mercredi 11 novembre 2015

Olhares judaicos, de reflexão, sobre Jesus

 

Judeus estudam Jesus

Prof. Dr. Jorge Pinheiro


Intelectuais e pensadores judeus nos últimos decênios iniciaram um caminho de aproximação e diálogo para entender o pensamento de um judeu chamado Jesus. Aqui vamos examinar brevemente o trabalho de três deles.

 

 

 

1.     David Flusser

 

Entre esses intelectuais podemos citar David Flusser, que foi professor de Novo Testamento e Cristandade antiga na Universidade Hebraica de Jerusalém. Em 1968 foi publicado o seu texto "Jesus em Auto-Testemunhos e Documentos de Imagens", onde diz que Jesus nasceu em Nazaré, era primogênito, e teve quatro irmãos e irmãs. E que foi batizado nos anos 28/29 e morreu entre os anos de 30 e 33. É interessante que Flusser não nega a virgindade de Maria, ao menos explicitamente. Em sua biografia de Jesus, Flusser relata a formação dele, a tensão com a família, que só aceita sua pregação após a morte dele. Flusser refere-se ao batismo e a dotação do espírito como um evento histórico. Considera João, o batista, como o Elias escatológico e que, com Jesus, o reino de Deus teria começado.

Para Flusser, Jesus não foi teórico racionalista e, embora tivesse se voltado contra a teimosia dos piedosos bitolados, ele enfatizou o lado moral dos mandamentos, mas não propôs a sua abolição. Assim, para Flusser, Jesus foi um judeu que se sentiu enviado aos judeus. Os fariseus aparecem em Flusser, outra vez, como referência simbólica, e não historicamente, e são absolvidos de qualquer culpa na morte de Jesus. Flusser coloca a mensagem Jesus como produto periférico ao pensamento dos essênios, mas sem afirmar que Jesus tenha sido essênio. A questão do reino de Deus foi um ponto central da proclamação de Jesus, na qual estavam embutidas uma constelação de valores e não somente aqueles de dimensão social. Por isso, considera que a escatologia se realiza através de Jesus.

Em seu o livro "A Cristandade, uma religião judaica", Flusser fala de Maria, das raízes judaicas da Cristandade, da expectativa messiânica de Jesus, de Paulo e da missão como chamado à fraternidade. Reafirma que Jesus teria visto João como Elias e que Jesus teria sido o único judeu antigo a pregar o início do reino de Deus. Ele teria se visto como Messias. E diz que nos últimos anos empregou força e diligência para mostrar, tanto em hebraico como em inglês, que Jesus se viu realmente como o Messias, o Filho de Homem por vir. Segundo Flusser, Jesus teria mudou a escatologia judaica, ao afirmar que primeiro se realiza o reino do Céu e só depois vem o juízo final. Flusser enfatiza a importância da atividade terrena de Jesus, faz a defesa da messianidade de Jesus como o Filho do Homem, mas descarta a morte expiatória. Apresenta Jesus como judeu, antes e depois da ressurreição. E, assim, apresenta o judeu Jesus como único, divino, Messias. Flusser, dessa maneira, cria a possibilidade de diálogo.

Bibliografia

David Flusser, Jesus, São Paulo, Editora Perspectiva, 2002.
Nesse texto, Flusser utiliza a mais moderna metodologia científica no campo da análise textual, filológica, documental e arqueológica na qual a leitura dos Evangelhos se faz à luz dos Manuscritos do Mar Morto, da literatura pseudo-epigráfica e apocalíptica em conjunto com a do Velho Testamento, da tradição oral judaica, da cristologia e das fontes greco-latinas da historiografia clássica, este livro do historiador David Flusser apresenta um painel da reconstituição do semblante verossímil do judeu de Nazaré e a feição objetiva da realidade que lhe foi subjacente e o projetou na transcendência - a do judaísmo do século primeiro nas suas correntes conflitantes de pensamento religioso.

David Flusser, Judaísmo e as origens do Cristianismo, vols. 1 e 2, São Paulo, Imago, 2001.
No primeiro volume, Flusser objetiva eliminar preconceitos inatos e promover uma melhor compreensão das antigas fontes das duas religiões universais: o judaísmo e o cristianismo. Dentro desta perspectiva, o autor fixa como objetivo principal tratar de alguns problemas relativos ao judaísmo antigo e ao cristianismo primitivo. E no segundo volume, mostra que como o cristianismo surgiu entre os judeus, foi, portanto, um dia, parte do judaísmo. É esta busca por uma melhor compreensão das antigas fontes de duas religiões universais que encontramos neste livro. O autor elimina os preconceitos analisando a influência e essência das doutrinas de forma direta a partir de Jesus. O livro ainda traz alguns artigos eruditos que foram publicados em periódicos.

 

 

2. Geza Vermés

 

O judeu Geza Vermés, historiador britânico, estudou o Jesus histórico. Começou as suas exposições com dados sobre a pessoa de Jesus, e o apresentou como carpinteiro, professor, curador taumaturgo e exorcista, que atuou na Galiléia. Analisou também os títulos de realeza de Jesus: profeta, Senhor, Filho de Homem, Filho de Deus. E acabou por entrar no debate sobre a pessoa do Cristo. E fez isso a partir da literatura do intertestamento e dos rabinos. Para Vermes, é difícil dizer se, de fato, Jesus aceitou os títulos messiânicos ou se essa apropriação se dá posteriormente com o surgimento da igreja cristã.

Para Vermes, em todo o caso, Jesus poderia ser enquadrado num amplo espectro das personagens judaicas de seu tempo. Vermés não faz conjecturas sobre a motivação dos cristãos de apresentarem Jesus como o Messias, mas considera que esse seria um processo natural, já que o Evangelho era perfeito, mas a obstinação dos judeus em recusá-lo como Messias, a maior de todas as promessas divinas a Israel, foi o ponto alto de um erro, e este foi o motivo principal para que seus privilégios fossem transferidos aos não-judeus.

E quem foi o responsável por esta transição foi Paulo, pois a partir do momento em que foi reconhecido como apóstolo dos gentios (Rm 11.13; At 9.15), e sua missão dirigida aos não-judeus foi aprovada pela liderança da igreja em Jerusalém (At 15), a orientação original da atividade de Jesus foi radicalmente transformada. Não-judeus entraram na igreja em grande número, e ela fez, em conformidade com o modelo de conversão existente no Judaísmo daquela época, o seu melhor para satisfazer as novas exigências. Outra transformação decisiva, que tocava na substância em conseqüência do transplante do movimento cristão ao solo gentílico, atingia o status da Torá, que representava para Jesus a fonte da inspiração e o critério do seu modo de viver. Apesar de não ser esta a posição de Jesus, ela foi declarada não só facultativa, mas abolida. A Torá, que ele compreendia com simplicidade e aprofundamento, e que transpunha com integridade, foi definida por Paulo como um instrumento de pecado e morte. E Paulo se tornou por uma virada que criou o grande abismo entre Judaísmo e Cristandade.

