lundi 16 février 2015
vendredi 6 février 2015
Lições da estrada de Emaús
A ressurreição -- bênção da integridade de Deus
Lucas 24.13-33. Leia com calma. Devagarzinho.
1. O passado e o futuro -- Quando pensamos na ressurreição pensamos em duas coisas: lá atrás na história, o Eterno ressuscitou Jesus. E lá na frente, um dia, o Eterno vai nos ressuscitar. Assim a ressurreição tem passado e futuro. São duas colunas: passado e futuro. Mas e hoje? Será que a ressurreição tem alguma coisa a ver com o meu presente?
2. Os limites da existência -- "E a nossa esperança era que fosse ele quem iria libertar o povo de Israel. Porém já faz três dias que tudo isso aconteceu".
A morte personifica os limites instransponíveis da existência. A morte personifica: o medo existencial, o fim da esperança, a perda do sentido da vida.
Com a morte de Jesus morreu algo na vida dos discípulos... Assim como a morte do esposa mata algo na esposa, a morte do amigo mata algo amigo, a morte de Jesus matou nos discípulos a vida que dava sentido à vida de cada um deles. Foi isso que aconteceu com aqueles discípulos de Emaús: vagavam à noite pela estrada da vida, cabisbaixos, derrotados. A vida não tinha mais sentido para eles. E é assim que acontece conosco muitas vezes: andamos desesperançados, derrotados pela realidade que esmaga a vida e destrói o futuro.
3. O novo nasce pela fé na ressurreição -- "Então Jesus lhes disse: - Como vocês demoram a entender e a crer em tudo o que os profetas disseram! Pois era preciso que o Messias sofresse e assim recebesse de Deus toda a glória".
Jesus transpôs a barreira dos limites impostos a existência. O novo nasce quando nos reunimos com o irmão ao redor da mesa, ouvimos a Palavra e repartimos o pão.
'Mas eles insistiram com ele para que ficasse, dizendo: Fique conosco porque já é tarde, e a noite vem chegando. Então Jesus entrou para ficar com os dois. Sentou-se à mesa com eles, pegou o pão e deu graças a Deus. Depois partiu o pão e deu a eles. Aí os olhos deles foram abertos, e eles reconheceram Jesus".
Vencemos as crises quando redescobrimos o sentido da fé na ressurreição. Isso acontece quando nos reunimos com o irmão, ouvimos a Palavra e repartimos o pão. Por isso, a ressurreição não é um dado do passado e um futuro de esperança. É um fato presente, uma bênção da integridade do Deus Eterno para nossa vida presente. A ação do Eterno que no passado trouxe Jesus à vida é a mesma que a cada dia te dá força.
Mas lembre-se: não é um ato solitário a descoberta da fé na ressurreição. É um ato solidário, que implica em ouvir a Palavra e repartir o pão. A ressurreição de Jesus é a expressão permanente do compromisso irrevogável do Deus Eterno conosco. Um forte abraço, JP.
mercredi 4 février 2015
Sobre o não-ser para viver o ser
A filosofia grega em Eclesiastes e 1 Coríntios 15
Prof. Dr. Jorge Pinheiro, cientista da Religião
Sobre o não-ser para viver o ser
1.
Caminhando com Qohélet
“Compreendi que não há nada
melhor do que a gente ter prazer naquilo que faz. Esta é a recompensa. Pois
como é que podemos saber sobre o não-ser?” -- perguntou Qohélet.
Qoh procurou a
felicidade e a paz. Foi objetivo e prático na avaliação de seu tempo e
constatou que o evento humano está sujeito à lei da alternância, que vai além da
explicação imediata: o humano não tem domínio sobre as dinâmicas que governam a
morte e a vida. E procurou refúgio na sofia grega. O texto hebraico de Qohélet,
com a presença de palavras aramaicas e persas, sugere autoria anônima, situada
entre 450 e 200 antes de Cristo, e se apresentou com a apodadura de Salomão.
Qoh procurou
entender o ser e o não-ser -- aquilo que está fora, além da existência -- no
jogo de seus movimentos. Percebeu que não tinha controle sobre o movimento dos
fenômenos do universo e viu que era preciso respeitar o espaço e o tempo para
poder existir dentro do ritmo dos eventos.
Mas ele não foi o único a pensar
nessas coisas. A pergunta pelo não-ser, presente na história do humano desde
que ele é sapiens, levou à pergunta pelo sentido do ser. Qohélet -- em
português Eclesiastes e, segundo Haroldo de Campos, O-que-sabe -- de forma
magnífica, quase à maneira de Nietzsche, trabalhou o tema da morte e da vida e
nos levou a pensar sobre a única realidade a que de fato temos acesso: a
existência -- terreno afetivo e emocional que produz e repousa sobre a riqueza
material das humanidades. Qoh numa abordagem existencial discute o ser, sua
integralidade e potencialidades.
Mas ele não foi o único a pensar
a não-existência e a existência. Górgias (480-375 a.C.) traduziu no pensamento
pré-socrático a dúvida sobre o não-ser e, por extensão, sobre o ser. Disse que se existisse alguma coisa, seria ser ou
não-ser, ou ser e não-ser juntos. E se o não-ser existe, ele é e não-é
ao mesmo tempo. Mas é absurdo dizer que alguma coisa existe e não-existe ao
mesmo tempo. Para Górgias, em
formulação matemática (pv¬p)v(p^¬p), a proposição “pv-p” é verdadeira.
Mas “v” é verdadeiro se e somente se “p” for verdadeiro. Na lógica proposicional
do filósofo pré-socrático temos, então, a negação de “p”. Donde, o não-ser não
existe. Górgias disse mais do que isso, mas essa constatação, o não-ser não
existe, é o que nos interessa nesse momento.
