vendredi 28 janvier 2022

Aletheia e a perda de sentido

Aletheia, em grego antigo ἀλήθεια, verdade, no sentido de desvelamento, de a-lethe, é a negação do esquecimento. Para os pensadores pré-socráticos physis, logos e aletheia formavam a base primeira do pensar filosófico. 

Aletheia transcende o humano, por ser uma palavra que se coloca fora do tempo, antes do tempo, como fundamento do tempo. É a palavra da justiça, que envolve a memória, confiança, poder de persuasão e adesão última. 

Os pensadores pré-socráticos não trabalhavam uma oposição rígida entre verdade e falsidade, por isso outros pares de opostos como memória e esquecimento, certo e errado, confiança e engano rompiam esse padrão. 

Aletheia é um conceito aberto, e não uma correspondência de julgamento. É um conceito mítico, que expressa a força da physis enquanto natureza, cosmo. Traduz a verdade dos justos e dos sábios, mas é frágil, sujeita a erro e à fraude -- uma palavra para o léthé. 

Aletheia, assim, para os pensadores pré-socráticos significava fora do lethe, fora do esquecimento, e nos fala da experiência de colocar-se fora de uma situação que a princípio deveria ser esquecida ou deixada de lado. É uma experiência ontológica. Não é apenas uma recurso de linguagem. É um conceito governado pelo lethe. Baseia-se no fato de que é necessário desvelar, trazer à revelação aquilo que estava fora ou colocado no esquecimento. Este é o âmago da expressão entre os pensadores pré-socráticos e poetas como Homero e Hesíodo. 

Desde Platão, em sua Alegoria da caverna, aletheia aparece como o brilho da idéia. Mas, há um pressuposto presente no pensamento de Aristóteles, que vai influenciar todo o pensamento moderno, quando aletheia é entendida enquanto dimensão lógica: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou seja, aletheia aparece, então, ligada ao princípio da não-contradição. Aletheia passa a traduzir a idéia de que algo realmente não pode ser e não-ser. 

E no pensamento moderno, aletheia ressurge no pensar matemático, em Descartes, e no fenômeno, em Kant. E será entendida como o "intellectus adaequatio". Assim, aletheia passa a ser compreendida na modernidade como uma correspondência entre a idéia e a coisa. Ou seja, quando esta construção do conhecimento é estabelecida a aletheia é atingida. 

Mas será Martin Heidegger quem confrontará a posição aristotélica, ao entender que a lógica fica em suspensão em relação à aletheia do ser, quando se aplica o princípio da contradição em um círculo. 

Martin Heidegger voltou ao significado original da ideia de aletheia, partindo dos pré-socráticos, Parmênides, Heráclito, Anaximandro e também de Homero, o poeta. Para os primeiros pensadores pré-socráticos, três temas -- physis, logos e aletheia -- estão em contato, porque são conceitos fundamentais para se pensar a filosofia. E essa relação deve ser mantida. 

Heidegger põe em xeque o postulado aristotélico, e volta às origens gregas para desconstruir a dimensão lógica do conceito aletheia. Ou seja, retorna à compreensão ontológica de aletheia, que exige deixar de fora do conceito a idéia exclusiva de acordo e retidão de julgamento. E assim, em Heidegger, aletheia volta a ser um conceito aberto, como fora para os pensadores pré-socráticos, em especial para Parmênides. 

Para Platão, a aletheia é um evento, e não levar em conta que o evento ocorreu produz perda de sentido, porque esse esquecimento é perda metafísica de sentido, o que para Heidegger é catástrofe e colapso. 

Aletheia em Platão não é um acontecimento em processo, mas o resultado de um processo. O acontecimento é fato dado. Ou seja, estamos diante da mutação da essência e por extensão do ser. 

Para Heidegger, aletheia caminha pari passo com o bem. E isso está posto a partir de Platão, que na República, apresenta o bem supremo como regulador, é aletheia/bem. Ou seja, Platão vai além dos pré-socráticos Parmênides e Heráclito nas suas construções primeiras de aletheia. E Heidegger seguiu a trilha aberta por Platão. 

Martin Heidegger trabalha aletheia como inauguração do estar e não como um acordo de início. Assim o conceito aletheia remete, a partir de Heidegger, a duas compreensões fundamentais: (1) eficácia: o logos não está separado de sua realização, porque traduz as forças da natureza; (2) intemporalidade: o logos é pronunciado em um tempo que escapa a sucessão de passado, presente e futuro. 

Segundo Heidegger, não podemos afirmar que hoje a aletheia deixou de existir, mas que, como entendeu Emmanuel Levinas, deu-se em relação a ela uma perda de precisão, ou seja, de sentido. 



lundi 24 janvier 2022

Lendo Oséias com Jean Calvin (1)

Eu e você no mercado de escravos 
Pr. Jorge Pinheiro

No Brasil colonial existiram diversos mercados de escravos que mantinham o rentável tráfico negreiro
No Brasil colonial existiram diversos mercados 
de escravos que mantinham o rentável tráfico negreiro
https://www.preparaenem.com/historia-do-brasil/mercado-escravos.htm 


O livro de Oséias (750-725 antes da Era Comum), no primeiro testamento, apresenta as relações do Eterno e Israel como um casamento. Essa imagem será utilizada por Isaías, Jeremias, Ezequiel e pela comunidade cristã, na relação entre Cristo e sua igreja. Podemos dizer que o tema do livro é o imutável amor do Eterno. Oséias foi cidadão de Israel. 

Fala da infidelidade do povo que deposita confiança e esperança nos falsos deuses de outras nações. Oséias experimentou em sua vida familiar o que o Eterno estava vivendo com o povo e oferece perdão e amor à sua mulher, apesar do pecado e infidelidade dela. 

Oséias e Israel 

Oséias significa salvo ou salvação. Filho de Beeri, foi profeta nos dias de Jeroboão II, rei de Israel. Foi contemporâneo do profeta Amós. Seu ministério estendeu-se por volta do ano 750 a 725 antes da Era Coum, em Israel, reino do Norte. 

Oséias vivia em Samaria. Suas experiências familiares foram usadas pelo Eterno para servir de exemplo a Israel, e como parábola do que Deus sentia pelo seu povo. 

Ele se casou com uma sacerdotisa de Baal. Através da vida de Oséias e Gômer, o Eterno ilustrou a infidelidade espiritual de Israel (Os 1.2). No casamento tiveram três filhos: Jizreel (nome do vale onde Jeú matou o rei de Israel), lo-ruama (sem amor) e lo-ami (não é meu povo (Os 1.4,6,9). Esses filhos, conforme seus nomes dizem, sentiriam vergonha por causa da vida decaída da mãe (Os 2.1-5). 

Isto representava a situação do povo: haviam traído o Eterno, prostituindo-se com o culto aos ídolos, cometendo injustiças sociais, explorando os estrangeiros, órfãos e viúvas. Israel era esposa do Eterno, deveria ter uma vida digna e socialmente responsável. 

Oséias falou da queda do Reino do Norte diante da Assíria, como Jeremias falou da queda do Reino do Sul diante da Babilônia. 

O ministério de Oséias realizou-se depois do ministério de Amós que, embora fosse de Judá, profetizou à queda Israel. Oséias foi a última voz profética antes da derrota, quando a Assíria leva as dez tribos para o cativeiro no ano 722 antes da Era Comum. 

Oséias como Amós são os únicos profetas do Antigo Testamento, cujos livros foram dedicados inteiramente ao Reino do Norte, anunciando sua destruição. 

Quando Oséias iniciou o seu ministério, durante os últimos anos de Jeroboão II, Israel tinha prosperidade econômica e de paz política. Passados quinze anos da morte do rei, quatro de seus sucessores foram assassinados. Decorridos mais quinze anos, Samaria foi incendiada, e os israelitas foram deportados para a Assíria e dispersos entre as nações. 

Eu e você no mercado de escravos 

Textos: 

Oséias 1.2-3 
Quando o SENHOR Deus falou pela primeira vez por meio de Oséias ao povo de Israel, ele disse a Oséias: - Vá e case com uma prostituta de um templo pagão; os filhos que nascerem serão filhos de uma prostituta. Pois o povo de Israel agiu como uma prostituta: eles foram infiéis e me abandonaram. Então Oséias foi e casou com Gômer, filha de Diblaim. 

O texto ilustra de forma romântica a vida do profeta, que escolhe uma jovem que é sacerdotisa de Baal, deus pagão da fertilidade. Numa rápida e limitada contextualização, diria que é como se um pastor de igreja evangélica, apaixonado, se casasse com uma jovem que exerce funções sacerdotais numa religião não-cristã. Tinha tudo para dar errado. 

Oséias 2.2-13 
O SENHOR Deus disse ao povo: - Acusem a sua mãe, façam denúncia contra ela, pois ela não é mais a minha esposa, e eu não sou mais o seu marido. Peçam que ela pare de cometer adultério e que mande embora os seus amantes. Se ela não fizer isso, eu tirarei toda a sua roupa e a deixarei nua como no dia em que nasceu. Eu farei com que ela fique como um deserto, como uma terra seca, e ela morrerá de sede. E não terei pena dos seus filhos, pois são filhos de uma prostituta. Ela se entregou à prostituição e mostrou que havia perdido toda a vergonha quando disse: "Vou buscar os meus amantes, pois eles me darão comida e bebida, roupas de lã e de linho, azeite e vinho." - Portanto, vou pôr ao redor dela uma cerca de espinhos e vou construir um muro na estrada, para que ela não encontre o caminho. Ela correrá atrás dos seus amantes, mas não os alcançará; irá procurá-los, mas não os encontrará. Então dirá: "Vou voltar para o meu marido, pois, quando vivia com ele, eu era mais feliz do que agora." Ela não compreendeu que fui eu que lhe dei o trigo, o vinho e o azeite; fui eu que lhe dei muitos presentes de prata e de ouro, que ela ofereceu ao deus Baal. 

Ela não é monogâmica, está dentro da tradição do sacerdócio de culto à fertilidade. As tribos e nações pagãs – assim como as tribos e nações hebréias – tinham como preocupação suas taxas de natalidade. Ter filhos homens era sinônimo de prosperidade, por isso a comparação com as colheitas. Os rituais para a fertilidade nos cultos a Baal eram a tradução mística de uma necessidade: não desaparecer. O culto à fertilidade era uma forma de cultuar a vida. E, logicamente, a sexualidade estava diretamente ligada à fertilidade humana. O sexo era, então, visto como ato sagrado, e parte da ação das vestais, sacerdotisas, era o ato sexual com o adorador de Baal, pois como é em cima, é embaixo, ou seja, como é com Baal, é com os homens. Assim, a fertilidade era uma das razões do culto a Baal. Apesar de um jugo tão desigual, Oséias continuou a amá-la e sustentá-la. Os presentes que Gômer recebia de Oséias ela os creditava aos adoradores, e os dedicava ao deus Baal. 

