mardi 16 août 2022
Halakha humana
jeudi 11 août 2022
A sabedoria caminha conosco
dimanche 7 août 2022
O ontem é um dia importante
eu na estrada
eu me chamo yoffe ben shemtós e minha mulher, sua avó, brianda nisi. estamos fazendo uma pequena viagem. Hoje eu sei que estavam conosco três limites da existência, que pousaram com duçura e violência sobre a minha vida adara, ahava e sharon. a pick-up é uma land rover defender 65, placa 420amw60, uma réplica daquelas do milênio passado, só que movida a energia solar. quem me deu esta máquina foi meu amigo de jornadas antoine leroy, como presente de aniversário pelos meus quatrocentos e oitenta anos, completados no dia três de janeiro. como você sabe somos uma nova espécie, longeva. tudo indica que aparecemos fazem uns dois mil e quinhentos anos. e não foi num lugar específico, mas em regiões diferentes deste vasto mundo. continuamos aparecendo e estamos todos vivos. sabemos, porém, que aos seiscentos anos viramos anjos. depois eu conto com mais detalhes. por ora, vou dizer apenas que os anjos são os guardiões e guardiãs da nossa longevidade. por isso, não há ancestrais entre nós, apenas descendência.
partimos de montpellier, no litoral do mediterrâneo francês em direção ao parque nacional de cèvennes, às oito da manhã de sábado, chegamos em anduze, cidade que dá entrada à região de cèvennes, por volta das dez da manhã. depois de dois cafezinhos e três chás, para pais e filhas, para esquentar o frio, começamos a atravessar o parque, construindo ziguezagues pelo vale, a margear o rio gard. cenário de campo da região de languedoc, com seus castelos, não muitos, suas fazendas e vinhas.
arquitetura medieval em pedra, cidades que se cruza em minutos. estradas secundárias, mas em ótimas condições. uma delas com um aviso, atenção pista com lombada, para dizer que a estrada não era muito boa. fiquei esperando buracos e desníveis, mas nada, apenas não era lisa como as anteriores.
quando o vale ficou para trás e iniciamos a subida da montanha numa estrada sinuosa com precipícios à esquerda, adara, ahava e sharon, limites da vida, moças do frio, realizaram peripécias naquele inverno. nevava levemente. mas, conforme subíamos, maior umidade e neve mais forte. não houve como resistir, descemos do carro e fizemos nossa primeira guerra na neve. foi a glória. brianda e os três limites, que não víamos mas lá estavam, pareciam crianças. a maior farra. preocupado com a possibilidade das quatro se resfriarem, coisa boba, impossível para quem viveu sob temperaturas de menos trinta centígrados, fiz as quatro voltarem para a pick-up. a alegria é a prova dos nove...
seguimos viagem debaixo de neve e da beleza das estradas emolduradas pelos pinheiros verdes, cobertos... como nos cartões postais de natal. chegamos a florac, já lá em cima, no meio de uma nevada que caía quase forte. segundo a tradição, os gauleses viviam na região, mas o nome da cidade veio dos romanos, algo assim como flor da água ou coisa pelo estilo. e eu me lembro de quando a reforma dos protestantes chegou a cèvennes trazida pelos mascates de genebra. eles trouxeram em suas malas, o livro antigo da tradição judaica-cristã traduzida para o francês. e as gentes de florac amaram as novas ideias de reforma. a primeira comunidade protestante surgiu em 1560 e o primeiro anunciador foi antoine coppier. mas depois disso correu muito sangue debaixo da ponte. mas essa história eu conto depois.
entramos num restaurante muito simpático, la source du pécher, cheio de hippies, o que parecia estranho e fora de época. tomamos chocolate quente e voltamos para o carro. estacionei numa pequena praça e almoçamos dentro da pick-up. brianda tinha preparado coxa de peru assado com batatas, suco de maça e pão, que aqui é sempre um capítulo à parte. amamos as baguettes, principalmente as traditions.
