mercredi 2 septembre 2015
Edgar Morin e a ecologia da ação
O PENSAMENTO COMPLEXO
DE Edgar Morin E
SUA ECOLOGIA DA AÇÃO
por
Angélica Sátiro*
A Revista Linha Direta
vem realizando um interessante trabalho de intercâmbio e divulgação de idéias
de pensadores contemporâneos através de sua seção HIPERTEXTO.
Preservando
um espaço que vai além de uma simples entrevista, convida intelectuais
inquietos e produtivos, agentes de mudança e de transformação para “dialogar”
com nosso leitor. Nesse número, fomos brindados com um presente: o sorriso
amável do francês Edgar Morin.
Edgar Morin (Paris, 1921) é considerado um dos
maiores pensadores do século XX. É doutor honoris causa em 17 universidades de
diversos países, tais como Itália, Portugal, Espanha, Dinamarca, Grécia,
México, Bolívia e Brasil (em João Pessoa e Porto Alegre). Para estudar os
problemas do humano e do mundo contemporâneo, passa por distintas áreas do
conhecimento: ciências biológicas, ciências físicas e humanas entre outras. Tem
formação pluridisciplinar, é sociólogo, antropólogo, historiador, geógrafo e
filósofo, mas acima de tudo é um intelectual livre que nos propõe uma visão
transdisciplinar do pensamento. Tem mais de 40 livros de Epistemologia,
sociologia, política e antropologia, publicados e traduzidos em diversas
línguas. Merece ser destacada sua obra de 4 volumes, intitulada El Mètode que trata da transformação
das ciências e do seu impacto na sociedade contemporânea. É diretor do Centro
de Estudos Transdisciplinares em Paris, (EHESS), presidente da Agência Européia
de Cultura da UNESCO e
presidente da Associação de Pensamento Complexo. É um apaixonado pelas artes em
geral, principalmente pela literatura e pelo cinema. E gosta de ressaltar que
durante a II Guerra Mundial, foi combatente voluntário da resistência francesa
nos anos de I942 a 1944, lutando contra o nazismo e o stalinismo.
Nosso
encontro ocorreu no cenário gótico da Universidade de Girona, na Espanha. Edgar
Morin estava lá como convidado do professor José Maria Terricabras, da cátedra
Ferrater Mora, a quem devemos nosso mais caloroso agradecimento por facilitar
essa entrevista.
Linha Direta ‑ Qual é
a educação necessária para o século XXI?
Edgar Morin ‑ Há que se fazer uma total reorganização da
educação. E essa reorganização não se refere ao ato de ensinar. Refere‑se à
luta contra os defeitos do sistema que estão cada vez maiores. Por exemplo, o
ensino de disciplinas separadas e sem comunicação entre si produz uma
fragmentação e uma dispersão que nos impede de ver globalmente coisas que são
cada vez mais importantes no mundo. Existem problemas centrais e fundamentais
que permanecem completamente ignorados ou esquecidos e que são importantes para
qualquer sociedade e qualquer cultura.
Linha
Direta ‑ O senhor se refere ao seu estudo sobre os sete saberes necessários
para a educação do futuro?
Edgar Morin ‑ Sim, refiro‑me aos sete saberes necessários
que implicam em ensinar a:
· Reconhecer as cegueiras do conhecimento, seus erros e
ilusões.
· Assumir os princípios de um conhecimento pertinente
· Condição humana
· Identidade planetária
· Enfrentar as incertezas
· compreender
· ética do gênero humano
Linha Direta ‑ Poderia fazer um comentário mais detalhado
para cada um deles?
Edgar Morin ‑ Entende‑se reconhecer as cegueiras do
conhecimento, seus erros e ilusões, é assumir
o ato de conhecer como um
traduzir e não como uma foto correta da realidade. Trata‑se de armar
nossas ates para o combate vital pela lucidez e isso o significa estar sempre
buscando modos de conhecer o próprio ato de conhecer:
Por
assumir os princípios de conhecimento pertinente, entende‑se a necessidade de ensinar os métodos que permitam
apreender as relações mútuas e as influências recíprocas entre as partes e o
todo se mundo complexo. Trata‑se de envolver uma atitude mental capaz abordar
problemas globais que contextualizem suas informações parciais e locais.