Oséias 3.1-5 
O SENHOR Deus falou de novo comigo e disse: - Vá e ame uma adúltera, uma mulher que tem um amante. Ame-a assim como eu amo o povo de Israel, embora eles adorem outros deuses e lhes ofereçam bolos de passas. Fui e comprei a mulher por quinze barras de prata e cento e cinqüenta quilos de cevada. Eu disse: - Por muito tempo, você vai esperar por mim. Durante esse tempo não se torne prostituta, nem se entregue a um amante. E eu também esperarei por você. Será assim que os israelitas passarão muito tempo sem rei ou qualquer outro chefe, sem sacrifícios ou colunas do deus Baal, sem ídolos ou deuses do lar. Mas virá o tempo em que o povo de Israel voltará a adorar o SENHOR, o Deus deles, e eles serão governados por um descendente do rei Davi. Naquele tempo, eles adorarão o SENHOR com temor e receberão dele muitas bênçãos. 

No correr de sua vida de sacerdotisa cultual, Gômer derreteu-se de paixão por um homem que não a amava, que não se importava com ela, que passou a explorar seus dons de sacerdotisa e que, depois, quando Gômer perdera os atributos essenciais ao seu trabalho, jovialidade e beleza, ele resolve vende-la como escrava. 

Nos dias em que esta história aconteceu, vivia-se uma situação de escravidão em Israel, como aquela que o Brasil viveu durante 370 anos. Quando uma mulher era levada para o mercado de escravos, ficava nua de pé diante dos mercadores, compradores e da multidão curiosa. Foi para um mercado de escravos que Gômer foi levada. 

Vocês podem imaginar a confusão, a vergonha e os comentários na multidão quando viram Oséias? "Ele veio se vingar, ver ela receber o castigo que merece". 

Então começa o leilão. Alguém oferece dez barras de prata, outro oferece doze. E Oséias diz: "dou quinze barras de prata". Outro diz: "dou quinze peças de prata e cem quilos de cevada". Oséias diz: "dou quinze peças de prata e cento e cinqüenta quilos de cevada". Soa o martelo e Oséias ganha a mulher de volta. 

E a multidão comentava: 

Por que não deixou que ela fosse vendida como escrava? Por que pagou tanto dinheiro por uma prostituta de Baal? 

Oséias não comprou sua mulher para castigá-la, mas para salvá-la da escravidão. A história de Oséias ilustra uma outra história: o Eterno nos ama e nos comprou para nos livrar da escravidão. E na sua primeira carta o apóstolo Pedro (1.18-19) disse: 

Pois vocês sabem o preço que foi pago para livrá-los da vida inútil que herdaram dos seus antepassados. Esse preço não foi uma coisa que perde o seu valor como o ouro ou a prata. Vocês foram libertados pelo precioso sangue de Cristo. 

E na primeira carta aos coríntios (6.20) o apóstolo Paulo diz aos membros da igreja que estavam envolvidos com problemas de adultério e incesto: ele os comprou e pagou o preço. Portanto, usem o seu corpo para a glória dele. 

A primeira lição de Oséias é: 

Se você fosse servir ao Eterno, de hoje até o dia de sua morte, Ele não o amaria mais do que o ama agora. Porque o Eterno não o ama por causa do que você faz, Ele ama você apesar do que você faz. 

A segunda lição de Oséias é: 

Homens e mulheres que não conhecem ao Eterno, pessoas de corações partidos, lares desfeitos e vidas destruídas, pessoas que sofrem a escravidão do mundo e clamam, como Castro Alves em Vozes d'África: 

Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? 
Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes 
Embuçado nos céus? 
Há dois mil anos te mandei meu grito, 
Que embalde desde então corre o infinito... 
Onde estás, Senhor Deus?... 

A resposta de Oséias é: "O Eterno está ao seu lado" . 

Este é o Eterno que foi à cruz do Calvário, e que através do túnel de um túmulo vazio saiu em busca de homens e mulheres que tiveram suas almas leiloadas no mercado de escravos deste mundo tenebroso. 

Quando as pessoas gritam: "onde está o Eterno?" A resposta é sempre a mesma. o Eterno está aqui. Ele comprou você pagando com a vida e o sangue. As correntes foram quebradas. Você está livre. Venha, saia do mercado de escravos. Cristo, o Filho, quer abraça-lo. Venha, venha com fé. Não existe maior amor do que este: dar a vida pelo pecador. 

Lições de amor 

Oséias 2.14-23 
14 Deus diz ao povo de Israel: Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor. 15 Ali, eu devolverei a ela as suas plantações de uvas e transformarei o vale da Desgraça em porta de esperança. Então ela falará comigo como fazia no tempo em que era moça, quando saiu do Egito. 16 Mais uma vez ela me chamará de “meu marido”, em vez de me chamar “meu senhor” (meu baal). 17 Nunca mais deixarei que ela diga o nome baal, nunca mais ela falará desse deus. Sou eu o Senhor quem está falando. 18 Naquele dia, farei a favor dela uma aliança com os animais selvagens, com as aves, com as cobras, para que não ataquem a minha amada. Quebrarei as armas de guerra, os arcos e as espadas. Não havará mais guerra e o meu povo viverá em paz e segurança. 19 Israel, eu casarei com você, e para sempre você será minha legítima esposa. Eu tratarei você com amor e carinho, 20 e serei um marido fiel. Então, você se dedicará a mim, o Senhor. 21 Naquele dia, serei o Deus que atende: atenderei o pedido dos céus, os céus atenderão o pedido da terra, dando-lhe chuvas. 22 E a terra responderá produzindo trigo, uvas e azeitonas. Assim, eu atenderei as orações do meu povo de Israel. 23 Plantarei o meu povo na Terra Prometida para que eles sejam a minha própria plantação. E eu amarei aquela que se chama Não-Amada, e para aquele que se chama Não-Meu-Povo eu direi: “Você é meu povo” e ele responderá: “Tu és meu Deus”. 

1. Vou seduzir a minha amada e levá-la de novo para o deserto, onde lhe falarei do meu amor. 

O deserto foi um tempo de cuidado (Os 12.9) diferente do vale da Desgraça, onde Acã e sua família foram apedrejados por terem desobedecido a Deus levando despojos de Jericó. (Js 7.24-26). 

2. Ela me chamará de “meu marido” 

Isaías 54:4-5 Não temas, porque não serás envergonhada; não te envergonhes, porque não sofrerás humilhação; pois te esquecerás da vergonha da tua mocidade e não mais te lembrarás do opróbrio da tua viuvez. 5 Porque o teu Criador é o teu marido; o SENHOR dos Exércitos é o seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor; ele é chamado o Deus de toda a terra. 

Oséias faz um trocadilho com a palavra baal, que era o deus da fertilidade dos cananeus, mas que quer dizer também senhor. Meu marido aqui tem o sentido de “meu amado”, “meu querido”, “meu homem” “meu herói” como no canto da sulamita em Cantares 1.12-14. 

3. E para sempre você será minha legítima esposa. 

Minha legítima esposa é uma nova aliança (Jr 31.31-34, Ap 19.7) construída com amor e carinho (Os 6.6, 11.3-4). 

Oseias e a metáfora Gômer, segundo Jean Calvin 

O reformador Jean Calvin (1509-1564), que a partir daqui vamos aportuguesar o nome dele, no Comentário sobre Oséias considerou a história de Gômer e seu casamento com Oséias uma parábola, ou seja, uma ilustração do sermão que o Profeta pregou aos israelitas. Pela importancia da exegese, publicamos aqui este texto de Calvino, que ele próprio chamou de Dissertação. 

Vá, ele diz, toma para ti uma mulher de devassidões e filhos de devassidões; e adiciona-se a razão, pois pela fornicação, ou libertinagem, tornou-se a terra dissoluta. Indubitavelmente, fala ele aqui dos vícios que o Senhor há muito agüentava com inexprimível paciência. Pela devassidão pois a terra se tornou desenfreada, para que não siga a Jeová. 

Muito labutam aqui os intérpretes, pois parece mui estranho que o Profeta tomasse por esposa uma meretriz. Dizem alguns que esse foi um caso extraordinário6. Decerto uma tal liberdade não teria sido tolerada em um mestre. Vemos o que Paulo requer em um bispo, e não há dúvidas de que o mesmo era requerido anteriormente nos Profetas: que suas famílias deveriam ser castas e livres de toda nódoa e mancha. Teria sido pois expor o Profeta ao escárnio de todos caso tivesse ele adentrado um bordel e tomado para si uma prostituta; pois ele não fala aqui apenas de uma mulher não casta, mas de uma mulher de devassidão, o que significa uma meretriz comum, pois é ela chamada uma mulher de devassidão, que desde muito tempo estava habituada a isso, a qual expunha a si mesma a todos, para gratificar-lhes o desejo, a qual se prostituía a si própria, não uma ou duas vezes, nem para alguns homens, mas para todos. Que tal fosse feito pelo Profeta parece mui improvável. 

Mas alguns replicam, como disse eu, que isso não deve ser reputado como regra comum, pois foi um mandamento extraordinário de Deus. E, todavia, não parece coerente com a razão, que o Senhor, dessa forma injustificável, faça com que seu Profeta seja desprezível; pois como podia ele esperar ser recebido ao aparecer diante do público, após haver trazido sobre si mesmo uma tal desgraça? Se ele houvesse se casado com uma mulher tal como a que é aqui descrita, deveria ter se ocultado por toda a vida em vez de se incumbir do ofício profético. A opinião de quem pensa que o Profeta tomara uma esposa semelhante à aqui descrita, por conseguinte, não é provável. 

Depois, um outro motivo, totalmente irresolúvel, milita contra eles; pois não apenas se ordena ao Profeta que tome uma esposa de devassidão, mas ainda filhos de devassidão, gerados por prostituição. Logo, é como se ele mesmo houvesse cometido prostituição7. Pois, se dissermos que ele se casou com uma mulher que dantes se conduzira com alguma indecência e falta de castidade (como Jerônimo em detalhes argumenta para desculpar o Profeta), a escusa é frívola, pois ele não fala somente da esposa, mas também dos filhos, visto que Deus teria a prole toda como sendo adulterina, e isso não podia ser o caso de um casamento legal. Por isso, quase todos os hebreus concordam com esta opinião, que o Profeta não esposou realmente uma mulher, mas que lhe foi ordenado a fazer isso em uma visão. E veremos no capítulo terceiro quase a mesma coisa descrita; contudo, o que está ali narrado não podia realmente ter sido feito, pois é mandado ao Profeta que se case com uma esposa que violara sua fidelidade conjugal e, depois de a ter comprado, retê-la em casa por um tempo. Isso, sabemos, não foi feito. Segue-se então que isso foi uma representação exibida ao povo. 

Alguns objetam dizendo que a passagem inteira, tal como dada pelo Profeta, não pode ser compreendida como aludindo a uma visão. Por que não? Porque a visão, dizem, foi dada só a ele, e Deus tinha em consideração o povo todo, em vez do Profeta. Porém, pode ser, e é provável, que visão nenhuma foi apresentada ao Profeta, mas que Deus apenas lhe ordenou proclamar o que lhe tinha sido dado como responsabilidade. Logo, quando o Profeta começou a ensinar, ele iniciou com algo desse jeito: “O Senhor me coloca aqui como em um palco, para vos fazer saber que me casei com uma mulher, uma mulher habituada a adultérios e prostituições, e que por ela gerei filhos”. O povo todo sabia que ele não fizera tal coisa; porém, o Profeta assim falou a fim de pôr perante seus olhos uma vívida representação. Tal, pois, foi a visão, uma exibição figurada, não que o Profeta soubesse disso por uma visão, mas o Senhor lhe ordenara a relatar tal parábola (modo de dizer), ou tal comparação, para que o povo pudesse ver, como num retrato vivo, a torpeza e perfídia desse. 