depois do almoço, fomos visitar o castelo de florac, reconstruído em cima dos escombros do velho castelo, destruído várias vezes. essas destruições e reconstruções estão presentes em minhas memórias, assim como o sangue derramado. de todas maneiras, não podemos esquecer que toda a região de cèvennes foi um polo das lutas pela liberdade de expressão e de pensamento, com a presença dos primeiros huguenotes.
nevava forte e a história cedeu lugar a uma nova e aguerrida batalha na neve, agora sem armistício ou mediação. brianda, a mãe, foi atacada sem dó nem piedade. e em nenhum momento reclamou das boladas recebidas. reagiu à altura, sem complacência. por fim, voltamos à pick-up e seguimos viagem para barre de cèvennes, outra região histórica, onde o protestantismo nascente produziu guerrilheiros e profetas.
mas aí tivemos o prazer de entrar na cidade debaixo de uma nevasca. em poucos minutos a neve cobriu o carro. descemos e fomos visitar uma velha igreja protestante. eu estava emocionado pelo momento sublime do encontro com a heróica convicção protestante que eu quase vi nascer, mas também, com brianda, adara, ahava e sharon, limites que são irmãs e destino da existência, inebriadas pela beleza da nevasca, soprada por ventos fortes.
assim como a neve... a cidade inteira estava branca. tudo branco. guerra de neve era pouco, o momento exigia algo mais grandioso. lembrei-me que a eternidade dirá sempre que assim como desce a neve e não volta, mas rega a terra, a faz brotar, dar semente ao semeador e pão ao que come, assim é a palavra eterna, que não volta, mas faz o que a eternidade quer e prospera no seu objetivo. agradecemos à eternidade pela vida.
um grupo de jovens passou por nós, no meio da rua, cantando, gritando, alucinados pelo momento. foi difícil deixar barre de cèvennes. mas tivemos que fazê-lo. eu não queria dirigir nas montanhas, à noite, debaixo de neve.
no caminho, brianda viu um mirante, grande, que se debruçava sobre o vale. paramos mais uma vez.
desta vez, adara, ahava e sharon fizeram anjos. para quem não sabe, consiste em se jogar de costas na neve de braços abertos e deitado fazer movimentos com os braços para marcar a neve. depois, de pé, olhar e ver no branco, em branco, um anjo com suas asas abertas. e fizeram outros anjos... e por fim num gesto solidário, como sombras, juntos, fizemos um boneco de neve. na verdade, boneca, porque vestiu o gorro e o cachecol rosa da sharon. não era uma boneca enorme, mas muito simpática.
e lá seguimos nós, parando mais uma vez num pequeno hotel e depois fazendo o caminho de volta. retornamos ao vale, passamos de novo por anduze, e seguimos para nîmes, cidade construída pelos romanos, que tem no centro uma arena, um coliseu, onde ainda se realizam corridas de touro. quando chegamos estava acontecendo uma. mas levei as meninas a nîmes só para uma rápida olhada. voltamos, já à noite para montpellier.
chegamos. e como li a placa da pick-up como, ao bater os olhos nela, tenha um maravilhoso final de semana, agradeci à eternidade pelo gostoso sábado branco de meus quatrocentos e oitenta anos, que, tocado pelos anjos nevados de adara, ahava e sharon, antoine nos proporcionou com o presente. e ao eterno, glória, pois diz que aqueles que esperam nele renovam as forças, voam como águias, caminham, correm e não se cansam.
atente para isso, a descendência é responsável pelo ontem, pelo hoje e pelo amanhã. é na construção da vida, escolhida ou imposta, mas aceita, e na sequência dela, que a descendência se faz comunidade humana. as realidades da terra e do céu são vaidade e correr atrás do vento quando é descartado o papel humano de cada dia. por isso, deve fazer a crítica do clerical e chamar as pessoas à liberdade do espírito, para que pense a vida, que é construída para além das aparências das coisas da terra e do céu.