Ensinar
a condição humana deveria ser o objeto essencial de qualquer sistema de ensino
e isso passa considerar conhecimentos que estão dispersos em várias disciplinas
como as ciências naturais, as ciências humanas, a literatura e a filosofia.
As gerações precisam conhecer a unidade
e a diversidade do humano.
Ensinar
a identidade planetária tem a
ver com mostrar a complexidade da crise planetária que caracteriza o século XX.
Trata‑se de ensinar a história da era planetária, mostrando como todas as
partes do mundo necessitam ser intersolidárias, a vez que enfrentam os mesmos
problemas de vida e de morte.
É
preciso aprender a tentar as incertezas
reveladas ao longo do século XX através da microfísica, da
termodinâmica, da cosmologia, das ciências biológicas evolutivas, das
neurociências e das ciências históricas. É preciso aprender a navegar no oceano
das incertezas através dos arquipélagos das certezas.
Compreender é ao mesmo tempo meio e fim da
comunicação humana, portanto não pode ser algo desconsiderado pela educação. E,
para tanto, precisamos passar por uma reforma das mentalidades.
Por
ética do gênero humano, entendo uma abordagem que considere tanto o indivíduo,
quanto a sociedade e a espécie. E isso não se ensina dando lições de moral. Isso
passa pela consciência que o humano vai adquirindo de si mesmo como indivíduo,
como parte da sociedade e como parte da espécie humana. Isso implica conceber a
humanidade como uma comunidade planetária composta de indivíduos que vivem em
democracias.
Linha Direta ‑ Sua proposta é muito interessante, mas parece
ir contra um movimento que tem ocorrido tanto na Espanha, quanto no Brasil.
Trata‑se da proposta de realizar avaliações que buscam medir a quantidade de
conhecimento dado por essas disciplinas fragmentadas. Com base em dados vindos
dessa forma de avaliar, separam‑se os alunos pelo nível de informação que foram
capazes de reter e se afirma uma média educacional nacional. Como o senhor vê
esse tipo de iniciativa?
Edgar
Morin ‑ Não sou a favor de nenhum tipo de segregação, uma vez que ao longo da
vida passamos por tudo: atrasos, progressos, encontros, desencontros, crises.
Esse tipo de avaliação é uma forma de segregação que não ajuda a organizar o
conhecimento e suas relações entre as distintas informações. Os dados e fatos
que cabem em avaliações desse tipo não são conhecimentos, representam um vazio
que não reflete nenhum dos sete saberes enunciados anteriormente.
Linha Direta ‑ Um outro contra‑exemplo para a idéia que o
senhor apresenta seria o ocorrido em I I de setembro de 2001, não é verdade?
Edgar Morin ‑ É evidente que sua pergunta é muito importante
e pede um tipo de resposta que vai além do tempo que podemos dedicar a essa
entrevista. Mas vou tentar resumir o que penso sobre isso. Temos ouvido falar
de choque de civilizações em discursos pessimistas que revelam um maniqueísmo
simétrico com direção trágica. De um lado, o fenômeno da modernização que é
baseado na homogeneização geral, é um processo que suscita diversos tipos de
reação nas civilizações mais antigas: Elas se aferram a seu passado, às suas
raízes e à sua religião, porque têm medo de perder sua identidade. De outro
lado, fracassou no mundo ocidental, a fé no progresso tecnológico e econômico
como algo que nos conduzia à um mundo melhor. Já se sabe que esse progresso
pode gerar inclusive o fim do mundo com uma guerra atômica.
Mas,
não podemos entender as conseqüências possíveis desse momento como determinação
histórica. E, portanto, não devemos aceitar a idéia da inevitabilidade da guerra.
Linha Direta ‑ Mas parece que temos outros indícios que
também vão a direção contrária ao que o senhor propõe. Estamos vendo que tanto
na Europa quanto em outros países do mundo, a extrema direita tem avançado de
modo muito evidente. Como o senhor vê esse retorno à ideologia de extrema
direita?