É interessante que Qoh apresentou
o não-ser, aquilo que está fora, além da existência, de uma maneira que nos
lembra Górgias. Disse que ninguém se lembra do que aconteceu no passado e que
até as coisas que acontecerão no futuro também vão ser esquecidas. Que ninguém
se lembra dos sábios, assim como ninguém se lembra dos imbecis, pois no futuro
todos seremos esquecidos. Há tempo para nascer e tempo de morrer, mas todos
caminham para um mesmo lugar, pois tudo vem do pó e tudo volta ao pó.
Disse, ainda, que felicitava os
que já morreram mais do que os que estavam vivos. E considerou que mais vale o
dia da morte do que o dia do nascimento. Ou, mais vale ir a uma casa em luto do
que ir a uma casa em festa. Que ninguém é senhor do dia da própria morte e que nessa
guerra não há trégua. Por isso, um cão vivo vale mais que um leão morto, já que
os vivos sabem que irão morrer; mas os mortos não sabem de nada e não tem
recompensa nenhuma: sua memória já está no esquecimento. O amor, ódio e ciúmes pereceram
com eles. E nunca mais participarão de qualquer coisa que se faz debaixo do
sol.
A consciência do não-ser remete
ao sentido do ser. E aqui há uma diferença básica com Górgias, porque para ele a
negação do não-ser é também a negação do ser e, por isso, fez três afirmações
que marcaram o pensamento lógico-matemático e balizaram o ceticismo: não dá
para dizer que algo existe; se alguma coisa existe não temos como conhecer sua
existência; caso o ser exista não temos como explicar sua existência aos
outros.
Já o argumento de Qoh, a partir
do não-ser, afirma o sentido do ser, único conhecido. A negação do não-ser de Qoh
expressa o desejo de ser em abundância, enquanto está, porque tem por limites
as bordas do tempo de ser. O ser existe, mas tem espaço e tempo – hoje diríamos
é existencial e histórico. Por isso, é melhor o sentido do ser, a intensidade das
ações do ser do que ficar na espera do não-ser. Assim, quando o não-ser sinalizar
que está chegando e se aproximar, teremos o prazer de ter sido plenamente, com
intensidade, de forma abundante.
E, por isso, Qoh nos aconselha a aproveitar a vida, a ir em
frente. A comer com prazer e beber alegremente o nosso vinho, pois a eternidade
já aceitou deliciada o nosso bem-fazer. Sejamos felizes, diz O-que-sabe. Enquanto
vivermos na fumaça desse mundo, curtamos a vida com a pessoa amada, pois essa é
a recompensa pelo nosso fazer debaixo do sol. E o que tivermos para fazer, façamos
ótimo, porque o não-ser é nada e no nada nada se faz, e no não-ser não existe
pensamento, nem conhecimento, nem sabedoria. E depois do ser, vamos repousar no
nada.
O fazer da
existência vale a pena. A eternidade aprecia esse bem-fazer humano, que tem seu
próprio tempo, que integra a existência de cada ser na história dos fazeres
humanos. É por isso que Bereshit, o primeiro texto na Torah, apresenta um ponto
zero. O tempo zero vai do entardecer à meia-noite. É quando o sol desilumina o
nosso espaço de forma gradual. O tempo do não-ser não é uma fratura do tempo, é
tempo da história. Qoh não contempla a passagem do tempo, mas a vinda do tempo.
O tempo significa nada ou pouco para o eterno, mas há um sentido de tempo para
o humano. A conclusão de Qoh é que temos de ser no tempo para dar valor à
eternidade que brota do nada do não-ser.
Nossa herança greco-judaica
Prof. Dr. Jorge Pinheiro, cientista da Religião
Pede-se ser levantado
2.
Do não-ser à anástase
“Você está falando de bens materiais, de coisa frágil.
Se você tem certeza de que esses bens ficarão sempre com você, fique com eles
sem partilhar com ninguém. Mas se você não é o senhor absoluto deles, se tudo
que você tem depende mais da sorte do que de você mesmo, por que este apego a
eles?”. [Menandro, O Misantropo.
Site: Oficina de teatro. WEB: www.oficinadeteatro.com].
Betty Fuks no seu livro Freud e a Judeidade, a vocação do exílio (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
2000 (pp. 127-133) conta que Freud, um dia depois do sepultamento do pai,
sonhou com um cartaz onde estava escrito: “Pede-se fechar os olhos”.
Mais tarde, em carta a Fliess, o pai da psicanálise falou dos sentidos
subjetivos da frase: “era parte da minha auto-análise, minha reação diante
da morte de meu pai, vale dizer, diante da perda mais terrível na vida de um
homem”.
Não vou entrar nos detalhes das leituras que o próprio
Freud fez da frase que apareceu em seu sonho. Diria ao leitor que vale a pena
ler Freud e a Judeidade. Pretendo
aqui levantar uma proposta de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria
e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à
experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. É a partir dessa
hermenêutica, que vamos ler trechos do final da primeira carta aos coríntios de
Paulus, o pequeno, apóstolo temporão de Iesous.
“... Foi sepultado e
foi despertado do sono no terceiro dia, de acordo com o escrito”.
A frase acima e a continuação do texto é uma das mais importantes
sobre a egeiro e anástasis, duas expressões gregas não substancialmente diferentes,
que sintetizam a teologia da anástase dos cristãos do primeiro século. As
traduções posteriores, e creio que dificilmente poderiam ser diferentes,
criaram um padrão de imagem que dificultam a experiência do ir além. Por isso,
fomos obrigados antes da tradução transversa fazer a desconstrução
histórico-filosófica da anástase.
As leituras da anástasis
e egeiró remontam a Homero e ao grego antigo e com seus sentidos correlatos axanástasis,
anhistémi e anazaó, que podem ser traduzidas por “ficar de pé”,
“ser levantado” e “voltar à vida”, foram fundamentais para a construção do
conceito anástase, amplamente utilizado pelas ciências do espírito. Mas é com
Platão, na literatura filosófica, que vamos encontrar um debate fundamental
para a teologia da anástase, quando apresenta a alma enquanto semelhança
do divino e o corpo enquanto semelhança do que é físico e temporário.