as palavras mudam de sentido, e podem dizer coisas diferentes, quando as usamos sobre uma perspectiva diferente. palavras. você já pensou na importância delas? é, sem dúvida, um dos limites da vida. os descendentes devem acreditar que o universo foi feito pela palavra eterna. acreditar que a palavra tem poder, por isso deve ter uma palavra só, cheia de sentido, ou seja, quando você disser sim, que seja sim mesmo, e quando disser não, que seja não. mas a sabedoria nos diz que a vida se faz também por outras palavras. dessa maneira, o ato de criação e o fazer humanos não são iguais porque as palavras são diferentes.
ah! embora as palavras sejam diferentes, os temas da vida são sempre os mesmos temas: o amor e o desamor, a distância e a saudade, o tino e o desatino. a diferença, porém, é que se faz, sempre, por outras palavras. e tudo muda...
sou grato à eternidade, mas sem pieguices. diga você também muito obrigado porque as contingências da vida não fumegaram o pavio. lá na frente, eu serei o garoto que andava pela ruas sem saber que a vida vai além do meio fio, que há fronteiras. e lá ao longe, mas para mim perto, estará o mar. o veleiro. a liberdade, aprendida com moran, será negociar com os ventos e a maré. diante das mareações, a marinharia me fará, junto do tio, um menino livre.
por isso, a zlabya, apresento a leitura humana da convicção e do posicionamento, onde se aprende a degustar prazeres. não se faz às correrias, com sofreguidão. é um ato delicado, um caminhar por palavras, dançando com elas pelo universo em construção.
nesse sentido, eu e você, todos somos poemas da eternidade. somos projetos de uma artesã, daí que a poesia e a razão andam juntas. por isso, a paixão aproxima porque é sempre poesia e razão nos diferentes momentos. quero que você, descendência, curta com prazer em cada ser humano as palavras, as outras palavras, que nos trazem diferentes construções e universos.
é, agradeço à eternidade porque fazer leitura virou destino. o menino lá da frente atravessou o tempo, os jeans, as camisetas, os cabelos arrepiados e caiu aqui, do outro lado da vida. tempo de poesia e razão, o garoto de depois olha a plenitude, mas o homem de antes entende que o dó, o ré, e o mi solitários não são importantes, mas sim as notas do meu amigo murá, compositor, e os parabéns e sorrisos que a eternidade montou para você.
e volto às palavras, afirmativas, compostas, decoradas, sussurradas, que se bebem, que reboam, secas, vulgares... a identidade não pode ser definida facilmente, mas isso não significa que essa identidade não exista. aliás, a maioria das identidades não podem ser definidas facilmente. daí que tais identidades são também comunidades imaginadas, unidas por leituras historicamente sem exatidão precisa. os uns não são diferentes dos outros, qualquer etnia e sua identidade não é facilmente definível, pois tais conceitos dependem dos descendentes.
assim, zlabya, lembre-se: a aparente simplicidade engana. eis uma lição de mestre, traduzir o humano com simplicidade, sabendo que o simples dá trabalho e, ao contrário do que se pensa, nunca é primeiro, mas processo. e esse é o recado. fazer leitura é descobrir o prazer da palavra curta, na construção muitas vezes trabalhosa que produz aquilo que é poesia. ou seja, fazer leitura é descontrair e na imaginação construir novo, percorrendo se for possível o caminho de todos, de cada humano. e é assim que, sem estardalhaço, a leitura ocupa lugar nos corações, cheia de imagens e significados.
digo à eternidade: obrigado pelo agradável, bom e doce que expressará em letras a liberdade do marujo. e se o ontem é um dia importante, é bom lembrar que o remédio para a enfermidade da segregação de gênero e raça é a construção social da cidadania e da justiça. a via para a liberdade estará numa trilha aberta aos diferentes, comprometida com os direitos humanos, mesmo quando sua identidade pessoal relacione diferenças e contradições.
o sondar daquele menino lá na frente ajuda. o olhar deslumbrado porque a vida será a praça, os jardins e os repuxos brancos no entardecer, as pessoas que comporão o cenário como se tivessem sido colocadas lá pelo arquiteto. e o mar... uai! a humanidade coroa a glória. aceite o prescrito com convicção.
jeudi 4 août 2022
Longe de casa, longe do ninho
Dependência
Longe de casa, longe do ninho
Jorge Pinheiro, pastor
Abertura
Provérbios 27.8
«Como o pássaro que vagueia do seu ninho, assim é a pessoa que vagueia do seu lugar.» Trad. Bras.