Edgar Morin ‑ Concordo que haja uma ressurreição de coisas
do passado que deveriam ter sido esquecidas ao longo do tempo. Mas, a questão é
saber se isso é algo que permanecerá minoritário e localizado ou se pode vir a
assumir grandes proporções em todo mundo. Compreende‑se que isso ocorre em
função do clima de incerteza atual e da angústia gerada por essa política do
dia –a ‑dia que não dá esperanças de melhora para seus cidadãos. A globalização
e a imigração que vem principalmente da África e dos países da América do Sul
têm causado na Europa um aumento da necessidade de identidade nacional. Essa
identidade de pátria faz com que as relações de cooperação internacional fiquem
frágeis, além é claro de dar lugar a inúmeros tipos de ações racistas. A
imigração da forma como está ocorrendo tem trazido questões complexas como a
marginalização, a delinqüência juvenil e o conseqüente aumento de violência
urbana. Da forma como aparecem, esses são fatores que favorecem a extrema
direita.
Mas
volto a insistir que não são determinismos, o futuro está limpo e não se deve
pensar que o perigo é inevitável. Precisamos estar em estado de vigilância para
que isso não cresça, mas não em estado de alarme como se esse fosse um mal
inevitável. Para contrapor a tudo isso está a educação. E é por isso que venho
desenvolvendo os últimos volumes da obra .
O Método. O quinto
volume está dedicado à educação e no sexto volume, desenvolvo minha proposta
ética de resistência à crueldade do mundo.
Linha Direta ‑ O senhor poderia nos explicar as linhas gerais
dessa sua proposta ética?
Edgar Morin ‑ Falo de autoética, de sócioética, de antropo‑ética
e de ética planetária. Isso porque vejo o indivíduo, a sociedade e a espécie
como categorias interdependentes. Diante de toda a complexidade contemporânea
não há como descartar alguma dessas perspectivas. O problema atual da ética não
é o dever, a prescrição, a norma. Não precisamos de imperativos categóricos.
Precisamos saber se o resultado de nossas ações corresponde ao que queríamos
para nós mesmos, para a sociedade e para o planeta. Já sabemos que não basta
ter boa vontade, uma vez que em nome dela foram cometidas inúmeras ações
desastrosas. A minha ética é uma ética do bem pensar e está implícito nisso
toda a minha idéia de pensamento complexo.
Linha Direta ‑ O senhor poderia apresentar uma síntese de sua
teoria do pensamento complexo?
Edgar Morin ‑ Muitos me
vêem como sintetizador, unificador, afirmativo e suficiente que trata de
apresentar uma teoria sistemática e global. Mas, devo admitir que isso é um
engano, eu não tenho uma teoria que sai do bolso afirmando: “aqui estou, podem
jogar fora seus paradigmas anteriores!” Claro que essa proposta de pensamento
complexo é fruto de um esforço em articular saberes dispersos, diversos e
adversos. Mas a própria idéia de complexidade conduz a uma impossibilidade de
unificar, uma vez que parte da incerteza admite o reconhecimento cara a cara
com o indizível. A complexidade não é uma receita que eu dou, é apenas um
convite para a civilização das idéias.
O
pensamento complexo é a união entre a simplicidade e a complexidade. Isso
implica processos como selecionar, hierarquizar, separar, reduzir e globalizar.
Trata‑se de articular o que está dissociado e distinguido e de distinguir o que
está indissociado. Mas não é uma união superficial, uma vez que essa relação é
ao mesmo tempo antagônica ‑e complementária.
Linha Direta ‑ O senhor gostaria de enviar alguma mensagem
especial para os leitores da Revista Linha Direta?
Edgar Morin ‑ Sinto‑me muito bem no Brasil e agradecido pelo
reconhecimento que me dedicam, no mês de agosto de 2002, quando estive em São
Paulo. Sempre estou em contato, porque me sinto em harmonia com os pensadores e
educadores brasileiros, vejo que tratamos questões similares com enfoques
similares e isso me alegra muito. Que sigamos com nossa ecologia da ação!
