mercredi 21 décembre 2011
samedi 17 décembre 2011
Vamos juntos celebrar o Cristo
É que um menino nos nasceu, um filho nos foi dado.
Deus colocou a soberania sobre os seus ombros.
Os seus títulos são:
Conselheiro maravilhoso, Deus forte, Pai para sempre, Príncipe da paz!
Isaias 9,5.
Natal na Igreja Batista em Perdizes (SP)
Você é o nosso convidado
- 18h45: Cantata O Esplendor da Glória
Com reflexão do Pr. Jorge Pinheiro
- 18h00: Culto de especial Natal
Com sermão do Pr. Nino
Car un enfant nous est né,
un fils nous a été donné,
il a reçu le pouvoir sur ses épaules
et on lui a donné ce nom :
Conseiller-merveilleux, Dieu-fort,
Père-éternel, Prince-de-paix!
Benvenuto nella famiglia, Luigi!
vendredi 16 décembre 2011
Gratos a Ti pelo nascimento do Cristo
Elvis Presley e Martina McBride -- Blue Christmas
Buon Natale Fröhliche Weihnachten Merry Christmas
Mo'adim Lesimkha Feliz Natal Feliz Navidad
"Vós é que sois as minhas testemunhas. Palavra do Senhor! Vós é que sois o meu servo, aquele que eu escolhi, para saberem, acreditarem e compreenderem que eu é que sou Deus. Antes de mim não houve nenhum deus e depois de mim também não haverá. Eu, e só eu, é que sou o Senhor. Fora de mim não há ninguém que salve! Sou eu que ofereço a salvação, a anuncio e a proclamo, e não é nenhum deus estrangeiro que esteja no meio de vós. Eu sou Deus e vós sois testemunhas disso! Palavra do Senhor!" Isaías 43.10-12.
jeudi 15 décembre 2011
O nascimento de uma criança
“O povo que andava na
escuridão viu uma forte luz:
a luz brilhou sobre os que viviam nas trevas” (Isaías 9.2).
É comum todos os anos
ouvirmos estas palavras do profeta Isaías, nas comemorações do nascimento de uma criança judia. E a cada ano, estas palavras têm um novo sabor e fazem reviver o clima de alegria e
caminhada, que é típico do nascimento.
Ao povo atribulado e oprimido,
que andava em trevas políticas e sociais porque estava sob o jugo do Império
romano, apareceu uma luz forte. Sim, esta luz forte, irradiada da humildade de
uma criança nascida numa vila sem importância – Beitlehem, em hebraico, A Casa
do Pão, em português -- é a luz
do sentido pleno da vida. Se a primeira luz foi a do Big Bang, conforme nos
conta o livro das Origens (1.3), mais brilhante é a luz que traz o sentido da
vida àquele que reconhece a miserabilidade e clama por justiça!
O nascimento é a festa
da luz da eternidade entre nós. Na criança d´A Casa do Pão, a luz primeira volta a resplandecer no céu da
existência para dissipar as nuvens da alienação. O brilho do triunfo do que é necessário
e perene aparece no horizonte da história para propor um caminho novo, a marcha na construção de um novo mundo de alegria, justiça e paz!
A travessia noturna
“Tu, ó Eterno,
aumentaste esse povo e lhe deste muita felicidade. Eles se alegram pelo que
tens feito, como se alegram os que fazem as colheitas ou como os que repartem
as riquezas tomadas na guerra” (Isaías 9.3).
O anúncio vale também
para nós, homens e mulheres do alvorecer do terceiro milênio. A comunidade
reúne-se em louvores para escutar a boa nova do nascimento de uma criança. Em
meio ao terror do Império presente nas vidas, da noite fria no deserto, o nascimento
é momento de memória.
Após longa espera,
irrompe o esplendor do dia novo. Nasceu a criança, a eternidade conosco! Nasceu
aquela que foi anunciada pelos profetas e invocada pelos que andavam nas
trevas. Na escuridão e silêncio da vida clandestina, a luz faz-se mensagem de novo
caminho.
Mas não contrasta esta
certeza do novo caminhar com a realidade histórica em que vivemos? Diante dos
fatos que ouvimos, esta palavra de um novo caminho parece sonho. Mas é nisso mesmo
que se encerra o desafio do caminho, tornando este anúncio simultaneamente
consolador e exigente. O caminhar novo nos envolve na exigência solidária do
que é necesário e perene e ao mesmo tempo nos leva a apoiar o diferente e o igual,
sempre gente como nós.
Solidários no caminhar
“Deus revelou a sua
graça para dar salvação a todos”. (Tito 2,
11).
Nesta memória do
nascimento, nossos corações estão inquietos
e preocupados com a
persistência, em diversas regiões do mundo, de guerras, penosas carências, tensões sociais. Procuramos uma resposta que mobilize e transforme.
O texto da carta de Paulo
a Tito recorda-nos que o nascimento da criança traz a liberdade aos extremos da
terra e aos momentos da história. Para todo homem e mulher nasce a criança que
tem os títulos de conselheiro, forte, eterno, príncipe da paz. (Isaías
9.6). Ela traz a resposta que necessitamos, que desfaz temores e dá coragem para
a ação do caminhar em direção ao novo aparentemente impossível.
Nesta noite de memória
torna-se mais firme a confiança na força redentora da palavra que se fez carne
e habitou entre nós. Quando as trevas parecem prevalecer, a criança nos diz
para ir em frente! Ela derrota o poderio do mal, liberta da escravidão da morte
e nos convida ao banquete da vida.
Sou chamado a me
mobilizar em força solidária, assumir a parceria pelo mundo novo. Sou chamado a
vencer o mistério da iniqüidade, ser testemunha de solidariedade e construtor
da paz. Vamos, a partir da memória, aos campos d`A Casa do Pão para encontrar a criança, mas também para com ela encontrar
outras gentes, irmãos e irmãs feridas no corpo e oprimidas no espírito. A festa
da luz é travessia noturna em direção ao sentido pleno da vida!
Teologia e política (3)
Reflexões sobre a construção
histórica do Partido dos Trabalhadores
Terceira parte
Algumas questões teóricas
sobre o movimento de massas
Paul Tillich
A palavra massa, para Paul Tillich [Masse et Esprit, Études de philosophie de la masse[1]], transformou-se em slogan político e social. Expressão esta que conota superioridade e idolatria. Por isso, quando se deseja discutir seriamente o conceito massa é necessário definir seus contornos e esfriar um pouco a fervura do slogan[2].