Assim, para Vermes, a do cristocentrismo contra o teocentrismo de Jesus separaria, então, os cristãos dos judeus, mas não os judeus de Jesus. Pois Jesus de carne e sangue, visto e ouvido na Galiléia e em Jerusalém, intransigente e persistente no seu amor a Deus e ao próximo, estava convencido de que poderia contagiar os seus semelhantes pelo exemplo e ensino, com o seu apaixonado relacionamento ao Pai no Céu. E com o pássaro do tempo o judeu simples dos Evangelhos passou para o segundo plano e cedeu lugar à magnífica e majestosa figura do Cristo da igreja.

Bibliografia

Geza Vermes, Jesus e mundo do judaísmo. São Paulo: Loyola, 1996.
Os estudos contidos neste livro levam mais longe a investigação realizada nos livros de Geza Vermes, Jesus, o judeu e Os Manuscritos do Mar Morto e lançam luz sobre muitas questões importantes e controversas do período. Os tópicos incluem a importância dos Manuscritos do Mar Morto para os estudos judaicos e os estudos do Novo Testamento; a necessidade dos estudos judaicos para a interpretação do Novo testamento; e a compreensão que Jesus tinha de si mesmo. Este volume contém em particular as Conferências Riddell Memorial, "O Evangelho de Jesus, o Judeu", que representam uma continuação de Jesus, o judeu.

Geza Vermes, As várias faces de Jesus, São Paulo, Editora Record, 2006.
Vermes reorienta o conhecimento comum sobre Jesus com essa pesquisa provocante. Sua obra propõe uma nova abordagem, conferindo o mesmo peso ao Novo Testamento e aos escritos judaicos não-bíblicos. O objetivo é explorar os diferentes perfis do personagem que definiu dois milênios da fé cristã para analisar como e por que aquele palestino carismático foi elevado à condição divina de Cristo. O autor nos remete aos primórdios do cristianismo, permitindo a compreensão das condições históricas ocultas nos textos dos evangelhos mais antigos ao privilegiar o evangelho mais recente, o de João.

O autor de As Várias Faces de Jesus considera Cristo, a Igreja primitiva e o Novo Testamento como parte de uma interpretação do judaísmo. Ao despir as interpretações teológicas do contexto dos evangelhos, ele procura revelar a verdadeira identidade, a figura humana de Jesus, e esclarece como os Seus ensinamentos foram passados da versão original à nossa civilização.

Geza Vermés, O autêntico Evangelho de Jesus, São Paulo, Editora Record, 2006.
O autor relaciona, compara, classifica e examina diferenças entre os ditos atribuídos a Jesus nos Evangelhos Sinópticos (Mateus, Marcos e Lucas) ao longo de nove capítulos. Assim, analisa temas essenciais do cristianismo como a oração, a Última Ceia, os momentos próximos à morte e a ressurreição de Cristo, as maldições, o exorcismo e as bem-aventuranças preservadas em formas distintas pelos evangelistas.

 

 

3. David H. Stern

 

O rabino David H. Stern publicou nos Estados Unidos uma tradução do Novo Testamento introduzindo anotações a partir das raízes judaicas presentes nos textos. Em seu trabalho, o conceito “promessa e cumprimento” tem importância central. Jesus cumpriu as promessas do Antigo Testamento. Textos como os de Gn 3.15; 12.3; 17.19; 21.12; 28.14 ou Nm 24.17-19 e ainda muitos outros, remetem a Jesus. O Novo Testamento é visto, então, como a Nova Torá. O fim desta Torá é o Messias, que oferece justiça a cada um que confia nele.


Bibliografia

David H. Stern, O Novo Testamento Judaico, São Paulo, Editora Vida, 2007.
Porque esta versão do Novo Testamento difere das demais? Porque este Novo Testamento Judaico deixa transparecer sua judaicidade originária e essencial. Todas as outras versões do Novo Testamento em português — há literalmente dezenas — apresentam sua mensagem na abordagem lingüística, cultural e teológica dos não-judeus cristãos.

E o que há de errado com isso? Nada! Ainda que o Evangelho seja de origem judaica, ele não existe só para os judeus, mas também para os não-judeus. O próprio Novo Testamento deixa isso muito claro, portanto, é apropriado que sua mensagem seja comunicada aos não-judeus de forma a lhes impor o mínimo possível de outra bagagem cultural. E esta abordagem tem sido bem-sucedida: milhões de não-judeus depositaram sua confiança no Deus de Avraham, e Yitz’chak e Ya‘akov e no Messias judeu, Yeshua.

O Novo Testamento é um livro judeu. Entretanto, chegou o tempo de restaurar a judaicidade do Novo Testamento. Pois o Novo Testamento é de fato um livro judeu — escrito por judeus, que trata majoritariamente de judeus e que tem por público alvo judeus e não-judeus. É correto adaptar um livro judeu para a melhor apreciação dos não-judeus, mas não ao preço de suprimir sua judaicidade inerente. O Novo Testamento Judaico evidencia suas características judaicas a partir do título, da mesma forma que o nome Judeus por Jesus une duas idéias consideradas incompatíveis e completamente dissociadas por algumas pessoas. Entretanto, essa separação não pode existir. A figura central do Novo Testamento, Yeshua o Messias, Era um judeu nascido de judeus em Beit-Lechem, cresceu entre os judeus em Natzeret, ministrou aos judeus na Galil, morreu e ressuscitou na capital judia, Yerushalayim — tudo isto em EretzYisra’el, a terra dada por Deus ao povo judeu.