Platão, em Fédon (Coleção Os Pensadores, São
Paulo, Nova Cultural, 1987), num
diálogo entre Sócrates e seus amigos defendeu a idéia da imortalidade da alma.
Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, mas não teve medo, por crer
ser a alma imortal. Para Platão, as almas possuem semelhanças com as formas,
que são realidades eternas por trás do mundo físico, natural. Nesse sentido,
para Platão, o corpo morre, mas a alma não. Ele parte do padrão cíclico da
natureza, frio/ quente/ frio, noite/ dia/ noite. Assim, os mortos despertam
numa nova vida depois da morte: caso contrário, a vida desapareceria.
E dirá através de
Sócrates em Fédon: “(...)
perguntemos a nós mesmos se acreditamos que a morte seja alguma coisa? (...)
Que não será senão a separação entre a alma e o corpo? Morrer, então,
consistirá em apartar-se da alma o corpo, ficando este reduzido a si mesmo e,
por outro lado, em libertar-se do corpo a alma e isolar-se em si mesma? Ou será
a morte outra coisa? (...) Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou
certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o que nos propomos
investigar. És de opinião que seja próprio do filósofo esforçar-se para a
aquisição dos pretensos prazeres, tal como comer e beber?”
Paulus conhecia a discussão filosófica grega acerca da
anástase, já que isso se evidencia em seus escritos, principalmente no trecho
que estamos analisando, mas é certo que construiu seu conceito também levando
em conta a tradição judaica, acrescentando novidades ao debate teológico.
Existem referências ao ser trazido de volta à vida nas escrituras
hebraico-judaicas. Mas a preocupação judaica era existencial, como vimos em
Qohélet. Mais do que remeter a um futuro distante, embora tais leituras estejam
presentes na teologia de alguns profetas, as histórias de anástase relacionadas
aos profetas Elias e Eliseu falam do aqui e agora. Aliás, este último, mesmo de
depois de morto, trouxe à vida um defunto que foi jogado sobre sua ossada. Ao
tocar os ossos de Eliseu, o morto ficou vivo de novo e se levantou. Esse
caminho será a novidade da compreensão cristã/ helênica da anástase.
“Somos arautos de
que o ungido foi levantado do meio dos mortos: como alguns podem dizer que não
há o ser erguido dos mortos? E, se não há o despertar do sono da morte, também
o ungido não foi levantado. E se o ungido não foi levantado, é inútil o que
falamos e também inútil a nossa crença. Somos então testemunhas falsas, porque
anunciamos que Deus ergueu o ungido. Mas se ele não foi levantado, os mortos
também não são erguidos. E se os mortos não são erguidos, o ungido também não o
foi. E, se o ungido não foi erguido, a nossa crença é inútil e vocês continuam
a vagar sem destino. E os que foram colocados para dormir no ungido estão
destruídos”.
Outras fontes de Paulus foram o
profeta Daniel e outras literaturas intertestamentárias, que trabalham com a
idéia de “despertar subitamente do sono”. Th.-G Chifflot e R. De Vaux, na versão francesa de La Sainte Bible
(Les Editions Du Cerf, Paris, 1973. Tradução: A Bíblia de Jerusalém, Ed.
Paulinas, São Paulo, 1985, p. 1347) situam
o livro de Daniel no período helênico por entender que é uma edição de antigos
fragmentos do período babilônico, compilados, organizados e contextualizados ao
momento histórico descrito no capítulo onze. Nesse capítulo, as guerras entre
lágidas e selêucidas, assim como as investidas de Antíoco IV Epífanes contra
Jerusalém e o templo são narradas com riquezas de detalhes. Ao contrário do que
acontece nos livros proféticos anteriores, aqui o autor cita fatos
aparentemente insignificantes, querendo demonstrar que é uma testemunha ocular
da história. Dessa maneira, a edição que conhecemos do livro de Daniel deve ser
situada no período da grande perseguição de Antíoco IV Epífanes, possivelmente
entre os anos de 167 e 164 a.C., segundo Th.-G. Chifflot e R. De Vaux, jã
citados. A partir desse enquadramento,
os capítulos 7 a 12 de Daniel, enquanto edição são chamados de “vaticinia ex
eventu”, dado que o autor viveu depois e não antes dos fatos históricos que
descreve. Esses capítulos são uma reação contra a declarada helenização da
Judéia e das perseguições em curso, mas, paradoxalmente, uma forma de
pensamento afetado pela civilização helenística.
A partir da segunda metade do livro, o autor trabalha sobre dois temas
registrados na primeira metade: que o judeu deve ser fiel a Deus em meio à
tentação e à provação; e que Deus defende o servo leal que prefere morrer a
violar os mandamentos. Nos seis capítulos finais, o sábio (ou grupo de sábios,
cujos escritos foram compilados por um redator) retoma o conteúdo das visões
que teve em relação à profanação do templo, em 167 a.C., e o erguimento da “abominação
desoladora”. Assim, durante o período dos macabeu muitas idéias novas
afloraram em meio à vida judaica, entre elas a esperança da recompensa
escatolõgica apresentada pelas profecias apocalípticas, como em 2Macabeus 7,
Daniel 12:2-3 e Escrito de Damasco 4:4, que se traduzem concretamente na anástase.
Assim, os elementos novos da compreensão paulina da
anástase já aparecem delineados no profeta Daniel: “Muitos dos que dormem no
pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e
horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do
firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e
eternamente”. Paulus, porém, acrescentará uma leitura existencial à
compreensão de Daniel, dirá que a morte, o maior de todos os odiados pela
espécie humana, será privada de força.
