David H. Stern
Conheci o rabino David H. Stern nos Estados
Unidos, quando lançou uma tradução do B´rit
Hadashah, ou seja do Novo Testamento, introduzindo anotações a partir das
raízes culturais judaicas presentes nos textos neotestamentários. Esse artigo é
parte da Introdução que fez para a edição norte-americana e que foi traduzida
para o português por Rogério Portella, quando da publicação do Novo Testamento Judaico pela editora
Vida, em 2007.
A tradução de Stern do B´rit Hadashah, que recebeu o título de Novo Testamento Judaico, trabalha com
dois conceitos fundantes: “promessa” e “cumprimento”, pois acredita ter Jesus
cumprido as promessas do primeiro Testamento. Assim, textos como os de Gênesis
3.15; 12.3; 17.19; 21.12; 28.14; Números 24.17-19 e outros, segundo Stern, remetem
a Jesus. O B´rit Hadashah é visto,
então, como a nova Torá, e o fim desta Torá é o Massiah. Mas, por que esta
versão do B´rit Hadashah é diferente
das demais? Porque a tradução teve como um de seus objetivos deixar translúcida
a judaicidade do texto. As versões do B´rit
Hadashah em português apresentam o texto através de abordagens lingüísticas,
culturais e teológicas ocidentais.
É o caso de se perguntar: e o que há de errado
com isso? Nada! Ainda que o Evangelho seja de origem judaica, ele não existe só
para judeus, mas também para não-judeus. O próprio B´rit Hadashah deixa isso claro, portanto, é sensato que sua
mensagem seja comunicada aos não-judeus dentro da compreensão cultural destes.
E esta abordagem cumpriu seu objetivo: milhões de não-judeus depositaram sua
confiança no D´us de Avraham, Yitz’chak e Ya‘akov e no Massiah judeu, Yeshua.
Mas o B´rit
Hadashah é um livro judeu, escrito por judeus, que trata de questões
judaicas e que tinha por público-alvo judeus e não-judeus. Por isso a
necessidade de restaurar a judaicidade do texto. E se é correto adaptar um
livro judeu para a melhor apreciação dos não-judeus, isso não significa que se
deva suprimir sua judaicidade inerente. A tradução deste Novo Testamento Judaico evidencia suas características judaicas a
partir do título, o que para muitos pode parecer redundante e para outros
absurdo. Entretanto, não há separação entre Novo Testamento e pensamento
judaico, pois a figura central dos seus escritos é Yeshua, um judeu nascido de
judeus em Beit-Lechem, que cresceu entre os judeus em Natzeret, falou aos
judeus na Galil, e morreu na capital de Eretz Yisra’el, Yerushalayim.
E se Yeshua ressuscitou, como acredita Stern,
ele ainda é judeu, porque está vivo e, afirma, em nenhum lugar a Escritura
sugere que tenha cessado de ser judeu. Seus doze seguidores mais íntimos eram
judeus. Durante anos todos os seus talmidim eram judeus, alcançando o número de
“dezenas de milhares” só em Yerushalayim. O B´rit
Hadashah foi escrito por judeus, e Lucas era, ao que tudo indica, um
prosélito do judaísmo.
A mensagem de Yeshua foi e é dirigida
“especialmente ao judeu, mas também ao não-judeu”. Os judeus levaram o
Evangelho aos não-judeus, e não o inverso. Sha’ul, o principal emissário aos
não-judeus, foi durante toda a sua vida um judeu praticante, como evidencia o
livro de Atos. De fato, a principal questão no início da comunidade não era se
um judeu poderia crer em Yeshua, mas se um não-judeu poderia se tornar cristão sem
se converter ao judaísmo. E mais: a expiação do Massiah tem sua raiz no sistema
sacrificial judaico, a ceia do Senhor origina-se da Páscoa judaica, a imersão batismal
é uma prática judaica, e Yeshua disse: “a salvação vem dos judeus”.
A Nova Aliança foi prometida pelo profeta judeu
Jeremias. O conceito de Massiah é judeu. A bem da verdade, o Novo Testamento
completa o Tanakh, as Escrituras hebraicas outorgadas por D´us ao povo judeu. De
forma que o segundo Testamento sem o primeiro é tão impossível quanto o segundo
pavimento de uma casa sem o primeiro. E o primeiro sem o segundo é como uma
casa sem teto. Além do mais, muito do que está escrito no Novo Testamento é
incompreensível à parte do contexto judaico.
