas também a nossa renovação no dia a dia (conforme 2 Co 4.16-18).
Em vez de negar sua fraqueza em resposta às acusações de seus oponentes, Paulo desenvolve a teologia da consolação justamente partindo dela, pois são os abatidos que precisam de consolação. O sofrimento não é incompatível com o serviço apostólico nem com a vida cristã.
Fonte
A partir do texto de Karina Garcia Coleta, Segunda Carta aos Coríntios, Belo Horizonte, Brasil, que trabalhou com as seguintes referências:
BARBAGLIO, Giuseppe. 1-2 Coríntios. São Paulo: Paulinas, 1993a.
________________. São Paulo: o homem do evangelho. Petrópolis: Vozes, 1993b.
CINEIRA, D. Álvarez. Los adversários paulinos en 2 Corintios. Estudio Agustiniano, v.32, p.249-274, 2002.
DUNN, James. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.
FURNISH, Victor. II Corinthians. The Anchor Bible. v.32A. New York: Doubleday, 2005.
HAFEMANN, S. J. Cartas aos Coríntios. In: HAWTHORNE et al. (orgs.). Dicionário de Paulo e suas Cartas. São Paulo: Vida Nova; Paulus; Loyola, 2008. p.270-289.
LAMBRECHT, Jan. Second Corinthians. Sacra Pagina Series. v.8. Minnesota: The Liturgical Press, 1999.
MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Paulo: biografia crítica. São Paulo: Loyola, 2000.
THRALL, Margaret. The Second Epistle to the Corinthians. The international critical commentary.v.1. New York: T&T Clark International, 2004.
Dados sobre a carta
Depois que escreveu 1 Coríntios, Paulo enfrentou uma rebelião na cidade de Éfeso (cf. Atos 19.23–41). Em consequência -- “conflitos externos, temores internos” -- partiu para a Macedônia (cf. Atos 20.1; 2 Co 2.13; 7.5). Lá escreveu 2 Coríntios, por volta de 55–57 d.C., durante sua terceira viagem missionária. Tito havia trazido notícias de Corinto dizendo que uma carta anterior sua tinha sido bem recebida (cf. 2 Co 7.6–13).
A igreja de Corinto fazia progressos na fé, mas Paulo ficou sabendo também que mestres estavam corrompendo as doutrinas cristãs. Tempo depois da visita inicial de Paulo a Corinto e de uma provável segunda visita (cf. 2 Co 1.15–16), Paulo repreendeu irmãos (cf. 2 Co 2.1; 12.21) que saíram de Jerusalém e foram para Corinto. Lá começaram a ensinar que a igreja devia adotar as práticas judaicas. Parte de 2 Coríntios aborda os problemas causados por esses mestres.
A carta de Paulo é dirigida àqueles que o apoiavam (cf. 2 Co 1–9), mas também aosque estavam relutantes em aceitar seus ensinamentos (cf. 2 Co 10–13). O texto de 2 Coríntios revela os quatro propósitos da carta: (1) Expressar gratidão e fortalecer os seus apoiadores; (2) alertá-los de mestres que corrompiam as doutrinas cristãs; (3) defender sua autoridade apostólica (cf. 2 Co 10–13); e (4) incentivar a igreja a fazer uma oferta financeira para os irmãos carentes de Jerusalém (cf. 2 Co 8–9).
As cartas de Paulo se concentravam na exposição doutrina cristã, mas parte desta carta enfatiza o relacionamento de Paulo com os membros da igreja de Corinto, seu amor e sua preocupação por eles. Ao longo de 2 Coríntios vemos que ele é um pastor sensível, cuidando do bem-estar dos irmãos. Paulo compartilhou também detalhes de sua vida e escreveu a respeito de seu “espinho na carne” (cf. 2 Co 12.7).
Em 2 Coríntios 12.2–4, Paulo diz ser “um homem em Cristo” que foi “arrebatado até o terceiro céu”, onde viu e ouviu coisas impossíveis de descrever. Essa visão completa sua teologia da ressurreição apresentada na carta anterior sobre as glórias do corpo ressuscitado (cf. 1 Co 15.35–44).
Montpellier, 16 de outubro de 2020
Pr. Jorge Pinheiro
Missionário da Cruz Huguente na França