Além disso, Yeshua ainda é judeu, porque ainda está vivo, e em nenhum lugar a Escritura afirma ou sugere que ele tenha cessado de ser judeu. Seus doze seguidores mais íntimos eram judeus. Durante anos todos os seus talmidim eram judeus, alcançando o número de “dezenas de milhares” só em Yerushalayim. O Novo Testamento foi escrito inteiramente por judeus (Lucas era, ao que tudo indica, um prosélito do judaísmo); e sua mensagem é dirigida “especialmente ao judeu, mas também ao não-judeu”. Os judeus levaram o Evangelho aos não-judeus, e não o inverso. Sha’ul, o principal emissário aos não-judeus, foi durante toda a sua vida um judeu praticante, como evidencia o livro de Atos. De fato, a principal questão no início da comunidade messiânica (“igreja”) não era se um judeu poderia crer em Yeshua, mas se um não-judeu poderia se tornar cristão sem se converter ao judaísmo. A expiação vicária do Messias tem sua raiz no sistema sacrificial judaico. A ceia do Senhor origina-se da Páscoa judaica. A imersão (“batismo”) é uma prática judaica. Yeshua disse: “A salvação vem dos judeus”.

A própria Nova Aliança foi prometida pelo profeta judeu Jeremias. O próprio conceito do Messias é exclusivamente judeu. A bem da verdade, o Novo Testamento completa o Tanakh, as Escrituras hebraicas outorgadas por Deus ao povo judeu; de forma que o Novo Testamento sem o Antigo é tão possível quanto o segundo pavimento de uma casa sem o primeiro, e o Antigo sem o Novo é como uma casa sem teto. Além do mais, muito do que está escrito no Novo Testamento é incompreensível à parte do contexto judaico. Eis aqui um exemplo, extraído de muitos outros. Yeshua disse literalmente no Sermão do Monte: “Se o seu olho for mau, todo o seu corpo estará em trevas”. O que é um “olho mau”? Alguém que desconheça o pano de fundo judeu poderia supor que Yeshua estivesse falando sobre algum tipo de encantamento. Todavia, em hebraico, possuir um ‘ayin ra‘ah, “olho mau”, significa ser sovina; ao passo que ter um ‘ayin tovah, um “olho bom”, equivale a ser generoso. Yeshua está simplesmente incentivando a generosidade e desestimulando a avareza. E esse entendimento combina muito bem com os versículos do contexto: “Onde estiver seu tesouro, aí também estará seu coração [...] você não pode ser escravo de Deus e do dinheiro”.

Contudo, a melhor demonstração do caráter judaico do Novo Testamento é também a prova mais convincente de sua veracidade, ou seja, o número de profecias do Tanakh — todas muitos séculos mais velhas que os acontecimentos registrados no Novo Testamento — cumpridas na pessoa de Yeshua de Natzeret. A probabilidade de que qualquer pessoa pudesse se encaixar em dezenas de condições proféticas por mero acaso é infinitesimal. Nenhum candidato farsante ao messiado, como Shim‘on Bar-Kokhva ou Shabtai Tzvi, cumpriu mais que umas poucas. Yeshua cumpriu todas as 52 profecias referentes à sua primeira vinda. As restantes serão cumpridas quando ele retornar em glória. Dessa forma, o Novo Testamento Judaico considera normal pensar no Novo Testamento como algo judeu.

Há três áreas adicionais nas quais o Novo Testamento Judaico pode ajudar em relação a tikkun-ha‘olam (“conserto do mundo”): o anti-semitismo cristão, a recusa judaica de receber o Evangelho e a separação entre a igreja e o povo judeu.

1. O anti-semitismo cristão. Inicialmente, um círculo vicioso de anti-semitismo cristão se alimenta do Novo Testamento. O Novo Testamento não contém nenhuma forma de anti-semitismo, mas desde os primeiros dias da igreja, os promotores desse conceito têm distorcido o Novo Testamento para justificar-se e se infiltrar na teologia cristã. Alguns tradutores do Novo Testamento, ainda que não tenham sido anti-semitas, absorveram a teologia anti-semita e produziram traduções antijudaicas. Os leitores dessas traduções acabaram assumindo posturas anti-semitas e hostis ao judaísmo. Alguns desses leitores se tornaram teólogos que refinaram e desenvolveram o caráter anti-semita da teologia cristã (eles poderiam até mesmo não ter consciência desse sentimento); ainda outros se tornaram ativistas em prol do anti-semitismo e perseguiram os judeus, pensando agradar a Deus enquanto procediam assim. Este círculo vicioso precisa ser quebrado. O Novo Testamento Judaico é uma tentativa de remover erros teológicos anti-semitas multisseculares e destacar positivamente sua judaicidade.

2. A desconfiança judaica em relação ao Evangelho. Em segundo lugar, apesar de mais de cem mil judeus messiânicos habitarem em países de língua inglesa, é óbvio que a maior parte do povo judeu não aceita Yeshua como Messias. Ainda que as razões possam incluir a perseguição cristã aos judeus, as cosmovisões seculares que cedem pouco espaço para Deus ou um messias, e a recusa de se arrepender dos pecados — o motivo principal é o sentimento de que o Evangelho lhes é irrelevante. Este sentimento se origina parcialmente do modo pelo qual o cristianismo representa a si mesmo, mas também da alienação induzida pela maior parte das versões do Novo Testamento. Com a ornamentação cultural cristã gentílica e suas justificativas teológicas antijudaicas, fizeram com que muitos judeus pensassem ser o Novo Testamento um livro não-judeu sobre uma divindade dos não-judeus.

O Jesus apresentado por eles diz pouco a respeito da vida judaica. Torna-se difícil para o judeu experimentar Yeshua o Messias como ele realmente é — amigo de todo judeu. Ainda que o Novo Testamento Judaico não consiga eliminar todas as barreiras entre os judeus e a confiança no seu Messias, ele remove alguns obstáculos lingüísticos, culturais e teológicos. O judeu que ler o Novo Testamento Judaico poderá experimentar Yeshua como o Messias prometido pelo Tanakh ao povo judeu; e poderá perceber que o Novo Testamento é tão importante para os judeus quanto para os não-judeus; e será confrontado com a mensagem integral da Bíblia, os dois Testamentos juntos, como verdadeiros, importantes e dignos de aceitação, a chave para a salvação pessoal e de seu povo.

3. A separação entre a comunidade messiânica e o povo judeu. Em último lugar, séculos de rejeição judaica de Yeshua e de rejeição cristã em relação aos judeus produziu a situação na qual nos encontramos: cristianismo é cristianismo, e judaísmo é judaísmo e os dois jamais se encontrarão. Além disso, muitos judeus e cristãos estão satisfeitos com essa situação. Entretanto, não é vontade divina a existência separada de dois povos de Deus. Os cristãos não-judeus que reconhecem sua união a Yisra’el, e não sua substituição, e os judeus messiânicos plenamente identificados com o povo e o Messias judeu, Yeshua, devem trabalhar conjuntamente para reunificar o grande cisma da história mundial, a divisão existente entre a igreja e o povo judeu. O Novo Testamento Judaico tem um papel a desempenhar na grande tarefa de reunir os dois grupos de forma a preservar a identidade judaica na comunidade messiânica, na qual judeus e não-judeus honram a Deus e seu Messias de acordo com o Tanakh e o Novo Testamento.


