jeudi 7 janvier 2021

O caminho humano

Leituras do humano
Jorge Pinheiro

Primeira parte

“Nós nos importamos com a boa qualidade dos homens, em primeiro lugar porque ela nos é útil, em seguida porque queremos dar-lhes alegria (os filhos aos pais, os alunos aos professores e em geral as pessoas benévolas a todas as outras pessoas). É somente quanto a boa opinião dos homens é importante para alguém, abstraindo a vantagem ou seu desejo de agradar, que falamos de vaidade”.
Friedrich Nietzsche in Humano, demasiado humano.

O que é o humano? Se partirmos da teologia, teremos abordagens fundantes, que podem nos direcionar a uma compreensão mais abrangente do que é o humano. A primeira delas tem por base a antiga cosmovisão hebraica e apresenta uma antropologia da unicidade humana.

Dois textos do livro das Origens são paradigmáticos nessa leitura. O primeiro está em Gênesis 1.26 e conta que o Eterno disse: “vamos fazer os humanos, que serão como nós, que se parecerão conosco” E assim o Eterno construiu os humanos; parecidos com Ele. O segundo texto descreve o modo de construção do humano, está em Gênesis 2.7 e diz que “do pó da terra, o Eterno formou o humano. Ele soprou em seu nariz uma respiração de vida e assim esse ser se tornou vivo”.

A partir do segundo texto, podemos entender que a matéria-prima utilizada pelo Eterno na construção do humano é ordinária, ele é uma unidade de carbono, enquanto material pertencente à ordem comum de ló nefesh, que também dá forma aos seres inanimados e animais. Assim, é o sopro do Eterno que faz especial essa matéria ordinária. Teologicamente, podemos nos fazer uma pergunta: será que estamos somente diante de um símbolo ou, de fato, a força criadora do Eterno transmitiu ao humano não somente vida, mas intensidade e profundidade? De certa maneira não é absurdo dizer que seres celestiais são criaturas espirituais. Sua existência procede do exterior da força criadora do Eterno. A exteriorização traduz-se no fato de que a força criadora se dá através da palavra, de uma ordem criadora do Eterno.

A expressão nefesh, presente no segundo texto, leva a uma concepção de exterior versus interior, e tem por base o texto de Deuteronômio 32.9, quando afirma que “uma parte do Eterno faz seu povo”, já que mobiliza diferentes níveis da força criadora.

Nesse sentido, nefesh, fruto do sopro primordial, procede da interioridade do Eterno e por isso é conhecida como ein soph, que vem de seu interior. “Ele soprou” deve ser entendido como continuidade da afirmação “façamos o humano” (Gn 1.26), de maneira que nefesh liga céu e terra, o que está acima e o que está abaixo. Por isso, na tradição antiga dos hebreus, apesar de não tão fortes, os humanos são superiores aos anjos, porque procedem da interioridade do Eterno: traduzem ação mediadora e conjuntiva da força criadora.

Donde, o humano procede de atributos divinos não ostensivos, discretos, que se traduzem em integralidade, pluralidade social, sabedoria, compreensão e abertura à transcendência. Nefesh revela-se enquanto natureza que se torna compreensível e inteligível. É transbordamento e transparência do espírito do Eterno, que indica em transbordamento e transparência no humano, que relaciona imanência com transcendência.

Mas, o texto de Gênesis 2.7 fala de respiração e daquilo que o humano passa a ser: não tem uma nefesh, é uma nefesh. O pensamento literário dos hebreus era sintético. Daí que a chave para chegarmos a uma compreensão analítica dele, exige identificar com que parte do corpo o humano pode ser comparado e onde o agir humano faz interface com nefesh. E para isso utilizaremos textos que apresentam diferentes sentidos da nefesh.

“A mansão dos mortos abre a sua nefesh, escancara as suas fauces desmedidamente”. Isaías 5.14.

“Ele escancara a sua nefesh sem medida, como a mansão dos mortos, e é como a morte, não se saciando nunca”. Habacuque 2.5.

Embora a expressão nefesh apareça 755 vezes nas escrituras hebraicas e seja traduzida seiscentas vezes na Septuaginta, em grego, por psyché, na maioria das citações em hebraico, o significado literal de garganta e estômago transmitem a idéia de necessidade, de algo difícil de ser saciado. Nesse sentido, a palavra alma, tradução do grego psyché, nos dá uma tradução incompleta, pois a idéia é que o Eterno construiu o humano do pó da terra e insuflou em suas narinas o seu hálito e o humano se tornou um vivente que necessita Dele para ser saciado.

Nefesh não traduz algo bom ou mal, mas uma existência colada à realidade das necessidades fundamentais do humano, que ao não serem preenchidas produz alienação, individualismo, descrença, ignorância e idolatria.

Mas como o sopro do Eterno pode ter gerado um humano com tal índole de insaciabilidade? Se entendermos nefesh como figura das necessidades vitais, dos movimentos emocionais da alma, somos levados a entender o pensamento sintético hebreu ao ver a nefesh como síntese da própria vida. Assim, as necessidades humanas criadas pelo próprio Eterno só podem ser saciadas por Ele.

“Quem me encontra, encontrou a vida e alcançou benevolência do Eterno. Quem não me acha, faz violência à sua nefesh. Todos os que me odeiam, amam a morte”. Provérbios 8.39-40.

“Ó Eterno, tiraste a minha nefesh da mansão dos mortos”. Salmos 30.4.

No relato de Gênesis 2.7 o humano é definido como nefesh hayah, um ser vivente, que necessita ser saciado. Por isso, como vimos, quando integrado ao Eterno, nefesh é transbordamento e transparência do espírito do Eterno, o que indica transbordamento e transparência no humano, daquilo que relaciona o que está em baixo com o que está em cima.

Mas essa natureza também se constituirá enquanto expansão dos significados da imagem do Eterno, em graça e amor. “Ele soprou” traduz o fato de que as coisas do intelecto e do coração expressam-se através dos órgãos da fala, em especial garganta e boca, que possibilitam o sopro. Esse padrão simboliza a interioridade da natureza humana. Portanto, para que o humano possa dar intensidade e profundidade a sua inteligência precisa de amor e graça, que nascem da interioridade do Eterno. Em Gênesis 2.7, “ele soprou” significa que Aquele que soprou o fez numa determinada direção e com objetivo definido. Aqui, direção e objetivo traduzem o destino humano.

Esse é o destino humano: ter sua nefesh saciada pelo Eterno e a partir daí relacionar-se com Ele, com o universo, com seus semelhantes e consigo mesmo. Nesse caso, temos uma nefesh em equilíbrio, plena do espírito do Eterno.

“O homem quer dar prazer a si próprio, mas à custa dos outros homens, seja levando-os a ter uma opinião falsa a respeito dele, seja aspirando a um grau de “boa opinião”, em que esta tem de se tornar penosa para todos os outros (provocando inveja). O indivíduo quer geralmente, por meio da opinião dos outros, certificar e fortalecer diante de seus olhos a opinião que tem de si; mas o poderoso respeito pela autoridade – respeito tão antigo quanto o homem – leva muita gente também a apoiar na autoridade sua própria confiança em si, portanto a só aceitar de mão de outrem: acreditam mais no critério dos outros do que no próprio”.
Friedrich Nietzsche in Humano, demasiado humano.

O pensamento pré-socrático inaugurou o problema que atravessará toda a história do pensamento ocidental, o problema do ser, ao caracterizar a verdade (em grego, alethéia) como o nexo entre linguagem (logos) e natureza (physis). Para Heráclito de Éfeso, por exemplo, o filósofo, que ama a sabedoria, é aquele que busca a unidade originária da totalidade de todas as coisas.

Logos, no grego 'palavra', foi entendido por Heráclito, como o princípio supremo de unificação, portador do ritmo, da justiça e da harmonia que regem o Universo. ["Bem dizia Heráclito: homens são deuses e deuses são homens, porque o logos é um só" (Hipólito, Refutações, IX, 10,6)]. 

Assim, Heráclito diante da mobilidade de todas as coisas denominou fogo ao elemento primitivo, e viu este comandado por uma lei natural racional, o logos. Considerou o logos dotado de dois princípios internos contrários a operar, concórdia e discórdia. Estas duas forças contrárias transformavam o elemento primitivo, ora na direção da solidificação, ora de retorno ao estado móvel do fogo.

Portanto, o logos, concebido por Heráclito como uma lei natural ordenadora, a tudo comanda em forma dialética. E segundo Platão é o princípio de ordem, mediador entre o mundo sensível e o inteligível. Assim, para a filosofia grega, logos era o princípio da inteligibilidade, a razão.

Mas, exatamente por ser razão e palavra, logos mantém uma relação de complementação com sabedoria, e por isso é pensada por Heráclito como harmonia, o próprio nexo original entre logos e physis. Todavia, para que, diante da ameaça do relativismo trazido pelas argumentações dos sofistas, encontre-se melhor determinado o que se compreende por verdade, Sócrates e Platão vão formular a questão: o que é? Esta questão busca definir isso que subjaz sempre idêntico a si mesmo, a essência, fundamento de toda instabilidade acidental da existência aparente.

O que em Heráclito se delimitava como o encontro da harmonia passa a ser, a partir de Sócrates e Platão, uma procura: nasce, então, a filosofia como um desejo de conhecimento. Aristóteles caracteriza esta transformação quando afirma que "o que desde sempre, agora e para sempre, é constantemente procurado, porque sempre de novo a questão fracassa, é o problema: o que é o ser?". A filosofia constitui-se, a partir das concepções socrática, platônica, aristotélica, como o pensamento que investiga a questão do ser.