Eis aqui um exemplo. Yeshua disse no Sermão do
Monte: “Se o seu olho for mau, todo o seu
corpo estará em trevas”. O que é um “olho
mau”? Alguém que desconheça a cultura judaica da época poderia supor que
Yeshua estivesse falando sobre algum tipo de encantamento. Todavia, em
hebraico, possuir um ‘ayin ra‘ah,
“olho mau”, significa ser sovina; ao passo que ter um ‘ayin tovah, um “olho bom”, equivale a ser generoso. Yeshua está
simplesmente incentivando a generosidade e desestimulando a avareza. E esse
entendimento combina muito bem com os versículos do contexto: “Onde estiver seu tesouro, aí também estará
seu coração (...) você não pode ser escravo de Deus e do dinheiro”.
Segundo Stern, a melhor demonstração do caráter
judaico do B´rit Hadashah é também a
prova mais convincente de sua veracidade, ou seja, o número de profecias do
Tanakh, todas séculos mais velhas que os acontecimentos registrados no B´rit Hadashah, cumpridas na pessoa de
Yeshua de Natzeret. A probabilidade de que qualquer pessoa pudesse se encaixar
em dezenas de condições proféticas por mero acaso é infinitesimal. Nenhum
candidato ao messiado, como Shim‘on Bar-Kokhva ou Shabtai Tzvi, cumpriu mais
que umas poucas. Para o rabino, Yeshua cumpriu todas as 52 profecias referentes
à sua primeira vinda. As restantes serão cumpridas quando ele retornar em glória. Dessa forma,
o Novo Testamento Judaico considera
normal pensar no B´rit Hadashah como
algo judeu.
Para Stern, há três áreas adicionais nas quais o
Novo Testamento Judaico pode ajudar
em relação a tikkun-ha‘olam, ao
“conserto do mundo” frente ao anti-semitismo cristão, à recusa judaica de aceitar
a messianidade de Yeshua e a beligerante separação entre a igreja e o povo
judeu.
1. O anti-semitismo cristão. Inicialmente, um
círculo vicioso de anti-semitismo cristão se alimenta do B´rit Hadashah. O B´rit
Hadashah não contém nenhuma forma de anti-semitismo, mas desde os primeiros
dias da igreja, os promotores desse conceito têm distorcido o B´rit Hadashah para justificar a
infiltração dessas idéias na teologia cristã. Alguns tradutores do Novo
Testamento, ainda que não tenham sido anti-semitas, absorveram a teologia
anti-semita e produziram traduções antijudaicas. Os leitores dessas traduções
acabaram assumindo posturas anti-semitas e hostis ao judaísmo. Alguns desses
leitores se tornaram teólogos que refinaram e desenvolveram o caráter anti-semita
da teologia cristã -- eles poderiam até mesmo não ter consciência desse
sentimento. Outros se tornaram ativistas em prol do anti-semitismo e
perseguiram os judeus, pensando agradar a D´us quando procediam assim. Este
círculo vicioso precisa ser quebrado. O Novo
Testamento Judaico, acredita Stern, é uma tentativa de remover erros
teológicos anti-semitas multisseculares e destacar positivamente sua
judaicidade.
O Jesus apresentado nessas traduções diz pouco a
respeito da vida judaica. Torna-se difícil para o judeu experimentar Yeshua
como ele realmente é, amigo de todo judeu. Ainda que o Novo Testamento Judaico não consiga eliminar todas as barreiras
entre os judeus e a desconfiança no Massiah, remove obstáculos culturais, lingüísticos
e teológicos. O judeu que ler o Novo
Testamento Judaico, acredita Stern, poderá experimentar Yeshua como o Massiah
prometido pelo Tanakh ao povo judeu. E poderá perceber que o B´rit Hadashah é tão importante para os
judeus quanto para os não-judeus.
Bibliografia de David H. Stern
Em inglês
- Messianic Judaism: A Modern Movement With An Ancient Past, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 2007.
- How Jewish Is Christianity? (vv.aa.), ed Louis Goldberg, Zondervan, 2003.
- Complete Jewish Bible, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 1998.
- The Jewish New Testament Commentary: A Companion Volume to the Jewish New Testament, Jewish New Testament Publishing, Jerusalem, 1992.
- Jewish New Testament: A Translation of the New Testament that Expresses its Jewishness, Jewish New Testament Publishing, Jerusalem|Clarksville MD, 1989.
- Restoring the Jewishness of the Gospel, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 1988.
- Messianic Jewish Manifesto, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 1 Maio 1988.
Em português
- Novo Testamento Judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.
- Comentário Judaico do Novo Testamento, São Paulo, Editora Atos, 2008.
- Bíblia Judaica Completa, São Paulo, Editora Vida, 2011.
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