A filosofia grega em Eclesiastes e 1 Coríntios 15
Prof. Dr. Jorge Pinheiro, cientista da Religião
Sobre o não-ser para viver o ser
1.
Caminhando com Qohélet
“Compreendi que não há nada
melhor do que a gente ter prazer naquilo que faz. Esta é a recompensa. Pois
como é que podemos saber sobre o não-ser?” -- perguntou Qohélet.
Qoh procurou a
felicidade e a paz. Foi objetivo e prático na avaliação de seu tempo e
constatou que o evento humano está sujeito à lei da alternância, que vai além da
explicação imediata: o humano não tem domínio sobre as dinâmicas que governam a
morte e a vida. E procurou refúgio na sofia grega. O texto hebraico de Qohélet,
com a presença de palavras aramaicas e persas, sugere autoria anônima, situada
entre 450 e 200 antes de Cristo, e se apresentou com a apodadura de Salomão.
Qoh procurou
entender o ser e o não-ser -- aquilo que está fora, além da existência -- no
jogo de seus movimentos. Percebeu que não tinha controle sobre o movimento dos
fenômenos do universo e viu que era preciso respeitar o espaço e o tempo para
poder existir dentro do ritmo dos eventos.
Mas ele não foi o único a pensar
nessas coisas. A pergunta pelo não-ser, presente na história do humano desde
que ele é sapiens, levou à pergunta pelo sentido do ser. Qohélet -- em
português Eclesiastes e, segundo Haroldo de Campos, O-que-sabe -- de forma
magnífica, quase à maneira de Nietzsche, trabalhou o tema da morte e da vida e
nos levou a pensar sobre a única realidade a que de fato temos acesso: a
existência -- terreno afetivo e emocional que produz e repousa sobre a riqueza
material das humanidades. Qoh numa abordagem existencial discute o ser, sua
integralidade e potencialidades.
Mas ele não foi o único a pensar
a não-existência e a existência. Górgias (480-375 a.C.) traduziu no pensamento
pré-socrático a dúvida sobre o não-ser e, por extensão, sobre o ser. Disse que se existisse alguma coisa, seria ser ou
não-ser, ou ser e não-ser juntos. E se o não-ser existe, ele é e não-é
ao mesmo tempo. Mas é absurdo dizer que alguma coisa existe e não-existe ao
mesmo tempo. Para Górgias, em
formulação matemática (pv¬p)v(p^¬p), a proposição “pv-p” é verdadeira.
Mas “v” é verdadeiro se e somente se “p” for verdadeiro. Na lógica proposicional
do filósofo pré-socrático temos, então, a negação de “p”. Donde, o não-ser não
existe. Górgias disse mais do que isso, mas essa constatação, o não-ser não
existe, é o que nos interessa nesse momento.
É interessante que Qoh apresentou
o não-ser, aquilo que está fora, além da existência, de uma maneira que nos
lembra Górgias. Disse que ninguém se lembra do que aconteceu no passado e que
até as coisas que acontecerão no futuro também vão ser esquecidas. Que ninguém
se lembra dos sábios, assim como ninguém se lembra dos imbecis, pois no futuro
todos seremos esquecidos. Há tempo para nascer e tempo de morrer, mas todos
caminham para um mesmo lugar, pois tudo vem do pó e tudo volta ao pó.
Disse, ainda, que felicitava os
que já morreram mais do que os que estavam vivos. E considerou que mais vale o
dia da morte do que o dia do nascimento. Ou, mais vale ir a uma casa em luto do
que ir a uma casa em festa. Que ninguém é senhor do dia da própria morte e que nessa
guerra não há trégua. Por isso, um cão vivo vale mais que um leão morto, já que
os vivos sabem que irão morrer; mas os mortos não sabem de nada e não tem
recompensa nenhuma: sua memória já está no esquecimento. O amor, ódio e ciúmes pereceram
com eles. E nunca mais participarão de qualquer coisa que se faz debaixo do
sol.
A consciência do não-ser remete
ao sentido do ser. E aqui há uma diferença básica com Górgias, porque para ele a
negação do não-ser é também a negação do ser e, por isso, fez três afirmações
que marcaram o pensamento lógico-matemático e balizaram o ceticismo: não dá
para dizer que algo existe; se alguma coisa existe não temos como conhecer sua
existência; caso o ser exista não temos como explicar sua existência aos
outros.