O conceito razão relaciona-se a três outros: essência, existência e essencialização. A essência não é apenas aquilo que uma coisa é, mas também aquilo que faz com que uma coisa possa ser. Nesse sentido, essência é potencialidade, o poder de ser e a fonte da existência: origem do ser. Mas também é o reino da cognição, do pensamento, impossível de penetrar. Pari passo à essência, o logos correlaciona mente e realidade, tornando possível o conhecimento. Quando alguém compreende e fala sobre a realidade, faz juízos e define padrões, que são comuns aos outros seres humanos, se comunica. E quem possibilita a comunicação é o logos. Assim, o logos é a origem da razão e também do ser. Mas, origem do ser aqui não significa conhecimento a priori, é estar colocado à parte do reino da finitude e por isso a origem do ser só é conhecida por um ato de revelação.

Dentre as inúmeras transformações que surgiram com a cidade democrática grega, a pólis, a mais importante foi a preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder.

A palavra deixou de ser o termo ritual e passou a ser a fonte para o debate, discussão e reflexão, sendo ela, ou melhor, o seu uso de forma mais persuasiva, que definirá o orador vencedor dos embates dialéticos (dialética era a arte da discussão: as normas para uma discussão correta). Todas as questões de interesse geral passaram a ser submetidas à arte da oratória e as decisões eram as conclusões dos debates. A política se tornou a arte do domínio da linguagem. Com a popularidade dos debates e das discussões, a polis se fundamentou na publicidade das manifestações sociais; se distinguiram os interesses comuns dos privados, consolidaram-se as práticas abertas e o domínio público, a base social da estrutura.

Esse desenvolvimento trouxe uma profunda transformação, já que ao tornar comuns os elementos da cultura, levou os mesmos à crítica e à controvérsia. Todos os elementos ficaram expostos a interpretações e a debates apaixonados. Já não era possível a ninguém se impor apenas por prestígio pessoal ou religioso. Deviria haver o convencimento pela dialética. 

A palavra constituiu-se no instrumento da vida política. Sua vertente escrita trouxe a possibilidade da divulgação do conhecimento. A escrita tornou-se pública, não mais estando presente apenas no palácio ou no templo. O saber fez-se público, deixando de estar restrito aos magistrados ou sacerdotes. Depois de divulgadas, as idéias deveriam ser submetidas ao debate político e à aceitação popular.

Assim com a consolidação da importância da palavra, o saber passou a ser um bem público. A sabedoria percorreu as veredas da linguagem, do discurso, da dialética: este caminho tornou-se característico da cultura grega. Por isso, podemos dizer que a filosofia nasceu no momento em que se tentou recuperar algo perdido no passado, a sabedoria.

Na contemporaneidade latino-americana, partindo da dialética, Enrique Dussel propôs a dialética analógica da alteridade, a abertura da totalidade à alteridade, transcendendo o âmbito do logos. O logos permanece no mundo e não pode avançar mais além. O logos que transcende é análogo, mais além do logos, analogia que se articula na dialética da voz ouvida que leva a ouvir: ou seja, a ouvir a voz. Assim, o logos chega ao seu limite, e confia no que ouve do outro pela fé, pois sem a confiança no outro, não se pode escutar sua voz.

Fé aqui significa ir mais além do horizonte da physis, ir mais além do horizonte da ontologia do mesmo, afirmando a ontologia da negatividade, isto é, já que o outro não se origina no idêntico, é diferente. Brota como ouvido, é âmbito ao qual a totalidade pode abrir-se, e ao abrir-se muda de estatuto, tornando-se ontologia negativa.

Em sua reflexão sobre a superação das totalidades ontológicas a partir da abertura à alteridade, Dussel afirma que tal superação se dá com a metafísica, entendida como além do fundamento. E se dá assim porque a metafísica não é somente ontológica, mas opera através da descoberta de um mais-além do mundo. E como aná significa em grego mais além, e logos significa palavra, análogos toma o sentido de palavra que brota no mundo desde um mais além do fundamento. O método ontológico-dialético chega até o fundamento do mundo desde um futuro, porém se detém diante do outro como um rosto de mistério e liberdade, de história distinta, mas não diferente. Mas se o outro é distinto, não há diferença, nem retorno, embora haja história e crise. Por isso, para Dussel, se este logos aparece enquanto interpelante indo mais além da compreensão, ele é análogo.

Essa interpretação de Dussel repousa na compreensão do Logos joanino, que pousa sobre o Cristo acima da tradição filosófica, quer de Heráclito, quer de Platão ou do neoplatonismo, e ainda da filosofia judaica expressa em Filo de Alexandria. Nesse sentido, se antes estávamos diante da personificação do Logos, ainda assim não há na tradição da filosofia grega ou judaica a idéia de encarnação do Logos. Esse Logos joanino, por isso, vai além de toda a tradição filosófica, embora João a utilize como ponte para falar à cultura de sua época.

Há ainda uma ponte com o pensamento judaico, principalmente no que se refere aos textos de Gênesis um e de Provérbios 8.22-31. O primeiro ao utilizar a expressão “en arché” e o segundo ao personalizar a sabedoria. Nesse sentido, o Logos de João se apresenta como análogo. Análogo ao Eterno, porque é pessoa de Deus, e análogo aos seres humanos, porque é pessoa humana.

Análogo significa que o Logos vem de mais-além, isto é, que há um primeiro momento no qual surge uma palavra interpelante, mais além do mundo, que é o ponto de apoio do método dialético porque passa da ordem antiga à ordem nova. Embora, este Logos eterno se reflita através de nossos pensamentos e, por isso, não possa existir um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional [Romanos 12.2 e 1ª. carta aos Coríntios 2.16].

Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas, mesmo assim, devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.

Quando mantemos relação com o Logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos então o lugar que cabe ao destino em nosso pensamento. Vamos constatar que desde o princípio estivemos submetidos ao destino e que sempre desejamos livrar-nos dele, mas nunca conseguimos.

Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do destino é saber relacionar Logos e kairós. O Logos deve alcançar o kairós. O Logos deve envolver a plenitude do tempo e o destino da existência. A separação entre Logos e existência chegou ao fim. O Logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.

É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, o humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu destino. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo Logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no destino.

Nosso destino, que aqui pode ser entendido como missão, é servir ao Logos num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino [no sentido de prokeimai, estar colocado, ser proposto] e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.

«O interesse por si próprio, o desejo de se satisfazer alcançam no vaidoso tal nível que ele induz os outros a uma falsa estima de si falsa, demasiado elevada, e depois se fia, não obstante, na autoridade dos outros: desse modo provoca o erro e, contudo, lhe dá crédito. É preciso, portanto, admitir que os vaidosos não querem agradar tanto a outrem quanto a si próprios e que chegam ao ponto de com isso descurar seu proveito; pois, muitas vezes importa-lhes suscitar em seus semelhantes disposições desfavoráveis, hostis, invejosas, em decorrência desvantajosas para eles, apenas para terem satisfação de seu eu, o contentamento de si».
Friedrich Nietzsche in Humano, demasiado humano.

Paulo dirá numa oração: “Que Eterno, que nos dá a paz, faça com que vocês sejam completamente dedicados a ele. E que ele conserve o pneuma, a psyché e o soma de vocês livres de toda mancha, para o dia em que vier o nosso Senhor Jesus Cristo”. Primeira carta aos Tessalonicenses 5.23.

Se o soma é o espaço do Eros, da vida e da materialidade; e a psyché o espaço do logos, da razão e da sensibilidade; o pneuma é o espaço da espiritualidade, entendido em grego como poiesis, espaço da experiência estética, que responde à necessidade criativa do sentido da vida.

Assim, o sentido da vida não é experiência exclusiva da pessoa religiosa, mas experiência que traduz a criatividade humana. Tal espiritualidade, ou pnêumica, é gratuita. Essa graça está no ato do fazer com imaginação, na inventividade.

Entre os pais da Igreja, partindo de Paulo, Orígenes (185-254) via o humano como triunidade e relacionava a consciência trinitária à sua leitura e interpretação das Escrituras. Para ele, no soma estava o sentido literal da compreensão da revelação; na psyché o seu sentido moral; e ao nível do pneuma o sentido simbólico. Ou seja, a própria compreensão da revelação tinha que passar por estes níveis da consciência humana.

E porque a atividade humana acontece dentro da cultura, que comove, Tomás de Aquino viu a busca da beleza como busca da totalidade, daquilo que é pleno, que possibilita a sacada. Dessa maneira, o conhecimento implica na existência de uma ontologia que, ao dar uma classificação para a percepção sensorial, descreve a experiência como composta de objetos que existem independentemente dos seres humanos. Temos, então, as diferenças que fundamentam a classificação: humano versus não-humano.

Assim, a temporalidade é percebida a partir dessa triunidade da consciência humana: materialidade, razão, espiritualidade. E se apresenta associada aos critérios de confirmação através de experiências intersubjetivas. Essa consciência tripartite é a base do conhecimento nas culturas, a fonte da inteligibilidade entre os humanos, mas também a base para a compreensão da natureza e da revelação.

O objetivo da revelação, antes que ser o de responder às crises que afetam o humano, é recuperar a ordem daquilo que aparece como caos. Por isso, a crítica à complexidade da revelação e à não-regularidade do comportamento proposto por ela está equivocada por não entender o mundo como infinidade de realidades não-observáveis, pois o aparente objeto único do ponto de vista do senso comum é sempre constituído por infinidade de realidades.