“Caso o ungido só
sirva para esta vida, somos as pessoas mais dignas de lástima. Mas o ungido foi
levantado dentre os mortos e foi o primeiro fruto dos que foram colocados para
dormir. Porque se a morte chegou pela humanidade, também o ungido dará à luz
nova vida. Como morre a espécie, no ungido ela recebe vida. E isso acontece
numa ordem: o ungido é o primeiro fruto, depois os que pertencem ao ungido,
quando ele aparecer. E veremos o limite, quando o ungido entregar o reino a
Deus e Pai, e tornar inoperante o império, os poderes e os exércitos. Convém
que seja rei até derrubar os odiados por terra. O último odiado a ser privado
de força é a morte, porque o resto já foi colocado debaixo de seus pés”.
É interessante que Paulus em seu texto sobre a anástase
cita o filósofo, dramaturgo e poeta grego Menandro (342-291 a.C.), que num
verso disse: “as más companhias corrompem os bons costumes”. Paulus
gostava de teatro e de comédias. E voltando ao Misantropo: “insisto que,
enquanto você é dono deles, você deve usá-los como um homem de bem, ajudando os
outros, fazendo felizes tantas pessoas quantas você puder! Isto é que não
morre, e se um dia você for golpeado pela má sorte você receberá de volta o
mesmo que tiver dado. Um amigo certo é muito melhor que riquezas incertas, que
você mantém enterradas”.
Que Paulus recorreu à tradição hebraico-judaica fica claro
quando cita o profeta Oséias literalmente: “eu os remirei do poder do
inferno e os resgatarei da morte? Onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está
ó morte a tua destruição?”. Mas há uma correlação entre Platão e a tradição
hebraico-judaica, que pode ser lida nesta carta de Paulus. Isto porque, como
afirma Fuks, o leitor desconstrói, pois ler não é repetir o texto: é um modo de
transformação e de criação. Por isso, digo que ler é um ato de anástase. E
Paulus trabalhou de forma brilhante o termo, tanto nas suas leituras e estudos,
como na reconstrução do próprio conceito.
“Que farão os que se
batizam pelos mortos, se os mortos não são chamados de volta à vida? Por que se
batizam então pelos mortos? Por que estamos a cada hora em perigo? Protesto
contra a morte de cada dia. Eu me glorio por vocês, no ungido Iesous a quem
pertencemos. Combati em Éfeso contra animais ferozes, mas o que significa isso,
se os mortos não podem ressurgir? Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos.
Mas não vamos nos enganar: as más companhias corrompem os bons costumes”.
Na sequência da tradição hebraico-judaica, ou como diz
Fuks, “os antigos hebreus não estavam trabalhados, como nós, pela
necessidade de abstração, de síntese e de precisão na análise conceitual do
real, herança dos gregos”, Paulus está preocupado com o corpo, com a vida.
“Mas alguém pode
perguntar: como os mortos são trazidos à vida? E com que corpo? Estúpido! O que
se semeia não tem vida, está morto. E, quando se semeia, não é semeado o corpo
que há de nascer, mas o grão, como de trigo ou qualquer outra semente. Deus dá
o corpo como quiser, e a cada semente o corpo que deve ter. Nem toda a carne é
uma mesma carne, há carne humana, de animais terrestres, de peixes, de aves. E
há corpos celestes e corpos terrestres, uma é a dignidade dos celestes e outra
a dos terrestres. Diferente é o esplendor do sol do esplendor da lua e das
estrelas. Porque uma estrela difere em brilho de outra estrela. Assim também o
ser levantado dentre os mortos. Semeia-se o corpo perecível; levantará sem
corrupção. Semeia-se na desgraça, será levantado em excelência. Semeia-se em
debilidade, será erguido vigoroso. Semeia-se corpo controlado pela psique,
ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo controlado pela psique, também há
corpo espiritual”.
Para Paulus, anástase leva à uma teologia da vida que
nasce do corpo. Mas, não é simplesmente ter de volta a vida do corpo material,
tanto que em certo momento Paulus diz que “deveremos ser a imagem do homem
do céu”.
“Assim também está
escrito: o primeiro ser humano, terrestre, foi feito ser-que-deseja, o futuro
humano será um espírito-cheio-de-vida. Mas o que não é espiritual vem primeiro,
é o natural, depois vem o espiritual. O primeiro ser humano, da terra, é
terreno; o segundo humano, a quem pertencemos, é celestial. Como é o da terra,
assim são os terrestres. E como é o celeste, assim são os celestiais. E, como
somos a imagem do terreno, assim seremos também a imagem do celestial”.
Mas o pensamento
grego, platônico, está presente na anástase paulina, já que a eternidade não é
construída em cima da carne e do sangue. Vemos aqui a dualidade entre a
realidade física e o mundo das formas. O dualismo metafísico de Paulus admite
aqui duas substâncias que regem o ser humano, no mundo natural, a psique, e no
mundo pós-anástase, o pneuma. E dois
princípios, nesse sentido bem próximo a Platão, o bem e o mal.
“E agora digo que a
carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a
eternidade. Digo um mistério: nem todos vamos adormecer, mas seremos
transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última
trombeta, porque a trombeta soará, os mortos serão levantados incorruptíveis, e
seremos transformados. Convém que o corrompido seja tornado eterno, e o que é mortal
seja tornado imortal. E, quando o que é corruptível se vestir de eternidade, e
o que é mortal for transformado em imortal, então será cumprida a palavra que
está escrita: a morte foi conquistada definitivamente. Onde está, ó morte, a
tua picada? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, a picada da morte é o
desviar-se do caminho da honra e da justiça, e a força do erro é a lei. Mas a
alegria que Deus dá é a vitória por Iesous, o ungido, a quem pertencemos. Sejam
firmes e persistentes, abundantes no serviço daquele a quem pertencemos,
conscientes de que o trabalho árduo e duro não é desprezado por aquele a quem
pertencemos”.