É, em suma, uma exibição, na qual a coisa mesma não é somente apresentada em palavras, mas também é colocada, por assim dizer, diante dos olhos deles de forma visível. A razão é acrescentada: pois pela devassidão a terra se tornou dissoluta. 

Vemos agora então como as palavras do Profeta devem ser entendidas; pois ele assumiu um personagem perante o público, e nesse personagem ele disse ao povo que Deus lhe havia ordenado tomar para sua esposa uma meretriz, e por ela gerar filhos adulterinos. Seu ministério não se tornou, devido a isso, desprezível, pois todos eles sabiam que ele sempre vivera virtuosa e sobriamente; todos sabiam que sua casa era isenta de todo vitupério; mas aqui ele se exibia nesse suposto papel, como o fez, uma imagem viva da vileza do povo. Tal é o significado, e não vejo nada forçado nesta explanação; e vemos, ao mesmo tempo, o sentido dessa oração: Pela devassidão a terra se tornou dissoluta. 

Oséias poderia ter dito isso numa palavra só, mas ele se dirigia ao surdo, e sabemos quão grande e quão estúpida é a loucura daqueles que se deleitam em suas próprias superstições e que não podem suportar qualquer censura. O Profeta, então, não teria sido levado em consideração, a menos que tivesse exibido, como em um espelho perante os olhos deles, o que desejava que fosse compreendido por eles, ainda que houvesse dito: “Se nenhum de vós pode conhecer a si mesmo de modo a reconhecer sua pública vileza, se sois vós tão obstinados contra Deus, pelo menos agora saibais, pelo meu personagem simulado, que sois todos adúlteros, e vossa origem provém de um bordel imundo, pois Deus assim declara a respeito de vós; e, como não estais dispostos a receber uma tal declaração, é agora posto perante vós em meu suposto papel”. 

Que ela não segue a Jeová, literalmente: De após Jeová, hwhy yrjam, me’acharei Yeowah. Vemos aqui qual é a castidade espiritual do povo de Deus, e qual é também a significação da palavra devassidão. Então, a castidade espiritual do povo de Deus é seguir o Senhor; e o que mais é esse seguir, senão aceitar que sejamos nós mesmos governados por sua palavra, e de bom grado obedecê-lo, estar pronto e preparado para qualquer obra à qual ele nos chame? Quando então o Senhor vai adiante de nós com sua instrução e nos mostra o caminho, e nos tornamos educáveis e obedientes, e olhamos para ele, e não nos desviamos, seja para a direita, seja para a esquerda, mas trazemos toda nossa vida à obediência de fé — isso é realmente seguir o Senhor; e é a mais bela definição da castidade espiritual do povo de Deus. 

E também podemos, a partir do oposto disso, aprender o que é se tornar dissoluto; tornamo-nos assim quando nos apartamos da palavra do Senhor, quando damos ouvidos às falsas doutrinas, quando nos abandonamos às superstições; quando, em suma, nos transviamos após nossos próprios planos, e não mantemos nossos pensamentos sob a autoridade da palavra do Senhor. Mas, quanto à palavra devassidão, mais será dito no capítulo 2; contudo, apenas quis por ora tocar brevemente no que o Profeta quer dizer quando repreende os israelitas por terem todos se tornado devassos. 

Dissemos nós, na Dissertação de ontem, que Deus ordenou a seu Profeta que tomasse uma mulher de prostituições, mas que tal não foi, em realidade, feito; pois que outro efeito podia ter tido isso, senão fazer com que ele se tornasse desprezível a todos? E, dessa maneira, sua autoridade teria sido reduzida a nada. Porém, Deus somente quis mostrar aos israelitas, mediante uma tal representação, que eles se jactavam sem razão; pois nada tinham que fosse digno de encômio, mas eram, de todos os modos, ignominiosos. É dito então: Oséias foi e tomou para si Gômer, a filha de Diblaim. rmg,,, Gômer, em hebraico, quer dizer falhar; e algumas vezes significa, ativamente, consumir; e, por isso, Gômer tem o sentido de consumo. Contudo, Diblaim são pastas de figo, ou figos secos reduzidos a uma pasta. Os gregos as chamam palaqaV palathas. Os cabalistas dizem aqui que a esposa de Oséias foi chamada por esse nome, porque aqueles que são muito dados à libertinagem finalmente caem em morte e corrupção. 

Assim, consumo é a filha de figos, pois por figos eles entendem a doçura das concupiscências. Mas ficará mais simples dizer que essa representação foi exibida ao povo, que o Profeta pôs diante deles, em vez de uma esposa, consumo, a filha de figos; ou seja, que colocou perante eles pastas de figos ou palaqaV, representando Gômer, que quer dizer consumo, e ele adotou uma maneira similar à dos matemáticos, quando descrevem suas figuras — “Se isso for tanto, então aquilo é tanto”. Podemos então compreender a passagem, que o Profeta aqui dá, para nome de sua esposa, as pastas deterioradas de figos; de modo que ela era consumo ou putrefação, nascida de figos, reduzida em tais pastas. 

Pois ainda persisto eu na opinião que ontem expressei, que o Profeta não entrou em um lupanar para tomar uma esposa para si: pois, de outro modo, teria ele gerado bastardos, e não filhos legítimos; pois, como foi dito ontem, a situação da esposa e dos filhos era a mesma. 

Fonte 

João Calvino, Comentário sobre Oseias, cap. 1, pp. 28-31, tradução para o português de Vanderson Moura da Silva, a partir da tradução inglesa de John Owen do original em latim. 
www.monergismo.com/textos/livros/Oseias-Comentario-livro_Joao_Calvino.pdf 

Oséias 3:1-5 
1 O Senhor me disse: "Vá, trate novamente com amor sua mulher, apesar de ela ser amada por outro e ser adúltera. Ame-a como o Senhor ama os israelitas, apesar de eles se voltarem para outros deuses e de amarem os bolos sagrados de uvas passas". 2 Por isso eu a comprei por cento e oitenta gramas de prata e um barril e meio de cevada. 3 E eu lhe disse: Você viverá comigo por muitos dias; você não será mais prostituta nem será de nenhum outro homem, e eu viverei com você. 4 Pois os israelitas viverão muitos dias sem rei e sem líder, sem sacrifício e sem colunas sagradas, sem colete sacerdotal e sem ídolos da família. 5 Depois disso os israelitas voltarão e buscarão o Senhor, o seu Deus, e Davi, seu rei. Virão tremendo atrás do Senhor e das suas bênçãos, nos últimos dias. 

Lendo Oséias com João Calvino 

Estamos fazendo nossa devocional hoje no capítulo 3 de Oseias. Como já dissemos, a palavra do Senhor foi pregada por ele nos tempos dos reis de Judá Uzias, Jotão, Acaz e Ezequias; e, nos tempos do rei do norte, Jeroboão II (cerca de 786-746 a.C.), filho de Joás. 

Este capítulo completa a figura da vida familiar de Oséias. 

“Deveras, o Profeta quer dizer que Deus se antecipa a nós com sua mercê; caso contrário, temos o nosso acesso a ele tolhido. Então Deus, de sua boa vontade, adianta-se, estende-nos sua mão e, em seguida, vem o consentimento da nossa fé. Por essa razão Deus, primeiramente, fala aos israelitas, para que eles soubessem que eram agora reputados por povo dele: e então, após Deus haver testificado seu favor, eles respondem: Tu começastes, de agora em diante, a ser nosso Deus‟. Por isso, vemos que o princípio de todo bem vem de Deus, quando ele faz de estranhos, amigos, e adota como seus filhos aqueles que outrora eram seus inimigos”. (João Calvino, Comentário de Oseias, cap. 3). 

“A essência desse capítulo é que era propósito de Deus guardar, em firme esperança, as mentes dos fiéis durante o exílio, para que não fossem engolfados com desespero que os desfalecesse de todo. O Profeta falara antes da reconciliação de Deus com o seu povo; e ele, esplendidamente, exaltara tal favor quando disse: Vós sereis como no vale de Acor, eu restituirvos-ei a abundância de todas as bênçãos; em uma palavra, vós sereis, em todos os aspectos, felizes‟. 

A experiência profética de Oséias (1.2-3.5) 

Este trecho fala da experiência de Oseias com o seu casamento, o divórcio e o novo casamento com Gômer simbolizando o relacionamento de Deus com Israel, ou seja, era a sua experiência profética. 

Oseias contou a sua experiência familiar corno uma ilustração do relacionamento de Deus com o Reino do Norte, Israel. Esses capítulos podem ser divididos em três seções: 

A. A esposa e filhos de Oseias (1.2-2.1); a iminente destruição (1.2-9); a restauração (1.10-2.1) 

B. O castigo e a reconciliação (2.2-23) 

C. Oseias ama novamente (3.1-5). 

Mas, no meio-tempo, a miséria cotidiana do povo prosseguia. Deus, de fato, tinha determinado removê-los a Babilônia. Eles podiam, por conseguinte, ter se desesperado sob aquela calamidade, como se toda esperança de libertação lhes fosse inteiramente retirada. Por isso, o Profeta agora revela que Deus restauraria o povo à mercê, de modo que não apagaria imediatamente toda lembrança da ira dele Deus, mas que a intenção era continuar, por um tempo, com certa medida da severidade divina”. (João Calvino, idem, op, cit., cap. 3) 

O Senhor disse-me: "Ama essa mulher, mesmo que seja amante de outro e viva em adultério. Faz como eu, o Senhor, que amo os israelitas, apesar de se voltarem para outros deuses, desejosos das tortas de uvas " (V. 1) 

Oséias ama novamente 

Estaremos vendo neste curtíssimo capítulo de apenas cinco versículos que Oseias conta de modo autobiográfico a sua reconciliação com a esposa Gômer após o divórcio. Sua reconciliação prenunciou a reconciliação de Deus com Israel após o exílio. 

Foi o próprio Senhor quem disse a Oseias para ir outra vez amar uma mulher, amada de seu amigo e adúltera. O estarrecedor pedido de Deus, feito por causa de seu amor leal, protetor e generoso pelo Israel infiel (e não merecedor). 

E o Senhor continua a dizer e afirma que ama os filhos de Israel embora eles se desviem dele para outros deuses e amem passas de uvas ou bolos de passas. 

As iguarias preparadas com uvas passas e associadas a ocasiões especiais (2Sm 6.19); pode ter sido usada na adoração a Baal como um afrodisíaco (Ct 2.5). 