Aqui, o que importa é o aspecto qualitativo: a revelação postula realidades pnêumicas para explicar a diversidade das experiências observáveis. Quanto à não-regularidade do comportamento pnêumico, isso é patente apenas na perspectiva daquele que está de fora, pois, para a pessoa que vive o fenômeno espiritual, essas realidades estão sujeitas a leis, sendo a regularidade a própria condição de seu poder explicativo.

A partir dessas leituras, atravessando a correlação entre a nefesh dos hebreus, o soma e o logos do dualismo grego, e o pneuma de Paulo, o apóstolo, podemos dizer que o humano é construção, unicidade e pluralidade da pessoa, na comunidade, ser lançado no cosmo. Imagem do que é eterno, ser aberto à transcendência. Há nele um deslumbramento permanente diante do absoluto e do mistério. E por pensar o que não está aqui e o que não é agora, e refletir sobre o além da realidade imediata, tem prazer em se debruçar sobre o que é eterno e transcendente.

Segunda parte

Uma análise teológica de Gênesis 2.7-23 nos apresenta o humano em equilíbrio com a natureza e em harmonia com a transcendência. Mas, há no texto a metáfora da ruptura, como aquela que vemos na parábola do filho pródigo, contada por Jesus de Nazaré. Esta foi a interpretação de Ireneu de Lyon (ca. 130-202 d.C.) e de Quintus Septimius Florens Tertullianus (ca. 160 - ca. 220 dC).

Tertuliano considerou que o humano no princípio da vida é semelhante ao Adão descrito em Gênesis. Ou seja, as pessoas nascem, idealmente, no paraíso do equilíbrio natural e da harmonia com a transcenência, mas com a construção da consciência e da identidade humanas deixam para trás o jardim e entram no mundo da culpa. Por isso, Tertuliano rejeitou o batismo infantil.

Aurélio Agostinho (354-430), dito de Hipona, apresentou uma leitura diferente ao dizer que Adão era perfeito, justo e imortal, até perder tal condição com o pecado. Para Agostinho, o batismo tiraria o pecado original e restauraria a imortalidade aos descendentes de Adão. Atribuiu a Adão não somente o estado de pecado original em que viveriam todos os seus descendentes, mas também a culpa herdada por todos os seres humanos. Apoiou o seu conceito da culpa herdada numa tradição errônea, baseada num texto latino, da carta de Paulo aos Romanos (5.12): “em quem todos pecaram”. Mas, o texto grego diz: “assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”.

Segundo Agostinho houve uma queda histórica de Adão, o que fez com que a espécie humana herdasse o pecado original. Mas, a história de Adão nos remete à metáfora de uma experiência partilhada por todos na construção da consciência e identidade humanas. Não partimos de um estado de pecado, mas somos culpados por fazer pecados, conforme nos diz o apóstolo Paulo, “assim como, em Adão, todos morrem” (1ª. Coríntios 15.22), “outrora, sem a lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri” (Romanos 7.9). Assim, uma boa tradução para Gênesis 8.21 é “não tornarei a amaldiçoar a terra por causa do ser humano, porque é mau o desígnio íntimo do ser humano desde a sua adolescência”, situando o movimento para a ruindade do coração a partir da construção da consciência e da identidade.

Adão estava em equilíbrio com a natureza e em harmonia com a transcendência, mas, também, em revolução permanente quanto ao conhecimento e às relações, com possibilidade de não escolher o distanciamento e de, no momento certo, superar a morte física pelo usufruto da árvore da vida.

Mas o humano, apesar de construído na semelhança do Eterno, desfrutar dos benefícios do equilíbrio com a natureza e da harmonia com a transcendência, viu que era diferente da natureza e que sua identidade se construía na separação da transcendência (Gn 3.1-5). Eis aí, a partir da alienação do estado natural e do mundo da transcendência, o surgimento do homo sapiens.

Esse distanciamento, no entanto, não surgiu apenas dentro da mente humana, mas veio também de fora. Veio da relação sujeito/objeto, do olhar a natureza e constatar que era diferente, do olhar a eternidade e ver-se humano. Nesse sentido, o desafio foi colocado pela natureza, que, ao existir, falou ao desejo de entendimento e de vida: “se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5).

A curiosidade e reflexão surgiram a partir do próprio processo de conhecimento. Diante da natureza nasceu a consciência da diferença e a possibilidade de escolha que, por sua vez, leva a alternativas, escolher bem ou escolher mal, já que no início do processo nem sempre se sabe se será boa ou ruim a escolha feita. E, assim, o humano distanciou-se da natureza, embora ainda dependente dela, e também da transcendência. E com a consciência da diferença e de sua identidade humana, a morte chegou.

Não houve coerção, e, sim curiosidade, reflexão, escolha. O humano está livre para decidir.

Tais conceitos do humano em relação à alienação ressaltam que diante da hamartia a pessoa é culpada, não por participar do estado de pecado, mas, por praticar atos de pecado. O Eterno disse a Caim: “porventura se procederes bem, não se há de levantar o teu semblante? e se não procederes bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo; mas sobre ele tu deves dominar” (Gn 4.7) e profeta Ezequiel (18.20) afirmou: “a alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniqüidade do pai, nem o pai levará a iniqüidade do filho”.

Sem dúvida, há uma tendência humana para errar o alvo. Ou como disse Oseias (11.7), “porque o meu povo é inclinado a desviar-se de mim”. Mas, tendência não é sinônimo de compulsão ou depravação total. Assim, o distanciamento da transcendência levou à consciência dos desequilíbrios em relação à natureza e aos relacionamentos. Apareceu a culpa, fruto da alienação existencial -- “então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus” (Gn 3.7) e “esconderam-se o homem e sua mulher da presença do Eterno, entre as árvores do jardim” (Gn 3.8). Surgiu o medo existencial, fruto da consciência do poder transcendente: “ouvi a tua voz e tive medo” (Gn 3.10). E, também, à alienação nos relacionamentos (Gn 3.11-13 e 16) e à consciência da separação humano/natureza (Gn 3.17-19).

Dessa maneira, a alienação existencial levou ao lehatati e à consciência de morte, enquanto separação do humano daquilo que lhe é natural, seu próprio corpo, e daquilo que é transcendente, a presença da eternidade. Assim, como disse Byron Harbin, “a morte física é um rasgamento da alma (2Co 5.4) e a morte espiritual é um rasgamento da relação do espírito humano com o Espírito divino”. Mas tal ruptura tem como limite o amor do Eterno, pois “se ele retirasse para si o seu espírito, e recolhesse para si o seu fôlego, toda a carne juntamente expiraria, e o humano voltaria para o pó” (Jó 34.14,15).

A partir de “todos pecaram” -- Romanos (5.12) e Efésios (2.1 e 5) -- devemos entender que “estando vós mortos pelos vossos delitos e pecados” fala da morte como realidade humana resultante da ruptura com a transcendência. Esta morte frente ao espírito e a eternidade levou à morte física, “até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás” (Gn 3.19), providência do Eterno para que o humano retornasse ao estado anterior à alienação e, assim, partici­passe do Novo Ser, ao invés do rasgamento permanente.

Terceira parte

A existência, enquanto processo, pode ter determinação construtiva no sentido teleológico, por apresentar qualidades adequadas à sua natureza ou função. E o humano, momento da existência, tem possibilidades diante dela. Essas possibilidades podem ser chamadas de liberdade condicionada e relativa à própria existência. Mas tais possibilidades são desafios à compreensão da condição humana e de suas relações reais. Estamos, então, falando de alienação.

A alienação antecede o exercício da liberdade. A idéia, trabalhada por Tillich, a partir de Hegel, é de que pertencemos essencialmente àquilo de que estamos separados. Ou seja, o humano não está separado de seu ser, mas é julgado por ele, e mesmo quando este lhe é hostil não consegue separar-se dele. As possibilidades humanas estão, nesse sentido, mesmo enquanto determinação construtiva e dinâmica, sob funções correlatas, alienação e lei, liberdade e necessidade, que são realidades da existência.

Se a alienação é ruptura essencial, parto que vai produzir a consciência humana, remete tanto ao distanciamento como à aproximação com o Ser. Não seria, então, apenas disfunção, mas apontaria também às funções do humano, enquanto ser com possibilidades de realização somática, psíquica, cultural, ecológica e do sentido pleno da vida.

Na tradição judaico-cristã essa relação entre alienação e liberdade foi um tema teológico de importância. Dos textos judaicos resgatamos idéias como aliança, constância, fidelidade, que remetem à correlação alienação/lei. E no testamento cristão a idéia de destino traduziu o conceito de alienação em seus dois vetores, distanciamento e aproximação.

As tensões ao redor da compreensão das idéias de alienação, que traduz funções e disfunções do humano, e graça, enquanto ação divina para a salvação, apontam para duas outras questões: história e liberdade. Essas duas questões formam a base do pensamento de que o ser humano por ser imagem do Eterno é um ser livre e, por extensão, faz história. Livre significa liberdade de julgamento e ação no âmbito da existência. Então, para que as pessoas sejam livres, o Eterno garante a liberdade delas.

Na carta aos Romanos (5.12), Paulo afirma que hamartia entrou no cosmo através do humano e com hamartia, a morte. Ora, hamartia ou peccatus é um fazer, uma consequência que nasce deste conceito militar dos gregos, ato do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Paulo utiliza a expressão no sentido de que a humanidade vive um fazer em que errar o alvo é possibilidade crescente na existência, embora não seja um estado dela.