Assim, se voltarmos à análise do conceito anástase no capítulo 15
da primeira carta aos coríntios, tomando como ponto de partida o desafio de
Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por
um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do
que aparece na imagem”, vemos que Paulus traduziu para as novas gerações o
desejo grego/judaico, humano, da anástase: “Pede-se ser levantado”.
vendredi 30 janvier 2015
Pinheiro, Portugal
A família Pinheiro tem seu sobrenome em origem toponímica cuja antiguidade recua pelo menos ao século XIII, uma vez que já neste século surgem indivíduos a usá-lo. Como já mencionado, os Pinheiros são uma família Marrana, ou seja, de origem judia,porém, mudou seu nome para fugir da perseguição dos cristãos da idade média aos judeus que viviam na península Ibérica. Estes adotavam sobrenomes de árvores ou montes para assim poderem se identificar como judeus sem serem perseguidos.
Com o tempo alguns judeus realmente se converteram ao cristianismo, ou seja, passaram a acreditar na doutrina religiosa cristã, e assim aconteceu com os Pinheiros.
A maior expressão disso, foi a vida do mais famoso dos antigos Pinheiros, "Dom Pedro de Afonso Pinheiro", um cavaleiro da "Ordem de Avis", que defendeu a região de Rebordões dos Mouros, liderando grupos e batalhas, até finalmente os expulsar por completo em 1314 todos os Islâmicos da área, e assim, ser conhecido como um dos grãos Mestres da "Ordem de Avis".
Em reconhecimento as suas vitórias recebeu do Rei de Portugal o Brasão de Armas da Casa Pinheiro, onde o azul está sobre a prata e divide-se em três parte, uma o leão vermelho representando a coragem, a força, o combate, e a honra, na outra, três cruzes representando a cristandade e lembrando o seu momento do seu maior sacrifício que foi a crucificação de Jesus, o terceiro, cinco pinheiros representando toda a família.
Desta família Pinheiro se originaram várias famílias, continuou se o ramo somente dos Pinheiros, mas gerou-se também os Pinheiro de Andrade e os Pinheiros Barcelos, ainda, descenderam vários ramos familiares com outros títulos como o da família Outiz. cujo o primeiro ascendente foi um do netos de Dom Pedro de Afonso Pinheiro, o Cavaleiro Gomes Nunes de Outiz, nome que foi buscar à Quinta de Outiz de que foi senhor. [1]
Este Gomes Outiz foi cavaleiro de um escudo e uma lança, como informa o conde D. Pedro Afonso, conde de Barcelos, na sua obra chamada Livro de Linhagens do conde D. Pedro (1340-1344), uma recompilação da genealogia das principais famílias nobres de Portugal inseridas no contexto peninsular e universal[2] ,[1] e neto de Pedro Afonso Pinheiro, pessoa a quem o rei Afonso III de Portugal nascido na cidade de Coimbra a 5 de Maio de 1210 e falecido na mesma cidade em 16 de Fevereiro de 1279,[3] havia dado propriedades na cidade de Santarém. Este Pedro Afonso Pinheiro, como informam as linhagens genealógicas, terá sido filho de Afonso Pinheiro, que foi morador no Minho no ido ano 1301, local onde por honra defendia o lugar de Rebordões, localidade da freguesia de Insalde, concelho de Paredes de Couraça.
O já mencionado Gomes Nunes de Outiz, foi casado com D. Felicia Fernanades Camelo, filha que foi de Fernão Gonçalves Camelo e de D Constança pires de Arganelo. Estes tiveral três filhos, Estevão Gomes de Outiz, senhor que foi da Quinta de Outiz e Pedro Gomes Pinheiro, com geração extinta e Tristão Gomes Pinheiro, casado na cidade de Barcelos. O mencionado Estevão Gomes de Outiz, foi pai de Gil Esteves de Outiz, senhor que foi da Quinta de Outiz, cavaleiro da Casa Real e vassalo do rei D. Fernando I de Portugal, que foi o nono rei de Portugal, nascido em Lisboa, 31 de Outubro de 1345e falecido em 22 de Outubro de 1383, e do do rei D. João I de Portugal, nascido em Lisboa a 11 de Abril de 1357 e falecido na mesma cidade a 14 de Agosto de 1433), Destes recebeu, dando-lhe D. Fernando I, a terra da Cunha, o uso do castelo e a renda dos seus casais na cidade de Guimarães. Deu-lhe também a vila e terra do Prado, esta confirmada por D. João I, que também lhe doou várias outras propriedades corria o ano de 1385.
Estas doações de El-rei, foram devidas a Gil Esteves de Outiz, já mencionado ter tomado armas pelo rei de Portugal contra o Reino de Castela. Dado esse fato, o rei deu-lhe o Couto e honrou a Quinta de Oliveira, na Vila do Prado.
Deste Gil Esteves Outiz, é descendente D. Mor Esteves Pinheiro, que sucedeu parte importante da casa paterna, tendo sido casada com Martim Lopes, este que foi Ouvidor Geral das terras do Duque Afonso I, Duque de Bragança, (Veiros - Estremoz, 10 de Agosto de 1377 - Chaves, 15 de Dezembro de 1461) foi o 8º conde de Barcelos, 2º conde de Neiva e o 1º Duque de Bragança, filho de D. João I de Portugal. Segundo alguns genealogistas, foi também alcaide da Vila de Barcelos.
Os Pinheiros trazem o seguinte Brasão de Armas: De prata com cinco Pinheiros arrancados, de verdes, postos em sautor. Timbre: Um pinheiro dos escudo.
Os Pinheiros de Andrade trazem o seguinte: De prata com cinco pinheiros arrancados de verde, postos de sautor e chefe do mesmo, carregado por uma banda de vermelho, perfilada a ouro, abocada por duas serpes do mesmo. Por timbre: Apresentam um pinheiro de verde, saindo da boca de uma serpe em ouro e posto em pala.