Segundo Tillich, há dois conceitos de massa, um formal e outro material, o primeiro de ordem psicológica e sociológica e o segundo de ordem histórica e social[3]. Em termos formais, a massa consiste numa associação de pessoas que, na associação, deixam de ser indivíduos. Sua individualidade se perde e ele se submete à coletividade. A pessoa se torna um átomo, desprovido de suas qualidades, seu movimento próprio, e se transforma em pura quantidade subordinada ao movimento da massa. Através da psicologia das massas pode-se ver como a alma perde sua forma individualizada uma vez que toma a forma da massa e como o indivíduo entra em contradição com ele próprio, já que é um átomo da massa ou um ser bem singularizado.[4]
Tillich considera que no movimento psíquico da massa alguns elementos se separam e se isolam, adquirindo eficiências por eles próprios. Isto porque um indivíduo é o resultado de uma longa evolução interior e sua alma está ligada a milhares de liames à vida da alma em sua totalidade, que assim torna-se autônoma [5]. Na massa, as forças de inibição, de reflexão e de matizações caducam. Tudo se transforma. Assim, podemos resumir essas transformações em duas leis. A lei da imediaticidade, segundo a qual a massa não reflete, mas é. Ela tem uma existência objetiva, não subjetiva como afirmou Hegel, ela é em si, não para si [6].
A massa não sabe porque ela faz aquilo que faz. Quando acede a ela própria é sempre através de certos indivíduos, um orador ou chefe. A massa é imediata, vive inteiramente o presente, sem ligações com o passado ou o futuro, sem lembranças ou reflexões. Suas motivações são irracionais. Mas para Tillich, a lei da imediaticidade explica o desabrochar dos instintos biológicos imediatos, que estavam inibidos. Também mostra a existência de um princípio espiritual imediato que se faz presente, que pode ser traduzido como o abandono ao instinto do momento em direção à disponibilidade da revelação espiritual do presente, revelação de uma espiritualidade subjetiva impura [7].
Ou seja, a irracionalidade das motivações pode dirigir ao irracional de baixo, à demência, ou ao irracional de cima, à novidade criadora. A outra lei da psicologia das massas, segundo Tillich, é a lei da amplificação. Se a vida espiritual do indivíduo perde suas inibições, se tal fato se repete em cada indivíduo presente, como num alternador, o vivido por um, suscita em outro experiência idêntica, porque a massa vivencia ela própria o ser massa. Essa lei nos leva a dois aspectos da vida da alma, o aspecto emocional e o aspecto intelectual.
Em todo movimento da massa podemos observar a força do entusiasmo, a amplificação das paixões, da coragem, que podem levar ao seu sacrifício e destruição. Do lado intelectual, a lei da amplificação age de forma mais discreta, porque o processo de reflexão não convém à massa por causa de sua complexidade[8]. De certo ponto de vista, explica Tillich, o indivíduo está mais alerta que a massa, mas a massa pode se elevar bem acima das consciências subjetivas, com suas intuições mais simples, mas também maiores e também com sua clarividência disso, que prepara o espírito objetivo no momento presente[9]. A amplificação pode levar ao monumental e ao heroísmo, mas também ao demoníaco e à destruição. E as intuições da massa podem se conformar ao espírito ou lhe ser refratário.[10]
As leis da psicologia das massas são leis naturais, afirma Tillich. Elas são sempre válidas e necessárias onde uma pluralidade se encontra reunida. Elas têm valor para todos os estamentos sociais, para um grupo de marginais, assim como para uma assembléia de nobres. Com ironia superior, elas regem uma reunião de convencidos individualistas, assim como explicam o sentimento de superioridade existente na palavra massa, quando usado como slogan [11]. Segundo Paul Tillich, no conceito material de massa, a essência de um grupo de homens determinado é ser essencialmente formado conforme a psicologia das massas[12].
Por isso, no sentido histórico do termo, a massa, quer sejam classes ou ordens, raças ou círculos, partilha do destino de ser excluído de toda formação espiritual individual. Vemos, então, que para Tillich a imediaticidade da massa faz com que desabroche nela instintos biológicos que estavam inibidos no indivíduo, o que traz à tona um princípio espiritual imediato: a disponibilidade à revelação espiritual do momento presente.
Essa imediaticidade é o que leva a massa ao irracional de baixo, à demência, ou ao irracional de cima, à novidade criadora. Ao lado da imediaticidade, os aspectos emocional e intelectual são amplificados. As forças do entusiasmo e da coragem são amplificadas de tal modo que podem levá-la ao sacrifício e destruição. Assim, a massa se eleva acima das consciências individuais com intuições simples, mas com clarividência disso. Este processo prepara o espírito objetivo no momento presente. Quando objetivamente a massa vive esse processo de espiritualização, nela, religião e cultura se misturam. A esse primeiro momento de evolução da massa Tillich chama de massa mística.
No contexto geral de uma análise do socialismo, não se pode deixar de levar em conta que a evolução histórica dá nascimento a diferentes tipos de massa, conforme o modelo de desenvolvimento das relações entre religião e cultura.[13] O primeiro estado consiste em uma unidade onde os dois ainda não se distinguem. Uma segunda etapa é marcada pela autonomia da cultura: assim, ela se diferencia mais e mais da religião, a ponto de gerar a secularidade moderna. Mas esta ruptura e separação são catastróficas tanto para a cultura como para a religião. E serão então superadas pela etapa final da teonomia, caracterizada pela presença de conteúdo religioso em todas as formas autônomas da cultura[14].
Podemos facilmente reconhecer os elementos desse esquema na descrição que Tillich faz dos diferentes tipos de massa. A massa mística corresponde à religião de origem: é a fusão dos indivíduos numa única comunidade que engloba tudo. Vem em seguida a etapa da autonomia, onde os indivíduos se diferenciam cada vez mais da comunidade de origem, até tornarem-se completamente independentes e separados. Mas ainda é massa sem forma e cultura, que não se colocou em movimento e caminhou para um estado de individualização. Essa é o estado de massa técnica ou mecânica, característico da moderna sociedade industrializada[15].
A partir daí surge a perspectiva de uma etapa final onde a massa e a individualidade pessoal formarão uma nova união, uma síntese nova, chamada massa orgânica, que corresponderá ao ideal da teonomia. Logicamente, nem sempre se caminhará em direção a este ideal: mas o tempo histórico que orienta nessa direção é o da massa dinâmica[16]. Dessa maneira, para Tillich, a massa dinâmica é sempre revolucionária, não unicamente no sentido político do termo – inclusive este é o sentido menos freqüente --, mas sempre em um sentido de fé espiritual e social. É necessário que ela seja revolucionária, porque o sentido de seu movimento é precisamente ir além do estado de massa e todas as formas que são responsáveis por este regulamento [17].
Assim, para Tillich o movimento da massa dinâmica parte da massa mecânica e é essencialmente um movimento de libertação: o movimento da massa dinâmica parte da massa mecânica, já existente ou em perigo de aparecer, e visa a supressão da massa, visa à massa orgânica, não importando que esse começo seja ou não atendido.[18]
Vemos aqui que Tillich tem uma compreensão diferente daquela de Gramsci, que entende a vanguarda enquanto intelectualidade orgânica, mas não vê a massa em processo dinâmico que pode levar ao surgimento de uma massa orgânica. Sem desejar fazer um confronto entre os dois pensadores, tocamos apenas no ponto que metodologicamente nos interessa: a vanguarda não se limita ao militante ou intelectual, é um processo maior que tem na massa orgânica uma dupla ação, de liderança da sociedade e de transformação da situação-limite.
