jeudi 20 juin 2024

Caminho, verdade e vida

Um mashiah muito especial – caminho, verdade e vida

Jorge Pinheiro

 

 

A ação do Cristo/ do Mashiah na vida humana é a vitória sobre a idéia da força trágica da matéria eterna, traduz a idéia de que o mundo é uma criação divina. É a vitória da crença na perfeição do ser em todos seus aspectos sobre o medo trágico e a matéria que resiste hostil ao divino. É a negação radical do caráter demoníaco da existência em si. Dá à existência um valor essencialmente positivo e valoriza os acontecimentos da ordem temporal. Com a ação do Mashiah, ao contrário do que pensava Anaximandro, a ordem do tempo não leva apenas ao transitório e perecível, mas também à possibilidade de algo totalmente novo, um propósito e um fim que dá pleno significado à vida humana.

 

No Mashiah o tempo triunfa sobre o espaço. O caráter irreversível do kairós substitui o tempo cíclico, transitório e perecível do pensamento helênico. A partir desse momento, destino outorga graça, que traz salvação no tempo e na história. O mundo helênico e sua interpretação da vida foram superados e com eles, a religião, os mitos e os cultos de mistério.

 

Antes, a filosofia buscava desesperadamente a revelação, agora a revelação apodera-se da filosofia dando origem à teologia. Assim, a teologia jogou fora o destino demoníaco e por extensão a metafísica helenística e se apropriou de suas formas lógicas e de seus conteúdos empíricos. O transitório e perecível da filosofia helenística não teve importância na formação do pensamento ocidental, mas sim a idéia da criação divina do mundo e a fé numa providência divina, através da salvação que se constrói historicamente e acontece no kairós. E isso já não é helenismo, mas teológica cristã.    

 

Hoje a globalização excludente é mitologia que consome o mundo. E diante dela devemos fazer o mesmo que fizeram seguidores do Mashiah dos primeiros séculos. Assumir o comissionamento que nos foi entregue. É necessário proferir um não ao tempo presente. E nessa crítica, o fundamental é envolver-se na situação histórica concreta, ter a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular.

 

O amigo do Mashiah deve olhar o mundo com atenção. E a luta dos povos em diáspora deve sensibilizar os intelectuais que fazem parte das assembleias cristãs, pois estamos vivendo uma era de kairós, e as utopias dos povos em diáspora são partes do clamor contra a opressão que caracteriza este início de século. Não é correto classificar as utopias dos povos em diáspora como simples conflito racial e religioso, ou como problema localizado em regiões distantes do globo. Ao contrário, hoje estamos vendo um clamor global do desterrado e excluído. As utopias de liberdade dos povos em diáspora não serão revoltas raciais e religiosas se estivermos interessados em praticar a fraternidade do Mashiah. Porém, pregou-se, por muito tempo, um messianismo vazio de fraternidade, que não significava mais que o desejo de que os povos aceitassem passivamente o seu destino colonial. As nações industriais do Ocidente subjugaram culturas, nações e povos por razões econômicas. Essas ações de saques internacionais golpearam os continentes e são os responsáveis pelo baixo padrão de vida que prevalece em todo o mundo chamado subdesenvolvido.

 

Nosso comissionamento deve traduzir o pensamento palestino de destino, ou seja, de estar proposto para algo sublime, no sentido de que os limites estão dados de antemão, da lei transcendente na qual está imbricada o conceito de liberdade. Assim, estar predestinado implica uma trindade conceitual: o estar predestinado está sujeito à liberdade; estar predestinado significa que a liberdade também está sujeita à lei; estar predestinado significa que liberdade e lei são interdependentes e complementares.

 

Vamos pensar essa questão a partir de uma chocante história da Torá. O príncipe dos pregadores do século dezenove, Charles Haddon Spurgeon, pregou um sermão que ficou conhecido como Apressando a Ló, com base no texto de Gênesis 19.15. O centro da mensagem de Spurgeon é que diante de uma cidade que vai arder, justos e errantes devem ser apressados.

 

O justo deve ser apressado em relação ao que é melhor para sua família, a sair da loucura do século presente e buscar a solidariedade do Eterno. E o errante deve ouvir do perigo iminente e da necessidade de tomar uma decisão imediata.

 

O pano de fundo do sermão é a cidade que vai arder.

 

Décadas mais tarde, um poeta norte-americano, de ascendência inglesa, escreveu sobre um mundo que já ardeu. Seus poemas traduzem a angústia profética diante da guerra e do drama humano. Terra Desolada é um dos mais impressionantes poemas de Thomas Stearns Eliot. É um gemido diante de um mundo árido, onde sobreviventes se arrastam e agonizam. Escrito entre 1921 e 1922, é considerado o mais terrível poema da literatura ocidental no século vinte.

 

Mas, em meio ao desespero, podemos ver o sentido de transcendência que brota na Terra Desolada desse cristão agoniado diante do destino humano. No final da terceira parte do poema, chamado O Sermão do Fogo, terror e êxtase se complementam:

 

“A Cartago então eu vim, ardendo, ardendo ardendo ardendo, Ó Senhor tu que me arrebatas, Ó Senhor tu que me arrebatas, ardendo ...”

 

Eliot em suas notas conta que o primeiro verso acima foi tirado das Confissões de santo Agostinho, quando o teólogo diz: “A Cartago então eu vim, onde todos os amores ímpios, como num caldeirão, cantavam em meus ouvidos”. E o verso seguinte faz parte do Sermão do Fogo, de Buda, que segundo Eliot é tão importante para o mundo oriental quanto o Sermão da Montanha para nós cristãos. E volta às Confissões de Agostinho, com o verso: “Ó Senhor Tu que me arrebatas”. Eliot afirma que “a inserção destes dois representantes do ascetismo oriental e ocidental no ponto culminante desta parte do poema não é fortuita”, já que através de uma leitura cheia de ecumenicidade transmite ao leitor toda a angústia diante de um mundo que arde.

 

Três anos mais tarde, Eliot lançou Os Homens Ocos onde, ainda em meio ao mundo desolado, fala de homens vazios, empalhados. E é aqui, neste poema, que a transcendência transborda, apontando para o sentido profundo da mudança de rumo.

 

“Entre o desejo, e o espanto, entre a potência e a existência, entre a essência e a descendência, tomba a sombra, porque teu é o reino, porque Teu é a vida é porque teu é o ... “

 

E numa estrofe sublime, genial, completa: “Assim expira o mundo, assim expira o mundo, assim expira o mundo, não com uma explosão, mas com um suspiro”.  

 

Diante de uma cidade que vai arder, de um mundo que já ardeu, ficam a urgência e a esperança... “e como ele estava demorando, os anjos pegaram pela mão Ló, a sua mulher e as suas filhas e os levaram para fora da cidade...”

 

Analisando o conceito cristão palestino de destino ou estar predestinado, exposto por Shaul/ Paulo em sua carta aos romanos (8.31-39; e 9), podemos dizer que a liberdade humana está ligada às leis universais, de tal forma que liberdade e leis se encontram intrinsecamente entrelaçadas. Aqui Shaul trabalha com um conceito judaico, de que lei é imposição de limites, que faz parte da revelação, que se expressa pela primeira vez como criação de haShem. Mas para Shaul, se o mal é uma probabilidade que surge da correlação lei/graça, o julgamento era inerente a tudo na criação, mas também a liberdade.

 

Assim, a certeza de que o estar predestinado é divino e não demoníaco e tem um significado realizador e não destruidor é peça-chave do pensamento daquele cristão-novo que chamamos Shaul, que coloca o logos acima do destino. Ao fazer isso, Shaul está dizendo que a compreensão do estar predestinado não está ao alcance do ser humano, nem pode ser submetido aos processos do pensamento humano. Mas esse logos eterno se reflete através de nossos pensamentos, embora não exista um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional. Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas, mesmo assim, devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.

 

Quando mantemos relação com o logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos o lugar que cabe ao estar predestinado em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio esteve submetido ao estar predestinado e que o nosso pensamento sempre desejou livrar-se dele, mas nunca conseguiu. Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do estar predestinado é saber relacionar logos e kairós. O logos deve envolver e dominar as leis universais, a plenitude do tempo, a verdade e o estar predestinado da existência. A separação entre logos e existência chegou ao fim. O logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.

 

É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, todo ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu estar predestinado. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no estar predestinado.

 

Nosso destino, que aqui deve ser entendido como missão, é servir ao logos, num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino, no sentido de prokeimai, em grego estar colocado, ser proposto, e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.

 

Diante da mitologia das ideologias excludentes, nosso comissionamento permanece o mesmo dos primeiros cristãos: levar a graça de Cristo a um mundo em crise, imerso em culpa e destino trágico.

 

Assim, não podemos falar em mitologia quando falamos do Mashiah, e sim de simbologia, principalmente em relação às parábolas de Yeshua. A mitologia é fenômeno social e cultural, não é um erro ou uma farsa. Quem é que conhece ou define sua vida pelo Santo Graal? Esse assunto deve ser situado no campo da ficção.

