A partir de Morin
a nova política
Jorge Pinheiro
"Mas se você não sacou, eu vou lhe dizer. /
Não é porque eu sou preto que todo mundo é preto, /
não é porque eu sou branco que todo mundo é branco, /
não é porque eu sou índio que todo mundo é índio. /
Né porque, nem porque, né porque ".
(Desperta, de Margareth Menezes).
Edgar Morin se pergunta: o que é complexidade? E diz que, à primeira vista, é um fenômeno quantitativo, uma quantidade extrema de interações e interferências num grande número de unidades. Mas a complexidade não é apenas a quantidade de unidades e interações que desafiam nossa capacidade de cálculo: inclui incertezas, indeterminações, fenômenos aleatórios. Por isso, a complexidade tem sempre um sentido de acaso.
A complexidade política, na alta modernidade, é vista como marginal e fenômeno emergente. Não está fixa, porque a complexidade é móvel, momentânea e o momento marginal de seu aparecimento é inevitavelmente complexo. Longe de ser um estado, esse momento emergente da política reconstitui o fluxo de tempo, enquanto impulso que o mantém em movimento. É significante que a palavra momento derive da idéia de impulso em latim, mostrando movimento como sendo também pulsão.
Embora freqüentemente apareça como um ponto simples, o momento político é inerentemente complexo. Seus limites não podem ser firmemente estabelecidos, porque sempre estão trocando de modos, que dão fluidez ao momento. Na política da alta modernidade vivemos o domínio do intermediário, que a teoria da complexidade procura entender. A dinâmica do caos e da complexidade da política parte de certas características que diferem em importância e modos.
Um sistema complexo é um sistema único composto de várias partes compatíveis, que interagem entre si e que contribuem para sua função básica, sendo que a remoção de uma das partes faria com que o sistema deixasse de funcionar de forma eficiente. Um sistema de tal complexidade não pode ser produzido diretamente, isto é, pelo melhoramento contínuo da função inicial, que continua a atuar através do mesmo mecanismo, mediante modificações leves, sucessivas, de um sistema precursor.
O exemplo mais popular de complexidade irredutível foi apresentado por Michael Behe (A caixa preta de Darwin): é a ratoeira. Ela tem uma função simples, pegar ratos, e possui várias partes, uma plataforma, uma trava, um martelo, uma mola e uma barra de retenção. Se qualquer uma dessas partes for removida, o aparelho não funciona. Portanto, é irredutivelmente complexo. Um automóvel, em contrapartida, pode funcionar com os faróis queimados, sem as portas, sem pára-choques, etc, embora chegará um momento em que haverá um mínimo de peças essenciais para seu funcionamento.
Originariamente, a teoria do caos foi desenvolvida como um corretivo para os sistemas fechados e lineares da física de Newton, pois diante da ausência de ordem, caos é uma condição na qual a ordem não pode ser averiguada por causa da insuficiência de informação.
Enquanto a física de Newton imagina um mundo abstrato governado por leis definidas, que determinavam completamente as coisas reais, a globalidade não é transparente porque não temos a informação adequada e necessária para estabelecer leis, assim toda operação é sempre inacessível. Trabalhando a questão, Morin nos fala de três princípios da complexidade: (1) dialógico, no sentido de que ordem e desordem podem um suprimir o outro ou colaborarem e dar origem a um sistema complexo. (2) O momento de turbilhão, quando juntos surgem produção e produtor. (3) E o princípio hologramático, que assim como o holograma, contém a quase totalidade do objeto representado.
Em contraste com a teoria do caos, a teoria da complexidade está menos interessada em estabelecer a fuga ou o caos determinado, pois oscila entre ordem e caos. Assim, o momento de complexidade é o ponto no qual sistemas políticos organizados emergem para criar novos padrões de coerência e estruturas de relação. Embora tenha se desenvolvido fora das investigações da política, a teoria da complexidade pode ser usada para iluminar as práxis da política.
A partir das redes, a política pode ser estendida às comunidades e às dimensões culturais. Assim, equilibrado entre uma pequena ou grande ordem, o momento de complexidade da política na alta modernidade é o meio no qual emerge enquanto cultura.