Em obediência ao Senhor ele vai e compra para ele uma mulher por apenas quinze peças de prata e um hômer e meio de cevada. O pagamento, aproximadamente metade em prata e metade em espécie, foi de cerca de trinta peças e isso representava quase o valor de um escravo; confira com Êx 21.32 (Se o boi escornear um servo, ou uma serva, dar-se-á trinta siclos de prata ao seu senhor, e o boi será apedrejado.). 

Podemos ver na restauração do povo de Deus três fases importantes: 

A restauração dos israelitas dispersos começou realmente a acontecer no Pentecoste (At 2.38-46). 

Ela continua pela pregação do evangelho por todo o mundo (Rm 1.16). 

Será somente completada com a inclusão dos judeus arrependidos no novo céu e na nova terra (Ap 7.9; cf. Rm 9.1-29). 

Depois disso, sem ter o seu rei, príncipe, sacrifício, coluna, éfode ou terafins, tornarão os filhos de Israel e buscarão ao Senhor, seu Deus e a Davi, seu rei. Essa é de fato Uma esperança messiânica direta. 

Oseias expressou a certeza de que servir a Deus, na restauração, incluía servir ao grande filho de Davi. O Novo Testamento indica que Jesus é o filho de Davi. 

O arrependimento para a vida, portanto, deve incluir o conhecimento de Jesus como Salvador e Senhor. 

Essa busca seria com tremor – vs. 5, ou seja, conhecer a soberania singular de Deus encheria o verdadeiro Israel de Deus de grande reverência (GI 6.15) – e nos últimos dias (terminologia derivada do resumo feito por Moisés do futuro de Israel, em Dt 4.30). Ele identificou "os últimos dias" com os dias do retorno do exílio. 

Deus mandou que Oséias tomasse de volta a sua esposa, aheb, porque Ele tem amor, carinho, amizade por seu povo, por isso mesmo depois do pecado de idolatria, arrependimento, perdão e reconciliação são possíveis. Recuperei então a minha mulher por quinze moedas de prata e seiscentos litros de cevada. (V. 2). Oséias obedeceu, comprando de volta a sua mulher. O valor pago equivale o valor de uma escrava. Mas se o boi matar um escravo ou uma escrava, o boi será apedrejado até morrer e o senhor do escravo ou da escrava, receberá do dono do boi trinta moedas de prata. (Êxodo 21:32). 

Por isso lhe digo: "Viverás comigo por muito tempo. Não pratiques a prostituição, nem te entregues a homem algum. E eu farei o mesmo para contigo." (3) Oséias e Gômer não voltaram imediatamente a ter relações conjugais. Ele esperou para ver se ela ficaria longe dos amantes. Não cometeria mais zanah adultério, fornicação, prostituição. Também o povo de Israel ficará por muito tempo sem rei e sem chefes, sem sacrifícios e sem monumentos religiosos, sem insígnias nem dados para oráculos. (4). Em relação à nação, Deus deixaria o povo sem liderança e sem as coisas necessárias para adorá-lo corretamente. Ao mesmo tempo, ficariam sem os ídolos. Mais tarde, o povo de Israel voltará a procurar o Senhor, seu Deus, e o descendente de David para seu rei. No futuro, procurarão com todo o respeito o Senhor e os seus favores. (5) No final, Israel seria reconciliado com Deus. Este versículo se refere à restauração espiritual do povo na nova Aliança. Davi simboliza Jesus. Os últimos dias se referem à época do novo Testamento. Por meio de Jesus, Israel espiritual se aproxima do Senhor. Pois pela fé que vos une a Jesus Cristo säo todos filhos de Deus. 27 Com efeito, todos os que foram baptizados em Cristo revestiram-se das qualidades de Cristo. 28 Näo há diferença entre judeus e näo-judeus, entre escravos e pessoas livres, entre homem e mulher. Agora constituem um todo em uniäo com Cristo Jesus. 29 E se säo de Cristo, entäo säo descendência de Abraäo e herdeiros de acordo com a promessa. (Gálatas 3:26-29), O povo retorna, mas ainda não está em plena comunhão com Deus. Assim o profeta indica um tempo entre a volta do cativeiro e a vinda de Davi Jesus) para fazer paz entre o povo e Deus. 

“Temos agora que considerar a segunda oração, acerca do Rei Davi. O Profeta nos diz que, quando os israelitas forem movidos pelo desejo de buscar a Deus, eles também buscarão a Davi, rei deles. Haviam se apartado, como é bem conhecido, da sua lealdade a ele; conquanto Deus houvesse posto Davi sobre todo o povo por este motivo — para que fossem todos felizes debaixo de seu poder e domínio, e permanecessem a salvo e seguros, como se contemplassem a Deus com seus próprios olhos; pois Davi era, por assim dizer, o anjo de Deus. Então, a revolta do povo, ou das dez tribos, era como uma renúncia ao Deus vivo. O Senhor disse a Samuel: Não foi a ti que desprezaram, mas a mim‟ (1 Sm 8.7): caso pior ainda com respeito a Davi, a quem Samuel, a mando de Deus, ungira, e a quem o Senhor honrara com tantos elogios notáveis; eles não podiam ter repelido o jugo dele sem rejeitarem abertamente, por assim dizer, ao próprio Deus. Por essa razão, não é sem fundamentos que Oséias, falando da penitência do povo, menciona isto de maneira inequívoca — que eles retornarão a Davi, rei deles: pois não podiam buscar a Deus de coração sincero sem se sujeitarem àquela autoridade legal à qual estiveram presos, não por homens, nem por acaso, mas por ordem de Deus”. 

“É absolutamente verdadeiro que Davi era então morto; porém, Oséias aqui expõe, na pessoa de um homem, aquele reino eterno que os judeus sabiam que duraria como o sol e a lua: pois bem conhecida lhes era esta indescritível promessa: Enquanto o sol e a lua brilharem no céu, eles serme-ão fiéis testemunhas, para que o trono de Davi continue‟ (Sl 72.5,18). 

O Novo Testamento deixou claro o preço final da redenção para o povo de Deus: o sangue de Cristo (1 Pe 1.18). 

Oseias comprou a sua mulher pelo preço ajustado e também lhe disse que ela deveria esperar por ele muitos dias sem se prostituir, sem ser a mulher de outro homem e ele, de sua parte, esperaria também por ela. 

As instituições políticas e religiosas básicas de Israel tanto as legítimas (o sacrifício e a estola sacerdotal; Êx 28.31) como as ilegítimas (postes-ídolos ou colunas [Dt 16.21-22] e imagens ou ídolos do lar (Zc 10.21) - seriam eliminadas como castigo). 

A menção de muitos dias se refere à ação profética do vs. 3 que simbolizava o período de espera anterior à grande restauração. O Novo Testamento ensina que essa restauração por tanto tempo esperada começou com a primeira vinda de Cristo e será completada com o seu retorno – (Rm 8.18-27). 

Estamos aguardando o retorno de Cristo e as conclusões das profecias relativas ao seu reino. Nossa esperança é a sua volta, pois o mundo não parece mesmo ter jeito, embora nele vivamos e estamos aqui para dar testemunho de nossa fé. 

Seria por muitos dias – vs. 4 – que ficaríamos sem rei, sem príncipe, sem sacrifício, sem coluna, sem éfode ou terafins. O desapossamento (ou seja, o exílio) levaria à restauração. A restauração não aconteceria sem um filho de Davi no trono (Am 9.11). Essa exigência foi cumprida por Jesus. 

Embora os exilados que retornaram nos dias de Zorobabel e depois sob a liderança de Esdras e Neemias tivessem demonstrado certo arrependimento, eles não o fizeram com bastante consistência. 

Por isso, após a morte de Davi, o Profeta mostra aqui que seu reino seria para sempre, pois ele sobrevivia em seus filhos; e, como parece, inegavelmente, eles normalmente chamavam seu Messias o filho de Davi. Devemos agora, necessariamente, vir a Cristo: pois Israel não podia procurar seu rei, Davi, que estava morto há muito tempo; mas teriam de buscar aquele Rei que Deus prometera da posteridade de Davi. Tal profecia, então, sem dúvida se estende a Cristo: e fica manifesto que a única esperança de o povo ser reunido era esta, que Deus atestasse que daria um Redentor. 

“Percebemos agora, então, o que o Profeta tinha em vista: os israelitas se tornaram degenerados; e, pela perfídia, deixaram de ser o verdadeiro e genuíno povo de Deus, já que continuavam apartados da família de Davi. O Profeta, falando da plena restauração deles, agora associa Davi com Deus; pois eles não podiam ser restaurados ao corpo da Igreja sem se unirem com os judeus na glorificação da mesma cabeça única. Contudo, precisamos, ao mesmo tempo, lembrar que o rei, a quem o Profeta menciona, não é Davi, que há muito estava morto, mas seu filho, a quem a perpetuidade de seu reino fora prometida”. 

“Tal doutrina é especificamente útil para nós; pois ela demonstra que Deus não é para ser procurado exceto em Cristo, o mediador. Qualquer um, então, que abandona a Cristo, abandona o próprio Deus; pois, como João diz: Aquele que não tem o Filho, não tem o Pai (1.ª de João 2.23). E os fatos mesmos provam isso; pois Deus mora na luz inacessível; quão grande, então, é a distância entre nós e ele? A não ser que Cristo, então, apresente-se a si mesmo para nós como uma pessoa intermediária, como podemos nós ir a Deus? Mas então, somente começamos a realmente procurar Deus quando voltamos nossos olhos a Cristo, que voluntariamente oferece a si mesmo para nós. Esse é o único caminho para se buscar a Deus de maneira acertada”. 

“Alguns, com mais refinamento, disputam que Cristo é Jeová, porque o Profeta diz que ele é para ser procurado de nenhum outro modo que Deus não o seja. Pela palavra, procurar, o Profeta deveras quer dizer que os israelitas não possuíam nenhum outro meio de estarem a salvo e seguros senão fugindo para debaixo da tutela e proteção do legítimo rei deles, a quem sabiam haver sido divinamente ordenado por eles. Isso, pois, não seria suficiente para confutar os judeus. Eu interpreto a passagem de uma maneira mais simples, como significando que eles buscariam o seu Deus na pessoa do rei, cuja mão e esforços esse tencionava empregar na preservação do povo”. 

“Segue-se mais adiante: E eles temerão Jeová e sua bondade nos últimos dias. O verbo pachad algumas vezes significa: temer, ficar apavorado como aqueles que estão tão aterrados que perdem toda a coragem. Porém, aqui deve ser tomado em um bom sentido, recear, como se afigura evidente pelo contexto. Depois, ele diz: Eles temerão Deus e a sua bondade. Os israelitas antes sacudiram o jugo divino: pois foi uma prova do petulante menosprezo deles erigir um novo templo; inventar, de sua própria volição, uma religião nova; e, em uma palavra, permitirem a si próprios uma desenfreada licenciosidade. Por isso ele diz: Eles, a partir de agora, começarão a temer a Deus, e persistirão no serviço dele”. 