Linha Direta ‑ A revista agradece ao professor Josep Maria
Terricabras e à cátedra Ferrater Mora da Universidade de Girona pelo apoio à
realização dessa entrevista, bem como à professora Irene de Puig pela
facilitação às informações. Agradece evidentemente ao entrevistado que, por sua
atitude durante a entrevista, demonstrou ser coerente com as idéias que
apresenta. Pedimos permissão a ele para encerrar essa entrevista citando‑o:
“Somos
habitantes da Terra. Citamos a Holderlin e completamos sua frase dizendo:
prosaica e poeticamente o homem habita a Terra. Prosaicamente (trabalhando,
fixando‑se em objetivos práticos, tentando sobreviver) e poeticamente
(cantando, sonhando, gozando, amando, admirando), habitamos a Terra. A vida
humana está tecida de prosa e poesia. A poesia não é só um gênero literário, é
também um modo de viver a participação, o amor, o fervor, a comunhão, a
exaltação, o rito, a festa, a embriaguez, a dança, o canto que transfiguram
definitivamente a vida prosaica feita de tarefas práticas, utilitárias e
técnicas. Assim, o ser humano fala duas linguagens a partir de sua língua. A
primeira denota, objetiva, funda‑se no lógica do terceiro excluído. A segunda
fala através da conotação, dos signifcados contextualizados que rodeiam cada
palavra, das metáforas, das analogias, tenta traduzir emoções e sentimentos,
permite expressar a alma. (...) No estado poético, o segundo estado se converte
em primeiro”.
Esperamos
que a entrevista inspire o leitor a seguir educando prosaica e poeticamente,
lembrando que um estado pode converter‑se em outro.
*Angélica Sátiro é escritora, educadora e doutoranda na
universidade de Barcelona. Investiga as relações entre criatividade e ética. e‑mail:
angelsatiro@hotmail.com
mardi 1 septembre 2015
A alma da Torá
Da Torá à Guematria
by Rev Yoffe ShemTov
Com um texto especial de David Zumerkorn
O alfabeto hebraico, também conhecido
como Alef-Beit, é o utilizado para a escrita em hebraico,
que é uma língua semítica pertencente à família das línguas afro-asiáticas, mas
falada em Israel.
Também é utilizado para escrever o iídiche,
língua germânica falada pelos judeus da Europa
Oriental e Alemanha. Assim como na escrita árabe,
nesse alfabeto, os textos são escritos no sentido anti-horário, ou seja, da
direita para a esquerda.
·
א - alef = sem som – número
1
·
ב - bet = b/ v -- número
2
·
ג - gimel = g -- número
3
·
ד - dalet = d -- número
4
·
ה - hei = h -- número
5
·
ו - vav = v/w (em certas palavras como a vogal o ou u)
-- número 6
·
ז - zain = z --
número 7
·
ח - het = h aspirado -- número 8
·
ט - tet = t – número
9
·
י - iud = y -- número
10
·
כ - caf = k (no final de palavra ך) -- número 20
·
ל - lamed = l -- número
30
·
מ - mem = m (no fim de palavra ם) -- número 40
·
נ - nun = n (no fim duma palavra ן) – número 50
·
ס - samekh = s – número
60
·
ע - ain = nasaliza a vogal associada -- número 70
·
פ - pei/fei = p/f (no final de palavra ף) – número 80
·
צ - tzadi = tz (no final de palavra ץ) -- número 90
·
ק - kof = k -- número
100
·
ר - reish = r -- número
200
·
ש - shin/sin = (ch/s, depende da palavra) -- número 300
·
ת - tav = t -- número
400
O alfabeto
hebraico só utiliza consoantes. As vogais podem ser representadas por sinais
diacríticos, chamados niqqud ou
sinais massoréticos. A letra "aleph" existe para representar as
sílabas em que não há consoantes.
Os segredos da
Guimátria
por David
Zumerkorn
"Desvenda meus olhos para
que eu possa perceber as extraordinárias maravilhas ocultas em Tua Torá".
(Salmo 119:18)
Na hermenêutica
judaica há quatro níveis de interpretação. O primeiro nível, Pshat, é o significado literal do texto
sagrado. O segundo nível, Remez, é o
significado figurativo, o ensinamento insinuado, contido em cada uma das
palavras e dos versos dos cinco livros de Moisés. O terceiro nível, Drush, é o significado interpretativo e
homilético - o ensinamento moral e filosófico que a Torá está a transmitir. E o
quarto nível é o Sod, segredo -- o
significado escondido das palavras da Torá, vulgarmente chamado de Cabalá.
Pshat, Remez, Drush e Sod formam um acróstico em hebraico, a
palavra Pardês, que significa "pomar".
Estudar a Torá em seus diferentes níveis de significado é um adentrar-se no
"pomar de D'us", ou seja, no paraíso.
O Zohar, a obra
fundamental do misticismo judaico, diz que "se você não aceita a tradição
mística, a "Alma da Torá", não compartilha da revelação da Torá no
Monte Sinai". Em outras palavras, um estudo da Torá que não inclua seus
diferentes níveis de interpretação é um corpo sem alma.