Uma tal visão abre perspectivas interessantes na análise e compreensão de diferentes situações históricas, em especial do momento vivido pelo Brasil no final dos anos 1970. A questão da transformação da sociedade, a luta pela democratização e a formação do Partido dos Trabalhadores são compreendidos melhor através do caminho metodológico construído por Paul Tillich em seus escritos socialista. E como ele afirmou, todas as questões convergem para uma mesma resposta: a humanidade deve ter origem nas profundezas de um novo conteúdo, onde será superada a oposição entre massa e personalidade. Onde um novo conteúdo será produto da graça e do destino.[19]
Notas
[1] Publicado em Berlim e Frankfurt por Edições da Comunidade Operária, em 1922, e mais tarde em Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, pp. 48-112.
[2] Idem, op.cit., p. 75.
[3] Idem, op.cit., p. 75.
[4] Idem, op.cit., p. 76.
[5] Idem, op.cit., p. 76.
[6] Idem, op.cit., p. 76.
[7] Idem, op.cit., p. 76.
[8] Idem, op.cit., p. 77.
[9] Idem, op.cit., p. 77.
[10] Idem, op.cit., p. 77.
[11] Idem, op.cit., p. 77.
[12] Idem, op.cit., p. 77.
[13] Jean Richard, Introduction au Tillich Socialiste, La masse prolétarienne, in Paul Tillich, Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, p. XLI.
[14] Idem, op.cit., p.XLI.
[15] Idem, op.cit., pp. XLI-XLII.
[16] Idem, op.cit., p. XLII.
[17] Idem, op.cit., p. XLV.
[18] Paul Tillich, Masse et Esprit in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de L’Université Laval, 1992, p. 81.
[19] Idem, op. cit., p.72.
mardi 13 décembre 2011
Teologia e Política (2)
Reflexões sobre a construção
histórica do
Partido dos Trabalhadores (2)
Rubem Alves
Segunda parte
A presença cristã
Eu diria que tudo começou com a Conferência
do Nordeste -- Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro[1], em
1962, e com Towards a Theology of Liberation de Rubem Alves[2], mas foi,
sem dúvida, com o encontro da Conferência do Episcopado Latino-americano,
realizado em Medellín, em 1968, que a teologia da práxis adquiriu direito de
cidadania. Não nasceu naquela ocasião, mas foi a partir dela que se
intensificou a reflexão da teologia enquanto ação para a
libertação. [3]
E a partir das propostas do Concílio
Vaticano II, a conferência de Medellín fez três afirmações que nortearam o
pensamento dessa teologia: os países pobres estão submetidos ao imperialismo; a
igreja latino-americana vive num meio social em processo revolucionário; a
igreja latino-americana deve buscar sua transformação, diante da miséria e
injustiça. [4]
A Cristologia dos documentos de Medellín
teve um viés libertador. “É o próprio Deus que, na plenitude dos tempos,
envia seu Filho para que, feito carne, libere todos os homens de todas as
escravidões a que o pecado os mantêm subjugados: a ignorância, a fome, a
miséria e a opressão, numa palavra a injustiça e o ódio que têm origem no
egoísmo humano”. [5]
Assim, a Conferência do Episcopado
Latino-americano não viu a libertação reduzida à esfera espiritual, mas como
ação transformadora que deveria se estender ao ser humano enquanto totalidade,
cobrindo as esferas das relações familiares, políticas e sociais.
E se as opressões do homem
latino-americano direcionaram a teologia da libertação, por outro lado, ela sofreu
influência direta de teólogos europeus que procuravam interpretar a mensagem de
Cristo e a história da salvação em base política. Esses teólogos, entre os
quais podemos citar J. B. Metz, H. Cox e J. Moltmann, negavam a interpretação
escolástica e as abordagens existenciais. Procuraram na práxis política uma
interpretação da mensagem cristã. Ou como diz Metz:
“A salvação a que se refere a
esperança da fé cristã não é uma salvação privada. A proclamação desta salvação
empurrou Jesus para um conflito mortal com os poderes políticos de seu tempo.
(...) Ela está ‘fora’, como formula a teologia da Carta aos Hebreus. O véu do
templo foi definitivamente rasgado. O escândalo e a promessa desta salvação são
públicos”. [6]
Mas o exemplo cristão não chegou só de
além-fronteiras. No Brasil ele foi contundente. E jornal Versus explicou
porque.
“Hoje são quase 50 mil Comunidades
Eclesiais de Base, organizando cerca de um milhão e quinhentas mil pessoas, no
Brasil. Elas identificam o pecado-raiz de toda a opressão: “...esse grande
pecado é agora social e se chama sistema capitalista”, concluiu o III Encontro
Intereclesial de Comunidades de Base, em julho de 78 na Paraíba. Já não se
contam mais nos dedos as Comissões Diocesanas de Justiça e Paz. A Igreja
Católica foi, talvez, o primeiro setor organizado, com peso efetivo na
sociedade brasileira, a empunhar a bandeira de luta pelos direitos humanos.
Ligada às parcelas mais exploradas do povo, sofrendo a perda de padres e
freiras perseguidos e mortos, a Igreja se organizou para combater as ameaças à
Justiça e à Paz. Deixa, enfim, o regaço dos poderosos, não sem contradições e
conflitos dentro de sua própria estrutura”. [7]
E para entender os caminhos da
catolicidade, o jornal entrevistou D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu.
Mas, explicou Versus, “qualquer que seja o resultado da reunião, a
luta entre as tendências conservadoras da Igreja e os setores progressistas vai
continuar. Ela não é um fenômeno apenas superestrutural, ela reflete um
processo mais amplo de lutas sociais, e faz parte da movimentação política das
massas latino-americanas, hoje num processo irreversível de construção de sua
própria história”.
Nova Iguaçu era àquela altura, modelo brasileiro de cidade
dos pobres e excluídos:
“(...) oitavo município mais populoso do país, ali faltam esgotos, escolas,
hospitais, transportes, segurança pessoal (reina o esquadrão da morte). Região
de operários, funcionários mal
remunerados, comerciários, subempregados, que já não podem esperar soluções
senão de si próprios”.
Diante da desconfiança de muitos
socialistas ao engajamento da igreja na luta pelos direitos dos oprimidos, por
causa de sua tradição heteronômica, Versus argumenta que “se os homens são
aquilo que fazem, a Igreja está sendo aquilo que seus sacerdotes têm praticado.
E essa prática de discussão e organização das bases de nossa sociedade nós
precisamos compreender e avaliar”.