Expo Cristã, São Paulo, 13 de setembro de 2007.

Este é um texto antigo que deve se atualizado com a produção teórica de filósofos e pensadores judeus que fizeram esse caminhar de estudo e aproximação entre a fé judaica e o cristianismo.

mardi 3 novembre 2015

Les limites de l'égalité et de la liberté: amour et l'unité

À mon ami André Farias, une fois encore...


La grâce et la paix de Jésus Christ soient dans tous les cœurs. C'est une joie d'être avec nos frères et sœurs dans ce moment de fraternité chrétienne et de culte à notre Créateur, le Dieu éternel. Et je vous transmets les salutations chaleureuses de l'Église baptiste de Perdizes, de l'Ordre des Pasteurs baptistes du Brésil et de la Convention baptiste du Brésil à tous les présents, mais, en particulier, à l'Église baptiste de Montpellier.

Notre sermon a pour titre :

Les limites de l'égalité et de la liberté: amour et l'unité
Pr. Jorge Pinheiro, PhD

Lorsque nous analysons les conflits vécus par les premières communautés chrétiennes de la Galatie, générées par les inégalités raciales et religieuses (juive / grec), sociale (esclave / gratuit) et le sexe (masculin / féminin), nous voyons que l'apôtre Paul propose une transformation radicale de la situation : l'unité de l'Église dans le Christ prenne les communautés chrétiennes à vivre dans l'égalité et la liberté. En fait, l'apôtre propose, en fin de compte, que les divisions entre les frères et sœurs, à venir la race, le statut social ou le sexe, n'existent pas dans les communautés chrétiennes. 

"Pour la foi en Jésus Christ, vous êtes tous des enfants de Dieu. Étant donné que vous avez été baptisés pour devenir unie avec le Christ et ainsi revêtu avec les qualités du Christ lui-même. Ainsi il n'y a aucune différence entre les Juifs et les Gentils, entre esclaves et hommes libres, entre les hommes et les femmes: vous êtes tous un, car ils sont en Jésus-Christ ". (Galates 3,26 à 28. Nouvelle traduction du New International Version, CFF).

Ces versets de l'apôtre Paul sont la clé pour comprendre la lettre aux Galates. Il est d'elle que Paul parle de la possibilité de surmonter l'inégalité raciale et religieuse, sociale et le sexe dans l'église. Et l'argument de la fondation de l'apôtre est l'unité dans le Christ qui permet à l'égalité et la liberté et qui conduit au corps de l'unité Christ.

Ainsi, Galates 3,26 à 28, coeur de la lettre aux Galates, est une proposition d'ouverture des frontières, le renversement de murs, de surmonter les conflits et les antagonismes qui divisent l'église.

Trois questions difficiles

Sans aucun doute, Paul présente les questions difficiles pour nous baptistes. Nous pouvons dire que les disparités économiques et sociales, ethniques et de genre sont présentes dans les églises, même si nous ne voulons pas ou sommes d'accord avec ces positions. Parfois, il est de la discrimination aux Afro-Brésiliens ou indiens brésiliens, il est parfois la discrimination aux frères migré des régions les plus pauvres, il est parfois la discrimination envers les pauvres ou même la répartition de nos sœurs, simplement parce qu'ils appartiennent au sexe féminin. Donc ce texte Paul a tellement pertinente que lors de l'Apôtre écrit. 

Parlez à la classe sur les inégalités raciales, dans le domaine social et le sexe de votre ville. Et, d'ailleurs, si elle existe également dans son église. S'il invite la classe de prier pour l'amour dans le Christ surmonte toutes les différences et les préjugés et de conserver l'unité de l'église.

Rappelez-vous de son peuple: 

"Saül est allé à Jérusalem et a essayé de rejoindre les disciples de Jésus. Mais tous avaient peur de lui parce qu'ils croyaient qu'il était aussi un disciple de Jésus ". Actes 9:26.

Le Nouveau Testament montre que les églises sont un plan de Dieu pour tous les êtres humains qui acceptent Jésus comme Seigneur et Sauveur. Cela signifie que même ceux qui sont différents, nous seront également appelés.

Le défi de l'égalité et de la liberté 

Nous sommes interpellés par ces deux questions, l'égalité et la liberté. Comme nous l'avons vu à l'époque de Paul, les contradictions dans les communautés du Nord Galatie ont été générées par les disparités raciales, sociales et de genre, mais l'apôtre Paul croyait qu'ils pouvaient être surmontés par l'amour et l'unité dans le Christ.

Le prêtre Antonio Vieira, un des plus importants prêcheurs en portugais, a dit dans le Sermon du Mandat (1643), que « l'amour ne sont pas des lieux syndicaux, mais de volontés ; endroits syndicaux l'extérieur, il avait été en mesure d'annuler la distance, mais comme union des volontés, il ne peut pas refroidir l'absence ". Il a expliqué que le plus grand de l'absence que nous avons est celle du Christ, qui est retourné vers le Père, mais qui est avec nous chaque jour par l'Esprit. Par conséquent, les distances ne peuvent pas nous séparer, si ce genre est, les distances géographiques, les différences raciales, le montant d'argent que nous avons dans la poche ou dans le compte en banque, le fait d'être homme ou femme, peut sembler séparations excessives, peut sembler distincte les corps et les vies, mais ne peut pas et ne doit pas diviser les cœurs. Ils peuvent parfois brouiller les yeux, mais ne peuvent pas refroidir l'amour.

Au 17e siècle, lorsque les premières églises baptistes en Angleterre, le pasteur John Smyth et William Dell, fondateur du Baptiste pensaient que pays, ont fait la différence en augmentant les drapeaux d'égalité et de liberté.

John Smyth et William Dell a défendu la liberté absolue de conscience et utilisés chaque occasion pour montrer qu'il n'y a pas le plan de Dieu que les gens avaient réduit leur liberté de conscience. Dell a constaté que l'usage de la contrainte par les Anglais contre les puritains de pouvoir monarchique, séparatistes et les baptistes étaient un acte nuisible qui ne vient pas du Christ parce que nous sommes tous égaux et donc sauvé par grâce. Mais aussi parce que nous sommes en Christ, libre devant Dieu. Libre d'adorer et de l'égalité parce que la vie de foi ne peut être au-dessus de nous, mais le Christ, le Fils du Dieu vivant.

