mardi 20 mars 2012

Estudos interreligiosos -- Cristianismo para a pós-modernidade


Os cristãos e a defesa racional da fé

O emprego da Apologética como método racional de defesa da fé tem por base alguns textos escriturísticos. São eles IPe 3:15, IICo 7:11, Atos 22:1, 25: 16, I Co 9:3, Fp 1:7, 1:16, IITm 4:16.

Para ps cristãos, a fé está ligada a fatos. Mas, como essas duas realidades se completam no cristianismo? Para Clark Pinnock, mente e coração devem conhecer juntos.

Exige um grande esforço o trabalho de apresentar às pessoas, de um modo inteligente, as provas em favor do evangelho, de maneira que elas possam tomar decisões significativas, convencidas pelo poder do Espírito Santo. O coração não pode se comprazer com aquilo que a mente rejeita como sendo falso”. Pinnock, Clark, “Viva Agora, Amigo, Atibaia, Editora Fiel, p. 8 in Josh McDowel, Evidência que exige um veredicto, São Paulo, Candeia, 1992, p. 3.

Donde, os cristãos se fazem algumas perguntas: a fé é cega? Mt 22:37; podemos ter uma fé inteligente? IITm 1:12, Jo 8: 32. O que é uma fé objetiva? A que se destina? ICo 15:14. Cristo e a ressurreição. O Cristo histórico e a Teologia Sistemática.

João, Pedro, Mateus, Tiago, Marcos, Paulo, Lucas. Por que esses homens são tão importantes para os cristãos? IIPe 1:16. Qual a diferença entre mito e história?

O que é uma testemunha histórica? Você já ouviu falar em Mi Lai, uma aldeia do Vietnã? Qual o poder de uma testemunha ocular? O que dizem João, Lucas, Paulo e Pedro sobre isso? IJo 1:1-3; Jo 20:30-31; Lc 1:1-3; At 1:1-3, 1:9, 10:38-42; ICo 15:6-8; IPe 5:1.
Mas, cuidado com os preconceitos. O que afirma Millar Burrows, professor da Universidade de Yale e especialista nos Rolos de Qumran, in Montgomery, John W., History and Christianity, Downers Grove: Inter-Varsity, 1972, sobre ceticismo e investigação histórica? O que é história? Em que se baseia a cientificidade da história? Que relação isso tem com documentação e testemunhos?

Qual a diferença entre provas históricas, verdade absoluta e probabilidade histórica? Em que sentido podemos entender Hume, quando diz que a história não nos apresenta a verdade absoluta?

Fatores subjetivos que impedem uma análise histórica objetiva: ignorância consciente (Rm 1:18, 23); orgulho (Jo 5:40-44); opções morais (Jo 3:19-20).

Duas opções: vamos refletir sobre duas abordagens metodológicas, a de Aldous Huxley, quando disse que “... a filosofia da ausência de sentido foi basicamente um instrumento de libertação, tanto sexual, como política”, ) e de Pascal, ao afirmar que “as provas em favor da existência de Deus e do seu poder são mais do que suficientes...”.  Jo 7:17.

Sobre a singularidade e a diversidade das escrituras judaico-cristãs, vamos utilizar Josh McDowel, Evidência que exige um veredicto, São Paulo, Candeia, 1992, “A Bíblia, eu acredito nela”, cps 1, 2 e 3, pp. 19-48.

Tecnicamente, por que a Bíblia é diferente? Qual o sentido da pluralidade tempo, escritores, classes sociais, atividades profissionais, condições, circunstâncias históricas, continentes, regiões geográficas, idiomas?

Em termos editoriais, que importância tem para a defesa racional da fé cristã dados como sobrevivência e quantidade de manuscritos, circulação e tiragem, traduções, e sobrevivência às perseguições e críticas?

Pluralidade de assuntos e influências no campo da história, profecia e literatura. A verdade como padrão de qualidade.

Pluralidade de material e técnicas empregadas em sua confecção: pedras, tabletes de argila, óstraco, papiro, pergaminho, velino.  Rolos e códice. Escrita uncial e minúscula carolina.