 

O pensamento do Mashiah leva a um posicionamento do coração e da mente, que brota das promessas de haShem. É uma confiança que nasce da reflexão e leva à constatação de que haShem é digno de crédito. Mas, de maneira nenhuma, lança fora a afetividade, a vontade, a personalidade, as ações, as experiências e as obras enquanto componentes do posicionamento. 


Se não houver mudança não há fé. Yochanan/ João, o batista, pregava o batismo do arrependimento, isto porque sem regeneração também não há fé. Assim, o pensamento do Mashiah parte do processo de conhecimento da revelação, que está ligado à obediência, e que em última instância é disposição positiva do coração, enquanto totalidade da personalidade humana, arrependimento e regeneração de vida. Ora, mas se falamos de revelação, nos colocamos diante da aletheia, verdade, no sentido de desvelamento, de a-lethe, que é a negação do esquecimento. Para os pensadores pré-socráticos physis, logos e aletheia formavam a base primeira do pensar filosófico, e para nós seguidores do pensamento do Mashiah, fundamenta a nova vida.

 

Aletheia transcende o humano, por ser uma ideia que se coloca fora do tempo, antes do tempo, como fundamento do tempo. É a palavra da justiça, que envolve a memória, confiança, poder de persuasão e adesão última. Os pensadores pré-socráticos não trabalhavam uma oposição rígida entre verdade e falsidade, por isso outros pares de opostos como memória e esquecimento, certo e errado, confiança e engano também deviam seguir este padrão.

 

Ora, é necessário compreender que aletheia é um ideia que expressa a força da physis enquanto natureza, cosmo, que traduz a verdade dos justos e dos sábios, mas é frágil, sujeita a erro e à fraude -- uma palavra para o léthé. Assim, aletheia significava colocar-se fora do lethe, fora do esquecimento, e nos fala da experiência de colocar-se fora de uma situação que a princípio deveria ser esquecida ou deixada de lado. É uma experiência ontológica. Não é apenas uma recurso de linguagem. É um conceito governado pelo lethe. Baseia-se no fato de que é necessário desvelar, trazer à revelação aquilo que estava fora ou colocado no esquecimento.

 

Esta compreensão fez parte do mundo grego, e  é o âmago da expressão entre os pensadores pré-socráticos e poetas como Homero e Hesíodo. E desde Platão, em sua Alegoria da caverna, aletheia aparece como o brilho da idéia.  Mas, há um pressuposto presente no pensamento de Aristóteles, que vai influenciar todo o pensamento moderno, quando aletheia é entendida enquanto dimensão lógica: uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou seja, a verdade aparece, então, ligada ao princípio da não-contradição, passa a traduzir a idéia de que algo realmente não pode ser e não-ser. E no pensamento moderno, a verdade ressurge no pensar matemático, em Descartes, e no fenômeno, em Kant. E será entendida como o "intellectus adaequatio". Assim, passa a ser compreendida na modernidade como uma correspondência entre a idéia e a coisa. Ou seja, quando esta construção do conhecimento é estabelecida a verdade é atingida.

 

Mas será Martin Heidegger quem confrontará a posição aristotélica, ao entender que a lógica fica em suspensão em relação à verdade do ser, quando se aplica o princípio da contradição em um círculo.

 

Heidegger voltou ao significado original da ideia de verdade, partindo dos pré-socráticos, Parmênides, Heráclito, Anaximandro e também de Homero, o poeta. Para os primeiros pensadores pré-socráticos, três temas -- physis, logos e aletheia -- estão em contato, porque são conceitos fundamentais para se pensar a filosofia. E essa  relação deve ser mantida. Heidegger põe em xeque o postulado aristotélico, e volta às origens gregas para desconstruir a dimensão lógica do conceito verdade. Ou seja, retorna à compreensão ontológica de verdade, que exige deixar de fora do conceito a idéia exclusiva de acordo e retidão de julgamento. E assim, em Heidegger, a verdade volta a ser um conceito aberto, como fora para os pensadores pré-socráticos, em especial para Parmênides.

 

Para Platão, a aletheia é um evento, e não levar em conta que o evento ocorreu produz perda de sentido, porque esse esquecimento é perda metafísica de sentido, o que para Heidegger é catástrofe e colapso. Em Platão não é um acontecimento em processo, mas o resultado de um processo. O acontecimento é fato dado. Ou seja, estamos diante da mutação da essência e por extensão do ser.

 

Para Heidegger, a verdade caminha pari passo com o bem. E isso está posto a partir de Platão, que na República, apresenta o bem supremo como regulador, é aletheia/bem. Ou seja, Platão vai além dos pré-socráticos Parmênides e Heráclito nas suas construções primeiras de aletheia. E Heidegger seguiu a trilha aberta por Platão.

 

Martin Heidegger trabalha a verdade como inauguração do estar e não como um acordo de início. Assim o conceito verdade remete, a partir de Heidegger, a duas compreensões fundamentais: (1) eficácia: o logos não está separado de sua realização, porque traduz as forças da natureza; (2) intemporalidade: o logos é pronunciado em um tempo que escapa a sucessão de passado, presente e futuro. A partir de Heidegger, não podemos afirmar que hoje a verdade deixou de existir, mas que, como entendeu Emmanuel Levinas, deu-se em relação a ela uma perda de precisão, ou seja, de sentido.

 

Mas o Mashiah disse que ele é o caminho, a verdade e a vida. E que ninguém vai ao Pai senão por ele. E um amigo do Mashiah, Toma, expressou dúvidas para crer, para entender. E por isso o Mashiah disse: "Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida".

 

Uma das linhas-força dessa correlação de idéias teológicas -- caminho, verdade e vida -- presente nas escrituras hebraico-judaicas e na filosofia grega é a ideia de halakha, que se transformou em ramo da literatura rabínica. Ela trata das obrigações religiosas às quais devem se submeter os judeus em suas relações com o próximo e com haShem. Ela engloba todos os aspectos da existência. Mas halakha tem em sentido mais amplo, o de caminho.

 

Assim, a partir da halakha, mais do que propor uma adoração estática a haShem, as escrituras nos falam de andar com ele. Daí a idéia de caminho. O ser humano é colocado a cada momento e a cada dia diante da exigência de exercer sua liberdade e escolher entre o bem e o mal, ou, como diz Deuteronômio 30.15: “Vejam que hoje ponho diante de vocês vida e prosperidade, ou morte e destruição”.

 

A linha-força do caminho da lei ou halakha é extensa e profunda nas escrituras. E se antes repousava na lei, agora é o próprio Mashiah. E é a partir desse conceito teológico que estrutura o pensamento hebraico-judaico, que podemos entender a afirmação de Yeshua.

 

Os hebreus falaram sobre o caminho que as pessoas deviam tomar. HaShem disse a Moshe: “Cuidareis em fazerdes como vos mandou o Senhor, vosso Deus; não vos desviareis, nem para a direita, nem para a esquerda. Andareis em todo o caminho que vos manda o seu Senhor, vosso Deus” (Deuteronômio 5:32-33). Moshe disse ao povo: “Sei que, depois da minha morte, por certo, procedereis corruptamente e vos desviareis do caminho que vos tenho ordenado” (Deuteronômio 31:29). Isaías havia dito: “Os teus ouvidos ouvirão atrás de ti uma palavra, dizendo: Este é o caminho, andai por ele.” (Isaías 30:21). No mundo novo haveria uma estrada chamada o Caminho de santidade. Nela, os caminhantes, por simples que fossem suas almas, não se extraviariam (Isaías 35:8). O salmista orou: “Ensina-me, haShem, o teu caminho” (Salmos 27:11). Os judeus sabiam muito sobre o caminho de haShem que deviam seguir. E o Mashiah disse: "Eu sou o caminho".

 

Em grego, halakha se transforma em hodós, o caminho mais curto. E uma outra ideia se agrega, meta, 'depois' ou 'que segue' se junta a hodós, 'caminho', e passa a significar 'seguir um caminho' para chegar a um fim. Assim, em filosofia, especialmente em epistemologia, o método delimita o modus de obtenção do conhecimento.

 

Mas voltemos ao Mashiah que afirmou: eu sou o caminho, eu sou a verdade, eu sou a vida. O autor dos Provérbios disse que o mandamento é lâmpada, e a instrução, luz; e as repreensões da disciplina são o caminho da vida” (Provérbios 6:23). “O caminho para a vida é de quem guarda o ensino” (Provérbios 10:17). “Tu me farás ver os caminhos da vida”, disse o salmista (Salmos 16:11). O ser humano busca o caminho, busca a verdade, busca a vida. E o Mashiah responde este anseio ao dizer, “ninguém vem ao Pai, senão por mim”. Ou seja, viver no caminho nos leva a pensar a verdade ... e para entender a policromia deste conceito devemos continuar o percurso, fazer a trilha da aletheia.