Assim, qual o espírito que orienta o
atual trabalho comunitário da Igreja Católica no Brasil? E dom Adriano
Hipólito respondeu:
“A Igreja, na sua essência, é comunidade
de fé, de esperança e de amor. Sua maior eficiência, fermentadora e renovadora
da comunidade humana, sempre dependeu de seu comportamento e de sua atuação com
comunidades. Sem dimensão comunitária a Igreja não é Igreja. Sem abertura para
os problemas da comunidade/sociedade, a Igreja não está em condições de realizar
sua missão, ser continuação da ação libertadora de Jesus Cristo, ser sinal de
esperança para o homem angustiado e sofredor”.[8]
Mas, Versus quer saber mais: o que são as CEBs, como
funcionam, quem as integra? E Dom Hipólito explicou:
“Comunidade: as pessoas
se aproximam livremente, se sentem responsáveis, descobrem e atuam nos mais
diversos elementos de interesse comum. Eclesial: o ponto de partida e de
chegada, os elementos formadores e aglutinadores, os métodos de ação, etc, são
os mesmos da Igreja. Base: a comunidade de base tem como princípio fundamental
o relacionamento primário das pessoas: pessoas que se conhecem, que se estimam,
se complementam, se ajudam mutuamente. Todos atuamos em nível de base. A CEB,
embora não seja constituída para fazer política, tem de se preocupar com os
problemas políticos e tem parte ativa no processo político. Tem a preocupação
de integrar as pessoas da base no processo social, como direito/dever da pessoa
humana, e de levá-la à participação consciente e crítica”.[9]
Como jornal socialista, envolvido com a organização dos
trabalhadores ao nível sindical e político, Versus queria conhecer o pensamento
de seu aliado cristão. E Dom Hipólito esclareceu sua posição.
“Para participar do processo social, o
Povo precisa de instrumentos válidos e eficientes. Entre esses instrumentos
estão, por exemplo, os sindicatos e os partidos políticos. Os sindicatos devem
ser órgãos de participação eficiente na defesa dos direitos dos seus
sindicalizados. Estão a serviço dos trabalhadores como comunidade de trabalho
que constrói a Pátria, e não a serviço de grupos do poder, de demagogos e
pelegos. O Estado onipotente conseguiu, também no Brasil, corromper a filosofia
dos sindicatos, reduzindo-os a instituições de beneficência e lazer”.
“Um partido trabalhista que corresponde
realmente a uma grande corrente do pensamento popular, na classe dos
trabalhadores será, mais cedo, ou mais tarde, uma necessidade imperiosa. (...)
Mas um Partido Trabalhista que esteja entregue a liderança dos trabalhadores, e
não seja manipulado por uma elite burguesa que deseja apenas conquistar o
poder”. [10]
E já no final da
entrevista, Versus fez uma pergunta que traduziu não apenas reflexão
sociológica, mas também teológica, com profundas implicações políticas para o momento.
“Como o senhor vê o possível
relacionamento entre Cristianismo e Socialismo diante das necessidades dos
trabalhadores?
-- Sem disfarçar as divergências em
pontos fundamentais, podemos admitir uma luta comum por uma causa comum: a
justiça social. Quero crer que sem o Cristianismo como pano de fundo, o
Socialismo não se explica suficientemente. Muitos elementos do Socialismo são
de fato cristãos”.[11]
Para dom Hipólito, assim como para o
jornal socialista Versus, a história da Igreja era passível de críticas. Muitas
vezes, suas opções e alianças com os grupos de poder fizeram com que se
afastasse e dificultasse seu relacionamento com parte da população excluída de
bens e possibilidades.
Tal situação facilitou e potencializou a
pregação do ateísmo e do materialismo. Mas, como explicou Tillich, não podemos
dizer que o ateísmo materialista seja um fenômeno constitutivo do socialismo.
Para ele, é uma herança da cultura burguesa, crítica e cética. Essa
herança foi adotada pelo socialismo sob a crença de que ajudaria a extirpar a
idéia de opressão e abriria o caminho para a construção de um novo mundo, mais
justo e digno.
Assim, embora haja razões históricas para
criticar a Igreja, o socialismo errou quando negou a existência da base
solidária e comunitária do ideal cristão. Versus evitou esse erro, quando
esclareceu aos seus leitores de que “se os homens são aquilo que fazem, a
Igreja está sendo aquilo que seus sacerdotes têm praticado. E essa prática de
discussão e organização das bases de nossa sociedade nós precisamos compreender
e avaliar”. [12]
Podemos fazer uma leitura deste
cristianismo a partir do pensamento de Emmanuel Lévinas. Lévinas reclama
prioridade para a vítima na figura dos excluídos. O não matarás,
princípio do humanismo de Lévinas, é uma marca constante nos escritos do
teólogo Enrique Dussel. Lévinas é o judeu embebido no pensamento europeu. Mas a
cultura européia não tem lugar para o outro, para o judeu oriental Lévinas. De
maneira semelhante, Dussel é o excluído da América latina, que faz a critica
teológica do pensamento europeu, que não consegue ver o outro.
Há aqui uma hermenêutica que se
fundamenta na razão da libertação enquanto imperativo ético: quando se vive num
mundo que não permite a produção e reprodução de nossas vidas latino-americanas,
em que sentido nos relacionamos com esse mundo? Torna-se evidente que Dussel
pretende uma teologia que parta de um retorno à realidade da América Latina.
Para ele, a teologia na América Latina nasce da reflexão sobre a realidade
econômica, cultural e política do continente. Dussel mostra a necessidade da
ruptura com a tradição latino-americana que pensava a cultura, economia e
política continental a partir da teologia européia. A situação latino-americana
é diferente da situação européia. Os caminhos que devem ser percorridos
divergem, segundo Dussel, dos caminhos dos países do centro.
Assim, Dussel construiu uma teologia que
partiu da situação do excluído, e neste sentido o horizonte dos
latino-americanos diverge da problemática européia, onde a centralidade do
pensamento repousa sobre a dominação. Para ele, por exemplo, o Discurso do
Método de Descartes é o manifesto do homem reduzido a ser um sujeito que
pensa, e essa metafísica do sujeito, é a “expressão
temática da experiência fática do domínio imperial europeu sobre as colônias”,
que se concretiza não somente como vontade universal do domínio, mas
historicamente como dialética de dominação versus dominado. Assim,
afirma, “se existe vontade de poder, existirá alguém que deve sofrer o seu
poderio”.
A teologia de Dussel tem por base uma
nova história, pois, as histórias universais são européias, e os
latino-americanos não podem se ver nessas histórias européias, porque o outro é
invisível para elas. Para Dussel, os que se libertam conduzem a história
para o seu futuro e constituem o momento essencial da história. Contraposto ao
destino europeu e norte-americano, é reservado aos excluídos um destino que
criar caminhos para a realização de uma humanização universal. Por isso, os
excluídos encontram-se em posição privilegiada. São os excluídos que têm
oportunidade de descobrir a situação de opressão, compreendendo quem é o
dominador -- aquele que crê tudo compreender e que na realidade nada
compreende.
