Colóquio de Ciências Sociais e Religião: Conhecimento, poder e carreiras intelectuais no campo religioso/ Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos
Resumo de “Os batistas na Europa Latina: entre tradição e emoção, quais recomposições?”, FATH, Sébastien, In: Jean-Pierre Bastian (org.) La recomposition des protestantismes en Europe Latine: entre émotion et tradition, Genebra, Labor et Fides, 2004, pp. 121-138. (Tradução e apresentação por Naira C D G Pinheiro dos Santos)
O presente artigo de
Sébastien FATH trata de analisar as recomposições identitárias que se
apresentam ao e por meio do universo batista na França, diante do crescimento
da influência carismática/pentecostal.
Segundo Campos, os pentecostalismos constituem-se “no
principal fator de desestabilização do campo religioso protestante no
Brasil” (p.12). Na Europa pode não ser o único e talvez nem o principal, mas, a
partir da análise da FATH é possível depreender de que se trata de um
importante fator de desestabilização. Apesar disso e embora esteja na moda,
seria o “protestantismo emocional” conveniente a todas as correntes do
protestantismo evangélico na Europa?
O autor parte do exemplo
batista (notadamente no contexto francês) para responder a essas perguntas, uma
vez que estes “constituem hoje, depois do pentecostalismo, a ramificação mais
numerosa do protestantismo evangélico em seu sentido amplo, compreendido como
um cristianismo militante, conversionista e biblicista”. Identifica nestes
“três traços distintivos: uma teologia de inspiração calvinista, uma
eclesiologia congregacionalista e de proclamação (autonomia da assembléia
local, composta de militantes ‘engajados’) e a prática do batismo por imersão
do convertido, o coração da especificidade batista”. Ainda segundo avaliação do
autor, o congregacionalismo exacerbado lhes confere uma plasticidade que os
leva a acolher influências as mais diversas, dentre as quais, o carismatismo e
o pentecostalismo, “fundados numa espiritualidade da eficácia, em que a emoção
prevalece sobre a doutrina”. Como resultado, estabelece-se uma tensão entre um
“pólo confessional e pietista/ortodoxo” e um “pólo interconfessional e mais
emocional”.
Na
primeira parte de seu artigo o autor aborda a situação dos batistas nos países
latinos da Europa, na segunda parte analisa de modo geral a influência
carismática junto aos batistas, e finalmente, na terceira parte, foca sua
análise sobre os batistas na França.
1.Situação
dos batistas
De
modo geral os batistas europeus constituem, segundo o autor, uma pequena
minoria protestante e ainda menor nos países latinos, onde eles são
ultra-minoritários. No entanto, os dados quantitativos em si não revelam a real
situação dos batistas, cujo poder de influência varia em cada contexto.
Primeiramente em função da sua participação relativa. Em alguns contextos do
leste europeu e no norte europeu, a presença batista é significativa. Na
Espanha, na Itália e em Portugal, embora estejam em número bastante reduzido,
“os batistas jogam um papel de relevância no seio do protestantismo, na medida
em que este último é ele mesmo extremamente minoritário”. Não é tanto esse o
caso da Bélgica, da Suíça, e mesmo da França, na qual “os batistas aparecem em
último lugar em relação ao conjunto lutero-reformado”.
Mas,
segundo o autor, “se nos restringimos ao protestantismo evangélico nos damos
conta de que os batistas ocupam, freqüentemente, uma posição chave”. Isto
porque, ainda na perspectiva do autor o poder de influência dos batistas não
está relacionado apenas à sua participação numérica, mas também à sua eficácia
em, a partir de organismos supra-locais de tipo denominacional, estabelecer
redes transnacionais, de modo que os batistas acham-se freqüentemente à cabeça
de redes evangélicas, na Europa latina, assim como em outros lugares.