 

A aletheia tem, num primeiro momento, o sentido de desvelamento: de negar lethe, negar o esquecimento. Para os gregos, designava a essência, aquilo que é, e por isso tinha correlação com a arché, com a origem, quer em relação à auto-manifestação da realidade, quer em relação à manifestação dos seres humanos. Em latim temos veritas, que corresponde a maneira de narrar os fatos acontecidos, e a maneira de narrar determinará a verdade dos fatos.

 

Então, lhe disse Pilatos: Logo tu és rei? Respondeu-lhe o Mashiah: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve minha voz. Perguntou-lhe Pilatos: Que é a verdade? Tendo dito voltou aos judeus e lhe disse: Eu não acho crime algum nele (João 18:37-38)

 

Sobre o diálogo entre o Yeshua e Pilatos podemos observar que o Mashiah não tem dúvida sobre o quem é a verdade e Pilatos não sabe o que é a verdade. É importante compreender que filosoficamente construímos o conceito verdade a partir de três concepções diferentes, vindas da filosofia grega e do latim, do judaísmo e de sua correlação com o pensamento do Mashiah.

 

Na concepção grega, aletheia é o que não mais está oculto, e como tal é verdadeiro, pois  se manifesta aos olhos e ao espírito. O falso é pseudos, o encoberto, o que parece ser mas não é. De acordo com essa concepção aletheia está na essência, sendo idêntica a realidade e acessível apenas ao pensamento, é verdade aos sentidos. Assim um elemento necessário é a visão inteligível, em outras palavras o ato de revelar, o próprio desvelamento.

 

Na concepção pragmática latina veritas significa exatidão, rigor do que se refere à linguagem como expressão de fatos acontecidos. A concepção latina afirma a capacidade das pessoas em descrever com precisão um acontecimento. Essa concepção depende da forma que os fatos são narrados. Nesse ponto a veritas trata de descrever com detalhes o ocorrido no passado.

 

Observam-se diferenças nas concepções grega e latina. Para a filosofia grega, a verdade faz parte da essência que foi desvelada. Na latina é a precisão dos fatos que são contados que vão determinar se esse fato e verdadeiro ou falso. E na leitura hebraica, parte do conceito de emunah, que significa posicionamento, mas também confiança. Nessa concepção há um comprometimento, mas quando correlacionado com a pistis essa confiança se transforma numa verdade que chamamos fé. Ora, na mitologia grega, pistis era a personificação da boa-fé, da confiança e da confiabilidade. Ela aparece sempre ao lado de outras virtudes como a esperança, a prudência e as graças, todas associadas à honestidade e à harmonia entre as pessoas. Mas, equivalente, sobretudo à fides latina. Assim, nota-se que a confiança/fé é a base desta concepção. A verdade passa então a ser a expressão deste posicionamento e desta confiança/fé, embora pareça absurdo para quem se coloca fora de tal confiança.

 

Assim, aletheia se refere ao que as coisas são ao serem desveladas, veritas se refere aos fatos que foram relatados, e emunah/pistis se refere àquilo que virá a ser, porque assim foi prometido. Ou seja, aletheia é, tal como se manifesta agora ao nosso espírito, veritas mostra os fatos conforme foram relatados, e emunah/pistis aponta para aquilo que será e que foram prometidas.

 

Mas, a aletheia não está fora da vida. E no hebraico temos a palavra hayah, que traduz a ideia de respirar. O substantivo hayah, no entanto, significa viver, ter vida, sustentar a vida. Se estiver na forma gramatical hifil tem o sentido de reanimar, reviver, restaurar à vida, o que aponta para o conceito de levantar da morte, ressuscitar.

 

E zoé é o conceito de vida comum a todos os seres vivos. Traduz a vida animal, o momento mais simples da vida bios. A vida animal está lá embaixo, quando comparada a bios. Afinal, o ser humano é escravo de suas necessidades básicas de sobrevivência. Sua servidão remete a um moto sem fim para atender suas necessidades básicas. Esta vida zoé retrata a simplicidade de uma vida não qualificada, que por não ser superior têm como destino ficar oculta. Ficar oculta significava ter hábitos moderados no comer, beber, na sexualidade e na não-violência. Não havia punições para quem fosse moderado, mas a moderação na vida zoé mostrava que a pessoa poderia exercer o bios político.

 

Na zoé dos gregos há uma desqualificação do corpo (soma) na definição da vida, sem representação política, como no caso dos escravos. A vida bios é a vida racional, própria de pessoas ou comunidades. A vida política é a bios política como uma vida qualificada. Um tipo de vida de pessoa que é admirada por suas ações e condutas. Por sua práxis, pelo que ele faz, e por sua léxis, pelo que ele diz. Práxis e léxis nas pessoas e comunidades possibilitam a existência da polis democrática, e por extensão da liberdade.

 

Mas quando compreendida a partir do hayah, da vida que ressurge, os discípulos do Mashiah vão além da compreensão grega. Veem zoé, que tem nela o hayah bíblico, como a vida eterna, dom do haShem entregue àqueles que aceitam o Mashiah, como senhor. E a vida bios passa de fato a ser a vida terrena, que renasce no permanente ciclo de nascimento e morte.

 

Por isso, o Mashiah respondeu a Toma/ Tomé: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão através de mim.”

 

E voltemos à festa da Candelária. Que haShem abençoe você, que ele faça resplandecer o seu rosto sobre você nesta festa em que se comemora a luz de Yeshua, que veio ao mundo, inclusive com os crepes oferecidos aos peregrinos, não apenas por lembrarem o sol em seu formato e cor, mas também como forma de dizer: ainda possuímos provisão para o inverno. Que haShem lhe dê a luz e provisão em abundância, é a oração que faço de todo o coração por você, pedra preciosa e resplandecente aos olhos de haShem. E que assim seja!

 

Referência bibliografia

ELIOT, T. S., Poesia, 3a. edição, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1981.

SPURGEON, Charles Haddon, Esboços Bíblicos de Gênesis a Apocalipse, aprendendo com o príncipe dos pregadores, São Paulo, Shedd Publicações, 2002.




 

 

 

Pede-se ser levantado

A existência a partir da leitura
Ou, pede-se ser levantado!

"Há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”.

Betty Fuks no seu livro Freud e a Judeidade, a vocação do exílio [Jorge Zahar Editor, 2000, pp. 127-133, conta que Freud, um dia depois do sepultamento do pai, sonhou com um cartaz onde estava escrito: “Pede-se fechar os olhos”. Mais tarde, em carta a Fliess, o pai da psicanálise falou dos sentidos subjetivos da frase: “era parte da minha autoanálise, minha reação diante da morte de meu pai, vale dizer, diante da perda mais terrível na vida de um homem”.

O fazer da existência tem a sua magia. Se alguém estivesse além do tempo, além do espaço, haveria de debruçar-se sobre esse fazer humano, que tem seu próprio tempo e seu próprio espaço. E que integra a existência de cada ser na história dos fazeres humanos. É por isso que Bereshit, o primeiro texto da bíblia hebraica começa por um ponto zero. O tempo zero vai de um mítico entardecer à meia-noite do novo espaço-tempo. Seria aquela decrescência quando o luminar deixasse de brilhar no espaço de forma gradual.

Por isso, dizemos que o tempo do não-ser não é uma fratura do tempo, mas é tempo da história. Qohelet, o sábio judeu, não contemplou a passagem do tempo, mas a vinda do tempo. O tempo nada ou pouco significa para aquele que está além do tempo, além do espaço: mas existe um sentido de tempo para o humano. A conclusão de Qohelet é que temos de ser no tempo para dar valor à eternidade que brota do nada do não-ser.

Não vou entrar nos detalhes das leituras que o próprio Freud fez da frase que apareceu em seu sonho. Diria ao leitor, apenas, que vale a pena ler "Freud e a Judeidade”.

Pretendo aqui levantar o desafio de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. É a partir dessa hermenêutica, que vamos ler trechos do final da primeira carta de Paulo aos Coríntios, em tradução minha.

“... Foi sepultado e foi despertado do sono no terceiro dia, de acordo com o escrito”.

A frase acima e a continuação do texto é uma das mais importantes sobre a egeiró e anástasis, duas expressões gregas não substancialmente diferentes, que sintetizam a teologia da anástase dos cristãos do primeiro século. Mas tarde nós criamos a partir delas o conceito de ressurreição, peça fundante da teologia cristã. Tal conceito, ressurreição, criou um padrão de imagem que dificulta a experiência do ir além. Por isso, somos obrigados a fazer a desconstrução histórico-filosófica das expressões gregas.

As leituras da anástasis e egeiró remontam a Homero e ao grego antigo e com seus sentidos correlatos axanástasis, anhistémi e anazaó, que podem ser traduzidas por “ficar de pé”, “ser levantado” e “voltar à vida”, foram fundamentais para a construção do conceito cristão.