Ora, quando a comissão nacional
provisória do Partido dos Trabalhadores fez o lançamento público no 1º de Maio
de 1979 de sua Carta de Princípios, afirmou que “os males profundos que se
abatem sobre a sociedade brasileira não poderão ser superados senão por uma
participação decisiva dos trabalhadores na vida da nação. O instrumento capaz
de propiciar essa participação é o Partido dos Trabalhadores”. Podemos
entender essa declaração a partir da análise de Dussel, quando diz que os
excluídos ao descobrir a situação de opressão criam os caminhos para uma nova
humanização.
Recado para os novos amigos leitores, se
você tiver interesse por conhecimento mais profundo sobre o tema leia: Jorge
Pinheiro, Teologia e Política, Paul
Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, São Paulo, Fonte
Editorial, 2006.
[1] Jorge Pinheiro dos Santos, Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro,
Uma releitura da Conferência do Nordeste, 1962, São Bernardo do Campo,
UMESP, apostila, 2000.
[2] Rubem Alves, Da Esperança, Campinas, Papirus Editora. Título original em inglês: Towards a
Theology of Liberation, Corpus Book, Washington, 1969. Tradução: João-Francisco Duarte Jr.
[3] R. Vidales, Acquisizioni e compiti
della teologia latinoamericana, Concilium, 1974, nº 4, p. 154. In: Batista Mondin, Os
teólogos da libertação, São Paulo, Edições Paulinas, 1980, p. 30.
[4] Mondin, op. cit., p. 31.
[5] Mondin, op. cit., p. 31.
[6] J. B. Metz, Sulla teologia del mondo, 1968, p. 11.
[7] “A
velha Igreja ainda pesa. Esse processo de descolamento se dá em toda a América
Latina. Desde Medellin, há 10 anos, nasce uma igreja combativa, voltada para os
problemas das sociedades pobres e dependentes. É aí que aparecem Pedro
Casaldáliga, Tomás Balduíno, D. Pelé, Benedito Uchoa, Cândido Padim. Para um
jornal que se coloca junto às lutas populares este é um debate fundamental.
Qual é o papel da Igreja hoje? O que acontecerá em Puebla? Dentro de alguns
dias, centenas de religiosos se encontrarão no México, para decidirem o destino
de suas comunidades, arduamente trabalhadas durante anos e anos. O Papa vai a
Puebla: rompe-se a tradição anticlerical da revolução mexicana, mas, é certo,
podemos esperar a aberta interferência de um Vaticano endividado, atolado na
falta do dinheiro, recebendo ajuda americana, e alemã... um papa polonês, um
golpe nos estados operários, golpe nas comunidades de base?” Renato
Lemos e Marcos Magalhães, O mandamento da liberdade, São Paulo, Versus no
28, janeiro de 1979, pp.14-15.
[8] “É
verdade que nem sempre a consciência comunitária da Igreja funcionou com tanta
clareza. Houve períodos históricos em que os cristãos, inclusive em nível de
hierarquia, se deixaram envolver demasiadamente pelos interesses de grupos do
poder, e assim se acomodaram. Essas colocações são importantes para entender o
interesse da Igreja pelos problemas da humanidade e os instrumentos que ela
criou, como por exemplo as Comunidades Eclesiais de Base (CEB), as Comissões de
Justiça e Paz, etc... Não visam dominar, elas visam servir melhor”. Idem, O
mandamento da liberdade, São Paulo, Versus no 28, janeiro
de 1979, p.15.
[9] “A CEB
aberta, integra-a quem quiser viver e agir em dimensão comunitária. É através
da educação de seus membros, empregando o método da reflexão bíblica-oração,
orientada para a via concreta: conscientização para a participação tanto na
atuação interna da comunidade e da Igreja, como na atuação social. A CEB não é
uma sociedade secreta, por isso não tem medo de serviços secretos, nem de
perseguição. É típico de uma ideologia de segurança e de desenvolvimento ter
medo da conscientização e da participação ativa do Povo, e por isso mesmo olhar
como subversivas as atividades da Igreja e das CEBs”. Idem, op. cit, p.15.
[10] “Olho a nossa América Latina. Apesar de certas aparências, nossos povos vivem à
margem do processo social. Uma elite, voltada inteiramente para a Europa, para
os EUA, para a Rússia, continua hoje o imperialismo colonial de séculos
passados. Só que agora o colonizador é interno. Apesar da chamada independência
política os nossos povos precisam ainda ser liberados, e ter os meios de
participar intensamente da vida nacional. Medellin quis dar um impulso forte
para o aceleramento deste processo integração e participação. Nossa esperança é
que a planejada Terceira Conferência, em Puebla, intensifique mais ainda o
esforço de Medellin.” Idem, op. cit., p.15.
[11] “Disse o sociólogo alemão Werner Sombart: ‘há mais de cem tipos de
Socialismos’. Certamente com vários tipos será possível uma aproximação do
Cristianismo. É por isso que as palavras de Pio XI no Quadragésimo Anno:
‘Ninguém pode ser ao mesmo tempo socialista e cristão’ (que em determinado
momento histórico visava ao socialismo radical, em sua forma extremada) têm de
ser entendidas corretamente. O Socialismo teve de adaptar-se, e moderar-se no
contato com a realidade concreta, que é sempre muito diferente do mundo dos
filósofos e dos ideólogos. A História, mestra da vida, corrigiu graves erros do
Socialismo primitivo, como está corrigindo (cf. Eurocomunismo e também as
formas políticas dos diversos países comunistas) o Marxismo. Para nós, os
cristãos, vale sempre o princípio de não absolutizarmos os momentos históricos,
que de sua natureza, são sempre contingentes e mutáveis. Isto vale para a
Política, para a Economia, para a Cultura, para as diversas Religiões. Isto
vale também para a própria história do Cristianismo”. Idem, op. cit., p.15.
[12] Idem, op.cit., p.15.
lundi 12 décembre 2011
Teologia e política
Reflexões sobre a construção
histórica do Partido
dos Trabalhadores
Sergio Buarque, Olivio Dutra e Lula
Primeira parte
Em 2006, quando fiz a defesa de minha tese de
doutorado, eu disse que meu objetivo era analisar desde um ponto de vista
teológico o pensamento socialista no Partido dos Trabalhadores. E parti do
teólogo Paul Tillich porque em seus escritos, principalmente na sua fase alemã,[1]
ele procurou mostrar que, por sua origem, o pensamento socialista tem base
religiosa e mais precisamente cristã. Nesse sentido, Tillich apresentou um roteiro
e bases teóricas que permitem tal abordagem teológica do pensamento socialista
na formação do Partido dos Trabalhadores.
Agora, passados quase seis anos da defesa, quero
multiplicar com meus leitores internautas, aquela análise teológica do
socialismo, partindo de questões levantadas por Tillich: as relações entre ser
e consciência; as relações entre massa e mobilização; e as relações entre mito
e utopia. Onde, a partir da história da Europa, mostrou que no final da Idade
Média foram lançadas as bases do socialismo contemporâneo, quando grupos romperam
com as estruturas da sociedade medieval e começaram a fazer um caminho que teve
por base a autonomia.