Apresentaremos
aqui uma introdução a uma faceta dos níveis de interpretação da Torá: a Guimátria,
ou numerologia judaica. É fundamental ressaltar um princípio do judaísmo: de
que D'us, ao outorgar a Torá no Monte Sinai ao povo de Israel, entregou a
Moisés não apenas a Torá escrita, mas transmitiu-lhe, também, a Torá oral. O
núcleo desta é o Talmude, que explica e elucida a Torá escrita e suas leis.
Um dos famosos
ensinamentos do Talmude é a afirmação que formula 32 regras para explicar a
Torá. A 29ª. regra é a Guimátria. Este sistema de numerologia baseia-se no fato
de cada uma das 22 letras do alfabeto hebraico, do alef ao tav, possuir um
valor numérico. As primeiras 9 letras estão associadas às unidades (1, 2, 3...
9). As 9 letras seguintes estão associadas às dezenas (10, 20, 30... 90). E as
últimas quatro estão associadas às centenas (100, 200, 300, 400).
Muitos trechos
do Talmude citam a Numerologia judaica como um instrumento de apoio na tomada
de decisões, principalmente no que diz respeito à Lei judaica (Halachá). O rabino
Yossef Caro, autor do Shulchan Aruch, Código de Lei Judaica, disse que a
palavra Guimátria pode ser dividida em outras duas: Guei (vale) e Mitúria (da
montanha). Assim, questões que a princípio são difíceis na Torá – o que nos
parece uma "montanha" de difícil escalada, são transformadas pela Guimátria
em um "vale" de compreensão.
Vejamos um
exemplo de Guimátria aplicada, que se encontra numa passagem talmúdica que
discute as leis de um nazirita - pessoa que, nos tempos bíblicos, fazia votos
de se abster de tomar vinho, cortar o cabelo e ter contato com os mortos. O Talmude
afirma que a duração do nazirato é de 30 dias. Esta lei não é explicitada na
Torá escrita, mas na Torá oral. Contudo, o rabino Matná, ao fazer uso da
Guimátria, demonstra que esse ensinamento sobre o nazirato também se encontra,
mesmo que de forma oculta, no Pentateuco. Aponta que a palavra "yihye - será" (Números 6.5), que no
texto sagrado é usada para se referir ao nazirita, tem valor numérico de 30,
revelando, portanto, que a duração do nazirato deve ser de 30 dias.
Associando
números às letras hebraicas
A Torá possui
304.805 letras, formando 79.976 palavras. Ao analisar o verbo
"contar", podemos defini-lo como: "verificar o número",
"a quantidade de", "computar". O verbo contar também
significa, em alguns idiomas como o português, "narrar" ou "relatar",
como em "contar uma história". Desta forma, fica ressaltada a
interação íntima entre números e letras, já que o verbo contar pode englobar os
dois significados.
A palavra grega
"geometria", um ramo da matemática que estuda as dimensões e suas
relações numéricas, assemelha-se à palavra hebraica "Guimátria", que,
na língua portuguesa é chamada de "gemátria". Mais tarde, surgiu o
termo latino "gramática" para identificar o estudo da língua. Outra
vez, vê-se a ligação entre números e letras, pois "Guimátria",
"geometria" e "gramática" parecem ter a mesma etimologia. É
notável que Guimátria faz lembrar duas outras palavras da língua grega: Gama e
Tria. Sabe-se que a letra Gama é a terceira - Tria - do alfabeto grego, assim
como a letra Guímel também é a terceira letra do alfabeto hebraico, possuindo
um valor numérico de três.
Quando
engenheiros ou arquitetos planejam construir algo, começam por desenvolver um
projeto, uma planta. De forma similar, o Midrash cita que D'us, ao criar este
mundo, utilizou a Torá como sua planta e as letras do alfabeto hebraico como
agentes criadores. As letras hebraicas do Lashon Hakodesh, a Língua Sagrada,
são consideradas como "pedras", enquanto as letras das demais línguas
são os "tijolos". Pedras são criadas por D'us, tijolos são feitos
pelos homens.