Já o argumento de Qoh, a partir
do não-ser, afirma o sentido do ser, único conhecido. A negação do não-ser de Qoh
expressa o desejo de ser em abundância, enquanto está, porque tem por limites
as bordas do tempo de ser. O ser existe, mas tem espaço e tempo – hoje diríamos
é existencial e histórico. Por isso, é melhor o sentido do ser, a intensidade das
ações do ser do que ficar na espera do não-ser. Assim, quando o não-ser sinalizar
que está chegando e se aproximar, teremos o prazer de ter sido plenamente, com
intensidade, de forma abundante.
E, por isso, Qoh nos aconselha a aproveitar a vida, a ir em
frente. A comer com prazer e beber alegremente o nosso vinho, pois a eternidade
já aceitou deliciada o nosso bem-fazer. Sejamos felizes, diz O-que-sabe. Enquanto
vivermos na fumaça desse mundo, curtamos a vida com a pessoa amada, pois essa é
a recompensa pelo nosso fazer debaixo do sol. E o que tivermos para fazer, façamos
ótimo, porque o não-ser é nada e no nada nada se faz, e no não-ser não existe
pensamento, nem conhecimento, nem sabedoria. E depois do ser, vamos repousar no
nada.
O fazer da
existência vale a pena. A eternidade aprecia esse bem-fazer humano, que tem seu
próprio tempo, que integra a existência de cada ser na história dos fazeres
humanos. É por isso que Bereshit, o primeiro texto na Torah, apresenta um ponto
zero. O tempo zero vai do entardecer à meia-noite. É quando o sol desilumina o
nosso espaço de forma gradual. O tempo do não-ser não é uma fratura do tempo, é
tempo da história. Qoh não contempla a passagem do tempo, mas a vinda do tempo.
O tempo significa nada ou pouco para o eterno, mas há um sentido de tempo para
o humano. A conclusão de Qoh é que temos de ser no tempo para dar valor à
eternidade que brota do nada do não-ser.
Nossa herança greco-judaica
Prof. Dr. Jorge Pinheiro, cientista da Religião
Pede-se ser levantado
2.
Do não-ser à anástase
“Você está falando de bens materiais, de coisa frágil.
Se você tem certeza de que esses bens ficarão sempre com você, fique com eles
sem partilhar com ninguém. Mas se você não é o senhor absoluto deles, se tudo
que você tem depende mais da sorte do que de você mesmo, por que este apego a
eles?”. [Menandro, O Misantropo.
Site: Oficina de teatro. WEB: www.oficinadeteatro.com].
Betty Fuks no seu livro Freud e a Judeidade, a vocação do exílio (Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor,
2000 (pp. 127-133) conta que Freud, um dia depois do sepultamento do pai,
sonhou com um cartaz onde estava escrito: “Pede-se fechar os olhos”.
Mais tarde, em carta a Fliess, o pai da psicanálise falou dos sentidos
subjetivos da frase: “era parte da minha auto-análise, minha reação diante
da morte de meu pai, vale dizer, diante da perda mais terrível na vida de um
homem”.
Não vou entrar nos detalhes das leituras que o próprio
Freud fez da frase que apareceu em seu sonho. Diria ao leitor que vale a pena
ler Freud e a Judeidade. Pretendo
aqui levantar uma proposta de Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria
e sem objeto, ele vaga por um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à
experiência limite mais-além do que aparece na imagem”. É a partir dessa
hermenêutica, que vamos ler trechos do final da primeira carta aos coríntios de
Paulus, o pequeno, apóstolo temporão de Iesous.
“... Foi sepultado e
foi despertado do sono no terceiro dia, de acordo com o escrito”.
A frase acima e a continuação do texto é uma das mais importantes
sobre a egeiro e anástasis, duas expressões gregas não substancialmente diferentes,
que sintetizam a teologia da anástase dos cristãos do primeiro século. As
traduções posteriores, e creio que dificilmente poderiam ser diferentes,
criaram um padrão de imagem que dificultam a experiência do ir além. Por isso,
fomos obrigados antes da tradução transversa fazer a desconstrução
histórico-filosófica da anástase.