Errar o alvo, ou, em hebraico moderno, errar o tiro, leva à consequências. Paulo privilegia uma delas, a consciência da morte. Para o apóstolo, hamartia ou peccatus produz uma consciência matricial, a consciência da morte. A partir da consciência da morte temos a consciência do divino, a consciência da diversidade, já que não somos bichos e, por extensão, não somos natureza, a consciência de que podemos escolher, e a consciência de que coisas e ações podem ser boas ou não. Dessa maneira, o alvo é o desafio de acertar, e estão diante do humano, de forma permanente, as necessidades diante da lei, daquilo que é ou está frente à existência e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não existe, mas pode ser criado.

Alvo implica, então, em necessidades e lei e possibilidades e liberdade, que não se excluem: estão correlacionadas na existência humana, fazem parte do desafio da existência.

Ora, em termos teológicos, a partir dessa primeira reflexão, podemos dizer que todos são chamados à comunhão e cada pessoa pode responder positivamente a esse chamado. Caso o ser humano responda positivamente ao chamado, vive o processo de libertação que leva à comunhão plena. A comunhão consiste, então, em metanóia, que é volta ao estado de liberdade e permanência na escolha. A partir desta resposta, o Eterno opera a salvação do ser humano. Por isso, podemos dizer que a vontade humana abre o caminho da libertação. A partir daí entendemos a graça universal, pois todos os seres humanos poderiam responder positivamente ao chamado à comunhão. Ou seja, a liberdade de julgamento no âmbito da existência leva a pessoa a escolher os caminhos de sua história.

As funções e disfunções existenciais do humano, ou seja, a alienação, fazem com que as ações humanas, a partir dos desejos – emoções e sentimentos – levem o ser humano à possibilidade de errar o alvo, lehatati (להחט'א), em hebraico, hamartia, em grego, e peccatu, em latim. Dentro da tradição das escrituras hebraico-judaicas, lehatati é a violação da lei. Mas lehatati é sempre uma ação do coração e não um estado do ser. Já a alienação, esta sim, é um estado da existência e toda a humanidade se encontra nesse estado de disfunção, ou inclinação para fazer o mal, conforme vemos em Gênesis 8.21. Assim, lehatati traduz não somente falta moral, mas todas as violações da lei, quer conscientes ou não. E, segundo a tradição judaica, todo ser humano nasce sem lehatati, e a culpa de Adão recaiu sobre ele e sua família, mas não se estendeu à espécie humana. Apesar disso, todo ser humano é responsável pelo lehatati porque todos temos vontade livre, mas natureza alienada e, por isso, tendemos também para o mal. Por isso, o texto acima citado de Gênesis diz que o coração humano é mau desde a sua juventude. Mas o Eterno, através de sua misericórdia, possibilita ao ser humano a metanóia e o perdão.

A libertação humana é um processo, por isso, a pessoa não é plenamente livre, porque depende dela permanecer ou não na opção escolhida. Se ela manter a escolha será plenamente livre, se abandonar a escolha retorna à alienação. Caso a pessoa livre se alienar, se não houver metanóia, se não voltar à comunhão, estará alienada.

Dessa maneira, na polaridade alienação/comunhão dá-se a construção da história, ou seja, as pessoas e as comunidades humanas interagem, por opção ou por omissão, na construção de sua história. O Eterno é soberano porque criou e mantém o universo, sustentando-o na universalidade do Espírito, aqui entendido como sentido da vida. A soberania especial está sobre a comunidade que permanece na escolha. As outras comunidades estão fora desta soberania especial, da graça que gera comunhão plena, exatamente porque usaram a liberdade para escolher o lehatati.

E quanto maior a alienação, mais o Eterno retrai sua soberania sobre tais pessoas e comunidades, e, consequentemente, a graça que gera comunhão plena. O que explica o mal enquanto feituras pessoal e social. E para que o processo histórico se dê, o Eterno contrai espaço-temporalmente sua justiça executora.

Por paixão ao ser humano, ele contrai a ação de seu conhecimento. Caso o Eterno, a partir de seu conhecimento, definisse todas as ações livres do ser humano, as pessoas e as sociedades poderiam fazer apenas aquilo que o Eterno por conhecer definisse, sem poderem tomar decisões alienadas, sem poderem se afastar dele.

O Eterno dirige o seu fazer, mas interage com as pessoas e as comunidades humanas na produção da história, enquanto obra que nasce das correlações liberdade e comunhão e liberdade e alienação. A polaridade alienação versus comunhão não apresenta o ser humano como bom ou mal, mas como ser que age a partir dessa polaridade. Isso fica claro no diálogo que o Eterno tem com Caim, quando diz que ele está inclinado para o mal, mas deve dominá-lo. Essa conversa apresenta um padrão humano, a alienação.

Podemos ler Gênesis 6.5, 8.21 e Deuteronômio 31.21 a partir da compressão do conceito de alienação. É interessante que nenhum desses textos fala do ser humano como essencialmente corrupto, mas alienado. A própria palavra yetzer, que vem da raiz yzr, utilizada quando as Escrituras hebraicas falam de inclinação maligna, significa moldar, propor-se. A idéia é que o ser humano é dirigido por suas inclinações, imaginações, sejam elas boas ou más. É yetzer que, combinado ao julgamento livre no âmbito da existência, possibilita a metanóia. Ou, conforme diz Deuteronômio, o Eterno coloca diante do ser humano a possibilidade do bem e a possibilidade do mal. Os seres humanos terão comunhão se obedecerem aos mandamentos do Eterno e errarão o alvo se desobedecerem aos mandamentos do Senhor (11.16-28).

Assim, só o Eterno é capaz de fazer com que exista a liberdade humana e mantê-la. Essa graça, oriunda do Eterno e derramada sobre a humanidade, possibilita a construção da história. Por isso, Paulo diz que o Eterno fica de humor transverso com a alienação que distancia, mas segura as pontas com calma, por saber que a alienação é fruto da sua valência e, diante da alienação que aproxima, também obra sua, Ele expressa alegria. (Romanos 9.22-23).

Essa leitura da liberdade entregue ao ser humano é importante para a teologia, pois ao dizer que as pessoas e as comunidades humanas podem agir à margem daquilo que o Eterno desejaria para a humanidade, apresenta a violência, a guerra e os genocídios como frutos da opção e ação humanas. E o teólogo pode, então, analisar porque os profetas clamam e apontam às sociedades o caminho do Reino, embora estas possam escolher os seus próprios caminhos. O campo de concretação de Auschwitz, sob o nazismo, e os genocídios contemporâneos são, então, passíveis de estudo. Mas a nossa leitura coloca, também, para as comunidades de fé, o clamor profético e o desafio de expandir o Reino.

Em relação à alienação, o ser humano herdou de Adão a inclinação para o mal e, como consequência, a possibilidade crescente de errar o alvo, mas não a culpa. Os seres humanos são alienados porque separaram razão e coração e erram o alvo porque são alienados. E em relação ao processo de libertação, a morte do Cristo abre as portas da comunhão, mas não assegura a libertação plena, pois esta só será definitiva se a pessoa não desistir da corrida.

Paralelo ao pensamento hebraico, a cultura grega apresentou uma rica leitura do conceito de destino, que relaciona alienação e hamartia. O conceito destino nasceu da reflexão de que os deuses são imortais porque o humano está situado entre a finitude existencial e a infinitude potencial. Para os gregos o destino era finitude existencial, e esse é o tema da tragédia grega e da busca da superação filosófica, principalmente de estóicos e epicuristas. Era uma tentativa de colocar o humano acima do destino que o distanciava de seu ser, transformando-se em poder destrutivo que envolveu o mundo helênico em culpa e julgamento.

Um exemplo dessa leitura, que nos interessa para a construção de uma compreensão teológica da alienação, seria o arrazoado que Pedro, o apóstolo, fez em sua segunda epístola, ao dizer que a graça não tem limites, pois o Eterno não retarda a sua promessa, como alguns afirmam, por julgá-la demorada, mas por ser paciente. Ele não escolheria a danação eterna de pessoas, ao contrário, desejaria que todos chegassem à metanóia, ou seja, fizessem o caminho de volta à liberdade e construíssem comunhão.

Dessa maneira, a graça tem eficácia ilimitada, mas há uma chave para que a função graça seja plenamente exercida. E essa chave é: chegar à metanóia. Dessa maneira, o sacrifício de Cristo, que é graça plena e universal, deve ser somado à metanóia, produzindo então a libertação. Ou seja, graça plena mais metanóia é igual à libertação. E o sacrifício do Cristo sem a metanóia, produz justiça. Ou seja, o valor da cruz não é limitado, mas sim sua aplicação. E a preparação da pessoa e das comunidades humanas para a graça tem o julgamento livre no âmbito da existência como movimento e o Eterno como móvel.

Essa preparação pode ser pensada como movimento que parte, enquanto universalidade, da liberdade humana em direção à especificidade que tem o Eterno como móvel e implica em graça determinada pelo Eterno, embora não seja proveniente da coação, mas do seu pleno conhecimento, porquanto a intenção do Eterno não pode deixar de ter efeito.