A singularidade do cânon. O cânon hebraico - lei, profetas e escritos. O testemunho de Jesus (Lc. 24:44, Jo.10:31-36, Lc.11:51); do prólogo do deuterocanônico Eclesiástico, de ben Sirac (Eclo. Pról.1-34); de Josefo, do Talmud (Tosefta Yadim, Seder Orlam Rabba, Talmud Babilônico/Sanedrim), de Melito e Eusébio.

Ben Zakkai e as objeções dos fariseus a Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos e Ester. A decisão do debate de Jamnia.

Apócrifos do Antigo Testamento. Literatura de sabedoria, nacionalista e apocalíptica. Importância histórica e literária. Filo, Josefo, Jesus, os apóstolos, os rabinos reunidos em Jamnia e os pais da igreja não os consideraram escrituras reveladas. O Concílio de Trento (1546), a Contra-Reforma e os apócrifos.

O Novo Testamento - Os critérios para determinar a inspiração de cada livro. Ef. 2:20, Jo. 16:13, At.2:42: a autoridade apostólica. Por que definir um cânon? Quem foi Marcião? O que estava acontecendo nas igrejas orientais? O que representava o edital de Diocleciano (303 d.C.)?

A defesa: Inácio (50-115 d.C.), Justino Mártir (100-165), Policarpo (115), Irineu (180), Atanásio de Alexandria. O Sínodo de Hipona (393), sob o bispado de Agostinho, e o III Sínodo de Cartago.

História e Arqueologia

Novo Testamento: testes bibliográficos, número de cópias e dados comparativos com outros textos antigos. Cronologia dos manuscritos e métodos de datação. Versões e utilização pelos pais da igreja.

Antigo Testamento: os talmudistas, os massoretas, o testemunho de Flávio Josefo, os rolos do Mar Morto e a Septuaginta. O texto samaritano, os targuns, o mishná, os guemarás, o midrash e a sêxtupla de Orígenes.

Aristóteles e o conceito do benefício da dúvida. A datação das fontes primárias.

Evidências externas. Eusébio, em História Eclesiástica; Papias; Irineu em Contra as heresias III, Policarpo e Flávio Josefo em Antigüidades XVIII 5:2 sobre João Batista.

Rowley, Albright e Montgomery analisaram as provas arqueológicas. Paolo Matthiae, Giovanni Petinato e os 17 mil tabletes de Ebla.

Sir William Ramsey e o trabalho de Lucas. Erasto, o tesoureiro de Corinto (Rm 16:23), a assembléia em Éfeso (At. 19:23+), o pátio da Torre Antônia, o poço de Betesda.

Por que usar dois pesos e duas medidas em relação às Escrituras e à literatura da antigüidade?

E a partir dessa compreensão os cristãos se lançam à proclamação do Evangelho até os fins da terra, conforme o mandamento de Jesus de Nazaré.

o mundo e as missões cristãs

Eis um levantamento estatístico levantado pelo professor David Barret, do Regent College em Virgínia Beach, Virgínia (EUA). Nesse trabalho ele procura responder a três perguntas: Quantos são os cristãos no mundo, em relação ao crescimento da população? Como os cristãos estão representados no globo? Como vão as finanças cristãs e como os cristãos apoiam às missões?
  
Situação Global no Contexto dos Séculos xx e xxi.
Levantamentos realizados em 1998.

Ano
1900
1970
1998
2000
2025
Pop. Mundial
1.619.886.800
3.697.141.000
5.892.480.000
6.158.051.000
8.294.341.000
Megacidades
20
161
400
433
650
Pobres urbanos
100.000.000
650.000.000
1.782.000.000
2.000.000.000
3.050.000.000
Favelados
20.000.000
260.000.000
1.043.000.000
1.300.000.000
2.100.000.000
Cristãos (todos)
558.056.300
1.245.934.000
1.995.026.000
2.119.342.000
3.050.229.000
Muçulmanos
200.102.200
564.212.000
1.154.302.000
1.240.258.000
1.957.019.000
Hindus
203.033.300
477.024.000
806.099.000
846.467.000
1.118.447.000
Budistas
127.159.000
237.262.000
328.233.000
334.852.000
385.818.000
Ateus
225.600
169.277.000
224.489.000
231.515.000
300.878.000

Como os cristãos estão representados no globo?
Levantamentos realizados em 1998.