Donc, ces deux hommes ont compris le message du Nouveau Testament, inspiré par Dieu. Et il est dans nos cœurs la proposition de Paul, qui a présenté le commandement de surmonter les barrières de race, de statut social, le sexe et a montré les Eglises de la Galatie et nous baptistes les fondations de l'amour et de l'unité, qui définissent les limites de l'égalité et la liberté.

Rappelez-vous de son peuple:

"Sur le chemin, il vit un eunuque éthiopien, qui revenait à son pays. Cet homme était un haut fonctionnaire, trésorier et administrateur de la reine éthiopienne de la finance ". Actes 8: 27-28.

L'Ethiopien était noir, un autre rapport à Felipe, mais il a demandé: « Comment puis-je, si quelqu'un ne me guide?". Et cet homme de culture, de couleur, pays différent cru quand l'évangile du royaume présenté.

L'eunuque accepté l'Évangile et a été baptisé. Alors, que dirons-nous à Dieu quand les gens différents, ils nous approchent? Certes, avec gratitude parce que nous sommes appelés à la communion et l'obéissance. Ainsi l'apôtre Paul dit qu'il y a « un seul Seigneur, une seule foi et un seul baptême," même si nous sommes différents les uns des autres. (Ephésiens 4.5).

De la réflexion à l'action

La portée du texte apostolique nous emmènons de la réflexion à l'action sur les trois thèmes qui sont imbriqués dans cette ouverture des frontières: l'égalité, la liberté et l'unité dans le Christ.

Donc Paulo nous oblige à repenser les questions ethniques, l'esclavage et le sexe, en extrapolant les murs de l'église et de présenter tous les chrétiens une proposition d'ouverture de la frontière où il aequalitate, parité, l'égalité des droits et des chances. Et libertate, de sorte que chaque personne peut avoir leur agence en règle des droits humains autonomes devant sa conscience et Dieu, comme son image, qui a garanti leur droit à l'existence et la vie.

Si la révélation est une conversation entre Dieu et l'être humain, dans le Christ, il est de ce dialogue que nous avons les bases pour savoir ce que Dieu veut que nous soyons: libres et égaux, unis pour l'amour du Christ. En ce sens, peu importe comment il est pourri l'être humain, peu importe comment abandonnés et victimes de discrimination sociale, mais il reste la liberté de conscience nécessaire pour accepter le dialogue proposé par le Créateur.

Les baptistes croient que la mission du peuple de Dieu est l'évangélisation du monde, pour la réconciliation de l'homme avec Dieu, indépendamment de la situation financière, sociale ou si elle est homme ou femme. Les disciples de Jésus et les églises ont été appelés à proclamer à travers l'exemple de l'amour et de l'unité dans le Christ et par la prédication de l'Évangile de la paix et de faire de nouveaux disciples du Christ dans toutes les nations ainsi. Il appartient aux Églises baptisent eux et leur apprenant à observer ce commandement de Jésus. Évangélisation et les missions se produisent lorsque nous vivons dans l'égalité et la liberté de l'église et de témoins de la foi à travers nos propres vies.

Rappelez-vous de son peuple:

Jésus lui-même qui nous a donné la ligne directrice: « Je suis le cep, vous êtes les sarments. Qui sont unis avec moi et moi avec lui, porte beaucoup de fruit, car sans moi vous ne pouvez rien faire ". Jean 15.5.

Jésus est la vigne, mais les fruits de la justice proviennent de communautés qui lui sont liés. Puissions-nous tous, unis à lui, les fruits produisent reconnus de la justice et la dignité. Ceci est-ce que Jésus attend de nous.

Ceci est le message de Paul aux baptistes brésiliens et françaises, mais aussi et principalement à notre camarade en Christ, Pr. André Sass Farias:

Si nous sommes un en Jésus-Christ - et qui est ce qui devrait être recherché - l'église ne peut pas être divisée entre Juifs et Palestiniens, entre les puissants et misérables, entre les hommes et les femmes.


samedi 31 octobre 2015

Nosso futuro roubado

Para meus alunos que vão prestar o ENADE 

Teologia índia
“O Reino de Deus passa também pela construção de utopias ou sonhos de futuro”.

Publicado no site IHU On-Line em 16 de setembro de 2014

Um dos primeiros teólogos indígenas a trabalhar com a teologia índia na América Latina, Eleazar López Fernández à IHU On-Line comenta que, entre suas primeiras iniciativas, papa Francisco “eliminou as desconfianças que a cúria romana tinha em relação ao processo inculturador da Igreja de San Cristóbal de las Casas, Chiapas, e está garantindo a continuidade do processo com um pastor que conhece e apoia e com a ordenação de novos diáconos indígenas”.

“O diálogo com a Congregação para a Doutrina da Fé sobre os ‘pontos nevrálgicos’ da teologia indígena continua aberto e esperamos que logo seja concluído com posições mais flexíveis, que permitam avançar rumo ao seu reconhecimento como verdadeira teologia dentro da Igreja”, diz o teólogo.

“O Papa Francisco não chegou ao papado com um conhecimento amplo da realidade indígena da América Latina e do mundo. Mas muito rapidamente abriu-se a esta realidade e está tomando posição frente a ela”, diz Eleazar López Fernández à IHU On-Line.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Eleazar López faz uma análise da repercussão da teologia índia no continente e sua relação com o cristianismo. Na avaliação dele, ela “está tendo um impacto muito grande nas Igrejas cristãs”, porque “foi tema de diálogo praticamente das últimas três Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e do Caribe daIgreja católica (Puebla, Santo Domingo e Aparecida); também da última assembleia geral do Conselho Mundial de Igrejas, em 2013, e de muitos congressos, simpósios, encontros, seminários e fóruns de cristãos comprometidos com a luta dos pobres”. Nesse sentido, pontua, Equador,Guatemala e México “distinguiram-se recentemente como os maiores impulsionadores da recuperação da força e sabedoria indígena que inspira as lutas atuais pelos plenos direitos dos povos, da humanidade e da terra”.