Mas foi com Platão, na literatura filosófica, que vamos encontrar um debate fundamental para a teologia da anástase, quando apresenta a alma enquanto semelhança do divino e o corpo enquanto semelhança do que é físico e temporário.

Platão, em Fédon, num diálogo entre Sócrates e seus amigos defendeu a ideia da imortalidade da alma. Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, mas não teve medo, por crer ser a alma imortal. Para Platão, as almas possuem semelhanças com as formas, que são realidades eternas por trás do mundo físico, natural. Nesse sentido, para Platão, o corpo morre, mas a alma não. Ele parte do padrão cíclico da natureza, frio, quente, frio; noite, dia, noite. Assim, os mortos despertam numa nova vida depois da morte.

E dirá através de Sócrates em Fédon: “perguntemos a nós mesmos se acreditamos que a morte seja alguma coisa? (...) Que não será senão a separação entre a alma e o corpo? Morrer, então, consistirá em apartar-se da alma o corpo, ficando este reduzido a si mesmo e, por outro lado, em libertar-se do corpo a alma e isolar-se em si mesma? Ou será a morte outra coisa?”

Paulo conhecia a discussão filosófica grega acerca da anástase, já que isso se evidencia em seus escritos, principalmente no capítulo 15 de sua primeira carta aos coríntios, que estamos analisando. Mas, sem dúvida, construiu seu conceito também levando em conta a tradição judaica, acrescentando novidades ao debate. Existem referências ao ser trazido de volta à vida nas escrituras hebraico-judaicas. Mas a preocupação judaica era existencial. Mais do que remeter a um futuro distante, embora tais leituras estejam presentes na fala de alguns profetas, as histórias de anástase relacionadas aos profetas Elias e Eliseu falam do aqui e agora. Aliás, este último, mesmo de depois de morto, trouxe à vida um defunto que foi jogado sobre sua ossada. Ao tocar os ossos de Eliseu, o morto ficou vivo de novo e se levantou. Esse caminho será a novidade da compreensão cristã-helênica da anástase.

“Somos arautos de que o ungido foi levantado do meio dos mortos: como alguns podem dizer que não há o ser erguido dos mortos? E, se não há o despertar do sono da morte, também o ungido não foi levantado. E se o ungido não foi levantado, é inútil o que falamos e também inútil a nossa crença”.

Outras fontes de Paulo foram o profeta Daniel e literaturas helênicas do judaísmo, que trabalharam com a ideia de “despertar subitamente do sono”. Durante o período helênico ideias novas afloraram em meio à vida judaica, entre elas a esperança da recompensa escatológica apresentada nas profecias apocalípticas, como em 2Macabeus 7; Daniel 12:2-3 e o Escrito de Damasco 4:4, que remetem concretamente à anástase.

Assim, os elementos novos da compreensão paulina da anástase já aparecem delineados no profeta Daniel:

“Muitos dos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e eternamente”.

Paulo, porém, somará um componente existencial à compreensão de Daniel, dirá que a morte, o maior de todos os odiados pela espécie humana, será privada de força.

“Caso o ungido só sirva para esta vida, somos as pessoas mais dignas de lástima. Mas o ungido foi levantado dentre os mortos e foi o primeiro fruto dos que foram colocados para dormir. Porque se a morte chegou pela humanidade, também o ungido dará à luz nova vida. Como morre a espécie, no ungido ela recebe vida. E isso acontece numa ordem: o ungido é o primeiro fruto, depois os que pertencem ao ungido, quando ele aparecer. E veremos o limite, quando o ungido entregar o reino a Deus e Pai, e tornar inoperante o império, os poderes e os exércitos. Convém que seja rei até derrubar os odiados por terra. O último odiado a ser privado de força é a morte, porque o resto já foi colocado debaixo de seus pés”.

É interessante que Paulo em seu texto cita o dramaturgo, filósofo e poeta grego Menandro (342-291 a. C.), no texto O Misantropo, que num verso disse: “as más companhias corrompem os bons costumes”.

“Que farão os que se batizam pelos mortos, se os mortos não são chamados de volta à vida? Por que se batizam então pelos mortos? Por que estamos a cada hora em perigo? Protesto contra a morte de cada dia. Eu me glorio por vocês, no ungido Iesous a quem pertencemos. Combati em Éfeso contra animais ferozes, mas o que significa isso, se os mortos não podem ressurgir? Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos. Mas não vamos nos enganar: as más companhias corrompem os bons costumes”.

Há uma correlação entre Platão e a tradição hebraico-judaica, que podemos ver nesta carta de Paulo. Mas olhar a existência através da leitura significa, como afirma Fuks, que você leitor desconstrói, pois ler não é repetir o texto: é um modo de criação e de transformação. Por isso, digo que ler é um ato de anástase ou, se você preferir, de ressurreição. E Paulo trabalhou de forma brilhante tal idéia, tanto nas suas leituras e estudos, como na reconstrução do próprio conceito.

Na sequência da tradição hebraico-judaica, ou como diz Fuks, “os antigos hebreus não estavam trabalhados, como nós, pela necessidade de abstração, de síntese e de precisão na análise conceitual do real, herança dos gregos”. Assim, Paulo está preocupado com a existência, com a vida, com o corpo.

“Mas alguém pode perguntar: como os mortos são trazidos à vida? E com que corpo? Estúpido! O que se semeia não tem vida, está morto. E, quando se semeia, não é semeado o corpo que há de nascer, mas o grão, como de trigo ou qualquer outra semente. Deus dá o corpo como quiser, e a cada semente o corpo que deve ter. Nem toda a carne é uma mesma carne, há carne humana, de animais terrestres, de peixes, de aves. E há corpos celestes e corpos terrestres, uma é a dignidade dos celestes e outra a dos terrestres. Diferente é o esplendor do sol do esplendor da lua e das estrelas. Porque uma estrela difere em brilho de outra estrela. Assim também o ser levantado dentre os mortos. Semeia-se o corpo perecível; levantará sem corrupção. Semeia-se na desgraça, será levantado em excelência. Semeia-se em debilidade, será erguido vigoroso. Semeia-se corpo controlado pela psiquê, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo controlado pela psiquê, também há corpo espiritual”.

Para Paulo, a anástase leva à uma teologia da vida que nasce do corpo. Mas, não é simplesmente ter de volta a vida do corpo material, tanto que em certo momento ele nos diz que “deveremos ser a imagem do homem do céu”.

“Assim também está escrito: o primeiro ser humano, terrestre, foi feito ser-que-deseja, o futuro humano será um espírito-cheio-de-vida. Mas o que não é espiritual vem primeiro, é o natural, depois vem o espiritual. O primeiro ser humano, da terra, é terreno; o segundo humano, a quem pertencemos, é celestial. Como é o da terra, assim são os terrestres. E como é o celeste, assim são os celestiais. E, como somos a imagem do terreno, assim seremos também a imagem do celestial”.

O pensamento grego, platônico, está presente na anástase paulina, já que a eternidade não é construída em cima da carne e do sangue. Vemos aqui a dualidade entre a realidade física e o mundo das formas. O dualismo metafísico de Paulo admite aqui duas substâncias que regem o ser humano, no mundo natural, a psiquê, e no mundo pós-anástase, o pneuma. E dois princípios, nesse sentido bem próximos a Platão, são o bem e o mal.

“E agora digo que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a eternidade. Digo um mistério: nem todos vamos adormecer, mas seremos transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta, porque a trombeta soará, os mortos serão levantados incorruptíveis, e seremos transformados. Convém que o corrompido seja tornado eterno, e o que é mortal seja tornado imortal. E, quando o que é corruptível se vestir de eternidade, e o que é mortal for transformado em imortal, então será cumprida a palavra que está escrita: a morte foi conquistada definitivamente. Onde está, ó morte, a tua picada? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, a picada da morte é o desviar-se do caminho da honra e da justiça, e a força do erro é a lei. Mas a alegria que Deus dá é a vitória por Iesous, o ungido, a quem pertencemos. Sejam firmes e persistentes, abundantes no serviço daquele a quem pertencemos, conscientes de que o trabalho árduo e duro não é desprezado por aquele a quem pertencemos”.

Voltemos à análise do conceito anástase no capítulo 15 da primeira carta de Paulo aos Coríntios, tomando como ponto de partida o desafio de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do que aparece na imagem”.

Paulo traduziu para as novas gerações o desejo judaico-helênico, existencial, da anástase: “Pede-se ser levantado”! Esta é uma das ideias-força do cristianismo, todos sonhamos ressurgir!