“E ele acrescenta, e sua bondade; pela qual ele quer dizer que Deus não seria receado por eles, mas que esse docemente os atrairia para si mesmo, para que obedecessem espontânea, livre e, ainda, jubilosamente: e, indubitavelmente, Deus então nos faz sim realmente temê-lo, quando nos concede uma amostra de sua bondade. Pois a majestade divina infunde-nos terror; e nós, no meio tempo, buscamos lugares escondidos; e, caso nos fosse possível apartar dele, cada um de nós faria isso de forma contente; mas não é adorar a Deus com a devida glória quando fugimos para longe dele. É, então, um senso de sua bondade que nos leva a reverentemente temê-lo. 

Contigo, diz Davi, está o perdão, para que possas ser temido (Sl 130.4): pois, a não ser que os homens saibam que Deus está pronto para ficar em paz com eles, e se sintam seguros de que ele lhes será propício, ninguém o procurará, ninguém o temerá, pois, sem conhecer isso, não poderíamos senão desejar que sua glória fosse abolida e extinta, e que ele ficasse destituído de autoridade, para que não se tornasse nosso juiz. Mas todo aquele que provou da bondade do Senhor, assim ordena a si próprio para obedecer a Deus. 

O que o Profeta, então, tem em vista quando diz, eles então temerão a Deus, é isto, que compreenderão que ficaram miseráveis enquanto estiveram alheados dele, e que a verdadeira felicidade é se submeter à sua autoridade”. 

“Mas, ainda, tal bondade tem que ser alusiva a Cristo. Alguns tomam thubu, por glória, como em Êxodo 33; mas o nexo dessa passagem exige que a palavra seja tomada em seu sentido próprio. E a bondade divina, sabemos, é para ser exibida em nós em Cristo, para que nenhuma partícula dela seja procurada em nenhum outro lugar: pois dessa fonte devemos extrair tudo o que se refira à nossa salvação e felicidade de vida. Que, então, saibamos que Deus não pode ser de coração adorado por nós, senão quando o contemplamos na pessoa de seu Filho, e sabemos que ele nos é um Pai amoroso: por essa razão, João diz: Aquele que não honra o Filho, não honra o Pai (João 5.23)”. 

“Por fim, ele adiciona, no fim dos dias; pois o Profeta queria outra vez fazer lembrar aos israelitas do que ele dissera antes — que eles precisavam de longa aflição, pela qual Deus,gradativamente, reforma-los-ia. Ele então mostra que a perversidade deles era tal, que não seriam trazidos logo a uma mente direita: mas que isso seria no fim dos dias. Ao mesmo tempo, ele consola as mentes dos piedosos, para que eles, pelo cansaço, não ficassem desfalecidos: pois, conquanto não experimentassem de início a bondade divina, o Profeta os lembra de que não havia nenhuma razão para desespero, porque o Senhor manifestaria sua bondade no término dos dias”. 

“Podemos acrescentar que tal término de dias teve seu início no retorno do povo. Quando a liberdade foi outorgada aos judeus, para retornarem ao seu país, foi o término ou plenitude de dias de que o Profeta fala. Mas uma série contínua do retorno do povo até à vinda de Cristo precisa, ao mesmo tempo, ser percebida; pois o Senhor, ali, executou mais completamente o que declara aqui por seu Profeta. Por isso, em toda parte na Escritura, em especial no Novo Testamento, a manifestação de Cristo é colocada nos últimos tempos. Esse capítulo está agora explicado” (João Calvino, op. cit., cap. 3). 


Jean Calvin

<p><a href="https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Jean_Calvin.png#/media/Fichier:Jean_Calvin.png"><img
src="https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/44/Jean_Calvin.png" alt="Image dans Infobox."></a><br>Par <a rel="nofollow" class="external autonumber" href="http://photos.geni.com/p13/c8/dd/af/1a/5344483d3d58394e/jean_calvin_large.jpg">[1]</a>, Domaine public, <a href="https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=191710">Lien</a></p>



dimanche 23 janvier 2022

Sermão vespertino para o terceiro dia comum

 A mãe e a hora de Jesus

Sermão vespertino de 22 de janeiro de 2012

Pr. Jorge Pinheiro


Versículo-chave

Deste modo, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais. Assim manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele”. (João 12.11)


No terceiro dia (depois do encontro com Felipe e Natanael), houve um casamento em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava lá. 2 Jesus e os seus discípulos também foram convidados. 3 A certa altura da boda faltou vinho. Então a mãe de Jesus disse-lhe: "Já não há vinho!" 4 Jesus respondeu: "E que temos tu e eu a ver com isso, mulher? A minha hora ainda não chegou". 5 Ela então disse aos criados de mesa: "Façam tudo o que ele disser". 6 Havia ali seis vasilhas de pedra das que os judeus utilizavam para as suas cerimônias de purificação. Cada uma levava uns cem litros de água. 7 Jesus mandou aos criados: "Encham de água essas vasilhas". Eles encheram-nas até acima. 8 Depois disse-lhes: "Tirem agora um pouco e levem ao mestre de cerimônias para ele provar". Eles assim fizeram. 9 O mestre de cerimônias provou a água transformada em vinho. Não sabia o que tinha acontecido, pois só os criados é que estavam ao corrente do fato. Mandou então chamar o noivo 10 e observou-lhe: "É costume nas bodas servir primeiro o vinho melhor e só depois de os convidados terem bebido bem é que se serve o menos bom. Mas tu guardaste o melhor até agora!" 11 Deste modo, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais. Assim manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele. 12 Depois disto, Jesus desceu até Cafarnaum, com a sua mãe, os seus irmãos e os discípulos, e ficaram lá alguns dias”. (João 12.1-12)


  1. Um estranho diálogo 


A certa altura da boda faltou vinho. Então a mãe de Jesus disse-lhe: Já não há vinho! “E que temos tu e eu a ver com isso, mulher? A minha hora ainda não chegou” (João 2.3-4). “O que há entre nós” era uma expressão judaica, que aparece tanto no Antigo (Jz 11.12; 2Sm 16.10; 1Rs 17.18) como no Novo Testamento (Mt 8.29; Mc 1.24; Lc 4.34). 


Maria, presente na festa de casamento, pediu para que Jesus manifestasse a sua glória. Aqui temos um diálogo aparentemente estranho. Há uma pedido de Maria e há uma resposta algo seca, como se Jesus quisesse fugir ao pedido. Assim começa a história do primeiro milagre público de Jesus. Mas, mãe e filho se conheciam muito bem.


Maria era uma mãe judia piedosa. Mas o que era uma mãe judia piedosa? A família judia, nas tradições antigas, recitava na entrada do shabat o último capítulo de Provérbios, como referência e tributo a esposa e mãe ideal. Esposa e mãe eram vistas como pessoas alegres, compreensivas, reverentes. Ela dava o tom espiritual cotidiano da família. Reunia os filhos em torno de si, quando pronunciava a benção das luzes, preparava a casa para as festas. E, importante, era a conselheira de toda a família. Aquela mãe piedosa conhecia o seu filho. E o filho conhecia a sua mãe. Assim, naquele diálogo não houve discussão, Maria expôs o problema e se dirigiu aos empregados da casa: "Façam tudo o que ele disser". É... ela conhecia o seu filho.


Mas o clamor de Maria remete ao clamor humano diante das limitações, do fim da alegria e da felicidade que trombam com a perda de sentido, com a morte. O vinho acabou. Na caminhada humana, o vinho sempre acaba, permanece diante de nós a alienação, o atravessar errantes o deserto não escolhido. A frase de Maria é de todos nós humanos... o vinho acabou!   


  1. A hora de Jesus


A minha hora ainda não chegou” (João 2.4). Mas, qual é a hora de Jesus? E a hora da manifestação da sua glória. E essa hora se aproximava, dirá mais tarde o apóstolo João (7.30; 8.20; 12.23-27). O pedido de Maria transformou-se assim numa antecipação simbólica da manifestação da glória, que teve seu anticlímax, seu momento de terror e tristeza, na cruz, e seu clímax, seu momento maior, na ressurreição. Como Moisés (Ex 4.1-9), Jesus deveria realizar sinais para mostrar que tinha sido enviado pelo Pai. Esses sinais e maravilhas deveriam chamar seus discípulos à fé.


Mas ele disse à mãe que ainda não chegara o momento da manifestação maior de sua glória. Não do seu ministério, que já iniciara com seu batismo, tentação no deserto e escolha dos primeiro discípulos. Por isso, João se refere ao casamento de Caná como o terceiro dia a partir da escolha de André, irmão de Pedro, Filipe e Natanael.


Dias depois, numa discussão no templo de Jerusalém, os chefes dos judeus perguntaram-lhe: "Que sinal nos mostras para poderes fazer isto?" Jesus respondeu: "Destruam este santuário e eu em três dias o hei-de levantar”. (João 2.18-19).


A transformação de água em vinho apresentou-se, então, como uma antecipação da ressurreição, fim definitivo do clamor humano, da perda de sentido, das lágrimas... A ressurreição de Jesus foi e é a manifestação de sua glória. E, por isso, o apóstolo Paulo clamará: “se não há ressurreição, comamos e bebamos, porque amanhã morremos” (1Coríntios 15.32)

Deste modo, em Caná da Galileia, Jesus realizou o primeiro dos seus sinais. Assim manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele” (João 12.11).


  1. Para meditarmos juntos: Eu, você e a hora de Jesus


Como os discípulos, eu e você vimos a glória de Jesus. Ele fez esses sinais para que eu e você crêssemos. Cremos que Jesus é o rei da glória?


Cristo ressuscitou dos mortos e é a garantia de ressurreição para os que morreram. Assim, se por meio de um homem começou a morte no mundo, por outro homem começou a ressurreição dos mortos. Deste modo, unidos a Adão todos estão sujeitos à morte e unidos a Cristo todos voltarão a receber a vida” (1Coríntios 15.20-22).


AMÉM


Vá e faça o mesmo

 O bom samaritano

Pr. Jorge Pinheiro


Jesus respondeu: 

-- Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó. No caminho alguns ladrões o assaltaram, tiraram a sua roupa, bateram nele e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele mesmo caminho. Quando viu o homem, passou pelo outro lado da estrada. Também um levita passou por ali. Olhou e também foi embora pelo outro lado da estrada. Mas um samaritano estava viajando por aquele caminho e chegou até ali. Quando viu o homem, ficou com muita pena dele. Chegou perto e fez curativos, pondo azeite e vinho nas feridas. Depois disso, colocou o homem no seu próprio animal e o levou  para uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, entregou duas moedas de prata ao dono da pensão, dizendo:

-- Tome conta dele. Na volta, quando eu passar por aqui, pagarei o que você gastar a mais com ele.

Então Jesus perguntou ao professor da Lei:

-- Na sua opinião, qual desses três foi o próximo do homem assaltado?

-- Aquele que o socorreu – respondeu o professor da Lei.

-- Pois vá e faça a mesma coisa – disse Jesus. 


Parábola do bom samaritano, 

Evangelho de Lucas 10.30-37, 

versão da Bíblia na Linguagem do Hoje.


A tomada de decisão na vida pessoal e social é uma exigência constante. Vivemos sob um bombardeio de encruzilhadas. Quando possuímos desejo de mudança, advindo dos erros cometidos, postura e atos mudam a vida até aqui levada. Invertem-se então os papéis. De qualquer maneira, é incontestável o defrontar-se com a necessidade de solucionar difíceis questões no correr de nossa vida. 