Por isso, podemos falar da universalidade da graça, presente na comunidade humana, e na especificidade da graça, que infalível segue a boa vontade humana. Mas esse movimento é dialético, pois, quando olhamos da perspectiva do humano, ele parte da universalidade, mas se olharmos da perspectiva divina parte da especificidade. Ou seja, universalidade e especificidade são termos relativos, que se complementam na plenitude da graça. Por isso, liberdade, eleição e graça fazem parte de uma dança permanente, onde cada conceito implica na existência do outro e nenhum tem existência independente, mas criam uma unidade/diversidade correlacional plena e necessária.

Todas as pessoas e comunidades humanas realizam suas existências dentro desse processo, fazem parte dele, o que significa dizer que existência, liberdade e graça fazem parte da história humana. O Eterno mobiliza o processo em direção à especificidade, com base no seu conhecimento da fé e da perseverança de cada pessoa e das comunidades humanas, mas conhece e aceita o sentido da universalidade humana. Esta seria a leitura do texto de Pedro, quando disse que no meio do povo surgiram falsos profetas que introduziram doutrinas destruidoras, a ponto de renegarem o Eterno que os resgatou.

Na teologia paulina, enquanto diálogo das concepções do apóstolo com o mundo helênico, principalmente em sua carta aos Romanos, alienação/destino é o tempo favorável que triunfa sobre o espaço. O caráter do tempo propício à liberdade substituiu o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir dessa compreensão, destino traduz aproximação, e apresenta novas possibilidades de construção da liberdade no tempo e na história.

Antes, a filosofia confrontava-se com a inspiração dos poetas, mas, a partir de Paulo, a revelação apodera-se da filosofia. Assim, o destino que distanciava foi questionado pelo pensamento paulino: “aquele que não era meu povo será chamado de meu povo, e aquela que não era amada passou a ser amada”. (Romanos 9.25). O transitório e perecível perdeu importância e a idéia da construção da existência enquanto tempo favorável foi tomando forma.

Mas voltemos um pouco atrás, para entendermos esse processo. Dentro da visão paulina, que traduz o pensamento cristão palestino, alienação/destino, no sentido de que os limites são potencialmente ilimitados, é a lei na qual surge o conceito de liberdade. Assim, alienação/destino correlaciona conceitos, porque a alienação está sujeita à liberdade; porque alienação significa que a liberdade também está sujeita à lei; e porque alienação significa que liberdade e lei são complementares e interdependentes.

Analisando o conceito cristão palestino de alienação/destino -- exposto por Paulo em sua carta aos Romanos -- podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e leis se encontram entrelaçadas. Para Paulo, assim como para a tradição judaica, lei é imposição de limites. Por isso, a alienação é um estado que surge da correlação entre lei e vida, porque se o julgamento é inerente a tudo na existência, também o é a liberdade.

Assim, a certeza de que a alienação/destino é propícia e tem significado realizador e não destruidor, é a peça chave do pensamento de Paulo, que coloca o sentido da vida acima do destino. Ao fazer isso, Paulo está dizendo que a compreensão do destino não está ao alcance da razão humana, mas o sentido da vida traduz a imortalidade potencial do humano.

Quando o humano faz a defesa do sentido incondicional da vida deixa de temer a ameaça da alienação/destino que distancia, e aceita o lugar que cabe à alienação enquanto estado da existência. Reconhecemos, então, que desde o princípio vivemos num estado de alienação e que sempre desejamos nos livrar dela, mas nunca conseguimos. Mas nessa análise da alienação cabe relacionar sentido de vida e tempo. O sentido de vida deve envolver as leis universais, a plenitude do tempo e a própria existência. E quando o sentido de vida alcança a existência, penetra no tempo e faz da alienação, aproximação.

É necessário, porém, entender que a consciência parte da alienação e que o reino da existência só é acessível ao conhecimento liberto da alienação que distancia. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, o humano possui potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu destino. Quanto maior a potencialidade humana – que cresce na medida da expansão do sentido da vida – maior será sua consciência de destino.

O destino humano, que nasce da alienação, aponta para o sentido da vida que emerge das crises e desafios. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido paulino de prokeimai, estar colocado, ser proposto, e o de nossas comunidades, tanto mais livres seremos.

Assim, a liberdade humana se dá na existência, enquanto realidade condicionada pela materialidade. A liberdade entende-se como correlação entre lei e sentido de vida. Quando Hegel afirmava que a liberdade é a consciência da necessidade, como fez questão de mostrar Marx, cometia um erro porque descartava a realização da liberdade. É por isso que Marx dirá que liberdade é práxis. Ora, para Marx, práxis é consciência da necessidade somada à ação transformadora. Ou seja, consciência da lei diante do estado de alienação que distancia é mudança radical, é ação transformadora da vida.

Lehatati, hamartia, peccatu é um fazer. Em relação ao imediato transforma-se em estado e no que se refere à espécie humana é um domínio. Lehatati, hamartia, peccatu acontece quando minha liberdade é desafiada, quando ela é chamada a surgir como feitura humana. Nesse sentido, lehatati, hamartia, peccatu não se apresenta sem agente moral, sem liberdade. Toda vez que realizo minha liberdade a lei está presente, pois lehatati, hamartia, peccatu é um contra-tipo da liberdade.

Por isso, só podemos responder à alienação que distancia reconhecendo que lehatati, hamartia, peccatu é feitura minha e de minha espécie, e que devo promover a ruptura desse fazer através da ação de expansão do sentido pleno da vida. Ao nível do pensamento, do sentimento, da vontade e da ação -- pois a alienação que distancia é o que não devia estar -- devemos exercer uma ética radical de defesa da vida e de seu sentido, de combate ao estado de alienação na vida de pessoas e comunidades.

Em 1970, Manuel Ballestero publicou em Madri, pela Siglo XXI, La Revolución del Espíritu (Tres pensamientos de libertad), analisando o caráter radical da liberdade no pensamento de três gênios da modernidade: Nicolas de Cusa, Lutero e Marx. Ballestero diz que sua preocupação residiu em analisar o projeto de liberdade desses três pensadores, sabendo que a autonomia e o ato livre são concebidos de maneiras diferentes e mesmo antagônicos, embora existam, no contexto da obra dos três, analogias de fundo. E essas se referem ao fato de que liberdade poderia significar a abolição da lei, o colapso da determinação exterior, e não o comportamento que se adequou aos limites da ordem. Assim, segundo Ballestero, Cusa, Lutero e Marx olham a liberdade como a destruição da ordenação exterior e anterior ao próprio ato livre.

Os ensaios mostram que a revolução teórica empreendida por Cusa e Lutero não foi gratuita, nem produto de um simples ato ideal, mas se enraizou no tecido histórico do movimento de decomposição global da formação social pré-capitalista. Cusa e Lutero clamaram por essa destruição. Sem entrar nos detalhes das mutações vividas no século dezesseis, com a ruptura do equilíbrio cidade/campo, o surgimento das manufaturas e a consolidação do sistema de trabalho assalariado, vemos que a alienação que distancia da condição humana na incipiente sociedade capitalista foi percebida por Cusa e Lutero: a liberdade do sujeito se dá como dor.

Mas ambos consideraram essa subjetividade liberada pelo início da arrancada capitalista como desequilíbrio. Assim, tanto Cusa quanto Lutero partiram do distanciamento nessa subjetividade alienada do nascente capitalismo, considerando que deveria ser superada para que o sentido da vida florescesse. Aí, então, teríamos o fim da não-essencialidade do sujeito alienado e a inserção deste na totalidade objetiva. Mas isso não poderia acontecer sem a transformação dessa realidade objetiva em realidade plena de vida, que sustenta o humano. Dessa maneira, para os dois pensadores, o sentido da vida constrói num nível superior o universo anteriormente negado.

O jovem Marx, seguindo os passos de Hegel, partiu dessa discussão. Para ele, a religião era a realização imaginária da essência do humano, mas essa essência não tem realidade alguma. De todas as maneiras, há um ponto de interligação nessa perspectiva: a liberdade como abolição da legalidade, como coincidência do momento subjetivo com o momento objetivo e como responsabilidade maior do ser humano.

Para Lutero, o humano existe como estrutura ontológica dual. Sua conceituação partiu da ansiedade teórica do século dezesseis, mas traduziu-se em superação da subjetividade alienada. O humano pleno do sentido de vida é senhor de todas as coisas, não está submetido a ninguém e esse senhorio radical é produto da vida em plenitude. Sua liberdade transforma a subjetividade alienada em realidade objetiva. Nesse sentido, o caráter da liberdade do humano pleno do sentido de vida se dá como processo: morre o imediato, o alienado, e tem início a construção de uma segunda natureza.

A liberdade surge como deslocamento do humano alienado, como distanciamento crítico daquilo que foi naturalmente dado. O primeiro momento da liberdade parte de uma concepção trágica, porque o senhorio num primeiro momento implica em servidão, criando tensão e luta. “É necessário desesperar-se por você mesmo, fazer com que você saia de dentro de você e escape de sua prisão” (Lutero, Les grands écrits, p. 259). Mas superada a tensão, temos a liberdade enquanto sentido pleno de vida, uma dimensão de combate.

Os humanos são chamados a superar a alienação, ter a liberdade que vai além, a liberdade que é construída na expansão do sentido pleno da vida. E, assim como Paulo, devemos saber que morte ou vida, anjos ou governos, coisas presentes ou futuras, poderes, altura ou profundidade, ou qualquer criatura não poderá nos distanciar do amor do Eterno, que está no Novo Ser, o Senhor.
























mercredi 30 décembre 2020

Mission et haute modernité

Mission et haute modernité

Lectures de The Monstrosity of Christ, de Slavoj Zizek et John Milbank


A monstruosidade de Cristo

Slavoj Zizek, John Milbank

São Paulo, Editora Três Estrelas, 2014


Jorge Pinheiro, PhD

 

Le livre de Slavoj Zizek et John Milbank, "The Monstrosity of Christ, Paradox or Dialectic", édité en 2009, rapporte un dialogue entre Zizek et Milbank sur la possibilité d'un matérialisme chrétien, sur la question de la divinité de Jésus, c'est-à-dire l'incarnation de Dieu et la lecture orthodoxe, on pourrais dire Milbank semble thomiste en défendant le scandale de l'incarnation dans l'Ontologie.