O teólogo explica que o “núcleo” central das teologias indígenas consiste em permitir “a maneira de entender e relacionar-se com Deus como Mãe-Pai de tudo o que existe; a maneira de entender e relacionar-se com os seres humanos como colaboradores de Deus e irmãos entre nós; a maneira de entender a natureza como expressão tangível de Deus e como o grande receptáculo ou matriz da vida, onde os humanos desfrutam desta vida em solidariedade e responsabilidade com os demais seres da criação”. Assim, a teologia indígena “distingue-se de outras vertentes teológicas cristãs porque tem sua raiz e origem antes e fora do cristianismo, e pode prosseguir seu caminho sem relação com a fé cristã. Mas ela foi introduzida nas Igrejas por indígenas cristãos para interagir com a proposta teológica que existe nas Igrejas, uma vez que, com a teologia indígena, muitos membros dos povos indígenas receberam a fé cristã e com ela refletem esta nossa fé em Cristo”.

Eleazar López Hernández destaca ainda o papel político, econômico e social a ser desempenhado pela teologia índia, como “uma proposta que os indígenas fazem para o resto da sociedade e das Igrejas, assinalando que a cosmovisão e os valores dos povos podem ser uma alternativa de vida para toda a humanidade; com estes valores, que já foram vividos pelos antepassados, podemos projetar juntos — indígenas e não indígenas — sociedades que superem as causas estruturais da crise atual”. E acrescenta: “A contribuição maior das teologias indígenas tem a ver com o futuro que é preciso construir. É aqui que as utopias de futuro (como a Terra sem Males dos guarani ou o Sumak Kawsay dos andinos) têm uma força muito grande para inspirar os contornos desse outro mundo possível que muitos desejam e que de muitas maneiras os povos indígenas ainda vivem em seus redutos de vida”.

Eleazar López Hernández une seus estudos teológicos à prática indígena. Nasceu em Juchitán, Oaxaca, no México, ingressou no seminário em 1961 e formou-se em Filosofia e Teologia. Também participou do primeiro curso de pastoral indigenista em Caracas, da primeira Conferência dos Povos Indígenas, em 1975, em Vancouver, da contribuição indígena para o Encontro de Puebla e de Santo Domingo, como conselheiro. Atualmente, trabalha no Centro Nacional de Ayuda a las Misiones Indígenas – CENAMI, no México, participa da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo e da equipe teológica Ameríndia.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é a teologia indígena, como e por que ela surgiu na América Latina?

Eleazar López Fernández – A chamada “teologia indígena”na América Latina é o que resta das teologias originárias dos povos que habitavam este continente antes da chegada dos europeus, os quais, ao conquistar e dominar estes povos, chamaram-nos de “índios”, como sinônimo de vencidos que deviam ser sujeitados à lógica do vencedor. De modo que estamos falando de algo que não é novo, mas muito antigo nestas terras.

Durante toda a época colonial, esta teologia dos povos ameríndios foi atacada sistematicamente para erradicá-la e, assim, implantar o cristianismo. Mas ela sobreviveu nos redutos de vida destes povos. E, nos últimos 50 anos, indígenas convertidos à fé cristã a retomamos, em um primeiro momento reconhecendo e enfatizando sua situação “indígena” para, a partir daí, ir libertando-a deste condicionamento negativo a fim de que mostre para o futuro toda a sua vitalidade de teologia da vida para a vida. Este esforço intraeclesial leva-nos a exigir que seja valorizada e que se dê a ela o lugar que merece tanto em sua expressão autônoma fora das Igrejas como também dentro delas. E que aceite o desafio e a oportunidade de reparar erros do passado e construir outros modos de ser Igreja com a capacidade de incorporar em seu interior a diversidade humana e teológica, assumindo as novas contribuições dos povos mais antigos deste continente.

 “A teologia indígena está se tornando um assunto não exclusivamente de indígenas, mas algo que pode converter-se em patrimônio do conjunto da Igreja e da humanidade”

IHU On-Line – Qual é o núcleo da teologia indígena?

Eleazar López Fernández – Não é fácil responder a essa pergunta, pois a diversidade de povos que sobrevivem ao impacto, primeiro, do modelo colonial, depois do capitalista e agora da globalização neoliberal é muito grande e cada um tem acentos particulares em sua luta para sobreviver e construir possibilidades de futuro digno. No entanto, em base aos encontros amplos que tivemos recentemente para compartilhar experiências e ideias, nos damos conta de que existem certos elementos que podem ser considerados como núcleo das teologias indígenas de hoje e que são compartilhados com os demais, dentro e fora das Igrejas, e que são como as flores de nossos povos: a maneira de entender e relacionar-se com Deus como Mãe-Pai de tudo o que existe; a maneira de entender e relacionar-se com os seres humanos como colaboradores de Deus e irmãos entre nós; a maneira de entender a natureza como expressão tangível de Deus e como o grande receptáculo ou matriz da vida, onde os humanos desfrutam desta vida em solidariedade e responsabilidade com os demais seres da criação.

As teologias indígenas de hoje incluem tanto um enfoque de libertação de qualquer estrutura que oprime as pessoas e povos, e que continua a fazer indígenas os descendentes dos povos mais antigos e também outros, como uma proposta de construção de novas sociedades, onde caibam todos com as suas identidades particulares e, sobretudo, com a dignidade que todos merecem como filhos de Deus e irmãos entre nós.

IHU On-Line – Como a teologia indígena se distingue da teologia em geral? Há diferenças teológicas nas duas posições?
Eleazar López Fernández – A vertente chamada “Teologia Indígena” distingue-se de outras vertentes teológicas cristãs porque tem sua raiz e origem antes e fora do cristianismo, e pode prosseguir seu caminho sem relação com a fé cristã. Mas ela foi introduzida nas Igrejas por indígenas cristãos para interagir com a proposta teológica que existe nas Igrejas, uma vez que, com a teologia indígena, muitos membros dos povos indígenas receberam a fé cristã e com ela refletem esta nossa fé em Cristo. De modo que isso dá à nossa teologia e à vivência cristã um caráter especial como compreensão e vivência da fé com as categorias próprias dos povos indígenas. Esta teologia pode enquadrar-se no que agora se chama de inculturação do Evangelho de Cristo.

Mas a teologia indígena é também uma proposta que os indígenas fazem para o resto da sociedade e das Igrejas assinalando que a cosmovisão e os valores dos povos podem ser uma alternativa de vida para toda a humanidade; com estes valores, que já foram vividos pelos antepassados, podemos projetar juntos — indígenas e não indígenas — sociedades que superem as causas estruturais da crise atual. E também Igrejas que vão além do esquema colonial monocultural, em que se encontram atualmente, para serem verdadeiramente inculturadas e interculturais, onde as periferias tenham espaço sem que sua dignidade e identidade própria sejam menosprezadas.