Em
A Decisão Socialista[2], afirmou que o
socialismo é um movimento de oposição, mas também de mão dupla, porque se por
um lado foi um movimento de oposição à sociedade burguesa, por outro, enquanto
mediação, uniu-se à sociedade burguesa na oposição às formas feudais e
patriarcais de sociedade. Entender esta raiz do socialismo ajuda a compreender
as raízes do pensamento político. Assim, na teologia política de Tillich seu
primeiro referencial é o ser.
Nesse
sentido, podemos dizer que Tillich faz uma fenomenologia política quando
analisa questões como o ser, a origem do pensamento político, enquanto mito, e
a partir daí procura trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento
político conservador. E é a partir da análise do pensamento conservador que
Tillich vai explicar o surgimento da democracia e do socialismo.
AS
MATRIZES DA FORMAÇÃO DO PT
O marxismo: ortodoxia e heterodoxia
Em artigo publicado em Das neue Deutschland[3],
em 1919, Paul Tillich considera o socialismo como um produto da evolução
espiritual e econômica, que foi lentamente preparado e que se impôs com a
Renascença e a Reforma e, posteriormente, com o desenvolvimento do capitalismo.
O socialismo surgiu como oposição à cultura autoritária e monolítica da
Idade Média e sedimentou suas bases nas criações culturais autônomas dos
últimos séculos.[4]
O socialismo só pode ser compreendido a partir
desta evolução e sua permanência está ligada diretamente a este
desenvolvimento. Deve-se reafirmar, porém, que é do interior do
cristianismo que brota o socialismo e que um socialismo sem estes pressupostos
é uma quimera. Por isso, ao fazer a análise dos fundamentos do socialismo no
Partido dos Trabalhadores devemos, metodologicamente, entender sobre quais
princípios ele repousa[5].
A organização espiritual e econômica da Idade
Média, afirma Tillich, estava fundada sobre um sistema de centralização da
autoridade que, ancorado no sobrenatural, associava a natureza e o supranatural
numa unidade poderosa[6],
sujeitando comunidades e povos a tal cosmovisão.
A partir do Iluminismo, tal postura foi duramente
questionada, e no domínio espiritual, político, econômico, nada deixou
de ser pensado, medido e negado, enfim, confrontado com a consciência pensante.
Os sistemas de fé, as formas de governo e autoridade, as definições econômicas
sofreram o assalto da autonomia, que não teve nenhum respeito pelas
autoridades, quer se digam humanas ou divinas.[7]
O sistema de autoridade desabou, para alegria de
muito e tristeza de outros. De todas as maneiras, houve o reconhecimento de que
a vida cultural não podia ser pensada sem autonomia, e o socialismo começou a
se fazer presente. Líderes e camponeses tiveram o mesmo desejo: conquistar a
liberdade das mãos do autoritarismo fosse ele imanente ou transcendente.[8]
Assim, a autonomia iniciou o seu reinado, o reinado da
razão.[9]
Pela primeira vez, depois de um milênio e meio, a razão humana não viu limites
para seu poder. Através da análise ela penetrou as profundezas da vida cultural
e social, simultaneamente, e através da síntese dos elementos descobertos
apresentou um sistema novo, racional. Depois de séculos de arbítrio, as pessoas
foram possuídas por uma vontade de dar forma ao mundo de maneira racional.[10]
E a vida econômica também deveria ser formulada racionalmente. Não era para o
prazer de certos indivíduos ou povos que se deveria fazer a lei, mas para a
humanidade inteira, sujeito e objeto dos processos econômicos e quem deveria
fazê-lo a partir de critérios racionais.[11]
A mesma autonomia que substituiu a autoridade, a
partir da razão precisava construir um mundo sem arbítrio. Eis o segundo
fato que o cristianismo deve levar em conta.[12]
Mas, explicou Tillich, sem dúvida foi Marx quem introduziu o “pensamento
histórico objetivo do idealismo alemão no socialismo, ao dizer que a
razão precisa ser separada da decisão humana e colocada ao nível das
necessidades objetivas. O processo dialético é racional e a fé nele é
uma fé na razão: uma fé que adquire uma força enorme graças à sua amarração
metafísica objetiva e que se tornaria o dogma fundamental de milhões de pessoas”.[13]
Foi o processo da própria história que fez o mundo
conformar-se à razão e levou este combate a tornar-se vitorioso. E foi essa
vitória que deu cara ao mundo que conhecemos como moderno. Para Tillich, a fé
na razão está fundamentada sobre os resultados conquistados pela ciência da
natureza. Mas atrás da ciência da natureza veio a cultura moderna. Preparada de
várias maneiras a partir do fim da Idade Média, ela surge com uma força irresistível
na Renascença e “conduziu a uma afirmação alegre deste mundo”, que
durante muito tempo foi negado, desdenhado e rebaixado por um outro onírico e
místico.[14]
Os outros mundos empalideceram diante da nova
astronomia, diante da validade universal das leis da natureza, diante da redescoberta
da beleza do real na arte, diante da consciência de unidade do finito e do
infinito na filosofia da natureza.[15]
Foi assim que a imanência ressoou no humanismo e na filosofia das Luzes, com
Goethe e no idealismo alemão, da mesma maneira que o socialismo se uniu à
consciência da autonomia e à fé do poder formador da razão na construção de um
sentimento unitário da vida e do mundo. “Este é o terceiro fato que o
cristianismo deve levar em conta”[16],
afirmou Tillich. Se o socialismo é, nesse sentido, uma herança da cultura
universal, ele tem, no entanto, uma originalidade que não se restringe
aos conceitos, mas à experiência vivida.
O conceito de humanidade, disse ainda Tillich, que
manifesta a vitória da idéia de tolerância, não teve na evolução da burguesia
mais que uma realização acidental. A consciência da humanidade foi neutralizada
pela consciência de classe, educação e de dependência nacional.[17]
A humanidade se colocou antes de tudo no campo das confissões, sob formas
absolutamente contrárias a idéia de uma transformação racional do mundo. Foi
somente pela pressão sobre os trabalhadores nos primeiros decênios do moderno
capitalismo, explicou Tillich, que nasceu uma “consciência solidária, no
coração do qual está presente o sentimento universal de humanidade, que se opõe
àquele que vê no homem um meio e não um fim”.[18]
O combate contra o feudalismo, contra o
capitalismo, contra o nacionalismo e contra o confessionalismo constitui a
expressão negativa da consciência incondicional de humanidade, que derruba
barreiras e reconhece o humano em cada pessoa. “Este é o quarto fato que o
cristianismo deve levar em conta”[19],
concluiu Tillich.
O que fica claro em Tillich é que autonomia e
socialismo são processos históricos que se complementam, mas que não são
idênticos. O processo de autonomia vivido pela sociedade européia no período
que se abriu a partir do Iluminismo e que pôs em xeque a tradição e o
autoritarismo, serviria de base para a ação socialista. Autonomia é o momento
supremo da razão e da imanência, e é a partir daí que o socialismo construiu um
sentimento unitário da vida e do mundo, embora sua originalidade não se limite
aos conceitos, mas à experiência vivida.