«Uma pessoa longe de casa é como um pássaro longe do ninho.» NTLH
- O que é isso.
- O tempo e o espaço
- A cultura e o idioma
- A família e os amigos
Como um pássaro que se afasta de seu ninho, assim é a pessoa que se afasta de sua casa. Se o pássaro voa sem rumo corre o risco de perder o ninho e seus filhotes.
2. Mas será sempre assim? Vejamos um pouco da história de Abraão:
A. «Certo dia o Senhor Deus disse a Abrão: — Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa do seu pai e vá para uma terra que eu lhe mostrarei.» Gênesis 12:1 NTLH
B. Um dia, ainda no início de minha caminhada com Cristo, «O Senhor Deus me disse:
“Escutem, os que têm sede: venham beber água! Venham, os que não têm dinheiro: comprem comida e comam! Venham e comprem leite e vinho, que tudo é de graça. Por que vocês gastam dinheiro com o que não é comida? Por que gastam o seu salário com coisas que não matam a fome? Se ouvirem e fizerem o que eu ordeno, vocês comerão do melhor alimento, terão comidas gostosas. Escutem-me e venham a mim, prestem atenção e terão vida nova.
Eu farei uma aliança eterna com vocês e lhes darei as bênçãos que prometi a Davi. Eu fiz Davi chefe e líder dos povos, e por meio dele viram o meu poder. E agora vocês darão ordens a povos estrangeiros, povos que vocês não conheciam, e eles virão correndo para obedecer-lhes. Isso acontecerá porque eu, o Senhor, seu Deus, o Santo Deus de Israel, tenho dado poder e honra a vocês.”
Procurem a ajuda de Deus enquanto podem achá-lo; orem ao Senhor enquanto ele está perto. Que as pessoas perversas mudem a sua maneira de viver e abandonem os seus maus pensamentos! Voltem para o Senhor, nosso Deus, pois ele tem compaixão e perdoa completamente. O Senhor Deus diz: “Os meus pensamentos não são como os seus pensamentos, e eu não ajo como vocês. Assim como o céu está muito acima da terra, assim os meus pensamentos e as minhas ações estão muito acima dos seus. A chuva e a neve caem do céu e não voltam até que tenham regado a terra, fazendo as plantas brotarem, crescerem e produzirem sementes para serem plantadas e darem alimento para as pessoas. Assim também é a minha palavra: ela não volta para mim sem nada, mas faz o que me agrada fazer e realiza tudo o que eu prometo.
“Vocês sairão alegres da Babilônia, serão guiados em paz para a sua terra. As montanhas e os morros cantarão de alegria; todas as árvores baterão palmas. Onde agora só há espinheiros / nerprun (planta selvagem espinhosa) crescerão ciprestes, murtas aparecerão onde agora só cresce o mato. Isso será para vocês uma testemunha daquilo que eu fiz, será um sinal eterno, que nunca desaparecerá.”» Isaías 55:1-13 NTLH
C. Voltemos à Abrão. Contudo, às vezes Deus não ordena ...
«Naquele tempo houve em Canaã uma fome tão grande, que Abrão foi morar por algum tempo no Egito.» Gênesis 12:10 NTLH
E quais poderiam ser as consequências ...