A Guimátria o
confirma: a palavra hebraica Kochav significa "estrela". Esta palavra
é composta das letras Kaf, Vav, Kaf e Beit e pode ser desmembrada em dois
conjuntos de duas letras cada. O primeiro conjunto, com as letras Kaf (valor
numérico 20) e Vav (6), soma 26 e é o valor numérico do Tetragrama (o Nome mais
elevado de D'us); o segundo, com as letras Kaf (20) e Beit (2), soma 22, em uma
alusão ao número de letras que compõem o alfabeto hebraico. Daí deduzimos que a
Luz Divina ilumina todo o espectro do Universo, gerado pela combinação das 22
letras do alfabeto hebraico.
Um dos elementos
relacionados à Criação do mundo é o conjunto das 10 Sefirot (no singular,
Sefirá, palavra que também significa "contagem", como na expressão
Sefirat Haômer - a Contagem do Ômer). A Torá também é chamada de Sefer Torá
(Livro da Torá) e a pessoa habilitada a escrever a Torá é o Sofer, o escriba,
que também conta as letras da Torá para saber qual a posição exata de cada uma.
A palavra hebraica para "número" é Mispar, similar à palavra hebraica
Sipur, que significa "história", "conto",
"narração". Vemos, pois, que Sefirá, Sefer, Sofer, Mispar e Sipur são
palavras que têm em comum, em sua raiz etimológica, estas três letras: Samech,
Pei e Reish, cujos valores numéricos somados dão 340 (60 + 80 + 200) -
exatamente o mesmo que na palavra Shem (nome), formado pelas letras Shin (300)
e Mem (40). Notamos, uma vez mais, a associação entre números e nomes.
Conseqüentemente,
percebe-se que a Criação do mundo é interpretada como uma fusão de padrões
numéricos. Já que as letras estão associadas a números, a obra cabalística
Tanya, escrita pelo Alter Rebe, Rabi Shneur Zalman de Liadi, explica que uma
vez que D'us criou o mundo através da fala, os padrões numéricos criados pelas
letras dos Dez Pronunciamentos da Criação refletem a interação das forças
criativas de D'us. Os místicos judeus atribuíam especial importância à
Guimátria, pois, conforme vimos acima, D'us criou o mundo com as letras do
alfabeto hebraico. Usavam a Guimátria para descobrir os significados secretos
dos Textos Sagrados, para, combinando várias letras, encontrar poderosos Nomes
de D'us ou de anjos ou, mesmo, determinar o número exato de palavras que cada
prece deveria conter.
A aplicação da
Guimátria é feita, basicamente, de quatro maneiras:
A primeira
implica em substituir uma palavra por outra de igual valor numérico. Por
exemplo, diz o Midrash (Bereshit Rabá 68,12) que a palavra Sulam (escada) tem
valor numérico de 130, idêntico à palavra Sinai. Esta aplicação de Guimátria
faz referência a uma passagem no primeiro livro da Torá, Bereshit, em que é
relatado um enigmático sonho do patriarca Jacob: "E saiu Jacob de
Beersheva, e foi a Haran. E chegou ao lugar e lá pernoitou, porque já se pusera
o sol. E tomou das pedras do lugar, e colocou-as à sua cabeceira, e deitou-se
naquele lugar. E sonhou, e eis que uma escada (sulam) apoiava-se na terra, e
seu topo chegava aos céus .... ".
A Guimátria, ao
demonstrar que as palavras sulam e Sinai têm o mesmo valor numérico, oferece
uma das várias interpretações do sonho de Jacob: de que a escada, que ascendia
aos Céus, simbolizava a Revelação da Torá que seria entregue a seus
descendentes no monte Sinai.
Um outro
exemplo: O nome Avraham (Abraão) possui o valor numérico de 248, que é o mesmo
de Raziel, um anjo cujo nome, em hebraico, significa "segredos de
D'us". Além de ambos os nomes, em hebraico, possuírem 5 letras, há vários
paralelos entre Avraham e Raziel e a Guimátria os confirma. Raziel foi quem revelou
os segredos celestiais ao primeiro homem, Adão, e estes foram escritos em um
livro feito de safira, chamado Sefer Raziel. Trata-se de obra de grande
santidade e serve como segulá (remédio espiritual) para proteger o lar contra o
fogo e outras calamidades. O patriarca Avraham também conhecia os mistérios
celestiais e foi o autor do Sefer Yetzirá, o Livro da Formação, que contém
muitos segredos a respeito da Criação do mundo. O Sefer Raziel e o Sefer
Yetzirá são considerados os dois mais antigos textos do misticismo judaico.