A luta dos trabalhadores contra a alienação e
exclusão social gerou consciência solidária e sentimento universal de
humanidade. Mas, ainda assim, ao se limitar ao campo da autonomia, sem uma
atitude que permita à incondicionalidade apoderar-se da própria autonomia, o
socialismo deixa aberto o caminho para o autoritarismo e o arbítrio.
Quando
olhamos o socialismo latino-americano a partir da crítica ao eurocentrismo,
podemos dizer que hoje se repete o que sucedeu há quinhentos anos com a
conquista da América: o homem europeu, e por extensão estadunidense, constituiu
o sentido do ser latino-americano e do brasileiro, encontrado a partir da
totalidade de sentido européia. Na verdade, o
habitante da América índia, negra e mestiça não foi descoberto como
outro, mas como o mesmo já conhecido e, em seguida negado, ocultado e
transformado em objeto do ego moderno.
O
ponto fundamental dessa crítica é que a Europa, num primeiro momento, e os Estados
Unidos depois descobriram um novo espaço geográfico, compreendeu-o como
horizonte fundamental do ser do centro, campo de batalha no qual exerce uma
práxis de dominação[20]. Tal formulação desconstrói o sistema
ontológico da dominação, a partir da exterioridade do outro como sujeito ético,
como rosto e como corporeidade, que grita e reclama justiça. Os excluídos do
sistema cultural ocidental devem ser tomados como centro de um novo modelo de
racionalidade, ético-crítica.
Diante
das massas crescentes de deserdados que tomam consciência de sua negação originária
como subjetividade excluída ou objetivada dentro do sistema dominante, os
poderosos utilizam a guerra e, se admitem o diálogo, é no interior de sua
comunidade de comunicação hegemônica, que não garante a reprodução e o
desenvolvimento da vida humana. A teologia deve pensar a realidade mundial além
da fronteira do centro, que distingue entre populações dotadas de direitos e
poderes e populações excluídas e utilizadas como instrumentos manipuláveis.
Se
entendermos esse processo de construção da dominação, podemos analisar o
processo de gestação do Partido dos Trabalhadores a partir da exposição que
Tillich faz acerca da passagem da heteronomia à autonomia e, posteriormente, à
teonomia, enquanto ciclos que procuram romper a lógica de ferro da dominação.
Para ele, os movimentos de massa são encontrados em movimentos religiosos, nos
movimentos políticos e raciais de imigrantes e nos movimentos econômicos do
socialismo.[21]
Embora esses movimentos possam ser encontrados em diversas épocas, também o são
em diferentes esferas da cultura. Mas sempre são movimentos de libertação: já
que é parteira de escravos, de povos excluídos, ou de escravos livres,
trabalhadores assalariados, que a industrialização levou a uma dinâmica de
massa que transbordou a história.[22]
Leitor
amigo, se você tiver interesse por conhecimento mais profundo sobre o tema
leia: Jorge Pinheiro, Teologia e
Política, Paul Tillich, Enrique Dussel e a Experiência Brasileira, São
Paulo, Fonte Editorial, 2006.
Nas boas livrarias on-line.
[1] Paul Tillich, La dimension
religieuse de la culture, 1919-1926, Paris, Géneve, Québec, Les Éditions du
Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1990; Christianisme
et Socialisme, Écrits socialistes allemands, 1919-1931, Paris, Géneve,
Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1992; Écrits contre les nazis, 1932-1935, Paris,
Géneve, Québec, Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de
l’Université Laval, 1994.
[2]
Introdução: As duas raízes do pensamento político, Potsdam 1933,
Gesammelte Werke, II, pp. 219-365.
[3] Publicado posteriormente em Christianisme
et Socialisme I in Christianisme et Socialisme, Écrits
socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et
Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp.23-30.
[4]
Idem, op.cit., p.23.
[5]
Idem, op.cit., p.23.
[6]
Idem, op.cit., p.24.
[7]
Idem, op.cit., p. 24.
[8]
Idem, op.cit., p.24.
[9]
Idem, op.cit., p.24.
[10]
Idem, op.cit. pp.24-25.
[11]
Idem, op.cit, p. 25.
[12]
Idem, op.cit. p.25.
[13]
Idem, op.cit, p. 25.
[14]
Idem, op.cit., p.25.
[15]
Idem, op.cit., p.25.
[16]
Idem, op.cit.,p. 26.
[17]
Idem, op.cit., p.26.
[18]
Idem, op.cit., p.26.
[19]
Idem, op.cit., p.26.
[20]
Alessia Ansaloni, A nova Conquista:
análise de um filósofo periférico, Universidade de Bolonha.
[21]
Idem, op.cit., p. 81.
[22]
Idem, op. cit., p.81.
vendredi 9 décembre 2011
Judeus estudam Jesus (3)
David H. Stern
Conheci o rabino David H. Stern nos Estados
Unidos, quando lançou uma tradução do B´rit
Hadashah, ou seja do Novo Testamento, introduzindo anotações a partir das
raízes culturais judaicas presentes nos textos neotestamentários. Esse artigo é
parte da Introdução que fez para a edição norte-americana e que foi traduzida
para o português por Rogério Portella, quando da publicação do Novo Testamento Judaico pela editora
Vida, em 2007.
A tradução de Stern do B´rit Hadashah, que recebeu o título de Novo Testamento Judaico, trabalha com
dois conceitos fundantes: “promessa” e “cumprimento”, pois acredita ter Jesus
cumprido as promessas do primeiro Testamento. Assim, textos como os de Gênesis
3.15; 12.3; 17.19; 21.12; 28.14; Números 24.17-19 e outros, segundo Stern, remetem
a Jesus. O B´rit Hadashah é visto,
então, como a nova Torá, e o fim desta Torá é o Massiah. Mas, por que esta
versão do B´rit Hadashah é diferente
das demais? Porque a tradução teve como um de seus objetivos deixar translúcida
a judaicidade do texto. As versões do B´rit
Hadashah em português apresentam o texto através de abordagens lingüísticas,
culturais e teológicas ocidentais.
É o caso de se perguntar: e o que há de errado
com isso? Nada! Ainda que o Evangelho seja de origem judaica, ele não existe só
para judeus, mas também para não-judeus. O próprio B´rit Hadashah deixa isso claro, portanto, é sensato que sua
mensagem seja comunicada aos não-judeus dentro da compreensão cultural destes.
E esta abordagem cumpriu seu objetivo: milhões de não-judeus depositaram sua
confiança no D´us de Avraham, Yitz’chak e Ya‘akov e no Massiah judeu, Yeshua.