«Quando ia chegando ao Egito, Abrão disse a Sarai, a sua mulher: — Escute! Você é uma mulher muito bonita, e, quando os egípcios a virem, vão dizer: “Essa aí é a mulher dele.” Por isso me matarão e deixarão que você viva. Diga, então, que você é minha irmã. Assim, por sua causa, eles me deixarão viver e me tratarão bem.» Gênesis 12:11-13 NTLH
3. Quando Deus manda somos chamados à dependência. Quando Deus não diz vá, não devemos optar pela rebeldia. Sim, o exemplo do pássaro, serve para nós. O mesmo acontece com uma pessoa que deixa o tempo e o lugar sem o chamado puro e simples de Deus.
A pessoa sem fé, inquieta, rebelde carrega consigo a raiz da amargura. Aquela pessoa que, quando encontra desconforto onde está e sai angustiada de seu lugar, geralmente vai enfrentar outros problemas, sejam existenciais ou espirituais. ou ambos.
Conclusão
A calma, a solidez e a paz são frutos da dependência. Ou como disse o apóstolo Paulo ...
«Irmãos, cada um deve continuar na presença de Deus assim como era quando Deus o chamou.» 1Coríntios 7:24.
dimanche 31 juillet 2022
A vida como desafio
A vida como desafio
A construção de uma economia social e solidária
Jorge Pinheiro
Este é um tempo de pensar o futuro, por isso vamos visitar uma interessante experiência econômica, construída na França, com muita força a partir do pós-guerra. E vamos falar de economia, pensando o futuro que deve e pode se abrir após a pandemia do Covid 19.
Foi Charles Gide (1847-1932), economista do século dezenove, quem criou o conceito de solidariedade, que depois deu origem a um outro conceito, o de economia social e solidária / ESS. A economia social e solidária -- segundo dados apresentados por Frédéric Rognon, professor de filosofia da religião na Universidade de Estrasburgo -- hoje na França é responsável por cerca de 12% dos empregos assalariados. Está presente em quase todos os setores de atividade.
As origens da economia social solidária remontam à idéia de solidariedade, desenvolvida por Gide, a partir de sua compreensão de textos do Novo Testamento. Normalmente, quando falamos de economia e protestantismo, frequentemente nos referimos ao sociólogo Max Weber. Mas Frédéric Rognon, autor de "Charles Gide - Ética Protestante e Solidariedade Econômica" (Olivetan ed., 2016), prefere nos falar de Gide, porque este intelectual é o pai de um caminho econômico cujo legado é a economia social e solidária.
Foi por volta de 1870 que surgiu a ideia de que todos estamos relacionados, uns com outros, do ponto de vista econômico, quando Gide e outros pensadores foram inspirados pelos textos neotestamentários, em especial, do apóstolo Paulo, que disse: “Se um membro sofre, todos os membros compartilham seu sofrimento, se um membro é honrado, todos compartilham sua alegria".
O solidarismo criou o sentido sociopolítico de solidariedade, e recorreu ao termo latino "in solidum", que se refere à ideia de um todo coerente. Implica na idéia de que se uma pessoa sofre uma agressão ou por algum motivo tem uma dívida, todos os demais estão envolvidos. O termo solidariedade é também usado na biologia, para descrever o modo como todo o corpo é tocado quando um órgão é afetado.
Assim, de acordo com Gide, estamos ligados uns aos outros, ou seja, quando pessoas sofrem é importante que todos ajudem aqueles menos afortunados. Hoje, segundo o departamento de Economia e Finanças francês, a economia social e solidária gera de 6% a 10% do PIB e emprega mais de 2,3 milhões de franceses: cerca de 13% do emprego privado.
Uma economia de libertação se esforça em apresentar um princípio universal: o dever da produção e reprodução da vida de cada ser humano. Princípio este que é objetiva e subjetivamente negado pelo sistema-mundo e pela economia capitalista liberal.
Donde, o desenvolvimento sustentável, a produção orgânica e o comércio justo são objetivos fáceis de entender, mas teoricamente podemos dizer que há um objetivo fundador, tornar a economia significativa, reunindo empresas que conciliam atividade econômica e função social, dando primazia às pessoas e não exclusivamente aos lucros.