À propos de l'introduction

« Deux ou trois choses » … 


En 1967, Jean-Luc Goddard a réalisé un film inspiré d'un article sur les ménagères d'un lotissement dans la banlieue de Paris, qui se prostituaient pour alimenter une consommation superflue. Le titre du film – « Deux ou trois choses que se sais d’elle » -- se réfère à Paris dans les années 60, un portrait de la société de consommation au milieu de la pauvreté des masses et de la tragédie de la guerre du Vietnam. Dans cette étude sur la Missiologie et la Haute modernité, dans une lecture de Slavoj Zizek et John Milbank, je veux parler de deux ou trois choses qui découlent de cette discussion.


Une telle approche, comme l'amour de Goddard pour ce Paris, part également du cœur: elle est personnelle et émotionnelle et est née chez un jeune juif marxiste militant qui, plus tard, à l'âge de 37 ans, a reconnu le Messie attendu dans le rabbin de Nazareth. Et c'est précisément cet itinéraire de la vie et de la théologie qui me conduit à sympathiser avec le matérialisme chrétien pensé par Zizek.


Dans cette réflexion, je distinguerai trois choses, lorsque nous abordons la mission et la haute modernité, dans une lecture de la Monstruosité du Christ. Tout d’abord, dans la mission coloniale et euro-centrique on confond mission avec le verbe aller. Maintenant, dans la haute modernité de chaos et de crise, il devient nécessaire de penser la mission avec le verbe recevoir. Deuxièmement, dans la modernité, la logique de l'expansion coloniale et euro-centrique était la dialectique. Mais dans cette haute modernité, nous sommes appelés à penser l'analéctique. Et comme troisième chose que je pense à cela, c'est que dans la modernité, le Christ était le Logos de l’apôtre Jean, mais dans cette haute modernité, le Christ doit être compris comme un ana-logos.


Maintenant, ces trois perceptions permettent des lectures critiques de livre :   Monstruosité du Christ, dans une confrontation entre le paradoxe et la dialectique et soulèvent des préoccupations qui doivent être prises en compte lorsque en pense Mission et Haute Modernité.


En tant que juif qui n'a accepté le Messie qu’à la maturité, j'ai vécu et vivais la « monstruosité » de l'incarnation. Comme tous les non-chrétiens qui pensent au christianisme, qu'ils soient musulmans ou juifs. Et cette monstruosité de l'incarnation, Dieu / homme, homme / Dieu, ne se contente pas de défier Zizek, elle est présente dans le monde de la haute modernité et concerne aussi les exclus et les expropriés du tiers-monde.


Quand nous pensons à la Missiologie en Amérique latine, nous avons des éléments pour analyser le cri des exclus et expropriés à partir du concept de l'Autre. Et en faisant cela, en lisant le Même - que vit dans l'auto-fermeture, l'autosuffisance, l'ethnocentrisme et l'absence d'acceptation de l'Autre, n'accepte pas l'altérité.


L'ontologie, des Lumières, ou plutôt de Hegel et c'est l'un des problèmes de l'approche thomiste de Milbank, n'était pas basée sur la relation de personne à personne, mais sur la relation sujet-objet. Cette ontologie d'une personne a mené au discours solipsiste, où il n'y a pas de place pour l'Autre, puisqu'il s'agit du non-être et de la négativité. Le regard européen a été placé sur la supériorité par rapport à l'autre, externe, primitive et subalterne, ce qui a conduit à la colonisation et à l'expropriation de vies. Cette situation avait une justification missiologique: l'autre est vêtue de l'impersonnalité de l'ennemi, de l'étranger, de l'inférieur. Par conséquent, il n'y a pas de problème s'il est exterminé, car cet autre est hors de la totalité. Ce qui n'ajoute rien et qui ne rétrécit pas la totalité.


Ce mal est transmis de génération en génération. La pratique historique gagne le caractère de la loi. Par conséquent, même si elle est injuste, l'exploitation devient légale. La légalité ne peut pas être le fondement de la morale (Dussel, 1977: 85). Toutes les pratiques équitables doivent aller au-delà du pré-établissement, de l'ontologie de la totalité, au-delà de l'ordre juridique actuel. L'origine d'une morale équitable n'est pas dans le même, mais dans l'autre, c'est pour ça que la pratique qui en a résulté du même est une pratique aliénante, dominante et oppressive.


À la fin des années 60, à partir de la prise de conscience que la dialectique limitait la formulation d'une théologie du praxis, Enrique Dussel et Juan Carlos Scannone cherchaient une expansion qu'ils appelaient analéctique. L'expression, selon les chercheurs du travail de Dussel comme Euclides André Mance, a été inventée par B. Lakebrink (Mance, 1994) et traduit une relecture de l'analogie thomiste. Mais Juan Carlos Scannone a été le premier à utiliser le concept en opposant la totalité et l'altérité en disant que « ce processus, plus que dialectique, pour le distinguer de la dialectique hégélienne, je l'appelle analéctique » (Scannone 1974: 256).


Ainsi, Dussel et Scannone ont cherché une alternative à la dialectique hégélienne et marxiste classique. Ce qui était possible par l'affirmation de l'existence d'une portée anthropologique alternative au-delà de l'identité de la totalité, qui a ouvert la possibilité d'une fondation de la fondation, cessant d'être tel qu'il se distingue tel que fondé (Guldberg, 1983: 236). Plus tard, Dussel dira que leur méthode est partie de Levinas, mais qui a été comme contexte de la réalité latino-américaine. Le principe a été formulé comme une lecture éthique de la libération latino-américaine, mais quand on a défini l'éthique comme philosophie première, l’analéctique devient, en Dussel, une compréhension correcte d'une philosophie latino-américaine de la libération.


En 1976, les théologiens réunis à Dar-er-Salam ont déclaré que la méthode interdisciplinaire en théologie, et par extension la missiologie, doit tenir compte de l'interrelation entre les théologies et l'analyse politique, psychologique et sociale. Quand on affirme que la Création est fondamentalement bonne et que la présence de l'Esprit dans le monde et dans l'histoire est continue, il est important de garder à la pensée que le mal se manifeste dans l'aliénation de l'être humain dans les structures socio-économiques. Les inégalités sont diverses et ont de nombreuses formes de dégradation humaine, et nécessitent donc de comprendre l'Évangile et faire « un nouveau puits pour les pauvres » (Dar-er-Salam, 1976, thèse 32). Ce sont précisément ces lectures qui nous amènent à formuler un terme de missiologie ce que nous appelons libération.


En Amérique Latine Dépendance et Libération, Dussel déclare que dans le passage diachronique, d'entendre le mot d'un autre à l'interprétation correcte, on peut voir que le moment éthique est essentiel à la méthode. Ce n'est qu'avec l'engagement existentiel, en libérant la praxis en danger, peut-on accéder à l'interprétation, à la conceptualisation et à la vérification de la révélation du monde de l'autre (Dussel 1973: 121). De cette façon, seule la pensée européenne a apparemment placé la théorie avant la praxis, puisque « je colonise », le « je conquis » précède l’ « ego cogito ». L'exploitation et l'oppression ont créé les conditions historiques à partir desquelles est née une missiologie de la justification et du paradoxe, une fausse conscience de la réalité. La praxis de la domination formait la subjectivité du conquérant : le moi moderne est impérial, libre et violent. La pensée euro-centrique et son extension américaine dissimulent la notion émancipatrice de la modernité en tant que sortie de l'état de minorité. Cela reflète la justification de la praxis de la violence par des cultures qui s'entendent comme développées. Cette supériorité a imposé un processus civilisationnel à sens unique.


Zizek 1

Les fragments subjectifs retournent à l'être


Une affirmation de Zizek - « Nous devons, d'un point de vue matérialiste radical, penser sans crainte aux conséquences du rejet de la ‘réalité objective’ : la réalité se dissout en fragments ‘subjectifs’, mais ces fragments sont en être anonyme, en perdant sa consistance subjective » (Zizek, Milbank, 2014 : 140), nous ramène à la question du paradoxe.


L'évitement de la réalité et d'une lecture matérialiste du Christ, de l'ontologie du paradoxe, nous amène à la phrase proposée par Tertullien de Carthage, écrivain chrétien du IIIe siècle, "credo quia absurdum!", je crois parce que c'est absurde.


Cette absurdité paradoxale frappe le concret et nous appelle à plonger dans l'immensité du divin / humain. Et pour fermer les yeux et dire comme un Juif nommé Shaul, qui s'appelait Paul le petit : « Les Juifs demandent un signe, et les Grecs ont de la sagesse. Mais nous prêchons le Christ crucifié, qui est un scandale pour les Juifs, et une folie pour les Grecs ».


L'absurdité, le scandale, le paradoxe ... tout comme le fondement de la foi, la même foi qui justifie Abraham au milieu de la folie d'un père qui doit sacrifier le « fils de la promesse ». Par conséquent, la foi cesse d'être l'émunah hébreu, qui définit la position militaire, et devient un paradoxe. Pas d'illusion ni de rêverie, mais la folie de la confiance dans le divin, puisque nous ne pouvons pas comprendre.