IHU On-Line – Qual é a compreensão da teologia indígena sobre Deus?

Eleazar López Fernández – Reitero o que já disse antes: Deus, na maioria das teologias indígenas do continente, desde antes do cristianismo, é pensado como Pai-Mãe ou Mãe-Pai. O que quer dizer que Deus é a origem da vida ou que Ele nos dá e nos mantém com vida. E para expressar esta percepção profunda lançam mão de todos os nomes relacionados com a vida humana, a terra e o universo. A teologia dos povos originários toca facetas de Deus que, embora possam estar presentes também na proposta judaico-cristã, não estão suficientemente desenvolvidas ou enfatizadas, como o aspecto feminino e maternal e a relação profunda de Deus com a Mãe Terra.

IHU On-Line – Que leitura a teologia indígena faz da Bíblia?

Eleazar López Fernández – O tema da minha apresentação neste congresso teológico é precisamente a leitura que os indígenas fazem ou podem fazer da Bíblia. Reconhecendo que a Bíblia não apenas esteve longe dos povos indígenas durante estes 500 anos de contato, mas que foi utilizada para justificar a opressão dos indígenas e, consequentemente, como arma para agredir estes povos em suas crenças ancestrais, os indígenas cristãos assumem a tarefa de mudar esta relação mediante a implementação de um novo encontro com a Bíblia ao modo como as nossas avós e avôs se encontravam no passado com os mitos e crenças fundantes de outros povos, ou seja, como caminhos diversos e inovadores de relação com o mesmo Deus de todos os povos, Aquele que nos dá a Vida. E assim a Bíblia se converte em um espelho onde vemos o nosso próprio rosto e coração. De modo que a história da salvação contida na Bíblia converte-se também em história de salvação do nosso povo, sem a necessidade de negar a nossa realidade ou alienar-nos para assumir concepções vindas de fora. Só assim superamos o problema da estrangeiridade da Bíblia e da nossa possível alienação ao incorporá-la no mundo indígena. Pois, com a Bíblia, os indígenas reencontram-se com a sua identidade originária mais profunda e a consolidam plenificando-a em Cristo. Também para os indígenas Jesus não veio para abolir a lei e os profetas, mas para dar-lhes pleno cumprimento.

Uma leitura intercultural da Bíblia, desde os povos indígenas, permite-nos entender a proposta bíblica como um caminho paradigmático e privilegiado feito por um povo similar ao nosso que nos anima a fazer, também nós, o nosso caminho de encontro pleno com a proposta de vida que vem do mesmo Deus dos nossos antepassados, que é Criador e Formador, Aquele que, sendo Intangível e Impalpável (Yóhuali-Ehécatl), se coloca Perto e Junto de nós (Tloque-Nahuaque) porque une céu e terra ao ser Quetzalcóatl ou Coração do Céu-Coração da Terra. Um encontro assim com a Bíblia não destrói nem desqualifica a nossa caminhada, mas a assume e a leva à sua plenitude.

 “Países como o Brasil, que tem uma porcentagem muito pequena de indígenas e, no entanto, reconhece que o motor da vida destes povos é sua experiência e reflexão teológica, que pode inspirar também a luta dos demais empobrecidos”
 
IHU On-Line – Qual é o impacto da teologia indígena na América Latina? Quem são os partidários desta teologia? Em que países a teologia indígena tem maior representação?

Eleazar López Fernández – Numericamente, a população indígena do continente é reduzida, porque quase foi dizimada no passado; somos apenas cerca de 60 milhões em relação a 120 milhões de afrodescendentes e uma quantidade muito maior de mestiços. No entanto, a voz soterrada dos povos indígenas, antes negada e silenciada, está se levantando agora com uma força muito grande e com uma carga de conteúdos que suscita o interesse não apenas dos indígenas, mas também dos não indígenas. E, por esse motivo, a teologia indígena está tendo um impacto muito grande nas Igrejas cristãs. Ela foi tema de diálogo praticamente das últimas três Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e do Caribe da Igreja católica (Puebla, Santo Domingo e Aparecida); também da última assembleia geral do Conselho Mundial de Igrejas, em 2013, e de muitos congressos, simpósios, encontros, seminários e fóruns de cristãos comprometidos com a luta dos pobres. A teologia indígena está se tornando um assunto não exclusivamente de indígenas, mas algo que pode converter-se em patrimônio do conjunto da Igreja e da humanidade.

Os partidários da teologia indígena são muitas irmãs e irmãos indígenas que vão compreendendo que ela é uma riqueza nossa que podemos oferecer aos demais; mas também muitos não indígenas se somaram a esta perspectiva porque descobrem a grandiosidade de suas proposições como buscas legítimas e enriquecedoras, que não somente não se opõem à proposta de Jesus e da Bíblia, mas que a enriquecem e a enraízam nas realidades humanas concretas de nossos tempos.

Países como o Equador, Guatemala e México distinguiram-se recentemente como os maiores impulsionadores da recuperação da força e sabedoria indígena que inspira as lutas atuais pelos plenos direitos dos povos, da humanidade e da terra; mas também países menores como El Salvador, Panamá, Belize, na América Central, estão impulsionando o desenvolvimento da sua teologia indígena; ou países como o Brasil, que tem uma porcentagem muito pequena de indígenas e, no entanto, reconhece que o motor da vida destes povos é sua experiência e reflexão teológica, que pode inspirar também a luta dos demais empobrecidos. Por isso, buscam e conseguem importantes alianças.

IHU On-Line – Qual é a relação da teologia índia com questões políticas e econômicas na América Latina? Qual é o significado de assumir uma postura crítica no momento político atual?

Eleazar López Fernández – As teologias indígenas de hoje não têm sua origem imediata na consciência crítica sobre a realidade de opressão sofrida pelos pobres, uma vez que elas existiram em contextos que não são de opressão. No entanto, enquanto atualmente são teologias marcadas pelo “índio” como categoria colonial que persiste, elas se ativam agora com uma carga forte de libertação, por serem teologias de resistência ao mal que se impôs há mais de 500 anos. No entanto, a contribuição maior das teologias indígenas tem a ver com o futuro que é preciso construir. É aqui que as utopias de futuro (como a Terra sem Males dos guarani ou o Sumak Kawsay dos andinos) têm uma força muito grande para inspirar os contornos desse outro mundo possível que muitos desejam e que de muitas maneiras os povos indígenas ainda vivem em seus redutos de vida.