Nossas perplexidades diante das circunstâncias e do mundo têm sempre solução na encruzilhada da cruz, que nos apresentam caminhos novos a percorrer. Mas o sentido desse caminhar é desafiador. 


A encruzilhada surge quando precisamos percorrer os quatro caminhos que nos levam à mudança: a escolha de opções, a renúncia da indiferença, a renúncia do status quo e a escolha da pessoa. 


O primeiro caminho é o da opção ou a via das opções


É preciso ter em mente que a partir do momento em que tomamos esse caminho, temos as opções práticas de escolha para a decisão.


Quando estamos diante de um desafio, estamos também diante de alternativas de escolha, quer seja uma só ou várias. Toda opção exige liberdade de escolha, preferência, tomada de decisão. Por isso é tão difícil. 


Mas, diante da indecisão, temos de escolher dentre as opções a que melhor soluciona o desafio que se levanta diante de nós. Quando entendemos isso, já demos o primeiro passo no caminho das opções. E esse primeiro passo é um progresso. 


Quando tomamos uma decisão é preciso refletir até que ponto ela é inquestionável. Quando descobrimos sua incontestabilidade as dificuldades tornam-se mais fáceis de serem resolvidas, porque temos a convicção de que a melhor opção já foi tomada. Mas ainda faltam caminhos a percorrer.


O segundo caminho é o da renúncia à indiferença


Renúncia a tomar posições é uma tentação presente em nossas vidas. É algo demoníaco e só se justifica em casos não vitais e passíveis de aprazamento. Muitas vezes, renunciamos à tomada de decisão quando ela nos parece traumática, não cabível ou impossível à primeira vista, assim protelamos porque nos traz um aparente conforto. Mas, na maioria dos casos, este é o pior caminho. Através dele ignoramos a decisão e optamos pela indiferença: fingimos que a decisão não se refere a nós e preferimos não enxergá-la.


Normalmente, quando ignorarmos a decisão, a situação tende a se complicar ainda mais. Além, é claro, da possibilidade de sermos considerados covardes e irresponsáveis por aqueles que nos observam.

 a Idem 

Ao escolhermos a via da renúncia à indiferença, procuramos mudar o cenário da decisão a fim de mudar paralelamente as opções de escolha. Ao percebermos que as opções disponíveis não bastam ou não nos atende de maneira satisfatória, procuramos uma mudança nas premissas que estabeleceram a decisão. E é esta situação que nos leva ao terceiro caminho.


O terceiro caminho é o da renúncia ao status quo


Quando trilhamos o caminho das opções e avançamos através da renúncia à indiferença somos, muitas vezes, desafiados a fazer um terceiro caminho: percorrer a via da resignação da dignidade de posições aparentemente inquestionáveis. Renúncia aos privilégios do status quo é isso... sacrifício para que possamos superar circunstâncias e tomar decisões.


O quarto caminho é a escolha da pessoa


Quando nos deparamos com circunstâncias adversas, é fundamental que a escolha de opções e nossas renúncias nos levem à pessoa. É claro que os fatores externos precisam ser levados em conta, a mudança dos paradigmas pessoais é prioritária, mas se permanecermos neles como únicas bases para nossa escolha, o futuro será implacável. A criatura humana, imagem de Deus, ser consciente de si mesmo, senhor dos seus atos e, por isso, responsável por eles, é o quarto momento do quadrívio. Mas, esta pessoa é também unidade social que se expressa no agrupamento humano organizado. No caminhar, o caminhante faz o caminho. E esta é uma questão radical.


É isso que Jesus nos ensina nesta belíssima parábola do Bom Samaritano. E é por isso que ele finaliza a história dizendo:

-- Vá e faça a mesma coisa.


Leandro Seawright Alonso entrevista Jorge Pinheiro

https://docs.google.com/viewer?a=v&pid=sites&srcid=ZGVmYXVsdGRvbWFpbnxwb2RlcmVjdWx0dXJhMnxneDo3YTc4OTdmMmY4M2VkY2Fh 

Entrevista 13 - por Leandro Seawright Alonso.pdf



Omar de Barros Filho entrevista Jorge Pinheiro

Novela de memorias: un pedazo de mí, de Jorge Pinheiro
Extractos y entrevista con el autor brasileño


Por Omar L de Barros Filho | 06/07/2008 | Cultura
Fuentes: Via Politica 

Quien, como yo, tuvo la oportunidad de conocer a Jorge Pinheiro durante su activa militancia socialista en la década de los 70, después del exilio en Argentina, Chile y Europa, se quedó sorprendido con los rumbos de su trayectoria posterior, tras la derrota de la dictadura y la consolidación democrática brasileña, aún en proceso. Lo […] 

Quien, como yo, tuvo la oportunidad de conocer a Jorge Pinheiro durante su activa militancia socialista en la década de los 70, después del exilio en Argentina, Chile y Europa, se quedó sorprendido con los rumbos de su trayectoria posterior, tras la derrota de la dictadura y la consolidación democrática brasileña, aún en proceso. Lo normal sería que el talentoso periodista ocupara un cargo de importancia en los medios de comunicación tradicionales, o trabajara en alguna asesoría de comunicación del sector público o privado. Sin embargo, Jorge Pinheiro, un superviviente de la represión de la policía política de Brasil y del paredón de fusilamiento durante el golpe contra Allende, en Chile, optó por un camino distinto: se convirtió a la fe del cristianismo y adoptó la construcción de la Iglesia Baptista como su nuevo objetivo. Se doctoró en teología, escribió obras de temática religiosa, se volvió profesor y pastor. Ahora, al concluir el primer volumen de una trilogía en preparación –Novela de memórias: um pedaço de mim-, que será presentado por Eleva Cultural el próximo 31 de mayo en São Paulo, el científico de la religión, Jorge Pinheiro, abre una nueva etapa en su camino. Una inflexión que lo ha llevado a describir y reflexionar sobre la marcha de un militante marxista y sus camaradas por un continente sin rumbo, oprimido por regímenes arbitrarios, una América Latina injusta y violenta que, incluso así, ha sobrevivido a la sombra de las alas del cóndor. 

Capítulo 1 – Yendo… 

Rebeca quitó el pie del acelerador. El coche derrapó a un lado y chocó con fuerza en el barranco. Durante unos segunos ninguno de nosotros entendió lo que estaba sucediendo. Filemón tenía el rostro ensangrentado y el cuerpo anestesiado por el impacto. En el asiento de atrás, Yasmin y yo nos recuperamos rápidamente del susto y saltamos del coche. Entre los tres agarramos a Filemón por los brazos y lo arrastramos hacia fuera. Estaba demasiado pálido, color de cera, a no ser por el rojo que le escurría por la cara. 

-Está muerto -dijo Rebeca. 

-No, no lo está -respondió Yasmin. 

Y se miraron una a otra, con una disputa de miradas que todo el mundo conocía muy bien. Se odiaban y nunca perdían la oportunidad de demostrarlo. Es absurdo, esas dos van a empezar a pelearse aquí, quién sabe si se van a enzarzar, a morderse, a mentarse la madre, yo qué sé, mientras Filemón se disipa en la sangre. 

-Tiene un golpe en la cabeza. Si es algo muy grave, sólo lo sabremos después. Ahora no podemos llamar al médico. 

Las dos me miraron como si estuvieran delante de un extraterrestre. Cogimos un trozo de estopa viejo y manchado de aceite, el único que había a mano, limpiamos la cabeza de Filemón y le hicimos un vendaje con unos trapos que estaban tirados en el fondo del coche, un Dauphine que servía para todo. 

Reclinamos al chico en el barranco y, entonces, volvimos al mundo real. Eran las dos y media de la madrugada. Allí estábamos cuatro militantes del Movimiento Nacionalista Revolucionario con un coche lleno de armas, volcado junto a un barranco de la Rua Almirante Alexandrino, en Santa Teresa, Río de Janeiro. Mira que le había dicho a Rebeca que condujera con cuidado porque esos caminitos resbalaban. Cuidado con esa curva cercana al hospital alemán, cuidado. Pero quién dijo que Rebeca escuchaba. Siempre se consideraba una Mata Hari. Sólo que no usaba boquilla. Pero ¿será cierto que Mata Hari usaba boquilla o será una invención más de Hollywood? 

-Estamos cerca de casa. A unos cincuenta metros. El problema es si pasa alguien. 

Dominada la ira inoportuna, Yasmin se arregló la blusa y la minifalda, que se le había subido hasta la parte alta del muslo. Siempre combinaba el color de la minifalda con el de las bragas. Meneó la cabeza, se pasó la mano por el cabello, como si, de repente, se estuviera despertando para la vida. 

-Pongámonos manos a la obra antes de que alguien nos vea. 

Y una vez más los tres volvimos a trabajar juntos. Dimos la vuelta al coche, abracé a Filemón lo mejor que pude, agarrándolo como si fuera un borracho y lo arrastré hasta el edificio. Las dos mujeres, llenas de paquetes, intentaban andar deprisa delante de mí. No corrían. Las ametralladoras, aun desmontadas, eran bultos pesados. Lo que nos faltaba era que nos detuvieran ahora, después de un viaje tan largo. 


Jorge Pinheiro habla en un acto público
en São Paulo el 1 de mayo de 1978 

Capítulo 15 – Ahumada con huérfanos 

Escena Tres – Diálogo Tres 

El hombre que fue baleado en el pecho, a quemarropa, que tiene la camisa y la parka verde oliva quemadas, continúa su historia. Todos escuchan en silencio. 

El autobús de carabineros bloquea la calle sin salida. Empiezan a llegar tanques. Voy a intentar romper el cerco por la retaguardia. Hacemos explotar una pared y salimos por detrás. Estamos en San Joaquín, frente a la Coca Cola. 

Ametrallan a León. Unos compañeros lo llevan de regreso a Indumet. Los carabineros invaden Indumet y fusilan a León y a dos obreros más. 

Cruzamos San Joaquín y nos metemos en una calle al lado de la Coca Cola. 

Nuestro comando ha llegado a La Legua. Un camión de carabineros ha intentado interceptarnos, pero hemos respondido con tiros de bazuca. El camión se ha incendiado. Cogemos todas sus armas y hemos dado un pequeño discurso exhortándoles a que luchen al lado del pueblo y no contra él. 

Ocupamos la plaza de La Lengua. Tomamos un camión de bomberos, ponemos la sirena y pasamos de población en población llamando a la gente a que resista y defienda a su gobierno. 

En La Legua dejamos a una compañera que estaba herida en el tobillo. Se ha quedado con algunos habitantes de una población y se ha salvado. 

Llegamos a Sumar, que era uno de los lugares de concentración, según nuestro plan de resistencia. Varios compañeros estaban llegando de Tomás Moro. Uno de ellos con una camioneta llena de armas. 

El compañero Lozada, de la comisión política, ha dirigido nuestra reorganización. Tenemos 200 hombres armados. 