Todos cristãos
34,4%
33,7%
33,9%
34,4%
36,9%
Membresia
521.563.200
1.159.119.000
1.808.278.000
1.888.270.000
2.589.206.000
Praticantes
469.259.800
905.352.000
1.315.693.000
1.356.513.000
2.280.000.000

Blocos






Católicos Rm.
266.419.400
688.542.000
992.295.000
1.030.637.000
1.303.507.000
Protestantes
103.056.700
239.056.000
381.147.000
404.892.000
640.342.000
Ortodoxos
115.897.700
146.863.000
214.692.000
219.592.000
261.839.000

Por continente






África
8.756.400
118.721.000
309.639.000
338.285.000
669.510.000
Ásia
20.110.000
90.003.000
299.170.000
323.192.000
521.534.000
Europa
368.790.600
493.691.000
526.572.000
527.576.000
512.626.000
América Latina
60.025.100
268.350.000
450.543.000
471.855.000
618.389.000
América Norte
59.569.700
173.331.000
202.843.000
207.251.000
241.519.000
Oceania
4.311.400
15.023.000
19.512.000
20.111.000
25.628.000


Missões e as finanças cristãs no mundo.
Levantamentos realizados em 1998.

Obreiros






Nacionais
1.050.000
2.350.000
4.748.000
5.104.000
6.500.000
No exterior
62.000
240.000
403.000
420.000
550.000

Finanças cristãs






Renda/mmbrs
US$ 270 bi
$ 4,1 trilhões
$ 11,5 tri
$ 12,7 tri
$ 26 trilhões
Doações
US$ 8 bilhões
$ 70 bilhões
$ 200 bilhões
$ 220 bilhões
$ 870 bilhões
Renda missões
US$ 200 mi
$ 3 bilhões
$ 10,9 bilhões
$ 12 bilhões
$ 60 bilhões


           

dimanche 18 mars 2012

Os batistas na Europa latina, resumo


Colóquio de Ciências Sociais e Religião: Conhecimento, poder e carreiras intelectuais no campo religioso/ Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos


Resumo de “Os batistas na Europa Latina: entre tradição e emoção, quais recomposições?”, FATH, Sébastien, In: Jean-Pierre Bastian (org.) La recomposition des protestantismes en Europe Latine: entre émotion et tradition, Genebra, Labor et Fides, 2004, pp. 121-138. (Tradução e apresentação por Naira C D G Pinheiro dos Santos)


O presente artigo de Sébastien FATH trata de analisar as recomposições identitárias que se apresentam ao e por meio do universo batista na França, diante do crescimento da influência carismática/pentecostal.

Segundo Campos, os pentecostalismos constituem-se “no principal fator de desestabilização do campo religioso protestante no Brasil” (p.12). Na Europa pode não ser o único e talvez nem o principal, mas, a partir da análise da FATH é possível depreender de que se trata de um importante fator de desestabilização. Apesar disso e embora esteja na moda, seria o “protestantismo emocional” conveniente a todas as correntes do protestantismo evangélico na Europa? 

O autor parte do exemplo batista (notadamente no contexto francês) para responder a essas perguntas, uma vez que estes “constituem hoje, depois do pentecostalismo, a ramificação mais numerosa do protestantismo evangélico em seu sentido amplo, compreendido como um cristianismo militante, conversionista e biblicista”. Identifica nestes “três traços distintivos: uma teologia de inspiração calvinista, uma eclesiologia congregacionalista e de proclamação (autonomia da assembléia local, composta de militantes ‘engajados’) e a prática do batismo por imersão do convertido, o coração da especificidade batista”. Ainda segundo avaliação do autor, o congregacionalismo exacerbado lhes confere uma plasticidade que os leva a acolher influências as mais diversas, dentre as quais, o carismatismo e o pentecostalismo, “fundados numa espiritualidade da eficácia, em que a emoção prevalece sobre a doutrina”. Como resultado, estabelece-se uma tensão entre um “pólo confessional e pietista/ortodoxo” e um “pólo interconfessional e mais emocional”.