A segunda
aplicação da Guimátria implica em interpretar cada letra, em separado. O nome
Yaacov, por exemplo, compõe-se das letras Yud (valor numérico 10), Ayin (70),
Kuf (100) e Beit (2). O nome do patriarca, portanto, faz referência aos
"10" mandamentos, aos "70" anciãos de Israel, à dimensão do
Tabernáculo, de "100" amot (medida talmúdica de comprimento), e às
"2" Tábuas da Lei.
Segundo seu
valor numérico, pode-se substituir um número por uma palavra. Exemplo: Em
Bereshit 14:14, lemos que Avraham foi em socorro de seu sobrinho Lot com 318
servos. Sabemos que o único servo de Avraham citado na Torá pelo nome é
Eliezer, palavra com valor numérico também de 318. Os místicos deduzem daí que
Avraham foi à guerra para salvar o sobrinho acompanhado de apenas um único
homem, Eliezer.
A terceira
aplicação: podemos, segundo o seu valor numérico, substituir uma palavra por um
número. Em Bereshit 42:2, encontra-se a palavra Redu, que significa
"descer para lá" (para o Egito) - cujo valor numérico é 210. A
palavra faz alusão aos 210 anos em que os judeus viveram no Egito.
Não podemos
deixar de mencionar que a Guimátria é uma ferramenta muito importante para o
estudo da Cabalá. Com o decorrer dos anos, principalmente em virtude de uma
maior disseminação desta ciência, nossos sábios passaram a utilizar outros
sistemas mais complexos de numerologia judaica. Entre eles podemos citar as
transformações Atbash, Albam, Atbach, Achas-Beta, Ayak-Bachar, Ach-Bi, além dos
sistemas, Kollel, Milui, Neelam, Rashei e Sofei Teivot, afora outros.
Há ainda um
exemplo interessante de Guimátria que leva em consideração a forma gramatical
da palavra. Em Êxodo 35:1, encontramos a frase: Eleh Hadevarim - "Estas
são as coisas (ou palavras)...", seguida pelo versículo que trata das leis
do Shabat. Nossos sábios interpretam a palavra Eleh ("estas" com as
letras Alef, Lamed e Hei), tendo o valor numérico de 36. Os místicos consideram
que a palavra "Hadevarim - palavras ou coisas" alude ao valor de 3
(três), pois, como explica o Rabino Yossef ben Hanina, se o texto usasse a
forma singular Davar, poderíamos acrescentar 1; se usasse a forma plural
contraída Divrei, poderíamos acrescentar 2. Mas como o texto usou a palavra no
plural, escrita por extenso, Devarim, deve-se acrescentar 3. Portanto, Eleh
Hadevarim somam um valor de 36+3=39. Este número faz alusão aos 39 principais
trabalhos proibidos no Shabat.
A aplicação da
Guimátria, assim como a própria Torá, é infinita. O antigo texto cabalístico do
Sefer Yetzirá revela que podemos calcular o nome de uma pessoa juntamente com o
da sua mãe, determinando assim muitas informações a respeito das influências
astrológicas sobre a sorte dessa pessoa (Mazal), indicando desta forma o seu
signo, planeta e anjo associados, além do dia da semana mais propício a atrair
as boas influências, entre muitas outras informações.
Exemplificando:
suponhamos que uma pessoa tenha o nome hebraico de Mazal e o de sua mãe seja
Esther. Ao calcular a soma de Mazal (77) com Esther (661), temos o valor de
738. Com este número, utilizando as tabelas e cálculos apropriados, encontramos
as seguintes associações para esta pessoa: Signo: Libra (Moznaim); planeta:
Júpiter (Tsedek); metal: Ferro (Barzel); dia da semana: 5ª feira; anjo:
Tsidkiel; letra hebraica: Tav; emanações (Sefirot): Fundamento (Yessod) com
Reinado (Malchut); cor: Azul (Cachol); além de outras informações tocantes à
personalidade da pessoa.
É verdade que
nossos sábios ensinam "Ein Mazal LeIsrael" - ou seja, que o povo de
Israel não está limitado ao poder dos astros, mas mesmo eles admitem que cada
um de nós nasce com uma influência astrológica que influenciará na determinação
de suas características e talentos. O estudo da Torá e a prática dos
mandamentos Divinos, principalmente de boas ações, são a forma correta de
canalizar as influências Divinas que têm o poder de tudo transformar para o
bem.