Os Pinheiros Barcelos[4] usam: De vermelho com um pinheiro de sua cor, arrancado de prata com frutos de ouro e um leão no mesmo. À esquerda do escudo em posição rampante, virado para o tronco de árvore.
Bibliografia
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira - 50 vols. Editorial Enciclopédia, Lisboa, vol. 1 - pág. 809.
Referências
Armorial Lusitano, edic. Zairol, Lad. 4ª edc. 2000, pág. 437 e 438. Dep. Legal nº 149062/00. ISBN 972-9362-24-6
A prosa medieval portuguesa A prosa medieval portuguesa, Séc XIII-XIV. HALP N.4 (1997)
Brasões da Sala de Sintra-3 vols. Anselmo Braamcamp Freire, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2ª Edição, Lisboa, 1973, vol. I-pg. 4.
jeudi 29 janvier 2015
O mundo novo
Construir o novo
mundo. Quem?
Jorge
Pinheiro
O planeta jaz na
barbárie. Quem poderá construir o novo mundo? Esta discussão sobre a construção
de um mundo novo nos leva à discussão de questões imbricadas à teologia, como
alienação e ética. Hoje, o mundo se pergunta: quem deve dirigir o processo de construção?
Obama crê que devem ser os Estados Unidos. A Europa, os países ricos. E a
esquerda institucional, no Brasil, o conjunto das nações reunidas em assembléia
geral. Quem tem razão? Quais os critérios?
Vamos analisar
tal questão a partir do conceito de estranhamento em Marx e da proposta de uma
ética crítica de defesa da vida. Para tal partiremos de dois trabalhos
acadêmicos, um de Maria Norma Alcântara Brandão de Holanda e outro de Tarcyane
Cajueiro Santos, citados na bibliografia.
“Então eu
me arrependi de ter trabalhado
tanto e
fiquei desesperado por causa disso.”
Eclesiastes 2.20
Karl Marx em Teorias
sobre a mais valia, conforme expõe Maria Norma Alcântara Brandão de
Holanda, afirma que o desenvolvimento das forças produtivas enquanto "desenvolvimento
da riqueza da natureza humana como fim em si" se efetiva mediante
"um processo no qual os indivíduos são sacrificados".
O que está em
questão aqui não é o desenvolvimento das forças produtivas, mas o
reconhecimento de seus limites ontológicos, que se expressam no âmbito do
desenvolvimento econômico-social.
O
desenvolvimento das forças produtivas é também o desenvolvimento da capacidade
humana, mas este não produz obrigatoriamente desenvolvimento da pessoalidade
humana. Ao contrário, muitas vezes, potencializando capacidades singulares,
pode desfigurar tal pessoalidade.
Estamos aí
diante de um processo de alienação antropológica e existencial. Estamos diante
de um paradoxo, desenvolvimento das forças produtivas e desenvolvimento da
pessoalidade humana. E, pelo que vemos hoje, mais desenvolvidas as forças
produtivas mais evidentes tais contradições.
As exigências
colocadas pelo desenvolvimento da economia globalizada, ao mesmo tempo em que
apresenta possibilidades para o desenvolvimento humano, tem produzido um
impressionante nível de desumanidade.
Marx, nos Manuscritos
econômico-filosóficos de 1844 escreve: "quanto mais produz o operário
com seu trabalho, mais o mundo objetivo, estranho que ele cria em torno de si,
torna-se poderoso, mais ele empobrece, mais pobre torna-se seu mundo interior e
menos ele possui de seu".
Ao partir de sua
preocupação central, o estudo da economia política de seu tempo, Marx diz que
"a miséria do operário está em razão inversa do poder e da grandeza de sua
produção". Mais produz, maior é a sua miséria.
Assim, a
produção não faz apenas do homem mercadoria, a mercadoria humana, o
homem sob forma de mercadoria, mas o faz também ser espiritual e
fisicamente desumanizado....
Se o desenvolvimento
das forças produtivas ao mesmo tempo em que desenvolve as possibilidades
humanas cria a reprodução da desumanidade, evidenciam-se os limites
antropológicos e existenciais de tal desenvolvimento, já que toda relação
social não se dará apenas através de uma elevação espiritual, mas de movimentos
de deixam em aberto as possibilidades para a própria destruição do humano.
“Como a justiça encaminha
para a vida,
quem insiste no mal caminha
para a morte”.
Provérbios 11.19
Se olharmos sob a perspectiva da ética, tal
processo leva ao esgotamento da moral que deve ser, presente na história
ocidental cristã, e na emergência da amoralidade globalizada, que se
transformou em instância de definição da legitimidade de comportamento imperial
hegemônico em detrimento das singularidades nacionais e culturais.
O choque entre projeto imperial hegemônico e
diferenças culturais deve nos levar a uma consciência crítica de defesa das
barreiras éticas contra a destruição do humano, fruto, como vimos, tanto do
desenvolvimento das forças produtivas, como do estranhamento humano presentes
nesse mesmo desenvolvimento.
É nessa fronteira entre elevação espiritual e
degradação, que globalidade e culturas devem negociar as margens do caos.
Aqui a ética nascerá da delimitação da violência
capitaneada pelo império hegemônico, já que a globalização se tornou personagem
principal do processo de desenvolvimento das forças produtivas mundializadas.
Assim, a ética crítica, como meio e não como
fim, “está baseada no livre exercício do corpo e da alma, no desejo e na
afirmação da vida”, como afirma Tarcyane Cajueiro Santos.
Porém, a virtude esbarra na heteronomia, na contradição do
estranhamento, conforme detectou Marx. Somos parte da natureza, vivemos
circundados por número ilimitado de efeitos externos e poderosos. Somos seres
passivos ou cheios de paixão, enquanto
causa parcial, dominados e conduzidos por forças externas ao nosso corpo
e à nossa alma.
E as paixões, como afirma Spinoza, não são em si nem boas nem más, pois
fazem parte da natureza: a alegria, a tristeza e o desejo vibram em nosso ser.