Na primeira parte de seu artigo o autor aborda a situação dos batistas nos países latinos da Europa, na segunda parte analisa de modo geral a influência carismática junto aos batistas, e finalmente, na terceira parte, foca sua análise sobre os batistas na França.
Uma foto para a posteridade: membros da Igreja Batista de Nice

1.Situação dos batistas
De modo geral os batistas europeus constituem, segundo o autor, uma pequena minoria protestante e ainda menor nos países latinos, onde eles são ultra-minoritários. No entanto, os dados quantitativos em si não revelam a real situação dos batistas, cujo poder de influência varia em cada contexto. Primeiramente em função da sua participação relativa. Em alguns contextos do leste europeu e no norte europeu, a presença batista é significativa. Na Espanha, na Itália e em Portugal, embora estejam em número bastante reduzido, “os batistas jogam um papel de relevância no seio do protestantismo, na medida em que este último é ele mesmo extremamente minoritário”. Não é tanto esse o caso da Bélgica, da Suíça, e mesmo da França, na qual “os batistas aparecem em último lugar em relação ao conjunto lutero-reformado”.

Mas, segundo o autor, “se nos restringimos ao protestantismo evangélico nos damos conta de que os batistas ocupam, freqüentemente, uma posição chave”. Isto porque, ainda na perspectiva do autor o poder de influência dos batistas não está relacionado apenas à sua participação numérica, mas também à sua eficácia em, a partir de organismos supra-locais de tipo denominacional, estabelecer redes transnacionais, de modo que os batistas acham-se freqüentemente à cabeça de redes evangélicas, na Europa latina, assim como em outros lugares.

Ademais, devido à sua “flexibilidade congregacionalista”, os batistas “se abriram mais rapidamente que as outras confissões à influência de um protestantismo emocional de tipo carismático-pentecostal”. Assim, estes “parecem jogar, na Europa latina como em outras partes, um papel de interface essencial entre o universo pentecostal carismático e o universo lútero-reformado”, de modo que constituem, sob muitos aspectos, “uma ‘denominação teste’ no que se refere à tensão entre uma certa tradição ‘pietista ortodoxa’ e uma influência ‘emocional-experiencial’. Se eles pendem em direção ao pólo carismático, é toda a vertente evangélica que tende então a balançar para esse lado”. (Meu comentário para entender esse processo: Observe-se de um lado o congregacionalismo, no qual o poder pastoral é, em grande medida contido e a autonomia dos crentes é, aparentemente afirmada; do outro a atividade política para fora ou além dos muros da igreja local e mesmo do contexto denominacional, para o universo interdenominacional ou interconfessional, através da qual o líder pastoral constitui e/ou afirma sua capacidade de influenciar um grupo, uma corrente doutrinária ou mesmo carismática, e a partir do qual a autonomia da assembléia local e particularmente dos crentes é relativizada. A interpretação legítima sai dos seminários, como diria Israel Belo, mas também do circuito de poder denominacional e pode se expandir para além dele).

2. A influência carismática no meio batista
Para FATH os batistas possuem uma especificidade que não permite enquadrá-los nem como seita (não praticam a retirada do mundo nem a sua crítica sistemática, embora adotem uma atitude militante e proselitista), nem como igreja (não possuem uma forte estrutura institucional supra-local, embora mantenham um relacionamento articulado com o meio circundante e uma  “base doutrinária firme”), considerando que o que melhor lhe cabe é o tipo ‘denominacional’ (próximo do de ‘igreja livre’ descrito por Ernst Troeltsch).

O autor encontra dificuldade em enquadrar os batistas também na tipologia proposta por Willaime, (nenhum do modelos- ‘institucional-ideológico’, ‘institucional-ritual’ ou ‘associativo-carismático’ lhes corresponderia) preferindo completá-la com aquele que julga ser o mais adequado aos batistas, qual seja, o modelo associativo-ideológico. Associativo face ao tipo de organização, ideológico face à construção social de uma linha doutrinária precisa, normativa, defendida por um certo número de mediações. Enfim, para FATH, “o elemento chave nesse dispositivo foi a manutenção da doutrina e do biblicismo. As confissões de fé, as ‘alianças’ batistas, a imprensa denominacional, as convenções e encontros periódicos, os centros de formação para pastores, todos contribuíram, em graus variados, para manter o elemento ideológico como chave principal do sistema, relegando o elemento carismático a um papel subalterno”.

