O texto inteiro você encontra em
Jorge Pinheiro, Imago Dei, a teologia do ser humano, Fonte Editorial, 2016, pp. 126-151.
Dois escritos antigos nos mostram que a doutrina da creatio ex nihilo tem suas bases tanto no Tanach, como nos apócrifos intertestamentários. Lemos em Isaías: “Assim diz Iavé, teu redentor, aquele que te modelou desde o ventre materno. Eu, Iavé, é que fiz tudo, e sozinho estendi os céus e firmei a terra. Com efeito, quem estava comigo?” (Isaías 44.24). E em II Macabeus 7.28: “Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma”. Esta, aliás, é a primeira afirmação explícita da criação ex nihilo.
A primeira vista,
a cosmogonia judaica define a centralidade de Gênesis Um no ato criativo de
Deus apenas enquanto espacialidade. Seria uma busca do lugar, da centralidade
espacial. O que leva muitos a afirmarem que não há nenhum elemento
espaço-temporal em Gênesis. Mas, isso não é verdade. Em 1740, Anton Lazzaro
Moro, cristão novo, geólogo e exegeta italiano, desenvolveu uma sofisticada
defesa da hipótese espaço-temporal em Gênesis Um. Dizia ele que tudo que está
“envolto e fechado” precisa de um tempo para libertar-se e tornar-se evidente,
e que Deus, ao criar a natureza, colocou-se com administrador das leis criadas.
Daí conclui: “Quando a Escritura afirma que ‘Spiritus Dei ferebatur super
aquas’ indica uma função que traz consigo sucessão de tempo”. [13] Desenvolvendo sua tese espaço-temporal,
explica que toda a criação sofreu duas produções diferentes, que precisam ser
cuidadosamente separadas: “a primeira é a do nada pela mão imediata do criador;
a outra provém do seio das segundas causas acionadas pelo administrador da
natureza. A primeira produção é instantânea e é ato divino proporcionado pela
onipotência e eternidade de Deus; a segunda [produção] implica que o ato divino
seja adaptado às exigências da natureza que Deus estabeleceu em cada coisa”. [14] A partir daí sua cosmogonia é
surpreendente. Explica que foi o Eterno quem moveu circularmente “a celeste
matéria de todo o planetário vórtice”, obrigando essa matéria que formaria o
Sol a colocar-se no lugar que lhe era destinado. Constatando que seja qual for
a velocidade que se queira atribuir ao movimento diário do Sol e de seu
vórtice, “isso não aconteceu num só dia e em só vinte e quatro horas”. A
formação do Sol, assim como a produção dos planetas, afirma Moro, “comprova que
aqueles seis dias não foram de medida igual aos dias modernos, mas que foram
espaços de tempo de duração muito mais longa, ou seja, de uma duração
proporcional à atividade das causas segundas e à exigência dos efeitos
produzidos; espaços esses que foram chamados dias, conforme o costume
frequentemente usado nas Escrituras de exprimir com o nome de dias certos
espaços de tempo longos e indeterminados” [15] É interessante ver como a física do
século vinte, principalmente aquela que sofreu influências dessa mesma cosmogonia,
traduziu para uma nova linguagem antigos conceitos.
Desde Aristóteles
a ciência avaliou equivocadamente o conceito tempo, considerando-o absoluto,
sem relação imediata e causal com o espaço. Pensou um tempo sem ambiguidades,
achando que se fosse medido corretamente, entre dois espaços ou eventos, o
intervalo de mensuração seria sempre igual. Durante séculos, inclusive para
Newton, o tempo foi independente do espaço. Mas, em 1905, Einstein tornou
pública uma nova teoria de espaço, tempo e movimento, que ele chamou de
relatividade especial. Comprovada em experiências de laboratório, essa teoria,
aceita pela maioria dos físicos atuais, levanta algumas hipóteses simplesmente
impressionantes, como a equivalência da massa e da energia, a elasticidade do
espaço e do tempo e a criação e destruição da matéria. Dez anos depois, na
sequência da teoria anterior, Einstein publica a sua teoria da relatividade
geral, com novas previsões: a curvatura do espaço e do tempo, a possibilidade
de que o universo seja finito, mas ilimitado e a possibilidade de o espaço e o
tempo se esmagarem, deixando de existir.
“Estas
considerações levou-nos a conceber teoricamente o universo real como um espaço
curvo, de curvatura variável no espaço e no tempo, de acordo com a densidade de
distribuição da matéria, susceptível, porém, quando considerada em larga
escala, de ser tomado como um espaço esférico. Esta concepção tem, pelo menos,
a vantagem de ser logicamente irrepreensível, e de ser aquela que melhor se
cinge ao ponto da teoria da relatividade geral”. [16]
E ao criticar a
teoria do tempo absoluto, Einstein vai mostrar que à medida que o deslocamento
de um objeto se aproxima da velocidade da luz, sua massa aumenta mais
rapidamente, de forma que gasta mais energia para aumentar sua velocidade. Por
isso, possivelmente não poderia atingir a velocidade da luz, pois deixaria de
ter massa intrínseca. O importante dessa teoria é ter modificado a compreensão
de tempo e de espaço. Antes, considerava-se que a velocidade da luz era a
distância que ela percorre, dividida pelo tempo que leva para fazer isso.
Agora, compreendemos que a velocidade pode ser a mesma, mas não a distância
percorrida. A partir da teoria da relatividade, o conceito de simultaneidade,
ou seja, da existência de um mesmo momento em dois lugares diferentes, deixou
de ter qualquer significado em termos de universo. Em linguagem da física da
relatividade o tempo gasto é a velocidade da luz multiplicada pela distância
que a luz percorreu. Temos então várias medidas de tempo, ou seja, medições
diferentes entre dois eventos ou espaços. Gênesis nos apresenta este conceito
de tempo com “yom” que aparece como não-determinação-quando em Gênesis 3.5;
não-determinação-período em Gênesis 1.14,16 e18; não-determinação-época em
Gênesis 2.4. Deixamos de ter, então, dois conceitos separados e absolutos: o
tempo e o espaço, para termos um, o espaço-tempo. Ora, um evento é algo que
acontece num determinado ponto do espaço e logicamente num tempo também
determinado. Só que não há separação entre essas duas unidades.
Uma das premissas
da teoria da relatividade, conforme expõe Hawking, [17] é que o tempo corre mais lentamente perto
de um corpo volumoso. Assim, na Terra, para tomarmos um exemplo que nos
interessa, o tempo é mais lento que em outros planetas ou luas de menor massa.
Isto porque existe uma relação entre energia da luz e sua frequência. Quanto
maior a energia, maior a sua frequência. Dessa maneira, à medida que a luz
percorre verticalmente o campo gravitacional da Terra perde energia e sua frequência
diminui. Em outras palavras, espaço e tempo são quantidades dinâmicas. Quando
um corpo se move no universo afeta a curva do espaço-tempo e, por sua vez, a
curva do espaço-tempo afeta a forma como os corpos se movem e as forças atuam.
Só que, e esse conceito é importante para a relatividade geral, não há como
falar de espaço-tempo fora dos limites do universo. Essa premissa é
interessante, pois descarta a idéia de um universo imutável, que sempre
existiu, para trabalhar com a possibilidade de um universo que teve início, é
plástico e encontra-se em expansão.
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