A alegria aumenta a capacidade de existir, enquanto o estranhamento degrada a
existência.
“Sem conselhos os planos fracassam,
mas com muitos conselheiros há sucesso”.
Provérbios 15.22
O movimento da paixão à ação, da
heteronomia à autonomia, ocorre na imanência do próprio desejo, a partir do
instante que temos condições de controlar e submeter o estranhamento que
degrada. Nesse momento, a liberdade torna-se “atividade que transcende o
presente pela possibilidade do futuro como abertura no tempo”, conforme diz
Marilena Chauí.
No caminhar da globalização, a
ética deixa de ser dever moral, imperativo categórico a priori, e passa a ser
compreendida como balizadora daquilo que é humano.
Para construir tal ética crítica
é necessária a existência ao nível mundial de um sujeito ético moral, nas palavras de Chauí, “que sabe o que faz,
que conhece as causas e os fins de sua ação, o significado de suas intenções e
de suas atitudes e a essência dos valores morais”.
Hoje no planeta,
com todas as dificuldades reais, tal sujeito só pode ser traduzido na
existência de um organismo internacional democrático. Assim, a construção do novo
mundo deve ser obra dos humanos, na diversidade de credos, gêneros e raças, apoiados por
uma assembléia global, que traduza as realidades e os sonhos da espécie humana.
Fontes
Karl Marx, Manuscritos
Econômico-Filosóficos, Coleção Os Pensadores, São Paulo, Editora Abril,
1997.
Maria Norma Alcântara Brandão de
Holanda, Lukács e o estranhamento em Marx, Unicamp, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas, Centro de Estudos Marxistas:
www.unicamp.br/cemarx
Marilena Chauí, Convite à filosofia, São Paulo, Ática, 1999.
Tarcyane Cajueiro Santos, O eticismo da sociedade tecnólogica e a
ética em Espinosa, ECA-USP, Núcleo
de Estudos Filosóficos da Comunicação: www.eca.usp.br/nucleos/filocom
mercredi 28 janvier 2015
Socialismo brasileiro
Questões que o socialismo brasileiro deve levar em conta
Jorge Pinheiro
É possível construir roteiros teóricos que possibilitam abordar a questão socialista a partir de uma leitura teológica. Com a finalidade de orientar nesse sentido apresento pontos que apontam nessa direção:
1. Condições especiais levam a massa proletária e a individualidade pessoal a formarem uma síntese chamada massa orgânica, que corresponde ao ideal da teonomia. Essa massa orgânica nem sempre caminha em direção ao ideal da teonomia, mas quando o tempo histórico orienta nessa direção temos a massa dinâmica. Esta é revolucionária, não só no sentido político do termo, mas em um sentido de fé espiritual e social. É necessário que a massa dinâmica seja revolucionária, porque o sentido de seu movimento é precisamente ir além do estado de massa.
2. O conflito interno do socialismo tem como ponto de partida a própria situação proletária. O conflito da situação proletária vem do fato de que o proletariado tem que se apoiar no princípio burguês e ao mesmo tempo deve se opor a esse princípio. Ou seja, o conflito tem por base o fato de que o proletariado deve ir além, sobrepujar o princípio burguês com os meios deste mesmo princípio. Esta oposição é inevitável, pois a existência proletária é a expressão conseqüente do princípio burguês: a objetivação, a reificação e a ruptura com sua própria origem estão presentes em sua existência. Então, o proletariado não pode reagir ao pensamento burguês com total liberdade e independência. Isto porque não se pode responder à reificação apenas com o ethos, isto é, há necessidade de usar meios políticos.
3. A situação proletária mostra que a situação da existência humana está em contradição com o destino do ser humano. É por isso que o princípio protestante tem função especial na compreensão da situação humana quando se olha a partir da situação proletária, pois esta se apresenta como cisão demoníaca ou alienação. Estes elementos estão imbricados à situação de classe e à consciência de luta pelo socialismo, mas também têm uma significação universal. Eles não são atributos de uma classe, mas fazem parte do conteúdo humano e estão presentes na história. O proletariado descobriu que esses elementos o ligam aos outros grupos humanos. Nele, os elementos originais do ser humano são realidade presente que o leva à uma luta a favor de si mesmo, a uma recusa do princípio burguês.
4. Quando analisada a partir do princípio protestante, a situação proletária mostra que a miséria humana toca tanto o corpo como a alma. E o socialismo, por sua parte, lembra ao protestantismo que o dualismo platônico, idealista ou burguês, não tem correspondência nem com a mensagem bíblica, nem com a teologia protestante. Tillich diz que “o protestantismo está livre para o materialismo proletário”. De sua parte, o princípio protestante diz ao socialismo que a miséria humana não é somente uma miséria socioeconômica, mas também humana.
5. A oposição entre o marxismo e a fé crista, não está no método dialético, e nem mesmo no materialismo, mas na leitura dos fatores intra-históricos. Na visão cristã é a combinação dos fatores intra e supra-históricos que define a história. A ausência desse elemento transistórico no marxismo, tende a levar as correntes socialistas a caminharem numa direção contrária a do próprio marxismo. Assim, o fator decisivo não é o contraste intelectual entre cristianismo e marxismo, mas o contraste na prática.
6. A utopia quer realizar a eternidade no tempo, mas esquece que o eterno abala o tempo e todos seus conteúdos e que é por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. E o progresso mitigado é o resultado dessa utopia revolucionária desencantada. A realização da espera socialista não é um conceito meramente empírico. A utopia é impotente para enfrentar os poderes da sociedade, por isso se não se pergunta a respeito da promessa socialista, sua espera deixa de estar orientada em direção à realização.