Essa dimensão associativa-ideológica dos batistas constitui, a despeito das aparências, um meio relativamente difícil para a penetração do carismatismo-pentecostal, uma vez que é a Bíblia o lugar privilegiado, e indispensável, para a experiência, estando esta submetida à norma bíblica. “A experiência, ou o carisma, não jogam nenhum papel direto nesse assunto”. Assim, o autor conclui que “mesmo se a sua estrutura associativa flexível, o seu conversionismo, seu individualismo e o seu militantismo parecem estar, a priori, em afinidade com o que se conhece do movimento carismático-pentecostal, o acento batista sobre a regulação ideológica parece se constituir” em freio à validação experiencial/emocional, e parte então para verificar se é possível encontrar validação empírica através do exemplo francês.
 Igreja Batista de Marseille

3. Entre resistência e aculturação: o exemplo francês
A análise do contexto  francês, em que os batistas encontram-se divididos em três facções principais[1] revelou que, “quanto ao eixo da tensão entre o pólo pietista/ortodoxo e o pólo emocional/experiencial, pode-se observar três cenários”.

O primeiro cenário é o dos batistas como rótulo, marca, ‘concha vazia’ para o carismatismo evangélico, bem marginal na Europa Latina (menos de 10%). Na França, embora seja possível encontrá-lo também muito marginalmente no seio da Fédération Baptiste, principal união das igrejas batistas na França (ligada à Federação Prostestante da França), está representado principalmente pela Fédération des Eglises et Communautés Baptistes Charismatiques (FECBC). “Com uma estrutura muito leve, o essencial da identidade da FECBC não se funda no batismo”. Embora se pratique o batismo por imersão do convertido esteja e haja uma orientação congregacionalista, aqui “a identidade carismática/pentecostal se impôs em todos os sentidos, inclusive na concepção de igreja e dos ministérios. [...] o discurso não é regulado pelos teólogos, nem pelas ‘confissões de fé’, o que conduz à multiplicação dos ‘empreendedores independentes’ do carisma, e ao deslocamento dos fiéis de grupo em grupo em busca de maior eficácia na solução dos problemas que os preocupam, concernentes ao amor, ao dinheiro e à saúde, três invariáveis que tendencialmente subjazem a toda busca religiosa”. Ademais, “as referências, os modelos são extraídos menos da história ou da atualidade batista principal que do universo globalizado do carismatismo”.

Um segundo cenário, “muito mais freqüente que o da concha vazia, é o do campo batista servindo de campo de aculturação ao carismatismo/ pentecostalismo. Esse fenômeno é, certamente, recíproco: os elementos de início radicalmente pentecostalizantes são pouco a pouco aculturados ao tipo de regulação própria dos batistas, enquanto que estes integram (ou levam em conta) diversos elementos da cultura carismática. Esse processo de aculturação diz respeito a cerca de 40% das igrejas batistas francesas, mas em graus muito variados: é possível encontrar desde igrejas batistas de um carismatismo muito militante e exacerbado, outras moderadamente carismáticas, atéapossível encontrar tambémca,  igrejas não carismáticas, mas que acolhem de bom grado membros dessa tendência em seu meio, adotando uma liturgia de estilo mais ou menos ‘carismática’. O principal campo de aculturação é a Fédération Baptiste, que tem sido confrontada, já de há muito, por uma orientação de tipo pentecostal”. Constata-se que, “mesmo antes da irrupção da ‘onda’ carismática propriamente dita, uma orientação emocional, terapêutica e profética operava ativamente sobre uma parte das igrejas da FEEBF”. Face ao ímpeto dos “batistas pentecostalizantes” ao final dos anos 1940, em 1952 a FEEBF publica uma “resolução sobre a orientação das nossas igrejas” que preconizava “uma posição intermediária, aceitável para os batistas pentecostalizantes e para os outros”. Esse texto “marca a diferença entre as experiências vividas e a confissão formulada [...] visa acolher a orientação emocional/ profética recusando, no entanto, que a experiência, o ‘dom espiritual’, a cura, pudessem substituir a normatividade da Bíblia. Pode-se perceber portanto que, aqui, os batistas permanecem mais próximos do ‘modelo associativo ideológico’ que do modelo ‘associativo carismático’”. Permite  evitar uma divisão no seio da FEEBF sem contudo resolver todas as dificuldades. “Ao final das contas, contudo, a linha de síntese levou a melhor e, até o início do século XXI, a FEEBF permaneceu um lugar de interface e de aculturação privilegiado entre um pólo pietista/ortodoxo e um pólo experiencial/emocional. Para manter essa linha, esforços multidirecionais foram empreendidos. Podemos ter uma idéia ao examinar as publicações da FEEBF, que trata regularmente da questão dos carismas reenquadrando-os numa perspectiva evangélica e batista. A escola de pastores de Massy [...] cumpre igualmente uma função essencial de submeter todos os pastores, carismáticos ou não, às necessidades de uma formação teórica, teológica [... e,] mesmo que não o diga, A FEEBF privilegia a legitimidade do pastor doutor em detrimento da do pastor profeta, na linha de sua orientação ‘associativa ideológica’”.