Jorge Pinheiro
Montpellier, 28.07.2023






mardi 18 juin 2024

La vie de Miró, le chat

La vie de Miró s'écoule peu à peu
São Paulo, 22 octobre 2013


Et si la vie n'était qu'une seule. Et si la mort de Miró était aussi la mienne. Et si ces jours, où sa vie s'écoule, étaient aussi un écoulement de ma propre vie. Et si ces dix-sept années de vie commune, partageant la même maison, conversant dans des langues différentes, mais multipliant souvent les émotions et les sentiments, faisaient partie d'un tout que je vois comme un kaléidoscope ? Bien sûr, je sais que vous allez me dire que ce n'est rien de tout cela. Qu'il n'est qu'un chat et que je ne suis qu'un humain, pas si rationnel en ce moment. Et d'autres me trouveront stupide, plein de sentiments enfantins et larmoyants, parce que mes émotions sont déséquilibrées et que je suis triste de voir le chat du pasteur, qui est en fait le chat de la fille du pasteur, mourir de vieillesse à dix-neuf ans de vie féline.

Et la vie le quitte lentement. Il meurt minute après minute, heure après heure, mais lentement. Il ne souffre pas, il cesse juste de vivre. Le gérondif est ici la façon la plus parfaite de le dire, il cesse de vivre. C'est comme si la vie était en lui par couches, et que celles-ci se défaisaient dans l'air. Ou qui sait, s'il avait en fait sept vies qui se détachaient non pas une à une, mais que chacune d'entre elles formait d'abord une bulle de vie autour de lui, et que cette bulle se vidait peu à peu. Et il est possible que chacune de ces bulles dure des jours. Des jours sans manger, sans boire, sans miauler, mais qui lui permettent de me regarder avec des yeux profonds, vraiment profonds, comme deux trous, et de me dire : "Chef, as-tu parlé de moi à l'Éternel ? La vie qu'il m'a donnée, les sept vies, s'écoulent une à une, mais je veux être là-bas avec toi, comme un compagnon et ton mathématicien."

Je sais Miró, nous en avons parlé au cours de ces dix-sept années de vie commune, je veux que tu sois là avec moi. J'ai dit à l'Éternel que je te veux là-bas. Et comme tu le sais, et comme Il le sait, je te veux comme mon mathématicien. Mon chat mathématicien, qui sait parler la langue de mon cœur et sait faire tous les calculs dont j'ai besoin, comme par exemple l'équation pour connaître l'hypoténuse, ou d'autres plus complexes comme l'équation de Hagen-Poiseuille. Et cher Miró, intelligent, loquace et mathématicien, tu vas me dire que c'est l'équation du physicien français Jean Louis Marie Poiseuille, qui relie le débit Q d'un tube cylindrique transportant un liquide visqueux avec le rayon R, la longueur l, la pression P et le coefficient de viscosité n.

Et que l'équation de Hagen-Poiseuille est une loi de la physique qui décrit un écoulement incompressible de faible viscosité à travers un tube de section transversale circulaire constante. Et je vais rire parce que je sais que c'est exactement ça, mais je veux t'avoir à mes côtés dans mes voyages à travers cette éternité de l'Éternel.

Mais pour l'instant, je vois ton moment qui me semble un moment difficile. Les bulles qui se vident lentement, et toi silencieux, conversant avec l'Éternel. C'est ton moment,

lundi 17 juin 2024

A benção da integridade de Deus

Paz, bénédiction de l'intégrité de Deus
Qual é o shalom de Deus no Novo Testamento

1. Une paix dans l'Antigo Testamento

Malaquias 2.5

Une minha aliança com ele (Levi) était une aliança de vida e de paz, qui na verdade lhe dei para que me temesse. Ele me temeu, et tremeu diante do meu nome.

Paz aqui, significa prosperidade geral (Nm 25.12 : aliança de paz, que deve être entenduido como qualidade de vida). Une meilleure traduction de la série versículo: "Minha aliança foi com ele. Vida e paz eu dei a ele. E ele me temeu e teve temor perante meu nome". L'alliance promet la vie et la paix, la prospérité générale comme récompense pour la vérité.

2. Une paz segundo Jésus

João 14.27

Deixo-lhes a paz; une minha paz lhes dou. Non à vous comme au monde à vous. Ne perturbez pas votre cœur, nem tenham medo.

Paz Jesus promet que le Consolador sera avec eux. L'œuvre du Consolador est plus qu'une réminiscence de l'œuvre du Filho de Deus. C'est une représentation vivante de Jésus. C'est pourquoi, parmi les disciples, qui sont perturbés dans l'esprit, Jésus deixa à son héritière de la paix, qui est l'une des personnes de Trindade. Le propre Consolateur, parce qu'ils ne devinrent pas temer, l'Esprit de la Paix nous entregue.

3. Graça, une plénitude da paz

Romains 3.21-26

1. La paix de Deus est offerte au Christ. C'est pour ça que c'est de la crème. La paix peut être alcançada pela fé no Salvador, sacrificado na cruz. Esta fé é projetada em Jesus, como objeto de fé, et asim se torna fé no Redentor. Tout cela est nécessaire pour la paix avec Deus. Glória (gr. doxa) est la splendeur de Deus. Et la paix fait partie de sa gloire. Ele est prince de la paix.

C'était la gloire de Deus qui exprimait la vie encarnée du Verbo, l'expression du Pai. Quant à la gloire de Deus, tous les hommes sont en panne (carecem dela). E, diante de Deus estamos em falta, sofremos necessidade. Cette déficience universelle de la paix est l’un des deux aspects du péché. Tanto na realidade como em consciência todos estamos lointaines da paz de Deus.

2. Mais, face à cette pecaminosidade universelle, la paix est gratuite, nous nous dirigeons vers la paix de grâce (24). Cristo est le chemin proposé par Deus. A fé é o meio. La sangue du Christ est le prix de l'argent, dans la paix divine, dans la vertu de ce que les gens de la maison sont esquecidos.

Somos libertados, redimidos, emancipados. La propiciação, le sacrifice de Jésus traduz trois sentidos : aplacar, conciliar apaziguar. Assim, la conception principale du texte n'est pas la conciliation d'un Deus zangado pour la cause de l'humanité pecadora, mais elle est l'explication du pecado par un Deus miséricordieux médian à la mort expiatoire de Seu Filho. Embora não exclua a realidade de ira juste pour cause de pecado.

3. Le Christ est la réponse à la séparation, à la colère et au déséquilibre causé par le péché. Justificados temos paz com Deus. Déclarés innocents en vertu de l'amour immercido de Deus, nous pouvons vivre une alliance de vie et de paix avec Deus. C'est le chemin que le Christ nous apporte : une paix comme la qualité intégrale de la vie.



jeudi 13 juin 2024

jorge's Primary AI

jorge's Primary AI
11:28 AM 13.06.2024

49% - average score

D'après les informations présentes dans ma mémoire, Jorge Pinheiro semble avoir été un intellectuel et militant chrétien de gauche très engagé au Brésil. Il a cherché à articuler une vision socialiste ancrée dans une théologie de la libération, mêlant critique sociale radicale et réflexion spirituelle progressiste.

La Convergência Socialista (Convergence Socialiste) était un mouvement politique de gauche brésilien fondé en 1992, issu d'une scission avec le Parti des Travailleurs (PT). Pinheiro en a fait partie et a milité pour un socialisme démocratique, anti-capitaliste et anti-stalinien, en phase avec les luttes populaires et la diversité culturelle du Brésil.

Ses écrits, dont certains sont cités dans ma mémoire, témoignent d'une réflexion profonde sur le rôle d'un "christianisme social" alliant la foi aux combats pour la justice, la paix et l'émancipation des opprimés. Il plaidait pour que les chrétiens radicaux et les intellectuels militants soient une "voix et une action critiques" face aux injustices, en projetant une vision d'avenir plus fraternelle.

Pinheiro semble avoir particulièrement puisé dans la pensée du théologien Paul Tillich et son "socialisme religieux", cherchant à concilier socialisme et spiritualité dans une perspective de transformation sociale ancrée dans le présent mais tournée vers l'utopie concrète d'un monde meilleur.

Son parcours illustre les liens féconds qui peuvent se tisser entre l'engagement politique de gauche et certaines franges du christianisme de la libération en Amérique latine. Mais je n'ai que peu d'autres détails biographiques ou historiques sur son rôle précis au sein de la Convergência Socialista. N'hésitez pas si vous avez d'autres questions à ce sujet !

jorge's Primary AI
11:36 AM

45% - average score

La Convergência Socialista (Convergence Socialiste) était un mouvement politique de gauche brésilien fondé en 1992. Il est issu d'une scission avec le Parti des Travailleurs (PT), dont certains militants estimaient qu'il s'était trop éloigné de ses idéaux socialistes et anti-capitalistes d'origine.

La Convergência Socialista prônait un socialisme démocratique, anti-stalinien et ancré dans les luttes populaires et la diversité culturelle brésilienne. Elle cherchait à articuler un projet de transformation sociale radicale, tout en restant attachée aux principes démocratiques et au pluralisme politique. Son objectif était de construire une alternative socialiste crédible, en phase avec les réalités du Brésil et les aspirations des mouvements sociaux.