As leituras da anástasis
e egeiró remontam a Homero e ao grego antigo e com seus sentidos correlatos axanástasis,
anhistémi e anazaó, que podem ser traduzidas por “ficar de pé”,
“ser levantado” e “voltar à vida”, foram fundamentais para a construção do
conceito anástase, amplamente utilizado pelas ciências do espírito. Mas é com
Platão, na literatura filosófica, que vamos encontrar um debate fundamental
para a teologia da anástase, quando apresenta a alma enquanto semelhança
do divino e o corpo enquanto semelhança do que é físico e temporário.
Platão, em Fédon (Coleção Os Pensadores, São
Paulo, Nova Cultural, 1987), num
diálogo entre Sócrates e seus amigos defendeu a idéia da imortalidade da alma.
Sócrates foi condenado à morte por envenenamento, mas não teve medo, por crer
ser a alma imortal. Para Platão, as almas possuem semelhanças com as formas,
que são realidades eternas por trás do mundo físico, natural. Nesse sentido,
para Platão, o corpo morre, mas a alma não. Ele parte do padrão cíclico da
natureza, frio/ quente/ frio, noite/ dia/ noite. Assim, os mortos despertam
numa nova vida depois da morte: caso contrário, a vida desapareceria.
E dirá através de
Sócrates em Fédon: “(...)
perguntemos a nós mesmos se acreditamos que a morte seja alguma coisa? (...)
Que não será senão a separação entre a alma e o corpo? Morrer, então,
consistirá em apartar-se da alma o corpo, ficando este reduzido a si mesmo e,
por outro lado, em libertar-se do corpo a alma e isolar-se em si mesma? Ou será
a morte outra coisa? (...) Considera agora, meu caro, se pensas como eu. Estou
certo de que desse modo ficaremos conhecendo melhor o que nos propomos
investigar. És de opinião que seja próprio do filósofo esforçar-se para a
aquisição dos pretensos prazeres, tal como comer e beber?”
Paulus conhecia a discussão filosófica grega acerca da
anástase, já que isso se evidencia em seus escritos, principalmente no trecho
que estamos analisando, mas é certo que construiu seu conceito também levando
em conta a tradição judaica, acrescentando novidades ao debate teológico.
Existem referências ao ser trazido de volta à vida nas escrituras
hebraico-judaicas. Mas a preocupação judaica era existencial, como vimos em
Qohélet. Mais do que remeter a um futuro distante, embora tais leituras estejam
presentes na teologia de alguns profetas, as histórias de anástase relacionadas
aos profetas Elias e Eliseu falam do aqui e agora. Aliás, este último, mesmo de
depois de morto, trouxe à vida um defunto que foi jogado sobre sua ossada. Ao
tocar os ossos de Eliseu, o morto ficou vivo de novo e se levantou. Esse
caminho será a novidade da compreensão cristã/ helênica da anástase.
“Somos arautos de
que o ungido foi levantado do meio dos mortos: como alguns podem dizer que não
há o ser erguido dos mortos? E, se não há o despertar do sono da morte, também
o ungido não foi levantado. E se o ungido não foi levantado, é inútil o que
falamos e também inútil a nossa crença. Somos então testemunhas falsas, porque
anunciamos que Deus ergueu o ungido. Mas se ele não foi levantado, os mortos
também não são erguidos. E se os mortos não são erguidos, o ungido também não o
foi. E, se o ungido não foi erguido, a nossa crença é inútil e vocês continuam
a vagar sem destino. E os que foram colocados para dormir no ungido estão
destruídos”.
Outras fontes de Paulus foram o
profeta Daniel e outras literaturas intertestamentárias, que trabalham com a
idéia de “despertar subitamente do sono”. Th.-G Chifflot e R. De Vaux, na versão francesa de La Sainte Bible
(Les Editions Du Cerf, Paris, 1973. Tradução: A Bíblia de Jerusalém, Ed.