Ademais,
devido à sua “flexibilidade congregacionalista”, os batistas “se abriram mais
rapidamente que as outras confissões à influência de um protestantismo
emocional de tipo carismático-pentecostal”. Assim, estes “parecem jogar, na
Europa latina como em outras partes, um papel de interface essencial entre o
universo pentecostal carismático e o universo lútero-reformado”, de modo que
constituem, sob muitos aspectos, “uma ‘denominação teste’ no que se refere à
tensão entre uma certa tradição ‘pietista ortodoxa’ e uma influência
‘emocional-experiencial’. Se eles pendem em direção ao pólo carismático, é toda
a vertente evangélica que tende então a balançar para esse lado”. (Meu
comentário para entender esse processo: Observe-se de um lado o
congregacionalismo, no qual o poder pastoral é, em grande medida contido e a
autonomia dos crentes é, aparentemente afirmada; do outro a atividade política
para fora ou além dos muros da igreja local e mesmo do contexto denominacional,
para o universo interdenominacional ou interconfessional, através da qual o
líder pastoral constitui e/ou afirma sua capacidade de influenciar um grupo,
uma corrente doutrinária ou mesmo carismática, e a partir do qual a autonomia
da assembléia local e particularmente dos crentes é relativizada. A
interpretação legítima sai dos seminários, como diria Israel Belo, mas também
do circuito de poder denominacional e pode se expandir para além dele).
2.
A influência carismática no meio batista
Para
FATH os batistas possuem uma especificidade que não permite enquadrá-los nem
como seita (não praticam a retirada do mundo nem a sua crítica sistemática,
embora adotem uma atitude militante e proselitista), nem como igreja (não
possuem uma forte estrutura institucional supra-local, embora mantenham um
relacionamento articulado com o meio circundante e uma “base doutrinária firme”), considerando que o
que melhor lhe cabe é o tipo ‘denominacional’ (próximo do de ‘igreja livre’ descrito
por Ernst Troeltsch).
O
autor encontra dificuldade em enquadrar os batistas também na tipologia
proposta por Willaime, (nenhum do modelos- ‘institucional-ideológico’,
‘institucional-ritual’ ou ‘associativo-carismático’ lhes corresponderia)
preferindo completá-la com aquele que julga ser o mais adequado aos batistas,
qual seja, o modelo associativo-ideológico. Associativo face ao tipo de
organização, ideológico face à construção social de uma linha doutrinária
precisa, normativa, defendida por um certo número de mediações. Enfim, para
FATH, “o elemento chave nesse dispositivo foi a manutenção da doutrina e do
biblicismo. As confissões de fé, as ‘alianças’ batistas, a imprensa
denominacional, as convenções e encontros periódicos, os centros de formação
para pastores, todos contribuíram, em graus variados, para manter o elemento
ideológico como chave principal do sistema, relegando o elemento carismático a
um papel subalterno”.
Essa
dimensão associativa-ideológica dos batistas constitui, a despeito das
aparências, um meio relativamente difícil para a penetração do
carismatismo-pentecostal, uma vez que é a Bíblia o lugar privilegiado, e
indispensável, para a experiência, estando esta submetida à norma bíblica. “A
experiência, ou o carisma, não jogam nenhum papel direto nesse assunto”. Assim,
o autor conclui que “mesmo se a sua estrutura associativa flexível, o seu
conversionismo, seu individualismo e o seu militantismo parecem estar, a priori, em afinidade com o que se
conhece do movimento carismático-pentecostal, o acento batista sobre a
regulação ideológica parece se constituir” em freio à validação experiencial/emocional,
e parte então para verificar se é possível encontrar validação empírica através
do exemplo francês.
3.
Entre resistência e aculturação: o exemplo francês
A
análise do contexto francês, em que os
batistas encontram-se divididos em três facções principais[1]
revelou que, “quanto ao eixo da tensão entre o pólo pietista/ortodoxo e o pólo
emocional/experiencial, pode-se observar três cenários”.