A teoria da complexidade leva à política ao afirmar que a noção de que as fundações tenham desaparecido é ameaçadora para muitas pessoas, mas este assunto é um tema recorrente na filosofia. Pensadores importantes na história de filosofia ocidental, como Nietzsche, colocaram tal discussão na ordem do dia e influenciaram pensadores da alta modernidade como Derrida. Uma das coisas que agride o pensamento moderno é a ênfase desses filósofos na importância de entender que a idéia de fim de fundamentos é uma metáfora, assim como a teoria da complexidade também é uma metáfora.
Ou como afirma Derrida, a metáfora é determinada como perda provisória de sentido, desvio inevitável, mas história em vista, que tem no horizonte a reapropriação circular do sentido. É por isso que a avaliação da política sempre foi ambígua: a metáfora é estranha ao olhar da intuição, do conceito e da consciência. Quando começamos a conceber algo, concebemos figurando em termos de modelo. Através do contraste descrevemos um mundo no qual um modelo diferente predomina. Temos interações de planos, modelos e processos. A política, assim entendida, pode ser chamada de local de consumo.
Mas uma estrutura não é aquilo que alguém busca, pois a política enfatiza movimento e troca, troca de informação. Os modelos políticos de que estamos falando não são apenas conceituais, pois o conhecimento simbólico da política emerge de uma interação entre entendimento e formas de fazer, que são filtros através dos quais foram processadas a política.
Se alguém pensa tais categorias como um vigamento historicamente emergente, em constante processo de formação, deformação e reforma, estamos diante de um salto como o das tecnologias de produção e reprodução em uma comunidade determinada. Começamos então a ver os modos em que processamos a experiência, onde o conhecimento é constituído em fluxo constante. Não é apenas uma questão de como pensamos, é uma questão de como vemos, ouvimos e fazemos. As novas mídias abrem uma percepção nova e capacidades de apercebimento. O ponto em que se faz a troca também é uma questão importante. Uma das coisas que o estruturalismo nos ensinou é que em lugar de ser um local de origem, a política deve ser entendida como constituída dentro e pelas redes de troca na qual está imbricada. É um tipo complexo de reversão.
A troca da heteronomia pela autonomia foi uma importante mudança de comportamento: significou não receber a lei de outro alguém, mas procurar a lei na internalidade do próprio fazer político. Isto quer dizer, a política livre é algo que não é determinada ou que se exclui.
Este é o centro referencial da noção de liberdade na política. O modelo consistui em trocar a noção de tema centrado, para uma visão em termos de sistemas de troca nos quais a política é local de consumo. Tomemos a noção de troca como crucial, mas pensemos em redes. Em lugar de temas que criam estruturas, estruturas criam temas. Cada tema se torna algo como o nó de uma teia de relações. A situação da política dentro daquela rede que envolve trocas de todos os tipos, econômicas, psicológicas, simbólicas, constitui a particularidade do tema. São as relações que constituem a particularidade de qualquer política.
A política se torna o que é em virtude de sua situação dentro de redes complexas. Estas, porém, não são redes fechadas e estáveis como os estruturalistas pensaram, mas estão abertas. Então, a subjetividade nunca é um produto acabado, está em mudança porque as redes dentro das quais se inscreve estão em permanente mudança. Por isso, as políticas podem se desenvolver de diferentes modos. Temos então as economias da representação e da dominação que reforçam nossos medos, pois operam dentro de estruturas de referência que reivindicam para si o referir-se ao outro e são estruturas de ego-referência que usam o outro para a conformação de uma leitura de soberania.
Porém, no esforço para afiançar a identidade comunidades/política e estabelecer sua presença, o político descobre diferença e ausência. Embora lute para negar isto, esta é a realidade. A procura pela presença em autoconsciência conduz à descoberta da ausência. A auto-afirmação e a negação provam estar ligadas indivisivelmente. Ser político aparentemente tornou-se não ser político.
Há um verso de Nietzsche que pode nos servir de guia para uma compreensão da política na alta-modernidade: “Agora celebramos, seguros da vitória comum,/ a festa das festas:/ O amigo Zaratustra chegou, o hóspede dos hóspedes!/ Agora o mundo ri, rasgou-se a horrível cortina,/ É hora do casamento entre a Luz e as Trevas...”