7. Há um choque entre a utopia, que pensa poder fixar a eternidade no tempo presente e o kairós, que se traduz enquanto espírito profético da responsabilidade inelutável. E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito da profecia no tempo presente, que voltamos ao kairós, que irrompe no instante concreto, no sentido profético, enquanto plenitude do tempo. Kairós não é um momento qualquer, uma parte do curso temporal: kairós é o tempo onde se completa aquilo que é absolutamente significativo, é o tempo da destinação. Considerar uma época como um kairós, considerar o tempo como aquele de uma decisão inevitável é considerá-lo enquanto espírito da profecia.
8. Toda mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro. Tal desafio não pode ser resolvido por um homem ou por uma mulher, por mais que encarnem o espírito da profecia. O sujeito da transformação será, em última instância, o movimento da massa dinâmica.
9. A esperança exorta a luta política a caminhar na direção do futuro prometido. A ação humana deve criar novas possibilidades de existência, provocar antecipações significativas do futuro. Na ação animada pela espera, há transformações e superações, mas não se alcança uma existência humana isenta de ameaça. O princípio último da justiça é o reconhecimento concreto da dignidade de todo ser humano como pessoa e, em primeiro lugar, dos injustiçados ou ameaçados pela injustiça.
Assim, a teologia possibilita uma releitura do socialismo e das lutas dos trabalhadores, mas não podemos esquecer a produção latino-americana, construída nas últimas décadas. Esta leitura latino-americana é fundamental e nos possibilita uma crítica e enriquecimento tanto do socialismo e como da teologia.
A lembrar um passado presente
A alegria cristã e a reforma
social
A lembrar um passado presente 15/10/2002
Jorge Pinheiro
O
rei Josias foi um reformador social e sua reforma teve por base a justiça
proposta na lei deuteronômica. O que isso tem a ver com o candidato eleito,
Luís Inácio Lula da Silva? O que, nos evangélicos, queremos do futuro governo
Lula?
No
dia 15 de outubro, o então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio
Lula da Silva, garantiu em João Pessoa que, se eleito, pretendia estabelecer um
pacto social para a conquista da cidadania: (1) capaz de gerar empregos; (2)
ampliar o acesso dos jovens ao ensino público de qualidade; (3) e elevar o
padrão de qualidade de vida da população brasileira.
Falando
no parque Sólon de Lucena, em João Pessoa, Lula garantiu que fará uma reforma
agrária capaz de estabelecer a paz no campo, sem violência, sem invasões e com
diálogo.
Disse
ainda: "Vamos colocar empresários e trabalhadores na mesa de negociação"
para firmar um pacto social a serviço do desenvolvimento brasileiro.
A
Palavra de Deus nos diz: Tenham sempre alegria, unidos com o Senhor! Repito:
tenham alegria! [Filipenses 4.4-5]. Este texto, que remete a Sofonias
3.14-18, nos ensina que a alegria cristã não deve ser evasiva,
efêmera e superficial. A Palavra de Deus mostra que neste salmo de alegria
Sofonias aponta para a salvação e para o retorno dos remanescentes a Israel
[3.11-13.19-20] e, por isso, convida todos à alegria [3.14-18].
O
convite de Sofonias coincide com a esperança trazida através do rei Josias, que
se apresentou como reformador social, e também pelo declínio da Assíria, que
afrouxava sua influência opressora.
A
lei deuteronômica, encontrada no Templo durante o reinado de Josias, expressa a
vida íntima da comunidade, a necessidade de que cada pessoa tenha o mínimo para
sobreviver e que ninguém viva numa situação miserável.
Deste
modo, a lei deixa de ser uma obrigação imposta e pesada e passa a ser um dom
que Deus oferece a todo o povo. Este dom ou aliança se fundamenta no direito de
cada pessoa e família a possuírem o necessário a uma vida digna e cidadã. Ou
como diz a promessa deuteronômica: O Senhor, nosso Deus, os abençoará
ricamente na terra que lhes vai dar. Portanto, não haverá nenhum israelita
miserável, se todos derem atenção ao que o Senhor ordena e obedecerem a todos
os mandamentos que hoje eu estou dando a vocês. [Deuteronômio 15.4-5].
A
aliança, a lei, o dom deve ser interiorizado. A convivência no país que
Deus deu ao povo peregrino exige uma mudança de mentalidade que se traduz numa
organização social onde o direito divino prevalece sobre todas as instituições.
O mais importante deste direito é a justiça entre as pessoas, que deve ser
entendida como fundamento da convivência social.
Dez
dias depois, das afirmações de Lula na Paraíba, pós-graduandos da Unicamp, em
carta de apoio à candidatura de Lula, afirmaram que “a postura ética sempre
foi uma importante característica da trajetória de vida de Lula, isso associado
à sua maturidade política lhe fornece ainda mais credibilidade para liderar a
execução de um projeto nacional que tenha como metas o crescimento econômico e
a geração dos empregos de que o país tanto necessita. Consideramos, ainda, que
com esse perfil de exímio aglutinador e integrador de forças, Lula criará as
condições necessárias para o estabelecimento do diálogo com amplas camadas da
sociedade, dentre as quais os empresários, os trabalhadores e os movimentos
sociais, viabilizando a construção de um pacto social em torno de um novo
modelo de desenvolvimento que possibilitará a inclusão sócio-econômica de cerca
de 40 milhões de brasileiros”.
A
isso nós chamamos reforma social. Não queremos que Lula seja um reformador
religioso, esse papel cabe a nós, à igreja brasileira, mas que – como disseram
os pós-graduandos da Unicamp -- estabeleça o diálogo com amplas camadas da
sociedade, com os empresários, os trabalhadores e os movimentos sociais,
viabilizando a construção de uma aliança social em torno de um novo modelo de
desenvolvimento que possibilite a inclusão sócio-econômica de milhões de
brasileiros.
Essa
deve ser a oração dos evangélicos brasileiros. Para que possamos
verdadeiramente nos alegrar com as maravilhas que o Deus Eterno pode fazer
nesta terra brasileira.
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