O
primeiro cenário é o dos batistas como rótulo, marca, ‘concha vazia’ para o
carismatismo evangélico, bem marginal na Europa Latina (menos de 10%). Na
França, embora seja possível encontrá-lo também muito marginalmente no seio da
Fédération Baptiste, principal união das igrejas batistas na França (ligada à Federação
Prostestante da França), está representado principalmente pela Fédération des
Eglises et Communautés Baptistes Charismatiques (FECBC). “Com uma estrutura
muito leve, o essencial da identidade da FECBC não se funda no batismo”. Embora
se pratique o batismo por imersão do convertido esteja e haja uma orientação
congregacionalista, aqui “a identidade carismática/pentecostal se impôs em
todos os sentidos, inclusive na concepção de igreja e dos ministérios. [...] o
discurso não é regulado pelos teólogos, nem pelas ‘confissões de fé’, o que conduz
à multiplicação dos ‘empreendedores independentes’ do carisma, e ao
deslocamento dos fiéis de grupo em grupo em busca de maior eficácia na solução
dos problemas que os preocupam, concernentes ao amor, ao dinheiro e à saúde,
três invariáveis que tendencialmente subjazem a toda busca religiosa”. Ademais,
“as referências, os modelos são extraídos menos da história ou da atualidade
batista principal que do universo globalizado do carismatismo”.
Um
segundo cenário, “muito mais freqüente
que o da concha vazia, é o do campo batista servindo de campo de aculturação ao
carismatismo/ pentecostalismo. Esse fenômeno é, certamente, recíproco: os
elementos de início radicalmente pentecostalizantes são pouco a pouco
aculturados ao tipo de regulação própria dos batistas, enquanto que estes
integram (ou levam em conta) diversos elementos da cultura carismática. Esse
processo de aculturação diz respeito a cerca de 40% das igrejas batistas
francesas, mas em graus muito variados: é possível encontrar desde igrejas
batistas de um carismatismo muito militante e exacerbado, outras moderadamente
carismáticas, até igrejas não
carismáticas, mas que acolhem de bom grado membros dessa tendência em seu meio,
adotando uma liturgia de estilo mais ou menos ‘carismática’. O principal campo
de aculturação é a Fédération Baptiste, que tem sido confrontada, já de há
muito, por uma orientação de tipo pentecostal”. Constata-se que, “mesmo antes
da irrupção da ‘onda’ carismática propriamente dita, uma orientação emocional,
terapêutica e profética operava ativamente sobre uma parte das igrejas da
FEEBF”. Face ao ímpeto dos “batistas pentecostalizantes” ao final dos anos 1940,
em 1952 a FEEBF publica uma “resolução sobre a orientação das nossas igrejas”
que preconizava “uma posição intermediária, aceitável para os batistas
pentecostalizantes e para os outros”. Esse texto “marca a diferença entre as
experiências vividas e a confissão formulada [...] visa acolher a orientação
emocional/ profética recusando, no entanto, que a experiência, o ‘dom
espiritual’, a cura, pudessem substituir a normatividade da Bíblia. Pode-se
perceber portanto que, aqui, os batistas permanecem mais próximos do ‘modelo
associativo ideológico’ que do modelo ‘associativo carismático’”. Permite evitar uma divisão no seio da FEEBF sem
contudo resolver todas as dificuldades. “Ao final das contas, contudo, a linha
de síntese levou a melhor e, até o início do século XXI, a FEEBF permaneceu um
lugar de interface e de aculturação privilegiado entre um pólo
pietista/ortodoxo e um pólo experiencial/emocional. Para manter essa linha,
esforços multidirecionais foram empreendidos. Podemos ter uma idéia ao examinar
as publicações da FEEBF, que trata regularmente da questão dos carismas
reenquadrando-os numa perspectiva evangélica e batista. A escola de pastores de
Massy [...] cumpre igualmente uma função essencial de submeter todos os
pastores, carismáticos ou não, às necessidades de uma formação teórica,
teológica [... e,] mesmo que não o diga, A FEEBF privilegia a legitimidade do
pastor doutor em detrimento da do pastor profeta, na linha de sua orientação
‘associativa ideológica’”.