Mas o B´rit
Hadashah é um livro judeu, escrito por judeus, que trata de questões
judaicas e que tinha por público-alvo judeus e não-judeus. Por isso a
necessidade de restaurar a judaicidade do texto. E se é correto adaptar um
livro judeu para a melhor apreciação dos não-judeus, isso não significa que se
deva suprimir sua judaicidade inerente. A tradução deste Novo Testamento Judaico evidencia suas características judaicas a
partir do título, o que para muitos pode parecer redundante e para outros
absurdo. Entretanto, não há separação entre Novo Testamento e pensamento
judaico, pois a figura central dos seus escritos é Yeshua, um judeu nascido de
judeus em Beit-Lechem, que cresceu entre os judeus em Natzeret, falou aos
judeus na Galil, e morreu na capital de Eretz Yisra’el, Yerushalayim.
E se Yeshua ressuscitou, como acredita Stern,
ele ainda é judeu, porque está vivo e, afirma, em nenhum lugar a Escritura
sugere que tenha cessado de ser judeu. Seus doze seguidores mais íntimos eram
judeus. Durante anos todos os seus talmidim eram judeus, alcançando o número de
“dezenas de milhares” só em Yerushalayim. O B´rit
Hadashah foi escrito por judeus, e Lucas era, ao que tudo indica, um
prosélito do judaísmo.
A mensagem de Yeshua foi e é dirigida
“especialmente ao judeu, mas também ao não-judeu”. Os judeus levaram o
Evangelho aos não-judeus, e não o inverso. Sha’ul, o principal emissário aos
não-judeus, foi durante toda a sua vida um judeu praticante, como evidencia o
livro de Atos. De fato, a principal questão no início da comunidade não era se
um judeu poderia crer em Yeshua, mas se um não-judeu poderia se tornar cristão sem
se converter ao judaísmo. E mais: a expiação do Massiah tem sua raiz no sistema
sacrificial judaico, a ceia do Senhor origina-se da Páscoa judaica, a imersão batismal
é uma prática judaica, e Yeshua disse: “a salvação vem dos judeus”.
A Nova Aliança foi prometida pelo profeta judeu
Jeremias. O conceito de Massiah é judeu. A bem da verdade, o Novo Testamento
completa o Tanakh, as Escrituras hebraicas outorgadas por D´us ao povo judeu. De
forma que o segundo Testamento sem o primeiro é tão impossível quanto o segundo
pavimento de uma casa sem o primeiro. E o primeiro sem o segundo é como uma
casa sem teto. Além do mais, muito do que está escrito no Novo Testamento é
incompreensível à parte do contexto judaico.
Eis aqui um exemplo. Yeshua disse no Sermão do
Monte: “Se o seu olho for mau, todo o seu
corpo estará em trevas”. O que é um “olho
mau”? Alguém que desconheça a cultura judaica da época poderia supor que
Yeshua estivesse falando sobre algum tipo de encantamento. Todavia, em
hebraico, possuir um ‘ayin ra‘ah,
“olho mau”, significa ser sovina; ao passo que ter um ‘ayin tovah, um “olho bom”, equivale a ser generoso. Yeshua está
simplesmente incentivando a generosidade e desestimulando a avareza. E esse
entendimento combina muito bem com os versículos do contexto: “Onde estiver seu tesouro, aí também estará
seu coração (...) você não pode ser escravo de Deus e do dinheiro”.
Segundo Stern, a melhor demonstração do caráter
judaico do B´rit Hadashah é também a
prova mais convincente de sua veracidade, ou seja, o número de profecias do
Tanakh, todas séculos mais velhas que os acontecimentos registrados no B´rit Hadashah, cumpridas na pessoa de
Yeshua de Natzeret. A probabilidade de que qualquer pessoa pudesse se encaixar
em dezenas de condições proféticas por mero acaso é infinitesimal. Nenhum
candidato ao messiado, como Shim‘on Bar-Kokhva ou Shabtai Tzvi, cumpriu mais
que umas poucas. Para o rabino, Yeshua cumpriu todas as 52 profecias referentes
à sua primeira vinda. As restantes serão cumpridas quando ele retornar em glória. Dessa forma,
o Novo Testamento Judaico considera
normal pensar no B´rit Hadashah como
algo judeu.
Para Stern, há três áreas adicionais nas quais o
Novo Testamento Judaico pode ajudar
em relação a tikkun-ha‘olam, ao
“conserto do mundo” frente ao anti-semitismo cristão, à recusa judaica de aceitar
a messianidade de Yeshua e a beligerante separação entre a igreja e o povo
judeu.
1. O anti-semitismo cristão. Inicialmente, um
círculo vicioso de anti-semitismo cristão se alimenta do B´rit Hadashah. O B´rit
Hadashah não contém nenhuma forma de anti-semitismo, mas desde os primeiros
dias da igreja, os promotores desse conceito têm distorcido o B´rit Hadashah para justificar a
infiltração dessas idéias na teologia cristã. Alguns tradutores do Novo
Testamento, ainda que não tenham sido anti-semitas, absorveram a teologia
anti-semita e produziram traduções antijudaicas. Os leitores dessas traduções
acabaram assumindo posturas anti-semitas e hostis ao judaísmo. Alguns desses
leitores se tornaram teólogos que refinaram e desenvolveram o caráter anti-semita
da teologia cristã -- eles poderiam até mesmo não ter consciência desse
sentimento. Outros se tornaram ativistas em prol do anti-semitismo e
perseguiram os judeus, pensando agradar a D´us quando procediam assim. Este
círculo vicioso precisa ser quebrado. O Novo
Testamento Judaico, acredita Stern, é uma tentativa de remover erros
teológicos anti-semitas multisseculares e destacar positivamente sua
judaicidade.
O Jesus apresentado nessas traduções diz pouco a
respeito da vida judaica. Torna-se difícil para o judeu experimentar Yeshua
como ele realmente é, amigo de todo judeu. Ainda que o Novo Testamento Judaico não consiga eliminar todas as barreiras
entre os judeus e a desconfiança no Massiah, remove obstáculos culturais, lingüísticos
e teológicos. O judeu que ler o Novo
Testamento Judaico, acredita Stern, poderá experimentar Yeshua como o Massiah
prometido pelo Tanakh ao povo judeu. E poderá perceber que o B´rit Hadashah é tão importante para os
judeus quanto para os não-judeus.
Bibliografia de David H. Stern
Em inglês
- Messianic Judaism: A Modern Movement With An Ancient Past, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 2007.
- How Jewish Is Christianity? (vv.aa.), ed Louis Goldberg, Zondervan, 2003.
- Complete Jewish Bible, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 1998.
- The Jewish New Testament Commentary: A Companion Volume to the Jewish New Testament, Jewish New Testament Publishing, Jerusalem, 1992.
- Jewish New Testament: A Translation of the New Testament that Expresses its Jewishness, Jewish New Testament Publishing, Jerusalem|Clarksville MD, 1989.
- Restoring the Jewishness of the Gospel, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 1988.
- Messianic Jewish Manifesto, Jewish New Testament Publications, Jerusalem, 1 Maio 1988.
Em português
- Novo Testamento Judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.
- Comentário Judaico do Novo Testamento, São Paulo, Editora Atos, 2008.
- Bíblia Judaica Completa, São Paulo, Editora Vida, 2011.
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