Comme Paul Tillich, héritier de Hegel et du jeune Marx, la praxis est la médiation entre l'ontologie et la réalisation de la réalité. Cette corrélation, qui pour Tillich deviendra une méthode, est la recherche de surmonter les dialectiques antérieures, qui ont traité de la connaissance de l'être et de ses manifestations en dehors de la praxis historique. Nous devons, dans cette discussion sur la Mission et la Haute Modernité, faire ce passage en construisant une logique qui ne sera ni hégélienne ni marxiste au sens classique, mais cherchera à corréler l'ontologie, la logique et la méthodologie dans la dynamique de la praxis missiologique.


Cette corrélation avec l'extériorité caractérise la mobilité de la missiologie de la libération qui, par conséquent, sera une missiologie de la praxis. Il développe donc la voie de la corrélation entre l'extériorité et l'ontologie face à la dynamique de la praxis, traitant les formulations de méthode qui accompagnent la superposition des horizons ontologiques. De cette façon, il place l'affirmation de l'extériorité comme une source antérieure aux exigences de l'ontologie, ce qui conduit à une intersection commune : l'éthique.


La mission dans la haute modernité doit être construite à partir de deux approches, l'Autre comme révélation d'un mystère incompréhensible de la liberté et de l'Église comme une infrastructure qui dénonce le pouvoir d'exclure. Et ainsi, la foi est née de l'acte d'intelligence, c'est une façon de voir. Qui ou quoi dépasse-t-il vraiment ce que l'on voit, qui va au-delà de ce qu'on voit? Tout d'abord, l'espoir que l'Autre se révélera concrètement. Et c'est la possibilité de la production et de la reproduction de la vie qui dépasse la vue du visage. Ainsi, la missiologie de la libération signifie penser à un Autre, mais à un Autre qui se révèle dans l'histoire, qui se révèle par l'Autre, qui est le mystère incompréhensible de notre liberté. Croire à la révélation de l'Autre est de comprendre le sens de l'histoire.


Pour que la mission soit libérée, il faut découvrir la signification du présent historique. Et cela dévoile le sens du présent historique s'appelle la prophétie, la parole. Mais pour parler devant qui ? Dans la modernité, ce parler devant, nous a conduit à la lecture formelle d'aller. Nous devrions aller, parler devant. Bien sûr, la prophétie doit parler de la signification des événements présents à travers la vie chrétienne (Dussel, 1985 : 15), dans cette haute modernité du chaos et de la crise, le défi est de ne pas aller, mais de recevoir. Nous vivons dans la localité mondiale, nous ne sommes pas appelés à aller, mais à recevoir, parce que les exclus et les expropriés sont parmi nous, avec nous. Ainsi, contre la logique qui n'accepte pas l'extériorité, la mission dans la haute modernité est de recevoir et de vivre la réalité de la foi sur le terrain de la vie (Golfe, articles).


La mission libératrice reconnaît la vie du point de vue analéctique : où l'Autre se présente comme une altérité, parce qu'elle éclate comme étrange, différente, exclue, qui est en dehors du système et appelle à la justice.


Et Dosse (2012) quand parle de « Le socius et le prochain » de Ricoeur (1954) dit que « il envisage toutes les conséquences à tirer de l’inversion pratiquée par Jésus en considérant que le prochain est d’abord une rencontre avec autrui, une attitude, un comportement, une action, une praxis ».  


L'activité missiologique est une activité de confrontation qui concerne avec des personnes qui savent qui il faut interpeller, et ne pas se présenter comme spectateurs passifs.


L'analéctique est une contribution à la question méthodologique, qui part de l'extériorité, qui est réelle en raison de l'existence de la liberté humaine, capable de constituer d'autres histoires, d'autres cultures et d'autres mondes. La logique hégélienne et, par extension, la dialectique n'atteint pas l'horizon du monde, elle englobe l'Autre et l'annule dans son altérité. Mais, au-delà de l'identité divine et au-delà de la dialectique ontologique de Heidegger, il y a un moment anthropologique qui affirme une nouvelle façon de penser la missiologie.


L'analéctique est le fait que l'être humain, la communauté ou les gens sont toujours situés au-delà de l'horizon de la totalité. Le moment analéctique est le point de soutien pour les nouveaux développements. Cependant, le point de départ du discours méthodique est l'externalité de l'Autre. En alternative à la dialectique qui fonctionne avec contradiction, identité et différence, le principe n'est pas celui de l'identité, mais de la distinction. Le moment analéctique suit une séquence, la totalité est remis en question par l'interpellation provocante de l'Autre. Écouter sa parole est avoir une conscience éthique, accepter le mot d'interpellation de la personne qui parle ; pour l'interpréter correctement (Dussel, 1980 : 163-164). C'est se lancer dans la praxis des exclus et des expropriés.


Depuis le XVIe siècle, l'Amérique latine a été un continent ontologiquement opprimé par une « volonté de pouvoir » exercée dans le monde entier par l'Europe. La « volonté de pouvoir » est un pouvoir qui critique non seulement les valeurs établies, mais propose de nouvelles, propose des valeurs en totalité du côté dominant de la bipolarité. L'Amérique latine a donc l'idéal d'être européenne.


Dans l'analéctique, il devient nécessaire d'accepter éthiquement l'interprétation du cri et la médiation de la praxis. Cette praxis est constitutive, une condition de la possibilité de la compréhension : elle se traduit par l'adoption de l'extériorité, lieu de l'exercice de la conscience critique. Sans le moment analéctique, la méthode peut être considérée comme scientifique, mais elle est réduite au facteur naturel, logique ou mathématique.


Le moment analéctique est l'affirmation de l'extériorité : ce n'est pas seulement la négation de la négation du système par l'affirmation de la totalité. C'est le dépassement de la totalité à partir de la transcendantalité intérieure ou de l'extériorité de celui qui n'a jamais été à l'intérieur. Le moment analéctique est critique pour cela : c'est le dépassement de la méthode dialectique négative, mais il ne le nie pas, car la dialectique ne nie pas la science, l'assume simplement et la complète, lui donne sa juste valeur. Affirmer l'extériorité est de réaliser l'impossible pour le système, l'imprévisible pour la totalité, ce qui découle à partir de la liberté inconditionnelle et innovante (Dussel, 1980 : 164-165). Ce n'est que par de l'analéctique que l'on peut se compromettre avec l'autre, au point de risquer sa vie dans la lutte pour la libération de cet autre, en plus de permettre la justice du système. En conséquence, l'analéctique est pratique : c'est une économie, une érotique, une pédagogie et une politique qui visent à la réalisation de l'altérité humaine, une altérité qui n'est jamais solitaire, mais l'épiphanie des gens, des genres, des croyances, d'une génération, d’un temps et de l'espèce humaine (Novoa, 2001 : 151-152).


La question pédagogique n'est pas abordée par Heidegger parce qu'il pense que le « être dans le monde » ne provient que de l'homme. Mais il a oublié que celui qui donne un sens à mon monde est l'autre. C'est dans le processus pédagogique que mon monde est organisé. Quand je me trouve dans un autre, je me trouve à nouveau.


L'analéctique n'est donc pas une théorie pure comme la science et la dialectique, mais elle est pratique, car son essence constitutive est l'éthique. S'il n'y a pas de praxis, il n'y a pas d'analéctique, car la pratique - la relation personne / personne - est la condition pour comprendre l'autre et exercer la plénitude de la conscience critique devant le système. Le moment clé de la lecture analéctique est de savoir comment écouter, de savoir être disciple de l'autre, pour l'interpréter : c'est s'engager dans sa libération. Cela implique de vaincre la totalité ontologique divinisée, de descendre de l'oligarchie académique et culturelle, de s'exposer aux exclus et expropriés par le système.


Zizek 2

Le logos, le fondement de la raison ?


En citant le pape Benoît XVI de manière critique, Zizek dit : « Le pape a condamné la ‘ laïcité sans Dieu ’ dans laquelle le don divin de la raison a été mal représenté dans une doctrine absolutiste. La conclusion est claire : la raison et la foi doivent ‘ se réunir d'une autre manière ’, en décrivant leur point commun dans le Logos divin, et c'est pour ce grand Logos, pour cette ampleur de la raison, que nous invitons nos partenaires dans le dialogue entre les cultures ». (Zizek, Milbank, 2014 : 116).


Dans sa réflexion sur le dépassement des totalités ontologiques à partir de l'ouverture à l'altérité, Dussel affirme qu'un tel dépassement se produit avec la métaphysique, comprise au-delà de la totalité ou au-delà de la fondation. Et il le fait parce que la métaphysique n'est pas seulement ontologique, mais fonctionne à travers la découverte d'un plus au-delà du monde. Et comme en grec, " ana " signifie plus loin, et " logos " signifie mot, analogue prend le sens du mot qui éclate dans le monde au-delà de la fondation. La méthode ontologique-dialectique atteint la fondation du monde à partir d'un avenir, mais elle est devant l'Autre comme un visage de mystère et de liberté, d'une histoire distincte mais pas différente (Dussel, 1977 : 117-138). Par conséquent, lorsque le Logos éclate comme interpellant, il cesse d'être paradoxal, il est analogue.