Paulinas, São Paulo, 1985, p. 1347) situam
o livro de Daniel no período helênico por entender que é uma edição de antigos
fragmentos do período babilônico, compilados, organizados e contextualizados ao
momento histórico descrito no capítulo onze. Nesse capítulo, as guerras entre
lágidas e selêucidas, assim como as investidas de Antíoco IV Epífanes contra
Jerusalém e o templo são narradas com riquezas de detalhes. Ao contrário do que
acontece nos livros proféticos anteriores, aqui o autor cita fatos
aparentemente insignificantes, querendo demonstrar que é uma testemunha ocular
da história. Dessa maneira, a edição que conhecemos do livro de Daniel deve ser
situada no período da grande perseguição de Antíoco IV Epífanes, possivelmente
entre os anos de 167 e 164 a.C., segundo Th.-G. Chifflot e R. De Vaux, jã
citados. A partir desse enquadramento,
os capítulos 7 a 12 de Daniel, enquanto edição são chamados de “vaticinia ex
eventu”, dado que o autor viveu depois e não antes dos fatos históricos que
descreve. Esses capítulos são uma reação contra a declarada helenização da
Judéia e das perseguições em curso, mas, paradoxalmente, uma forma de
pensamento afetado pela civilização helenística.
A partir da segunda metade do livro, o autor trabalha sobre dois temas
registrados na primeira metade: que o judeu deve ser fiel a Deus em meio à
tentação e à provação; e que Deus defende o servo leal que prefere morrer a
violar os mandamentos. Nos seis capítulos finais, o sábio (ou grupo de sábios,
cujos escritos foram compilados por um redator) retoma o conteúdo das visões
que teve em relação à profanação do templo, em 167 a.C., e o erguimento da “abominação
desoladora”. Assim, durante o período dos macabeu muitas idéias novas
afloraram em meio à vida judaica, entre elas a esperança da recompensa
escatolõgica apresentada pelas profecias apocalípticas, como em 2Macabeus 7,
Daniel 12:2-3 e Escrito de Damasco 4:4, que se traduzem concretamente na anástase.
Assim, os elementos novos da compreensão paulina da
anástase já aparecem delineados no profeta Daniel: “Muitos dos que dormem no
pó da terra despertarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e
horror eterno. Os que forem sábios, pois, resplandecerão como o fulgor do
firmamento; e os que a muitos conduzirem à justiça, como as estrelas, sempre e
eternamente”. Paulus, porém, acrescentará uma leitura existencial à
compreensão de Daniel, dirá que a morte, o maior de todos os odiados pela
espécie humana, será privada de força.
“Caso o ungido só
sirva para esta vida, somos as pessoas mais dignas de lástima. Mas o ungido foi
levantado dentre os mortos e foi o primeiro fruto dos que foram colocados para
dormir. Porque se a morte chegou pela humanidade, também o ungido dará à luz
nova vida. Como morre a espécie, no ungido ela recebe vida. E isso acontece
numa ordem: o ungido é o primeiro fruto, depois os que pertencem ao ungido,
quando ele aparecer. E veremos o limite, quando o ungido entregar o reino a
Deus e Pai, e tornar inoperante o império, os poderes e os exércitos. Convém
que seja rei até derrubar os odiados por terra. O último odiado a ser privado
de força é a morte, porque o resto já foi colocado debaixo de seus pés”.
É interessante que Paulus em seu texto sobre a anástase
cita o filósofo, dramaturgo e poeta grego Menandro (342-291 a.C.), que num
verso disse: “as más companhias corrompem os bons costumes”. Paulus
gostava de teatro e de comédias. E voltando ao Misantropo: “insisto que,
enquanto você é dono deles, você deve usá-los como um homem de bem, ajudando os
outros, fazendo felizes tantas pessoas quantas você puder! Isto é que não
morre, e se um dia você for golpeado pela má sorte você receberá de volta o
mesmo que tiver dado. Um amigo certo é muito melhor que riquezas incertas, que
você mantém enterradas”.
Que Paulus recorreu à tradição hebraico-judaica fica claro
quando cita o profeta Oséias literalmente: “eu os remirei do poder do
inferno e os resgatarei da morte? Onde estão ó morte as tuas pragas? Onde está
ó morte a tua destruição?”. Mas há uma correlação entre Platão e a tradição
hebraico-judaica, que pode ser lida nesta carta de Paulus. Isto porque, como
afirma Fuks, o leitor desconstrói, pois ler não é repetir o texto: é um modo de
transformação e de criação. Por isso, digo que ler é um ato de anástase. E
Paulus trabalhou de forma brilhante o termo, tanto nas suas leituras e estudos,
como na reconstrução do próprio conceito.