Uma das características desta economia é de que ela não é um setor econômico, mas sim um modo de conciliar exigências de solidariedade e desempenho econômico, utilidade social e eficiência. Tal característica exige paciência dos investidores e envolvimento das partes interessadas: membros voluntários, funcionários, mas também fornecedores e clientes, conforme relatório do Ministério da Economia francês, em 2014.
Este modo de gerar empresas e realizar negócios está fundado sobre cinco princípios:
1. Não à lucratividade individual
Este princípio não proíbe ou elimina a realização de lucros, mas a apropriação individual deles. Pode ser absoluta: é o caso de associações, onde qualquer pagamento de dividendos, remuneração paga aos acionistas de uma empresa em troca de seu investimento no capital da empresa, é proibido. Pode ser parcial, em cooperativas, onde os funcionários podem receber até metade dos lucros obtidos, de diferentes formas. Na mesma linha, escalas de pagamento são controladas dentro da economia solidária, e qualquer aumento no capital resultante da atividade da estrutura é, prioritariamente, atribuído ao desenvolvimento de seus projetos.
2. Gestão democrática
Toda decisão tomada dentro de uma estrutura governada pela economia social e solidária responde ao princípio de uma pessoa = um voto. Assim, qualquer que seja o capital investido ou o tempo gasto dentro da estrutura, cada um de seus membros tem o mesmo peso.
3. Utilidade coletiva ou social do projeto
O interesse coletivo do projeto é um princípio comum às estruturas da economia social e solidária, mas esse princípio é vasto. Pode ser manter empregos de qualidade, montar um projeto que respeite os três pilares do desenvolvimento sustentável (social, econômico e ambiental), pensar em montar uma organização mútua que tenha suas próprias características.
A utilidade social, desde que esteja sujeita a uma gestão solidária, é garantida quando os conselheiros desempenhem suas funções de forma voluntária, e não realizem qualquer distribuição direta ou indireta de lucros. E deve ser aprovada se a atividade satisfaz uma necessidade não levada em conta pelo mercado ou insuficientemente; se a atividade é realizada em benefício de pessoas que justifiquem a concessão de vantagens especiais em vista de sua situação econômica e social; se os preços dos produtos estão abaixo dos custos de mercado; e se a publicidade em torno deste projeto destina-se apenas a coletar doações ou a informar sobre as ações realizadas pela estrutura.
4. Recursos mistos
Os projetos das estruturas da ESS são financiados graças ao rendimento das atividades de mercado, aos subsídios públicos e às contribuições voluntárias.
5. Livre adesão
Ninguém deve ser obrigado a participar de um projeto de economia social e solidária. Nesse sentido, um membro de uma cooperativa pode vender livremente suas ações se não desejar embarcar em um projeto da ESS ou se desejar sair de tal estrutura.
Assim, a economia social e solidária agrupa organizações definidas primeiro por seu status, administração sem fins lucrativos e democrática, e pelo que fazem, finalidade social, reivindicando uma utilidade social específica em domínio econômico, social ou ambiental.
Tais organizações traduzem o fato de que a empresa privada capitalista não é a única forma de organização capaz de produzir bens e serviços e que o enriquecimento pessoal não é o único motivo que pode fazer uma pessoa empreender. Esta economia é, portanto, uma forma de empreender, e tais estruturas podem aparecer em todos os setores de atividades, desde que os princípios acima mencionados sejam respeitados.
A experiência francesa
O sistema-mundo nesta alta-modernidade, ao impossibilitar a produção e reprodução da vida caminha no sentido de aprofundar seu próprio caos e crise ao semear doenças, fome, terror e morte. As vítimas são esses bilhões de seres humanos, cujas dignidades e vidas são permanentemente destruídas. A alta-modernidade e sua globalidade levam a um assassinato em massa. São os cavalos do apocalipse. É o fetichismo do capital, que se apresenta como sistema formal performático, onde dinheiro produz dinheiro.