A salvação que Cristo ganhou para nós com sua morte e ressurreição e que se concretiza na proposta do Reino ouReinado de Deus coincide maravilhosamente com os sonhos de futuro de muitos povos indígenas. De modo que, para os povos indígenas identificados com sua cultura e convertidos à fé cristã, construir o Reino de Deus passa também pela construção de suas utopias ou de sonhos de futuro.

 “A história da salvação contida na Bíblia converte-se também em história de salvação do nosso povo, sem a necessidade de negar a nossa realidade ou alienar-nos para assumir concepções vindas de fora. Só assim superamos o problema da estrangeiridade da Bíblia e da nossa possível alienação ao incorporá-la no mundo indígena”

IHU On-Line – Como a teologia indígena e o conceito de bem-viver podem ser aplicados na América Latina, dada a situação política e econômica atual?

Eleazar López Fernández – Muitos irmãos indígenas chegam à mesma conclusão de que utopias indígenas como o Sumak Kawsay ou o Bem-Viver dos andinos têm viabilidade histórica nos tempos atuais porque são paradigmas sociais que já funcionaram no passado dos nossos povos, mas, sobretudo, porque cada vez as maiorias do mundo estão mais convencidas de que o modelo econômico, político e social que agora impera na globalização não tem sustentabilidade para o futuro imediato. Em poucos anos serão necessários ao menos dois planetas Terra para serem devorados pela lógica do crescimento econômico e do consumo que esse modelo impulsiona.
A austeridade dos povos nômades, a relação harmoniosa com a natureza e a economia mais humana dos povos indígenas certamente poderão inspirar modelos mais adequados de desenvolvimento e que sejam sustentáveis. Como isso pode se dar concretamente? Será preciso sentar-se e projetar os caminhos; mas as ideias-chave estão nas utopias indígenas.

IHU On-Line – Quais são os principais desafios que a teologia indígena se propõe atualmente?

Eleazar López Fernández – São muitos os desafios que a teologia indígena enfrenta como vertente teológica dentro e fora das Igrejas. A agressão aos povos originários aumentou muito, porque a globalização do mercado cobiça os recursos naturais (terra, florestas, petróleo, minerais, água, vento) que se encontram em territórios indígenas. Isto colocou novamente os povos no olho do furacão da avançada colonial e neoliberal e não parece haver poder humano que possa deter este avanço. Em consequência, a luta indígena atual está marcada por esse desejo dos poderosos para exterminar os povos a fim de se apoderar de seus bens. E a única força maior que estes povos têm para enfrentar este avanço é precisamente sua teologia, que lhes serviu no passado para superar as crises que tiveram. Com esta teologia, tanto em sua vertente inteiramente indígena como em sua vertente cristã, os povos abrem caminho para si e abrem caminhos na sociedade envolvente e nas Igrejas pensando não apenas no bem do seu grupo humano particular, mas no bem de toda a humanidade e do planeta.

IHU On-Line – Como é a relação entre a teologia indígena e a teologia da Igreja católica no México?

Eleazar López Fernández – No México encontra-se uma das Igrejas que historicamente fez um caminho paradigmático do lado dos povos indígenas: a Igreja de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas. Aí a luta indígena dentro da Igreja adquiriu a característica de impulsionar o surgimento de “Igrejas autóctones”, assistidas por diáconos indígenas que são formados na teologia clássica cristã e também na teologia indígena sob a supervisão das próprias comunidades. No âmbito civil, o levantamento zapatista colocou-se à recuperação dos direitos humanos e dos direitos específicos dos povos indígenas. Ambos os processos têm, certamente, uma inspiração que tem a ver com o que chamamos de“teologia indígena”: alguns, repensando os mitos fundantes na matriz cristã, e outros, colocando-os na matriz da luta civil para ganhar o lugar que merecemos na sociedade globalizada.

 “Para os povos indígenas identificados com sua cultura e convertidos à fé cristã, construir o Reino de Deus passa também pela construção de suas utopias ou de sonhos de futuro”
 
IHU On-Line – Qual é a sua avaliação do pontificado de Francisco? Quais são as reações ao pontificado de Francisco na Igreja mexicana?

Eleazar López Fernández – O Papa Francisco não chegou ao papado com um conhecimento amplo da realidade indígena daAmérica Latina e do mundo. Mas muito rapidamente abriu-se a esta realidade e está tomando posição frente a ela. Imediatamente eliminou as desconfianças que a cúria romana tinha em relação ao processo inculturador da Igreja de San Cristóbal de las Casas, Chiapas, e está garantindo a continuidade do processo com um pastor que conhece e apoia e com a ordenação de novos diáconos indígenas. O diálogo com a Congregação para a Doutrina da Fé sobre os “pontos nevrálgicos” da teologia indígena continua aberto e esperamos que logo seja concluído com posições mais flexíveis que permitam avançar rumo ao seu reconhecimento como verdadeira teologia dentro da Igreja.

IHU On-Line – Como avalia os partidos progressistas da América Latina? Houve avanços ou retrocessos em relação à questão indígena?

Eleazar López Fernández – Em geral, os partidos de esquerda da América Latina foram esquecendo suas propostas ideológicas e tornaram-se muito pragmáticos em relação à globalização neoliberal. Isto os levou a diferenciar-se muito pouco dos outros partidos. Nós vemos isso, sobretudo, quando tratam do assunto indígena que, para eles, têm um valor mínimo e estão dispostos a sacrificar estes povos para que os investimentos cheguem e façam a economia crescer.

PARA LER MAIS:

02/04/2014 – Cuidar da Mãe Terra e amar todos os seres
14/10/2010 – Missa Terra Sem Males: “memória, remorso, compromisso”
26/01/2012 – Peregrinação Ciclística Popular em Busca da ”Terra Sem Males”
28/03/2011 – A Terra sem Mal para o fortalecimento da Nação Guarani
18/12/2013 – Chiapas, no México, pede ao Papa novos diáconos permanentes
23/08/2010 – Sumak Kawsa, Suma Qamaña, Teko Porã. O Bem-Viver
03/12/2010 – Elementos para a busca do bem viver – Sumak Kawsay – para todos e sempre
18/01/2013 – A desmistificação do desenvolvimento e as lições do Sumak Kawsay
15/07/2011 – “Nós, indígenas, somos parte da solução”, afirmou o zapoteca Eleazar López

Fonte
IHU On-Line
http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/teologia-india-construir-o-reino-de-deus-passa-tambem-pela-construcao-de-utopias-ou-de-sonhos-de-futuro-entrevista-com-eleazar-lopez-fernandez/