Os políticos necessitam compreender o que é a realidade imagológica, e como pode ser usada para prover uma interface mais íntima entre comunidade e a relatividade política, e como dados sensoriais se transformam em experiência real. No entanto, o fundamental é analisar a representação que se coloca por trás da imagem e dentro da estrutura. Pode-se dizer que tudo que o computador faz é simulação, mas para definir simulação é necessário respostas científicas e matemáticas. Assim, a realidade da imagem, que poderia ser um novo paradigma, se tornou uma metáfora. É um conceito estranho e provocante, com certo senso de aventura tecnológica.
Esta compreensão da política leva à uma totalidade estrutural na qual tudo está dentro e tem seu próprio outro. Assim, alteridade e diferença são componentes essenciais da política, e a relação entre alteridade e diferença é, em última instância, política. Por isso, a política, nos modernos projetos de estruturas totalizantes, é uma política de valor utilitário na construção do político. Quando a política resiste a este papel, quando recusa ser usada ou consumida, sua territorialidade é invadida ou sua alteridade é colonizada.
Dessa maneira, a realidade da imagem que a política nos oferece termina sendo real. Promete a realidade, que deixa de ser metáfora, e se transforma em criação verdadeira. Nesse sentido, a imagem deixa de ser metáfora e se faz realidade. Assim, a mundialização da política, a partir das tecnologias, computarização, digitalização, comunicações e internet, criou uma perspectiva do que são as novas políticas. Ou seja, estamos diante da recorrência da teoria da complexidade. Se a perspectiva anterior era a divisão, a perspectiva da mundialização da política é integração forçada.
O símbolo do sistema anterior era um muro que dividia o mundo. O símbolo da mundialização é a web. Estes processos de mundialização criam uma nova cultura de compreensão da política cuja lógica complexa e dinâmica só agora começamos a entender. O contraste entre grades e redes clarifica a transição do sistema anterior para o de cultura em rede. O sistema anterior nasceu para manter a estabilidade através de relações complexas e situações que deveriam ser simplificadas em termos de grades com oposições precisas. Este era um mundo onde as paredes pareciam prover segurança.
Tais questões mostram as falhas das estruturas políticas totalizantes, ou como afirmou Nietzsche, “a crença fundamental dos metafísicos é a crença nas oposições de valores. Nem aos mais cuidadosos entre eles ocorreu duvidar aqui, no limiar, onde mais era necessário, mesmo quando haviam jurado para si próprios de tudo duvidar. Pois pode-se duvidar, primeiro, que existam absolutamente opostos; segundo, que as valorações e oposições de valor populares, nas quais os metafísicos imprimiram seu selo, sejam mais que avaliações de fachada, perspectivas provisórias, talvez inclusive vistas de um ângulo, de baixo para cima talvez”, expondo a fragilidade da relação entre as estruturas comunitárias de representação amarradas a um significado político e estruturas sociais e econômicas de dominação.
Assim, tudo precisa ser desenredado e nada decifrado. A estrutura pode ser percebida, desenrolada como a linha das meias em todos os pontos e níveis, mas nada haverá debaixo disso: o espaço da política é para ser percorrido.
Dessa maneira, a política ao recusar aceitar segredos, transforma-se em atividade última, atividade essa revolucionária posto que a recusa de fixar sentidos é, afinal, a recusa da hipótese de razão, ciência e lei. O fim do fundamento político é seguido pela morte do tema autônomo. O desaparecimento de um requer o desaparecimento do outro. Mas, o fundamento não desapareceu simplesmente, ele foi lançado fora. Esta é a questão: o fundamento não morreu, tornou-se humano. Pois, uma das coisas que precisam ser pensadas neste contexto é a mundialização. É o caso de perguntar qual será o impacto das novas políticas na noção tradicional da política. Podemos antever problemas quando vemos como os novos processos criam dificuldades para as políticas ditas estabelecidas.
A política não visa o saber teórico, mas sim o viver em comunidade e entre comunidades. Trata-se, então, de construção histórica e afetiva, objetiva e subjetiva. Mas, devemos ir além da dicotomia, e compreender que uma política é o encadear de um novo discurso no discurso da política. Isto supõe que a política seja aberta e que viver signifique apropriar-se do sentido da política. Assim, não há reflexão sem meditação sobre os signos e não há explicação sem a compreensão do mundo, das comunidades e de nós aí.
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