Por isso, em parte na contra-mão deste sistema-mundo, nos interessa a experiência francesa, onde as organizações e empresas de economia social e solidária são as primeiras empregadoras do setor social, 62% dos empregos, e na áreas de esporte e recreação representam 55% dos empregos no setor. É também o segundo maior empregador nas atividades financeiras, bancárias e de seguros, 30% dos empregos no setor, e tem peso significativo nas artes, 27% dos empregos no setor, e na educação, 19%.
Assim, 90% dos serviços prestados às pessoas são gerenciados por uma estrutura da ESS, enquanto mais de 85% das instalações para pessoas com deficiências são gerenciadas por um modo associativo. Para dar exemplos concretos destas estruturas, o crédito cooperativo é o banco histórico da economia social e solidária. E a maioria dos profissionais que trabalham em associações esportivas estão vinculados a esta economia, enquanto as associações de ensino, complementares à escola pública, assim como as federações de educação popular, que atuam em tempo extracurricular, também são administradas sob os princípios da economia social e solidária.
Longe de ser um setor à margem, a economia social e solidária na França administra 30% das instalações de saúde: nove de cada dez pessoas com deficiência são cuidadas por instituições da economia social, e 68% dos serviços de cuidados a domicílio. Dentro da mesma perspectiva, pessoas dependentes são apoiadas por empresas da economia social.
E o uso da etiqueta “solidariedade corporativa”, permitido a organizações que não estão listadas nos mercados financeiros, possibilita que elas se beneficiem de certos subsídios. A obtenção desta etiqueta está sujeita a algumas condições específicas. De maneira simples, uma empresa que deseja obter esta etiqueta deve cumprir pelo menos uma das duas condições: (1) pelo menos 30% de sua força de trabalho contrata jovens, deficientes, e beneficiários de condições sociais mínimas; (2) a empresa cumpre duas condições relacionadas tanto com a natureza jurídica da empresa como com o nível de remuneração.
A natureza jurídica da empresa -- associação, mutualidade, cooperativa, instituição de previdência – deve estar sob estes parâmetros da economia social e solidária. O nível de remuneração é controlado: para empresas com um a dezenove empregados ou membros, o executivo não deve receber remuneração superior a quatro vezes o salário mínimo. Para empresas com vinte ou mais funcionários ou membros, a condição acima deve ser atendida por dezenove funcionários ou membros e nenhuma remuneração deve exceder oito vezes o salário mínimo. Além disso, a faixa de salários não deve exceder a proporção de um para sete.
A distribuição de empresas e organizações da ESS estão presentes em todo o território, mas concentram-se no grande oeste de França, nas regiões da Bretanha e do Loire. Nessas regiões, o peso dos estabelecimentos de empregadores da economia social e solidária em todos os estabelecimentos patronais no território excede 11,5%.
O desafio é a vida
Para que uma economia social liberte é necessário descobrir o sentido do presente histórico. E esse desvelar o sentido do presente histórico nós entendemos como o falar diante. Mas falar diante de quem? Na modernidade, este falar diante nos levou a leitura formal do ir: deveríamos ir para falar diante. Ora, falar do sentido dos acontecimentos presentes através da vida, nesta alta-modernidade de caos e crise, significa que não somos chamados a ir, mas a receber. Vivemos a localidade global, não somos chamados a ir, mas a receber, porque os excluídos e expropriados de bens e possibilidades estão entre nós, conosco. Assim, contra a lógica que não aceita a exterioridade da pessoa, a solidariedade na alta-modernidade é receber, construir e viver a realidade no chão da vida.
Eu sei que você, caro leitor e leitora, levou um susto e talvez diga, isso é impossível aqui. Mas se começarmos a pensar em solidariedade e em economia social vamos encontrar os nossos próprios caminhos.
Sim, a solidariedade traduz uma ação desconstrutiva nesta alta-modernidade de caos e crise, do fazer e pensar da economia capitalista liberal, mas, por outro lado, uma economia social e solidária promove transformações construtivas que possibilitam a produção e reprodução da vida. E assim a solidariedade deixa de ser apenas um desejo e se transforma em economia social.