“Que farão os que se
batizam pelos mortos, se os mortos não são chamados de volta à vida? Por que se
batizam então pelos mortos? Por que estamos a cada hora em perigo? Protesto
contra a morte de cada dia. Eu me glorio por vocês, no ungido Iesous a quem
pertencemos. Combati em Éfeso contra animais ferozes, mas o que significa isso,
se os mortos não podem ressurgir? Comamos e bebamos, porque amanhã morreremos.
Mas não vamos nos enganar: as más companhias corrompem os bons costumes”.
Na sequência da tradição hebraico-judaica, ou como diz
Fuks, “os antigos hebreus não estavam trabalhados, como nós, pela
necessidade de abstração, de síntese e de precisão na análise conceitual do
real, herança dos gregos”, Paulus está preocupado com o corpo, com a vida.
“Mas alguém pode
perguntar: como os mortos são trazidos à vida? E com que corpo? Estúpido! O que
se semeia não tem vida, está morto. E, quando se semeia, não é semeado o corpo
que há de nascer, mas o grão, como de trigo ou qualquer outra semente. Deus dá
o corpo como quiser, e a cada semente o corpo que deve ter. Nem toda a carne é
uma mesma carne, há carne humana, de animais terrestres, de peixes, de aves. E
há corpos celestes e corpos terrestres, uma é a dignidade dos celestes e outra
a dos terrestres. Diferente é o esplendor do sol do esplendor da lua e das
estrelas. Porque uma estrela difere em brilho de outra estrela. Assim também o
ser levantado dentre os mortos. Semeia-se o corpo perecível; levantará sem
corrupção. Semeia-se na desgraça, será levantado em excelência. Semeia-se em
debilidade, será erguido vigoroso. Semeia-se corpo controlado pela psique,
ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo controlado pela psique, também há
corpo espiritual”.
Para Paulus, anástase leva à uma teologia da vida que
nasce do corpo. Mas, não é simplesmente ter de volta a vida do corpo material,
tanto que em certo momento Paulus diz que “deveremos ser a imagem do homem
do céu”.
“Assim também está
escrito: o primeiro ser humano, terrestre, foi feito ser-que-deseja, o futuro
humano será um espírito-cheio-de-vida. Mas o que não é espiritual vem primeiro,
é o natural, depois vem o espiritual. O primeiro ser humano, da terra, é
terreno; o segundo humano, a quem pertencemos, é celestial. Como é o da terra,
assim são os terrestres. E como é o celeste, assim são os celestiais. E, como
somos a imagem do terreno, assim seremos também a imagem do celestial”.
Mas o pensamento
grego, platônico, está presente na anástase paulina, já que a eternidade não é
construída em cima da carne e do sangue. Vemos aqui a dualidade entre a
realidade física e o mundo das formas. O dualismo metafísico de Paulus admite
aqui duas substâncias que regem o ser humano, no mundo natural, a psique, e no
mundo pós-anástase, o pneuma. E dois
princípios, nesse sentido bem próximo a Platão, o bem e o mal.
“E agora digo que a
carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a
eternidade. Digo um mistério: nem todos vamos adormecer, mas seremos
transformados. Num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última
trombeta, porque a trombeta soará, os mortos serão levantados incorruptíveis, e
seremos transformados. Convém que o corrompido seja tornado eterno, e o que é mortal
seja tornado imortal. E, quando o que é corruptível se vestir de eternidade, e
o que é mortal for transformado em imortal, então será cumprida a palavra que
está escrita: a morte foi conquistada definitivamente. Onde está, ó morte, a
tua picada? Onde está, ó inferno, a tua vitória? Ora, a picada da morte é o
desviar-se do caminho da honra e da justiça, e a força do erro é a lei. Mas a
alegria que Deus dá é a vitória por Iesous, o ungido, a quem pertencemos. Sejam
firmes e persistentes, abundantes no serviço daquele a quem pertencemos,
conscientes de que o trabalho árduo e duro não é desprezado por aquele a quem
pertencemos”.
Assim, se voltarmos à análise do conceito anástase no capítulo 15
da primeira carta aos coríntios, tomando como ponto de partida o desafio de
Fuks: “há que ler o desejo: sem terra, sem pátria e sem objeto, ele vaga por
um deserto, cujas trilhas conduzem o leitor à experiência limite mais-além do
que aparece na imagem”, vemos que Paulus traduziu para as novas gerações o
desejo grego/judaico, humano, da anástase: “Pede-se ser levantado”.
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