“O resultado dessa aculturação pode ser observado em diversos níveis. Primeiramente constata-se que a tendência à retirada do mundo observada entre os batistas pentecostalizantes nos anos 1950-1960 foi progressivamente atenuada. Após ter rompido brutalmente com o batismo social de um Robert Farelly, a maior parte dos batistas pentecostalizantes reintegraram pouco a pouco a dimensão do engajamento social. [...]Em segundo lugar observa-se que os carismáticos da FEEBF manifestam, na sua maioria, mais interesse pela doutrina, pela teologia, do que os seus colegas carismáticos de outros horizontes. Enfim, as estruturas denominacionais colocadas em ação progressivamente pela FEEBF constituíram, de fato, um importante fator de controle da autoridade carismática dentro da igreja (no sentido weberiano do termo). Pela obrigação de formação, pela participação nas pastorais regionais, nacionais, os pastores carismáticos da FEEBF não possuem uma liberdade de ação tal qual encontram em outros meios. Esse elemento de aculturação jogou, por vezes, como um fator de atração para carismáticos cansados de uma aventura solitária. Assim, após o desaparecimento dos fundadores, numerosas igrejas carismáticas bateram à porta da FEEBF desde os anos 1980, desejosas de um enquadramento confessional que lhes fizera falta até então”.

O autor conclui que o texto de síntese da FEEBF conferiu-lhe uma coesão interna inegável até o momento e que as tensões decorrem mais “de necessidades de aculturação recíproca do que de uma maciça crise de identidade”, constituindo-se este cenário em “recomposição por aculturação mais do que por expulsão ou invasão”.

Enfim, o último cenário apontado pelo autor é o do campo batista como lugar de resistência à influência carismática/pentecostal ou emocional/experiencial e que corresponde a cerca de 50% dos batistas franceses, dentre os “quais uma minoria de igrejas da FEEBF, a quase totalidade das igrejas da Association Baptiste (AEEBF) e de igrejas batistas independentes”. Ele destaca, no entanto, que essa “linha de rejeição é atualmente muito mais matizada do que ela pôde ser nos anos 1930 a 1960, nos quais o pentecostalismo era facilmente apresentado como sendo influenciado por Satanás”. Conclui que observa-se, neste cenário “uma tradição evangélica, da qual o fundamentalismo (mas não somente este) faz parte, que visa “colocar arreios” (harnessing) sobre a tendência ao êxtase e à emoção desenfreada que pôde marcar os fenômenos revivalistas, em nome de uma “domesticação” da experiência espiritual”.

O autor conclui sua análise acerca das recomposições identitárias dos batistas frente à influência carismática, afirmando que: “se o campo batista se mostra parcialmente ‘poroso’ à influência carismática ele está bem longe de se submeter em sua totalidade. Ao pólo profético/experiencial replica um pólo pietista/ortodoxo que nos lembra, a partir do campo batista, que as recomposições identitárias do protestantismo evangélico não saberiam se deixar reduzir a uma capa para o carisma e a emoção: se o carismatismo transforma as culturas eclesiais, estas últimas também o canalizam (ou o rejeitam)”.
 a norvel, a norma interpretaçtiviza)


[1] Dos atualmente 40 000 fiéis batistas na França, cerca da metade integram a Fédération des Eglises Baptistes de France (FEEBF), a qual está vinculada à Féderation Protestante de France (FPF) desde 1916. A outra metade se divide entre as igrejas da Association Evangélique d’Eglises Baptistes de Langue Française (AEEBF) e as igrejas batistas independentes, das quais um bom número estão agrupadas dentro da Communion Evangélique de Baptistes Indépendants (CEBI). Esses dois últimos grupos não estão ligados à FPF  em virtude de posições mais restritas quanto ao ecumenismo.