“O
resultado dessa aculturação pode ser observado em diversos níveis.
Primeiramente constata-se que a tendência à retirada do mundo observada entre
os batistas pentecostalizantes nos anos 1950-1960 foi progressivamente
atenuada. Após ter rompido brutalmente com o batismo social de um Robert Farelly,
a maior parte dos batistas pentecostalizantes reintegraram pouco a pouco a
dimensão do engajamento social. [...]Em segundo lugar observa-se que os
carismáticos da FEEBF manifestam, na sua maioria, mais interesse pela doutrina,
pela teologia, do que os seus colegas carismáticos de outros horizontes. Enfim,
as estruturas denominacionais colocadas em ação progressivamente pela FEEBF
constituíram, de fato, um importante fator de controle da autoridade
carismática dentro da igreja (no sentido weberiano do termo). Pela obrigação de
formação, pela participação nas pastorais regionais, nacionais, os pastores
carismáticos da FEEBF não possuem uma liberdade de ação tal qual encontram em
outros meios. Esse elemento de aculturação jogou, por vezes, como um fator de
atração para carismáticos cansados de uma aventura solitária. Assim, após o
desaparecimento dos fundadores, numerosas igrejas carismáticas bateram à porta
da FEEBF desde os anos 1980, desejosas de um enquadramento confessional que
lhes fizera falta até então”.
O
autor conclui que o texto de síntese da FEEBF conferiu-lhe uma coesão interna
inegável até o momento e que as tensões decorrem mais “de necessidades de
aculturação recíproca do que de uma maciça crise de identidade”,
constituindo-se este cenário em “recomposição por aculturação mais do que por
expulsão ou invasão”.
Enfim,
o último cenário apontado pelo autor é o do campo batista como lugar de
resistência à influência carismática/pentecostal ou emocional/experiencial e
que corresponde a cerca de 50% dos batistas franceses, dentre os “quais uma
minoria de igrejas da FEEBF, a quase totalidade das igrejas da Association
Baptiste (AEEBF) e de igrejas batistas independentes”. Ele destaca, no entanto,
que essa “linha de rejeição é atualmente muito mais matizada do que ela pôde
ser nos anos 1930 a 1960, nos quais o pentecostalismo era facilmente
apresentado como sendo influenciado por Satanás”. Conclui que observa-se, neste
cenário “uma tradição evangélica, da qual o fundamentalismo (mas não somente
este) faz parte, que visa “colocar arreios” (harnessing) sobre a tendência ao êxtase e à emoção desenfreada que
pôde marcar os fenômenos revivalistas, em nome de uma “domesticação” da
experiência espiritual”.
O
autor conclui sua análise acerca das recomposições identitárias dos batistas
frente à influência carismática, afirmando que: “se o campo batista se mostra
parcialmente ‘poroso’ à influência carismática ele está bem longe de se
submeter em sua totalidade. Ao pólo profético/experiencial replica um pólo pietista/ortodoxo
que nos lembra, a partir do campo batista, que as recomposições identitárias do
protestantismo evangélico não saberiam se deixar reduzir a uma capa para o
carisma e a emoção: se o carismatismo transforma as culturas eclesiais, estas
últimas também o canalizam (ou o rejeitam)”.
[1]
Dos atualmente 40 000 fiéis batistas na França, cerca da metade integram a
Fédération des Eglises Baptistes de France (FEEBF), a qual está vinculada à
Féderation Protestante de France (FPF) desde 1916. A outra metade se divide
entre as igrejas da Association Evangélique d’Eglises Baptistes de Langue
Française (AEEBF) e as igrejas batistas independentes, das quais um bom número
estão agrupadas dentro da Communion
Evangélique de Baptistes Indépendants (CEBI). Esses dois últimos grupos não
estão ligados à FPF em virtude de
posições mais restritas quanto ao ecumenismo.
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