La dialectique est un à travers. Dans le Logos, un premier moment surgit du mot interpellant, au-delà du monde - c'est le point de soutien de la méthode dialectique, qui passe de l'ancien ordre au nouvel ordre. Ce mouvement d'un ordre à l'autre est dialectique, mais c'est l'Autre exclu et exproprié qui est en fait le point de départ. L'analéctique est le Logos qui va au-delà. La lecture analéctique provient de cet Autre et avance dialectiquement, il y a une discontinuité qui résulte de la liberté de l'Autre. Cette méthode prend en compte le mot de l'Autre comme autre, met en dialectique toutes les médiations nécessaires pour répondre à ce mot, s'engage par la foi-positionnement dans le mot historique et toutes ces étapes, en attendant le jour où il peut vivre avec l'Autre et penser sa parole (Dussel, 1977 : 127-128).


Les antécédents de l'analéctique ont été posés par les post-hégéliens et Levinas, non par les philosophes modernes, ni par Heidegger, car ils comprennent tout dans la conception de l'être. Mais les vrais critiques de la pensée euro-centrique sont les mouvements de libération du tiers-monde, parce qu'ils écoutent l'autre, les non-européens qui ont été exclus et expropriés. Pour cela, ce qui est au-delà, la dialectique n'est pas suffisant. Il est nécessaire  l'analéctique, capable de ne pas voir mais d'entendre le mot critique de l'autre, capable d'éveiller la conscience éthique et d'accepter ce mot, par respect et foi-positionnement de l'Autre, dont l'interpellation n'est pas interprété correctement parce que sa fondation transcende notre horizon (Novoa, 2001 : 151-152). Nous partons de la critique de Levinas, mais dans Levinas l'Autre est un autre résumé, passif. Levinas est restée au milieu de la route, car il a une pédagogie, mais il manque d'une politique : il n'a jamais imaginé que l'Autre puisse être musulman. Sa méthode est épuisée au début. Par conséquent, il faut aller au-delà de Levinas et, bien sûr, au-delà de Hegel et Heidegger, au-delà de cela parce qu'ils sont ontologues et au-delà de Levinas par lui pour rester dans une métaphysique de la passivité et de l'altérité équivoque (Dussel, 1977 : 130).


Zizek 3

Les théologiens sont les vrais athées


« Il n'y a pas de preuve - et il ne peut y en avoir - que Dieu existe. Plutôt, que d'être motivé par la preuve, le croyant est motivé par le désir que Dieu existe. Ceci, cependant, est la meilleure preuve que Dieu n'existe pas, car nous ne pouvons que souhaiter qu'existe ce qui n'existe pas. Le théisme est la meilleure preuve de la non-existence de Dieu. Ceci, encore une fois, est ce que Lacan affirme effectivement : les théologiens sont les seuls athéistes vrais ». (Zizek, Milbank, 2014 : 384).


Après « La question juive », Marx fait la critique économique du christianisme. Cette critique s'adresse aux églises, car pour Marx elles sont l'expression de la misère. Mais il critique aussi la religion quand il analyse le « fétichisme marchand », car la lecture religieuse du monde réel ne disparaîtra que lorsque les conditions de vie actuelles disparaîtront. Mais pourquoi ? En quoi consiste cette lecture du monde réel ? Parce que le regard religieux voit l'existence séparée des rapports construits par les êtres humains. Mais cette existence indépendante des relations sociales, cette existence non-réelle, est un reflet d'un autre réel. Cette division entre l'apparence qui cache l'existence et dissimule la réalité est le phénomène du fétichisme. Le fétichisme de la marchandise, un mode de fétichisme étrange, consiste en ceci : il cache le caractère social du travail et se manifeste comme s'il s'agissait d'un caractère matériel des produits du travail lui-même. C'est-à-dire, par rapport à la marchandise, il en va de même dans le monde de la religion, la réalité est séparée, aliénée, des relations de travail, de l’essentiel concret et de son produit, créant une réalité apparente, comme si la valeur de la marchandise appartenait par droit à sa propre structure indépendante.


Une missiologie de la libération est une éthique de la vie. Il y a ici un passage de raison stratégique, en tant que domaine stratégique des forces sans sujet, vers la raison libératrice, située au niveau de la microphysique du pouvoir. Et je comprends cette question à partir des barricades de mai 68. Est-ce que la raison libératrice, donnée comme une synthèse de l'action critique-déconstructive, d'abord, puis d'adopter l'action constructive de règles, de sous-systèmes et de systèmes complets ? Est-ce que la raison libératrice a de l'élément qui n'est pas une raison instrumentale, mais une raison de médiation au niveau pratique ? Si la raison libératrice vise une fin réussie, il faut comprendre que, comme raison critique, cette fin est une médiation de la vie humaine elle-même, en particulier lorsque les exclus et les expropriés participent à cette action.


C'est à partir des exclus et des expropriés en tant que participants que la raison critique stratégique accomplit l'action transformatrice. Mais qui est ce sujet des transformations et comment la mission est-elle articulée avec ce sujet historique ? Maintenant, la mission est la conscience éclairée du christianisme. Agir mission peut provenir d'une église étrange pour les exclus et expropriés, mais elle s'accroche au cri de la vie non pas par des sentiments forcément religieux, mais pour aller au delá. Pour cette raison, la mission est toujours exposée aux oscillations opportunistes, parce que elle ne perd pas le lien idéologique avec le terrain maternel et son messianisme.


Mais la mission libératrice n'est pas seulement une raison stratégique qui cherche à atteindre les fins que la tactique et les circonstances imposent. En fait, vous n'avez pas les mains libres. En ce qui concerne la mission libératrice, en ce qui concerne les exclus et les expropriés, le succès dépendra des conditions de possibilité, c'est-à-dire qu'il sera impossible de séparer la théorie et la pratique. Par conséquent, la missiologie de la libération doit pouvoir intégrer les principes énoncés dans le choix des fins, des moyens et des méthodes, qui conduisent à une praxis critique et positionnent l'Autre comme analogue.


Le système mondial dans cette Haute modernité de chaos et de crise, en rendant impossibles la production et la reproduction de la vie, va approfondir son chaos et sa crise en semant la famine, la maladie, la terreur et la mort. Les victimes sont ces milliards d'êtres humains dont la dignité et la vie sont détruites en permanence. La haute modernité et sa mondialisation ont conduit à un meurtre de masse et à un suicide collectif. Ce sont les chevaux de l'Apocalypse. C'est dans ce fétichisme du capital qui se présente comme un système performatif formel, où l'argent produit de l'argent.


C'est donc pour la mission libératrice d'élever une éthique en tant que ressource face à une humanité en danger d'extinction (Dussel 2000 : 574). À cette missiologie que nous appelons la libération, c'est la coresponsabilité de la solidarité qui part du critère de la vie par rapport à la mort, de marcher avec dignité sur le chemin de la frontière, entre les abîmes de la cynique irresponsabilité éthique devant les exclus et les expropriés et la paranoïa fondamentaliste.


Nous sommes ici devant le sujet historique qui pointe vers l'espoir eschatologique, qui s'ouvrira en allant au-delà de la haute modernité, où l'être humain exclu et exproprié non seulement du système, mais du droit à la production et à la reproduction de la vie, mèttra à l’ordre de jour la question de la révolution comme promesse eschatologique. Et la missiologie de la libération doit comprendre que cette action et cette posture ne nient pas l'analogue de Christ, mais qu'elle doit cesser d'être simplement une herméneutique théorique et se développer comme une présence qui sous-tend une transformation pratique, car cela ne se produit qu'au sens strict d'une éthique de la libération, non-fondamentaliste ni salvationniste.


C'est pourquoi la missiologie de la libération doit s'efforcer de présenter un principe universel : le devoir de production et de reproduction de la vie de chaque être humain. Ce principe est objectif et subjectivement nié par le système mondial et par la mondialisation.


En ce qui concerne les considérations finales

« Deux ou trois choses » …


Et je retourne à Goddard de « Deux ou trois choses que je sais d'elle », quand il cite le Tractatus Logico-Philosophicus de Wittgenstein: « Les limites de mon monde sont les limites de mon langage ». Mais alors, nous voyons Juliette traverser Paris et dire : « Mais le monde, c'est moi ».


Le langage et la personnalité, la mission libératrice va au fil du rasoir : d'un côté est le déni de la présence et de la réception de l'Autre et, d'autre part, le fondamentalisme pro-intégration. Par conséquent, la stratégie et la tactique doivent être basées sur des critères clairs et un principe général - le devoir de production et de reproduction de la vie - qui permettent de se conformer aux médiations existantes. C'est dans ce sens que recevoir, et tout ce qu'implique, rompt la discussion très moderne entre le paradoxe et la dialectique. Il n'y a pas de paradoxe parce que le Christ est analogue et la méthode est analéctique. Les objectifs stratégiques doivent être définis dans ces principes généraux, de sorte que, avec une faisabilité éthique critique, la mission peut nier les causes du déni de la victime. Il s'agit d'une lutte déconstrutive, qui requiert des moyens proportionnels à ceux contre lesquels la lutte se dispute.


Mais si, d'une part, la mission traduit une action déconstructive dans cette haute modernité du chaos et de la crise, d'autre part elle favorise les transformations constructives projetées dans l'esperance eschatologique. Et Dieu existe dans cet esperance et cette possibilité de production et de reproduction de la vie, et le Christ n'est plus une monstruosité ou un paradoxe, mais analogue. Et c'est dans ce sens que Dieu existe et le Christ est analogue, car ils sont projetés dans l'éternel maintenant, planifié, réalisé en progression, mais jamais totalement.


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