Fica
subentendido que, na visão judaica, cada número tem o seu significado e o seu
porquê, tanto no conceito positivo como no negativo - pois D'us criou o mundo
onde predomina a dualidade e a pluralidade. Com exceção de D'us, tudo no mundo
tem o seu oposto. Ainda assim, não há número que seja "ruim". É
verdade que, no judaísmo, há números de significado muito especial, como o 18,
que representa Chai - vive. Também o 77, que é valor da palavra Mazal - sorte.
Os atributos da Misericórdia Divina estão associados ao número 13, assim como a
força (Koach) tem valor numérico de 28. No que toca ao número 7, sabemos que
todos os sétimos são queridos, pois o número sete também faz alusão à palavra
Sova - abundância. É também famoso o número 5, que além de lembrar a alegria do
Criador, ajuda a afastar as influências negativas. Outro número muito
importante é o 26, que é o valor do Nome Inefável de D'us, ou Tetragrama, conhecido
por "Ha-va-ie". Este Nome Divino é formado por quatro letras: Yud
(10), Hei (5), Vav (6) e Hei (5) e se refere ao Eterno, ou seja, a D'us
Infinito, que transcende a Criação, a natureza, o tempo e o espaço em sua
totalidade; ou seja, é o nível de Divindade que criou o Universo do nada e que
continuamente sustenta toda a Criação.
Em nosso livro,
"Numerologia judaica e seus mistérios" (editado no Brasil pela
editora Maayanot), mostramos muitos tipos diferentes de codificações na Torá
por meio dos números, tabelas, além de uma enorme quantidade de aplicações com
exemplos e explicações, de acordo com a mais seleta tradição judaica, sobre os
significados de nomes, astrologia judaica e, principalmente, dos números. Não
podemos deixar de mencionar o Pirkei Avot, um dos tratados mais estudados da
Mishná: "Rabi Eleazar, filho de Hismá, dizia: Os cálculos das épocas do
ano e a numerologia judaica (Guimátria) são os aperitivos da sabedoria".
Muitos dos nossos sábios, tais como os rabinos Moshe Cordovero, Shlomo Alkabets,
Avraham Abuláfia, Yossef Gikatilla, Nathan Nata ben Shlomo Spira, o Arizal, o
Baal Haturim (que fez seus comentários das parashiot, ou "porções" da
Torá, embasados principalmente na Guimátria), entre muitos outros, concordavam
que a ciência da Guimátria estimula a alma e atiça a vontade de se aproximar,
cada vez mais, da Infinita Sabedoria de D'us.
Já que estamos
às vésperas do Ano Novo Judaico de 5767, vamos analisar o que a Guimátria diz
sobre o número 67. Seguem-se duas excelentes expressões, em hebraico, cujo
valor numérico é 67. A primeira é Kol Tuv (tudo de bom) e a segunda é Yom Chag
(dia de festa). O acróstico com as letras que compõem o próximo ano é formado
por Tav, Shin, Samech, Zayin (5767), podendo ser lido como: "Que seja um
ano com tudo de bom" ou, "Que seja um ano em que cada dia seja alegre
como um dia de festa".
Que possa ser a
vontade do Todo-Poderoso iluminar os nossos caminhos para que possamos entrar
numa nova era e navegar no mar da Torá com grande sabedoria e, principalmente,
com muita paz e felicidade.
Bibliografia
Rabi Aryeh
Kaplan, A Torá Viva - Chumash - Ed. Maayanot
Talmude Bavli -
Shabat 10b, Berachot 8a
Rabi Shneur Zalman de Liadi, Tanya - Kehot
Publication Society
Rabi Eliyahu Touger, In The Garden
of The Torah - Shemini - Sichos in English
Rabi Aaron L. Raskin, Letters of
Light - Sichos in English
Rabino J. Immanuel Schochet, The
Principle of Numerical Interpretation - Judaica Press
Rabi Matityahu Glazerson, What is in
a Name - Himelsein Glazerson Publishers
Zumerkorn,
David, Numerologia Judaica e seus mistérios , Ed. Maayanot
Tehilím - Salmos
- David HaMelech
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