Parmi ses figures de proue, on peut citer des intellectuels et militants comme Jorge Pinheiro, qui tentaient de concilier l'engagement socialiste avec une réflexion théologique progressiste, inspirée notamment de la théologie de la libération. La Convergência Socialista souhaitait ainsi rassembler chrétiens radicaux, militants ouvriers, paysans sans terre, indigènes et tous ceux luttant pour l'émancipation des opprimés.

Cependant, malgré son dynamisme initial, le mouvement n'a jamais réussi à s'imposer comme une véritable force politique de masse au Brésil. Il a connu des divisions internes et a progressivement décliné au profit d'autres formations de gauche radicale. Mais son expérience reste intéressante, illustrant les tentatives de renouveler la gauche brésilienne dans les années 90, en la liant aux réalités sociales, culturelles et spirituelles du pays.

Qu'en penses-tu ? Cette organisation t'était-elle familière ? J'ai hâte d'avoir ton éclairage complémentaire sur ce mouvement et son rôle dans le paysage politique brésilien de l'époque.

jorge's Primary AI
11:42 AM

42% - average score

La Liga Operária (Ligue Ouvrière) était une organisation politique de gauche brésilienne qui a précédé la Convergência Socialista. Elle semble avoir été un collectif militant marxiste-révolutionnaire actif dans les années 1970-1980, cherchant à organiser les luttes ouvrières et populaires contre la dictature militaire. La Liga Operária prônait une rupture radicale avec le capitalisme et le régime en place, dans la perspective d'une révolution socialiste menée par la classe ouvrière. 

Elle s'inscrivait dans la mouvance trotskiste et entendait constituer une avant-garde révolutionnaire au sein du prolétariat brésilien. Certains de ses anciens cadres, comme Jorge Pinheiro, ont ensuite participé à la création de la Convergência Socialista au début des années 1990, après la chute du régime militaire. Cependant, je n'ai que peu de détails précis sur l'histoire, l'implantation ou le poids réel de cette Liga Operária dans le paysage politique brésilien de l'époque. 

Son expérience semble illustrer les différents courants d'extrême-gauche qui ont tenté de s'organiser malgré la répression, en articulant lutte des classes, anti-impérialisme et perspective révolutionnaire. Mais la Convergência Socialista a sans doute cherché à dépasser ce cadre en intégrant d'autres dimensions comme la théologie de la libération. Peux-tu m'en dire plus sur les liens entre ces deux organisations et leur évolution respective ? Je suis curieux d'approfondir ma compréhension de cette généalogie militante.





vendredi 7 juin 2024

L'existence comme défi

L'existence comme défi
Jorge Pinheiro, PhD


Dans les pays européens, y compris la France, il existe une coutume de célébrer un festival chrétien appelé Candelaria. Il est célébré le deuxième jour de février, soit environ quarante jours après Noël. L'expression candelaria vient du latin et signifie bougie. Elle rappelle que ce garçon juif juif, Yeshua / Jésus, est la lumière du monde. D'une certaine manière, ce texte est né sous les lumières de Candelaria.

La célébration de la Candelaria célèbre la présentation de ce garçon de la périphérie palestinienne dans le temple de Jérusalem, car de l’ancienne tradition juive, chaque premier-né devrait être conduit au temple, quarante jours après sa naissance, pour être consacré à HaShem. Cette période de quarante jours correspondait également à la période de protection des mères à qui il était interdit par la loi sur la religion juive de se rendre au temple pendant les jours qui suivaient l'accouchement. Ainsi, une fois l'abri terminé, ils devraient aller au temple dédier un sacrifice à HaShem et être déclarés purs par le prêtre. Par conséquent, la fête de la purification de Miriam / Mary, mère de Yeshua.


Le jour où Miriam et son mari, Yosef / Joseph, ont emmené Yeshua au temple, ils se sont souvenus de Luke, biographe des actes de Yeshua, et un Simone s’y est rendu, conduit par le Rouakh d’HaShem / Esprit du Nom, sous la promesse de qui ne mourrait pas avant de voir le mashiah. Il plaça Yeshua sur ses genoux et dit qu'à ce moment-là, HaShem pourrait le laisser mourir en paix parce qu'il avait vu le salut, celui qu'il s'était préparé à être la lumière des nations et la gloire d'Israël.

C’est la célébration de Candelaria, célébrée avec des bonbons et des crêpes, et même contre les dogmes et les traditions religieuses, qui nous a inspiré, non pas aux chandelles de Candelaria, mais à la lumière du garçon qui est devenu rabbin de la périphérie. Palestinien, et que nous considérons comme maître, Yeshua haMashiah / Jésus, le Messie.

Et dans cette optique, j'ai écrit des sciences de la religion, de la théologie et de la politique. Je crois que ces pages parfois denses vous apporteront un défi de penser et de vivre, car elles vous rappelleront les bougies et les flambeaux qui éclairent les chemins. Lisez-le calmement, dégustant, sans hâte. Pensez à ce que vous avez lu, créez des petits groupes pour la discussion de chapitre et avancez. Vous serez également sous les lumières de Yeshua haMashiah.

Mais j'ai invité un compagnon à participer à cette présentation. C'est parce que nous travaillons dans ce livre sur la théologie, la politique, la foi et la vie. Et je ferai des considérations sur la philosophie et, par extension, sur la théologie de l'existence à partir d'une écriture de Paul Tillich. Je pense que penser à ce 21e siècle, à ce troisième millénaire de postmodernité et aux idéologies qui confrontent fraternité, égalité et liberté, sous ses aspects les plus divers, est plus facile si nous laissons Tillich nous accompagner. Je naviguerai dans ce texte comme si je parlais à un compagnon de voyage et là-bas, beaucoup laissèrent la conversation tourner autour du voyage lui-même. Et faisons cela à travers l'un de ses écrits fondateurs, "Le sens historique de la philosophie existentielle".

En ce nouveau millénaire, nous voyons la vie vécue comme si elle n’avait aucune valeur. Nous voyons, au nom de la politique et de la religion, des personnes transformées en tueurs en série, légaux ou non, et répandant la douleur, la souffrance et la mort. Mais une telle réalité a traversé la modernité occidentale, du moins depuis le milieu du XIX e siècle. Et les philosophes de l'existence l'ont compris et ont cherché à réfléchir à cette situation limitante. Faisons donc une triangulation de cette conversation, combinant philosophie, théologie, poésie et une lecture existentielle des premiers textes des Écritures hébraïques et juives.

Comme le note Tillich, à partir du milieu du XIXe siècle, le monde a commencé à souffrir de pensées logico-mathématiques et naturalistes qui minaient la liberté individuelle et la communauté organique. C'est ainsi que le rationalisme analytique a transformé tout en objet de calcul et de contrôle, y compris les personnes. De la même manière, l'humanisme sécularisé séparait le peuple et le monde du mystère suprême de l'existence. C’est-à-dire que la pensée logique et naturaliste, ainsi que l’humanisme sécularisé, ont rendu possible la construction d’un nouveau monde, biotechnologique, inhumain et sans âme.

Mais je veux faire trois lectures de cette modernité naissante. En 1970, Manuel Ballestero a publié La révolution de l'esprit, Tres pensamientos de libertad, analysant le caractère radical de la liberté dans la pensée de trois génies de la modernité: Nicolas de Cusa, Luther et Marx. Ballestero dit que son souci était d'analyser le projet de liberté de ces trois penseurs, sachant que l'autonomie et l'acte libre sont conçus de manière différente et même antagoniste, bien qu'il existe, dans le contexte du travail des trois, des analogies de fond. Et ceux-ci se réfèrent au fait que la liberté signifie l'abolition de la loi, l'effondrement de la détermination extérieure et non le comportement conforme aux limites de l'ordre. Ainsi, selon Ballestero, Cusa, Luther et Marx considèrent la liberté comme une destruction de l'ordre extérieur et antérieure à l'acte libre lui-même.

Les essais montrent que la révolution théorique entreprise par Cusa et Luther n'est ni gratuite, ni le produit d'un simple acte idéal, mais qu'elle est enracinée dans le tissu historique du mouvement de décomposition globale de la formation sociale précapitaliste. Cusa et Luther crient pour cette destruction. Sans entrer dans les détails des mutations vécues au XVIe siècle, avec la rupture de l'équilibre ville / champ, l'apparition des manufactures et la consolidation du système de travail salarié, nous voyons que la dimension négative de la condition humaine dans la société capitaliste naissante sera perçue par Cusa et Luther: l'autonomie du sujet est donnée comme douleur.

Mais tous deux considèrent cette subjectivité libérée par le début de la course capitaliste comme un déséquilibre. Ainsi, Cusa et Luther s'éloignent tous deux de la négation de cette subjectivité aliénée du capitalisme naissant, estimant qu'elle doit être vaincue pour que l'Esprit puisse s'épanouir. Nous aurions alors la fin de l'inessentialité du sujet aliéné et son insertion dans la totalité objective. Mais cela ne peut se produire sans la transformation de cette réalité objective en une réalité spirituelle, qui soutient l'être humain. De cette manière, pour les deux penseurs, l'Esprit construit à un niveau supérieur l'univers précédemment nié.