En esto nos ataca un helicóptero Puma del Ejército. Baja a la altura de las copas de los árboles y nos empieza a ametrallar. Unos cien compañeros responden inmediatamente. El Puma es alcanzado y se aleja con rapidez, mortalmente herido. 

He pensado en derribarlo con un tiro de bazuca o de M60, pero ya no teníamos esas armas a mano. En medio de ese alboroto, recuerdo la frase del Che: «Si la revolución es verdadera, o se vence o se muere». 

Para no ser un blanco fácil y concentrado, creamos un comando para que se una a los trabajadores de Mademsa-Madeco. He ido en ese comando. 

En el camino, por La Legua, nos han atacado unidades de carabineros. Como la orden era llegar a Mademsa-Madeco, un grupo se ha quedado combatiendo, mientras otro, cerca de 50 compañeros, ha roto el cerco y ha seguido su camino. 

Hemos llegado a nuestro destino y ahí hemos creado nuestra segunda defensa perimetral, con coches, radio y control de varias manzanas. 

A las tres de la tarde me he reunido con el interventor de la fábrica, un compañero socialista. Hemos conseguido pan para los combatientes. Entonces la central de radio me ha informado de que hasta el momento no había habido ninguna comunicación de las regionales. 

Los militares habían ocupado todas las radios. 

FICHA TÉCNICA:
Novela de memórias: um pedaço de mim
Autor: Jorge Pinheiro dos Santos
Editorial: Eleva Cultural
Acabado: Rústica
Formato: 16 x 23, 152 páginas
Precio: R$ 28,00 

PRESENTACIÓN:
31 de mayo, a las 18h, en la Saraiva Mega Store Pátio Paulista
Rua 13 de Maio, 1947 Bela Vista, São Paulo/SP
Tel: (11) 3171.3050
Contacto com Layr Cruz. E-mail: elevacultural@elevaculrural.com
Tel: (11) 8119.9894 – Skype: layr.cruz 


A continuación, lea la entrevista de Jorge Pinheiro con Omar L. de Barros Filho, editor de ViaPolítica, sobre Novela de memórias: um pedaço de mim, en la que el autor discurre detalladamente sobre el libro y sobre las bases de su opción religiosa. 


VP – Usted aún es joven. Los políticos, periodistas y escritores, en general, escriben sobre sus memorias ya tarde, cuando el ocaso se aproxima. ¿Por qué publica su libro ahora? 

Jorge Pinheiro – Gracias por lo de joven. Tengo 63 años, con salud hasta ahora, pero 63 años nos llevan a pensar en el tránsito en dirección a la eternidad. Ya ha empezado la cuenta regresiva. Las ideas del libro parten de los factores, el papel de la utopía socialista en mi vida y los demonios que acosaron mi juventud. 

En realidad, como novela de memorias, el libro tiene dos personajes: yo mismo y la utopía socialista. Cuando hablo de utopía no es para menospreciar el sueño del socialismo, sino para colocarlo en un nivel de realización permanente, histórica y transhistórica. O sea, veo el caminar permanente de la utopía, siento su olor agradable, pero no necesariamente voy a vivirla como desearía. 

Y los demonios, siguiendo a Nietzsche, son los pecados de la juventud que se tornan virtud en la vejez. Son las pesadillas que andan siempre al lado de los sueños. En ese sentido, como cualquier texto biográfico, mi libro tiene la función de un exorcismo. Exorcizar a fantasmas y demonios y quedarse con la utopía generadora de nuevos sueños. 

El libro es la primera parte de una trilogía esperada. Es mi historia y la historia de mi utopía, donde todo lo demás es escenario. Es biografía, pero también ficción, pues los sueños y demonios están personificados e interfieren en la vida del autor y de su sueño más grande. 

VP – ¿Cuál es el periodo de su historia personal abarcado por la obra que en breve será publicada? 

Jorge Pinheiro – La historia abarca de 1969 a 1973. O sea, mi militancia en el Movimiento Nacionalista Revolucionario/MNR, el primer exilio, la militancia en el Chile de Allende, la prisión después del golpe de Pinochet y la condena a fusilamiento. 

Si tenemos en cuenta que me llevaron al paredón para fusilarme y hoy puedo contar la historia para ustedes, es fácil entender los demonios de mi vida personal. 

VP – ¿Siente algún tipo de nostalgia del periodo marcado por la acción política del 68, 40 años después de lo ocurrido?

Jorge Pinheiro – Ustedes publicaron hace unas semanas un excelente artículo sobre Daniel Cohn-Bendit, en el que pide a las nuevas generaciones que olviden el Mayo francés [1]. Yo y mi mujer, Naira Carla Di Giuseppe Pinheiro dos Santos, hemos reflexionado bastante sobre esta cuestión y, a diferencia de Cohn-Bendit, no negamos la contemporaneidad de 1968. Al contrario, damos gracias a Dios por aquel «kairos», como esfuerzo de ruptura con una sociedad arcaica y sin sintonía con lo nuevo que se avecinaba, y de construcción de un socialismo democrático y revolucionario. Llamar el movimiento del 68 rebeldía juvenil es no entender la riqueza creativa del «kairos» histórico. Es negar las luchas que partieron de estudiantes y trabajadores de Francia en dirección a los Estados Unidos, Italia y Alemania, y desechar las luchas entre el capital y el trabajo, las guerras de Vietnam, Laos, Camboya y las insurrecciones populares en Chile, Portugal y Nicaragua. 

No tengo nostalgia, porque no sitúo mi acción en el pasado, sino en el presente, como activista político-social que soy. El Mayo francés abrió un nuevo momento en la historia del planeta y no se limitó a Europa. Se expandió por el mundo. Y mi vida política, sea en Brasil, Chile, Argentina e incluso Europa, estuvo vinculada al Mayo francés. Desde pequeño aprendí que no se escupe en el plato en que se come. Creo que he progresado en relación con mi ingenuidad militante y juvenil, pero eso no significa negar los momentos nobles y poderosos de mi militancia en los años 60 y 70. 

Mi conversión al cristianismo, que es un acto de fe en el sacrificio de Cristo, no implicó de ninguna manera un abandono de mi conciencia política. Nosotros, los baptistas, consideramos inalienable la libertad de conciencia y creemos que cada persona es libre ante Dios en todas las cuestiones de conciencia. 

En ese sentido, soy un utópico: creo que debo partir de una ética de responsabilidad social. Eso implica entender la paradoja de la multicultura relacional brasileña: vivimos en un país donde impera la moral autoritaria del señor, de la casa grande y la senzala [2], y la moral libertaria de la contracultura -la moral del «no existe pecado por debajo del Ecuador/ vamos a hacer un pecado abierto, sudado, a todo vapor» [3]. 

Por eso, cualquier actuación en el campo social comporta comprender esta realidad. Sin embargo, consciente de que las sociedades deben organizarse a través de relaciones democráticas, considero que el reto de la Iglesia en América Latina es basar su compromiso en el imperativo protestante: libertad, conocimiento y justicia. 

Tal proceso se expandirá conforme crezca la conciencia de que tenemos la tarea de transformar Brasil en un país donde todos puedan tener acceso a condiciones dignas de vida y justicia social. Y, lógicamente, todo el continente. 

VP – ¿Cómo ocurrió el proceso vivido por usted -un militante marxista radical considerado peligroso por la dictadura brasileña- de ruptura con su política y el posterior encuentro con el cristianismo, la Iglesia Baptista y la teología? ¿Cómo lidia con esa cuestión hoy en día?

Jorge Pinheiro – Jesús proclamó la llegada del Reino de Dios, que es un reino de justicia, paz y alegría. Es bien cierto que, muchas veces, el cristianismo ha dejado la proclamación del Reino de Dios de lado y ha procurado vivir bajo la tutela del reino de este mundo. Sin embargo, sólo para demostrar la implicación cristiana protestante en la transformación del mundo, voy a remitirme a la historia de la militancia cristiana en la Inglaterra del siglo XVIII. 

William Wilberforce y William Pitt son dos personajes conocidos en Inglaterra, pero no entre nosotros. Amigos desde la universidad, estos dos hombres, en el siglo XVIII, llegaron al Parlamento con poco más de veinte años. Pitt fue elegido primer ministro y se ganó el mote de «el Joven» para diferenciarlo de su padre, que también había ocupado el cargo. Decidió llevar adelante un proyecto político audaz: acabar con el tráfico de esclavos, liderado por Inglaterra. Un proyecto difícil, pues la mayoría de los parlamentarios estaba directa o indirectamente ligada al tráfico. 

Pitt convocó a Wilberforce para ayudarlo en la tarea. Y fue así como dos movimientos marcaron a Inglaterra: la campaña contra la esclavitud, que empezó en 1789, con un discurso de William Wilberforce en la Cámara de los Comunes, y las campañas para las reformas laborales, que desembocaron en el movimiento social cristiano. El 23 de febrero de 1807 se suspendió el tráfico de esclavos, gracias a la militancia cristiana y política de Wilberforce. 

A partir de ese momento, otro activista, Thomas Fowell Buxton, encabezó las campañas abolicionistas. Los dos, Wilberforce y Buxton, pertenecían a un pequeño grupo protestante surgido en la parroquia de Clapham, pueblecito distante a ocho kilómetros de Londres. De modo que la comunidad de Clapham, aliada con los grupos no conformistas, y a través de publicaciones, charlas y movilizaciones en la calle, fue responsable de algunas de las manifestaciones sociales más importantes de Inglaterra. El 25 de julio de 1833, la Ley de Emancipación liberó a los esclavos en todo el imperio británico. 

El significado de esa acción repercutió en todo el mundo, incluso en el Imperio brasileño, estratégicamente ligado a Inglaterra, a través de tres intelectuales: Joaquim Tabuco, Rui Barbosa y Luiz Gama. Tabuco, que era diplomático, se inspiró en el cristianismo militante de Wiilberforce para organizar el movimiento que llevó a la monarquía brasileña a aprobar la Ley del Vientre. Sumada a la presión británica, la militancia de Tabuco contribuyó a la abolición de la esclavitud, en 1888. 

Junto con las campañas abolicionistas, las reformas laborales movilizaron a otros intelectuales provenientes del anglicanismo, como John Malcom Ludlow (1821-1891), Charles Kingslev (1819-1875) y Thomas Hughes (1822-1896), que lucharon por el fin de la esclavitud, contra el trabajo infantil en las fábricas y por la jornada de diez horas. Esas movilizaciones conllevaron una amplia reforma social y el surgimiento del movimiento socialcristiano inglés. 

Como vemos, los protestantes iniciaron el movimiento social inglés. Hombres como Ludlow, Kingslev, Maurice y Hughes crearon el socialismo cristiano en Inglaterra. Con plena conciencia de lo que estaban haciendo, Maurice proclamó «la necesidad de una reforma teológica inglesa, para evitar una revolución política y traer lo bueno que existe en las revoluciones extranjeras, que ha estado cada vez más grabado en mi pensamiento». 

El movimiento inglés repercutió con fuerza en los Estados Unidos. A pesar de la visión esclavista de muchos protestantes estadounidenses, como Richard Furman, líder baptista de Carolina del Sur, que, en cierto modo, traducía el sentimiento generalizado entre los terratenientes del sur, en el norte surgió un fuerte movimiento protestante contra la esclavitud. Su primer gran activista fue Charles G. Finney, seguido por abolicionistas como Theeodore Weld y Liman Beecher. 

Una novela marcará la campaña abolicionista y entrará en la historia de la literatura mundial: La cabaña del tío Tom, de Harriet Stowe. Con una lectura escatológica milenarista, Harriet Stowe consideraba que la esclavitud no era un pecado del Sur, sino que la culpa era nacional y, por eso, el juicio sería nacional. 

En el libro, atacaba la conciencia nacional esclavista con la esperanza de que una purificación del alma de los Estados Unidos librara el cuerpo político de la venganza divina. Es interesante saber que el argumento de Wilberforce, expuesto en sus campañas, sobre la inviolabilidad del concepto de que todos los hombres son iguales, fue recogido por el presidente estadounidense Abraham Lincoln en la ley de 1863 que abolió la esclavitud en los Estados Unidos. Lincoln, cuyo mandato se desarrolló en medio de la Guerra de Secesión, compartía la visión de Wilberforce de que era una inmoralidad poseer a otro ser humano y citaba al inglés en sus discursos. 

Con la guerra, llegó la victoria del Norte y la abolición de la esclavitud. Una vez abolida, la discusión sobre la industrialización del país, los daños humanos, miserias y exclusión que producía entraron en la orden del día. Surgieron los «protestantes públicos» que, al contrario de los «privatistas», hablaban de cristianismo social, evangelio social y servicio social. Exponentes de ese pensamiento fueron Washington Gladden, ministro congregacional de Ohio, el escritor Charles Sheldon, autor de una obra que llegó a ser famosa, En sus pasos, ¿Qué haría Jesús?, y el pastor baptista Walter Rauschenbusch. 

Rauschenbusch (1861-1918) era de origen alemán. Planteó la cuestión del evangelio social, a partir de una lectura que combinaba la doctrina bíblica de la responsabilidad social y los socialistas utópicos. Defendió una democracia económica y política y propuso una actuación a través de los sindicatos. 

«Nuestra economía política ha sido durante mucho tiempo el oráculo de un dios falso. Nos enseñaron a ver las cuestiones económicas desde el punto de vista de los bienes y no de los hombres. Nos contaron cómo la riqueza es producida y dividida y consumida por el hombre, y no cómo la vida y el desarrollo del hombre pueden mejorar y ser promovidos por la riqueza material. Es significativo que en la economía política se descuide la discusión del consumo de la riqueza, a pesar de que la cuestión humana es la más importante de todas. La teología debe ser cristocéntrica, pero la economía política debe volverse antropocéntrica. El hombre es cristianizado cuando pone a Dios por encima de sí mismo, la economía política será cristianizada cuando coloque al hombre por encima de la riqueza. Es eso lo que hace una economía política socialista«, afirmó en Christianity and the social crisis. 

En el mismo libro decía que 

«nada dará a la clase trabajadora una comprensión más real de su condición de clase y de su objetivo final que la lucha permanente para conquistar sus reivindicaciones mínimas y para eliminar las presiones reaccionarias contra sus sindicatos. Nosotros partimos del principio de que una organización fraternal de la sociedad no tendrá fuerza si sólo es apoyada por idealistas. Ésta (la organización fraternal de la sociedad) necesita el sustento firme de la clase trabajadora, cuyo fruto económico depende del éxito de ese ideal. La clase trabajadora industrial es, consciente o inconscientemente, la fuerza para la realización de ese principio. Los que desean la victoria, desde un punto de vista religioso, tendrán que hacer una alianza con la clase trabajadora. Sin embargo, el principio protestante de la libertad religiosa y el principio democrático de la libertad política llevan a la victoria a través de la alianza de la clase media, que también desea la conquista del poder, con la clase trabajadora; de esa manera, el nuevo principio cristiano, que busca una organización fraternal de la sociedad, debe aliarse para una conquista que ambos quieren«. 

Creo que estoy en buena compañía, principalmente cuando recuerdo al compañero Martin Luther King Jr., pastor baptista, y uno de los mayores militantes de la causa social de todos los tiempos. 

VP – ¿Cómo aparecen en el libro esa crisis y su superación? ¿La revolución y Cristo aún caminan juntos en América Latina? ¿Por qué? 

Jorge Pinheiro – Hoy, en América Latina, muchos intelectuales, pastores y teólogos protestantes están organizados alrededor de proyectos sociopolíticos. Sin embargo, lógicamente, la primera preocupación de las iglesias protestantes es la vida espiritual de las personas y su renovación en Cristo. Hoy en día no son pocos los evangélicos que actúan inspirados en la fe cristiana en los movimientos populares, los sindicatos, los partidos políticos y los ministerios de acción social de sus iglesias. Y, en relación con nuestro país, actuar políticamente ya forma parte de la vida de los protestantes brasileños. En términos de organización, voy a hablar de los movimientos que, aunque sean nuevos, han fermentado positivamente el suelo militante evangelista. El primero es el movimiento de la Misión Integral, que procura implicar a las iglesias locales con el compromiso social. En la visión de la Misión Integral, de la cual formo parte y soy uno de sus muchos teóricos, la proclamación del Evangelio tiene consecuencias sociales cuando mira al ser humano como totalidad. 

La teología de la Misión Integral busca la justicia social porque entiende la fe como intervención política, material y espiritual, y cree que la transformación de las personas y los cambios estructurales están relacionados. 

Y porque creemos que el ser humano es la imagen de Dios, la Misión Integral es una teología para aquellos que carecen de bienes y posibilidades, pero que, como los demás, son imagen de Dios. Los desposeídos de bienes y posibilidades tienen conocimiento, habilidades y recursos. Tratarlos con respeto significa crear condiciones para que sean arquitectos del cambio en sus comunidades, en vez de imponer soluciones. Trabajar con los desposeídos y expropiados implica la construcción de relaciones que conducen a un cambio mutuo. 

Para la Misión Integral, quienes pueden y deben actuar así son las iglesias. El futuro de la misión integral se define, pues, en términos de capacitar a las iglesias locales para que transformen las comunidades de las cuales forman parte. Las iglesias, como comunidades de cuidado e inclusión, son el centro de lo que significa hacer misión. Las personas, en particular, son atraídas a la comunidad cristiana antes de ser atraídas por el mensaje cristiano. 

Esa manera de producir inclusión social nace de abajo, nace de las iglesias, traduce una teología del Reino de Dios, comunitaria, la experiencia de caminar con las comunidades. Vista así, la iglesia no es meramente una institución, sino una comunidad en la que se concretan los valores del Reino de Dios. 

La participación de los desposeídos y expropiados en la vida de la iglesia lleva a encontrar nuevas maneras de ser iglesia en el contexto de la cultura brasileña. De esa manera, la Misión Integral, que hoy abarca centenas de iglesias evangelistas brasileñas, es una teología social. Tal actividad se amplía para incluir avances hasta la transformación de valores, la valoración de las comunidades y la cooperación en cuestiones de justicia. Con su presencia entre los desposeídos y expropiados, la iglesia está en una posición singular para restaurar la dignidad de las personas, presentando valores que producen recursos y crean redes de solidaridad. 

Sin embargo, los problemas continúan presentes, por esto toda acción de transformación es permanente. Tenemos problemas políticos y sociales, como pobreza, violencia y corrupción. También son evidentes la mala calidad de los servicios públicos en el área de la educación y la sanidad y las agresiones contra el medio ambiente. Por eso, en un momento en que la visibilidad y el reconocimiento de la presencia protestante reclaman expresiones políticas de responsabilidad y servicio, nosotros, o sea, un grupo de evangelistas de iglesias diferentes y de diferentes partes de Brasil, estamos actuando en la construcción de un movimiento llamado Evangelistas por la Justicia. 

Bien, debe estar pensando, ¿pero por qué dos movimientos: Misión Integral y Evangelistas por la Justicia? Considero que la Misión Integral, que hoy ya se estudia como materia en muchas facultades de teología, actúa a través de las iglesias sugiriendo programas y propuestas para que éstas actúen en los lugares donde están implantadas. Aquí, entonces, el agente es la iglesia local: agente de transformación social. 

Si pasamos al caso de los Evangelistas por la Justicia deseamos tener en este primer momento una actuación concienciadora sobre los formadores de opinión del mundo protestante. Al mismo tiempo, tenemos una preocupación definitivamente política, pues queremos una sociedad distinta, que supere el capitalismo y sus orientaciones ideológicas, el neoliberalismo y las llamadas terceras vías, y que implicará contribuciones de dentro y fuera del campo protestante. Sin embargo, por encima de todo, no es un proyecto que implique la creación de un poder evangelista o apoyado en la religión. 

Por eso, nosotros, los Evangelistas por la Justicia, rechazamos los modelos de fusión entre las instituciones religiosas y el poder económico. No porque consideremos que la política es indigna o contraria al mensaje del Reino de Dios, sino porque creemos que las instituciones políticas de una sociedad democrática deben ser construcciones históricas, pactadas entre personas de cualquier fe o de ninguna fe. A la vez, creemos que el papel de los cristianos es testificar su fe también en las cuestiones sociales y políticas. 

Así, la lucha contra la globalización excluyente y sus formas de legitimación ideológicas, seculares y religiosas, conservadoras o progresistas, es un proyecto que exige estrategia histórica, que va más allá de las confesiones religiosas, que remite a la aspiración de una humanidad libre y democrática. Sin embargo, es un proyecto legítimo para los que ven la fe cristiana como una llamada al compromiso con la liberación de todas las formas de esclavitud, opresión y discriminación, que niegan en los seres humanos la imagen de Dios y nos impiden un encuentro con nuestro Creador. Es eso. 



Notas del traductor: 

[1] Puede consultar el artículo de Mário Maestri «Cohn-Bendit pide disculpas» en español en Tlaxcala: http://www.tlaxcala.es/pp.asp?lg=es&reference=4931

[2] Pinheiro hace referencia a la novela de Gilberto Freyre Casa grande y senzala. Existen dos ediciones en español del libro, ambas traducidas por Benjamín Garay. Una de Emecé Editores (Buenos Aires, 1943) y otra de la Biblioteca Ayacucho (Caracas, 1977). Las senzalas son los lugares donde se alojaban los esclavos en las antiguas haciendas o las casas señoriales. 

[3] Referencia a la canción compuesta por Chico Buarque y Ruy Guerra Não existe pecado ao sul do Equador. Puede ver la letra y escuchar la canción en: http://letras.terra.com.br/chico-buarque/86006/

Fuente: http://www.viapolitica.com.br/anima_view.php?id_anima=65

Artículo original publicado el 12 de mayo de 2008 

Sobre el entrevistado

Omar L. de Barros Filho es editor de ViaPolitica y miembro de Tlaxcala, la red de traductores por la diversidad lingüística. Àlex Tarradellas y Juan Vivanco son miembros de Rebelión, Cubadebate y Tlaxcala. Esta traducción se puede reproducir libremente a condición de respetar su integridad y mencionar a sus autores.