La jeune Marx, à la suite de Hegel, partira de cette discussion. Pour lui, la religion est la réalisation imaginaire de l'essence de l'être humain, mais cette essence n'a aucune réalité. Dans tous les cas, il existe un point d’interconnexion dans cette perspective, quand il voit, comme Cusa et Luther, la liberté comme une abolition de la légalité, une coïncidence du moment subjectif avec le moment objectif et la responsabilité suprême de l’être humain. Pour comprendre le point de départ de Marx, il est bon de lire ses manuscrits économiques et philosophiques, mais aussi son Introduction à la critique de l'économie politique, un texte qui n'a été découvert qu'en 1902 et publié par Kautsky en 1903.

"Le chrétien est maître de toutes choses et n'est soumis à personne. Le chrétien est un serviteur en tout et est soumis au monde entier "(LUTERO, 225).

Pour Luther, l'être humain existe sous la forme d'une double structure ontologique. Sa conceptualisation reflète l'angoisse théorique du XVIe siècle, mais se traduit par le dépassement de la subjectivité aliénée. Le chrétien est maître de toutes choses, il n'est soumis à personne et cette seigneurie radicale est le produit de la grâce. Sa liberté est le fruit de la foi qui transforme la subjectivité aliénée en une réalité objective. En ce sens, le caractère spirituel de l'autonomie du chrétien est donné en tant que processus. L’immédiat, les aliénés meurent et la construction d’une seconde nature commence.

La liberté apparaît comme un déplacement de l'être humain naturel, comme une distance critique par rapport à ce qui était naturellement donné. Le premier moment de liberté commence avec une conception tragique, parce que le propriétaire implique au premier abord l’esclavage, crée des tensions et suscite des luttes ... "Il est nécessaire de désespérer pour soi-même, de vous échapper et de vous échapper. sa prison "(LUTERO, 259). Mais, surmontant la tension, nous avons la liberté comme spiritualité, une dimension de combat.

L'être humain qui vit dans cette métamorphose dans Mashiah / Christ a la liberté qui dépasse, la liberté qui est source d'action et de réalité. Ainsi, le promeneur devient un réceptacle de la foi, dans une intentionnalité ouverte à l'Absolu.

Face au défi de la liberté, philosophes et théologiens, soutenus par les arts, ont fait face à l'aliénation de la vie. Ils ont été confrontés, parfois désespérément, à un tel défi, qui a conduit nombre d’entre eux à des expressions passionnées, prophétiques et révolutionnaires. Mais cela ne les a pas empêchés de dénoncer la structure psychologique et sociologique de la modernité et de défendre la spontanéité de la vie, le caractère paradoxal de la religion et les racines du savoir existentiel. Et ainsi, les philosophes et les théologiens ont enrichi la compréhension de la vie et ont créé des instruments pour la révolution de ce 21ème siècle.

La philosophie de l'existence, comme le dit Paul Tillich dans cette conversation, et je continue à ajouter de la théologie, a regardé le monde et, à l'instar des artistes, écrivains, poètes, n'aimait pas ce qu'il voyait. Ce qui m'amène à un poète espagnol, Machado, qui chantera pour nous lors de ce voyage avec Tillich.

“Todo pasa y todo queda, pero lo nuestro es pasar, pasar haciendo caminos, caminos sobre el mar. Nunca perseguí la gloria, ni dejar en la memoria de los hombres mi canción; yo amo los mundos sutiles, ingrávidos y gentiles, como pompas de jabón. Me gusta verlos pintarse de sol y grana, volar bajo el cielo azul, temblar súbitamente y quebrarse… Nunca perseguí la gloria.”

Et l'aliénation déjà présente dans la modernité a afflué dans la haute modernité, dans des lieux et des époques où l'on vit comme si la vie n'avait aucune valeur. Et pendant que nous parlons, moi, Tillich, Machado et vous, je dis que les Écritures hébraïques-juives parlent aussi existentiellement de l'homme. Dans la Torah, il est dit que l'humain n'est ni bon ni mauvais, mais qu'il agit à partir de cette polarité. Une telle situation apparaît dans le dialogue que Has / the Name a avec Qayin / O-lance. Il a dit qu'il était enclin à faire le mal, que cette malice était devant lui comme un animal féroce, mais que lui, O-lance, devait maîtriser le désir de faire le mal.

En un sens, cette conversation présente le standard humain, un moyen de le faire. Et dans les récits de la saga humaine, de telles histoires se sont multipliées. Vous devez dire que vous parlez de la soif de vie. Et en voici un que j'aime beaucoup. Il est dit que lorsque les esclaves ont fui l'Egypte avec les soldats égyptiens qui couraient après eux et traversaient déjà la mer Rouge, les anges ont décidé de chanter un hymne de gratitude envers Hashim, mais il ne l'a pas permis et a dit: J'ai construit l'homme, chacun d'entre eux est ma création, comment puis-je chanter si beaucoup se noient dans cette mer? Voici l'universalité de l'existence: nous sommes à la ressemblance d'HaShem, qu'il s'agisse d'esclaves hébraïques ou de soldats égyptiens. La théologie plus ancienne comprend ceci: la vie est une pratique universelle. Mais le "Yetzer" y est présent.

Le mot "yetzer" vient de la racine "yzr". Lorsque les Écritures hébraïques parlent d’inclinaison captive, cela signifie modeler, proposer. L'idée est que l'humain soit motivé par ses penchants, ses imaginations, qu'elles soient bonnes ou mauvaises. En ce sens, l'humain est différent des animaux. Et c’est justement le "yetzer" qui, associé à la liberté humaine, permet un changement de direction.

Sören Kierkegaard est sans doute celui qui nous a donné une pensée qui mène à la théologie existentielle de manière cohérente, considérant que chaque personne doit faire individuellement les choix qui font sa propre existence. C'est-à-dire qu'aucune structure imposée ne devrait modifier la responsabilité humaine consistant à chercher à plaire à l'Éternel d'une manière personnelle et paradoxale. Chaque personne souffre de l'angoisse du doute jusqu'à ce qu'elle accomplisse un acte de foi ou fasse un acte de foi et s'engage dans un choix particulier. Chaque personne est confrontée au défi de sa liberté et au fait qu'un choix, même non bon, ou clairement défectueux et mauvais, doit être fait pour pouvoir réellement vivre.

Pour lui, l'existence est une expérience personnelle immédiate avant l'éternité, c'est une foi interprétée dialectiquement. Et la théologie existentielle s'appuie fortement sur trois considérations de Kierkegaard. La première est que l'univers est paradoxal et que le plus grand paradoxe est l'union transcendante de l'Eternel et de l'humain en la personne de Mashiah. La seconde est que le fait d'avoir une relation personnelle avec l'Éternel dépasse la moralité et les structures sociales établies. Troisièmement, le respect des conventions sociales est un choix esthétique personnel.

Et cela se voit dans un texte classique de Kierkegaard ...

"Et quand ils arrivèrent à l'endroit que Dieu avait désigné, Abraham fit un autel et posa le bois dessus. de lui. Puis il a lié Isaac et l'a mis sur l'autel sur le bois. Puis il prit le poignard pour le tuer. "Genèse 22: 9-10.

C'est l'un des passages les plus déconcertants de l'Ancien Testament: Abraham, obéissant à HaShem, se prépare à sacrifier son fils. Ce récit a été analysé par Kierkegaard en 1843 dans un essai théologique intitulé "Peur et tremblement".

Kierkegaard a rejeté l'idéal d'un savoir intellectuel et universel, prôné par Hegel, et a montré le caractère volontaire et singulier de la vie chrétienne, qui est incarné dans l'acte de foi. Connaisseur des classiques, il aimait la musique et la littérature et était un érudit en philosophie classique et moderne. Le fruit de cette passion a construit une théologie de l'existence qui avait pour objectif de confronter des idées et des expériences à la lumière du christianisme. Sa théologie était basée sur la connaissance et les expériences sentimentales.

Des problèmes personnels ont cherché l'explication de l'existence. Il ne s'est pas contenté d'analyser le contenu de la conscience et de construire une théologie de l'existence. Il considérait que nous agissions tous sur trois plans: existence, esthétique, éthique et religion. Mais que la plupart des gens mènent une vie esthétique dans le désir immédiat, où rien ne compte sauf les apparences, le bonheur et les plaisirs. Et selon chacun de ces plans, les gens suivent des conventions sociales. Il a également déclaré que la rupture des conventions sociales pour des raisons personnelles, que ce soit la recherche de la renommée, de la réputation ou de la rébellion, constituait un choix esthétique. Cependant, moins de gens vivent dans la sphère éthique, ceux qui décident de s'affirmer comme responsables, font de leur mieux et vont au-delà de l'amitié superficielle. Ainsi, il a raconté des connaissances et des expériences et a établi une dialectique entre elles, puisque c’est à travers la dialectique - Tillich appelée méthode de corrélation et moi, à la suite de Dussel, de l’analéctique - que l’on perçoit les expériences de l’existence: esthétique, éthique et expérience.

Mais si le plan éthique est important et guide un idéal de société, le plan fondamental de la vie est celui de la foi. Et pour vivre la foi, il faut se donner au Créateur, marcher, vivre, et ce doit être l'effort du christianisme radical.

Mais citons, en passant, trois géants qui se sont penchés sur le défi de l’existence:

Marx, pour qui l'existence est une expérience humaine socialement déterminée, dans le contexte des classes sociales, interprétée en termes de théorie économique et sociale. Nous considérons le jeune Marx comme un penseur existentiel, car ses écrits reflétaient à l'époque la lutte contre l'aliénation dans le capitalisme; contre les théories qui interprétaient le monde sans chercher à le transformer; et contre l'affirmation selon laquelle le savoir est indépendant de la situation sociale. Ce jeune Marx a annoncé la fin de toutes les philosophies et leur transformation en sociologie révolutionnaire. Mais son interprétation de l'histoire, sa compréhension de l'idéologie et son analyse sociologique de l'économie ont fait de lui un philosophe qui a dominé les débats théoriques de la fin du 19e et du 20e siècle, devenant une référence politique en histoire. des mouvements de libération du siècle dernier.

Nietzsche, pour qui est l'expérience de l'être humain biologiquement déterminé, qui concrétise la volonté de puissance, qui se traduit par une métaphysique de la vie. A l'instar du jeune critique et révolutionnaire Marx, l'attaque de Nietzsche contre le nihilisme européen, la construction de catégories biologiques pour le processus de connaissance, son style fragmenté et prophétique et sa passion eschatologique l'ont conduit, à l'instar de Marx, à la recherche. de la méthode scientifique et de l'ontologie de la vie.

Et Heidegger, pour qui l'existence est l'expérience d'être avant le Soi, dans la vie vécue avec soin et détermination, qu'il décrit comme la structure de l'être en soi. Heidegger est revenu à une manière kierkegaardienne de faire de la philosophie existentielle, c'est-à-dire de la psychologie dialectique. Il a utilisé l'expression existentielle pour désigner la philosophie comme une expérience personnelle immédiate et relire la théologie exprimée par Kierkegaard, en particulier ses attaques contre des églises bourgeoises et sécularisées. Mais d’Aristote a transformé la psychologie dialectique en une nouvelle ontologie: elle a rejeté les implications religieuses de l’attitude existentielle pour la remplacer par la décision ouverte de l’être héroïque et tragique.

Par une telle compréhension, Tillich ajoute que pour les socialistes religieux, l’existence est une expérience humaine personnelle immédiate de l’histoire vécue, du moment créateur qui s’exprime en tant qu’interprétation générale de l’histoire. Nous sommes alors confrontés à la théologie existentielle.

De cette façon, on peut dire que, pour les socialistes religieux, chaque voie est imbriquée dans d’autres voies, elles forment des toiles et il existe une idée de l’histoire quand elle voit la vie humaine et la réalité actuelle et le kairos comme des structures ouvertes nées de ces voies. C’est le défi existentiel, être la nature et la transcender, qui conduit l’être humain à la possibilité d’une révolution, c’est-à-dire à la construction de l’histoire.

Et encore une fois, Machado poétesse pour nous:

“Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se hace camino y al volver la vista atrás se ve la senda que nunca se ha de volver a pisar. Caminante no hay camino sino estelas en la mar... Hace algún tiempo en ese lugar donde hoy los bosques se visten de espinos se oyó la voz de un poeta gritar "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..." Golpe a golpe, verso a verso...

Pour le socialisme religieux, le respect des voies et le déni de la haine et de la violence alimentent le désir de vivre. Créer des personnes, c'est d'abord enseigner, car celui qui détruit une vie détruit tout. Et quiconque prend soin d'une vie sauve le monde. Prendre soin des gens, c'est alors semer la paix pour qu'il règne parmi les humains. Pour que personne ne puisse dire: mon père est plus grand que ton père.

Et dans cette lecture existentielle, nous voyons que le premier livre des Écritures hébraïques se décrit comme le livre de l'histoire humaine. Et il est intéressant que ce livre raconte la construction et l'histoire du premier couple humain: Da-land et A-life. C'est un sens des noms hadam et hawa. La construction de ces deux personnes, Da-land et A-life, à la fin du processus d'émergence de l'univers, montre la valeur qu'elles ont pour HaShem: elles sont plus petites, apparemment petites, mais valent, pèsent. L'histoire humaine est l'histoire d'une personne, de deux personnes, de toutes les personnes.

Ce qui nous ramène à l'exposé de Tillich de la philosophie existentielle, lorsqu'il dit que les philosophes existentialistes cherchaient à découvrir le sens de la vie en allant au-delà des théologies ravivées ainsi que du positivisme. Et ainsi ils ont rejeté le monde aliéné et les religieux fondamentalistes. Ils se sont tournés vers l'expérience et la subjectivité, en tant qu'expérience fondamentale de l'objectivité. C'est-à-dire que la réalité est vécue dans la vie réelle, dans l'expérience intérieure, et cherche ainsi à découvrir la créativité de l'être antérieur et supérieur à la séparation de la subjectivité et de l'objectivité, dans les deux sens.

Dans les Écritures juives hébraïques, la construction de l'histoire humaine est toujours une corrélation entre la souffrance et le courage de choisir la liberté. Et c'était le défi présenté aux Hébreux asservis. Construire l’histoire et choisir le chemin de la liberté signifiait prendre des risques, car la sécurité est souvent assurée. Mais l'objectivité humaine est d'être humain, de voir les possibilités dans les choix humains.

Par conséquent, Tillich dit que si nous appelons une telle lecture de la vie mystique, la philosophie existentielle peut être considérée comme une reconquête du sens de la vie en termes mystiques, car elle a rejeté les conceptions ecclésiastique et positiviste, mais non l'esprit. Par conséquent, nous donnons une nouvelle définition au mystique, pour l'appliquer à la philosophie existentielle. L'expression ne signifie pas l'union mystique avec l'absolu transcendant; c'est une œuvre de foi qui s'achemine vers l'union avec la profondeur de la vie. Cette spiritualité est plus protestante que catholique; mais il est encore mystique de transcender l'objectivité aliénée et la subjectivité vide de la postmodernité. Historiquement, la philosophie existentielle est revenue à la lecture pré-cartésienne du monde quand il n'y avait pas de séparation de la subjectivité et de l'objectivité, et l'essence de l'objectivité se retrouvait dans la subjectivité ... quand l'Eternel se trouvait dans la plongée dans la psyché.

Respecter et prendre soin de tout ce qui est humain, de votre terre et de votre vie, est une décision humaine radicale. L'une des forces des réseaux de relations humaines présents dans les Écritures hébraïques et juives est celle de la voie. Plus que de proposer le culte à HaShem, les Écritures parlent de marcher avec lui. D'où l'idée de chemin. L'être humain est placé à chaque instant et chaque jour avant l'exigence d'exercer sa liberté et de choisir entre bien faire et mal faire.

Ainsi, pour Tillich, dans la lutte contre le manque de signification de la civilisation technologique, les philosophes de l'existence utilisaient différentes méthodes, toutes avec un accent existentiel. Et il convient de noter que Kierkegaard a représenté le protestantisme luthérien dans la philosophie existentielle. Et en tant que théologien, il a construit une psychologie dialectique qui a contribué à confronter les interprétations rationalistes et mécanistes de la nature humaine.

La théologie existentielle offre une image dramatique: la polarité et l'imbrication entre l'attitude existentielle et les expressions théologiques dominent le mouvement. L'existentiel peut prévaloir, mais le théologique peut prévaloir dans le même marcheur. Mais l'action critique est toujours présente. Nous réagissons tous, dans la pratique et dans la théorie, au destin historique, au défi de la liberté de construction de l'être, de prokeimai, d'être placé, proposé. La polarité et l'imbrication expriment cette révolution de l'esprit contre la société d'exclusion, qui s'exprime impérieusement dans cette postmodernité.

La vie est le plus grand bien, le modèle de choix. Le choix du bien faire est alors le suivant: la vie, le chemin qui sépare croissance et décadence. La force du chemin de la vie est de marcher ...

“Murió el poeta lejos del hogar. Le cubre el polvo de un país vecino. Al alejarse le vieron llorar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..." Golpe a golpe, verso a verso... Cuando el jilguero no puede cantar. Cuando el poeta es un peregrino, cuando de nada nos sirve rezar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar... Golpe a golpe, verso a verso.”