samedi 22 mai 2021

O Espírito Santo e você

 Faculdade Teológica Batista de São Paulo





O ESPÍRITO SANTO E VOCÊ


Elementos para uma Pneumatologia batista



Prof. Dr. Jorge Pinheiro






Introdução


Por que uma Pneumatologia batista? Exatamente porque existem muitas leituras e compreensões sobre que/quem é o Espírito, sua ação no universo e sobre a vida das pessoas. De uma forma geral, podemos começar dizendo que para a teologia batista o Espírito é a presença ativa de Deus no universo e na experiência humana. É o Deus tri/uno que se revela ao ser humano. O Espírito é assim a voz da presença, poder e autoridade divinas. É o Espírito de Deus, o Espírito de Cristo, o Espírito Santo. 


A teoria da revelação na teologia batista apresenta a edição das Escrituras como produto de pessoas que intelectualmente receberam o sopro do Espírito, que falaram sob a ação consciente do Espírito, por isso, as verdades da Bíblia expressam a vontade do Espírito e podem ser compreendidas quando iluminadas pelo mesmo Espírito. Então, é o Espírito que/quem convence as sociedades e pessoas de seus alvos errados, da incondicionalidade da justiça e do juízo que paira sobre a existência. Nesse sentido, as sociedades e cada ser humano são chamados à liberdade pela obra redentora de Cristo. Nas sociedades e pessoas essencializadas pela fé, o Espírito no centro do querer humano produz um novo fazer, que chamamos santificação. Então, o Espírito se torna também intercessor, advogando em lugar do humano, a partir da justiça que foi imputada pelo Cristo, o justo. O Espírito é intérprete, é a atração que vem da incondicionalidade e nos faz cair para cima, mantendo-nos fiéis e produzindo na vida humana o amor que arrebata.


O Espírito dissemina a vontade do Deus tri/uno entre os seres humanos. Ele dá aos fiéis poder e autoridade para o serviço no reino de Deus, separa para a ação proclamatória do Verbo e nos coloca sob missão livre e dinâmica, em obediência criativa ao Verbo de Deus.


1. Que/quem é o Espírito?


O Espírito é Pessoa da tri/unidade de Deus. É Pessoa que dá vida nova (Is 63.11-14) e consola os que sofrem (Jo 14.16; 16.7). O Espírito adota (Rm 8.15) e enche de amor (2Tm 1.7). Transmite conhecimento, sabedoria e justiça (Is 11.2-5). Derrama arrependimento e graça (Zc 12.10; 13.1), dá poder e torna as pessoas prudentes (2Tm 1.7). Ele vive em nós (Jo 14.17; 16.13; 1Jo 4.6): pertencemos a Ele (Ef 1.13). 


“Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. O Espírito Santo examina tudo, até mesmo os planos mais profundos e escondidos de Deus. Quanto ao ser humano, somente o espírito que está nele é que conhece tudo a respeito dele. E, quanto a Deus, somente o seu próprio Espírito conhece tudo a respeito dele. Não foi o espírito deste universo que nós recebemos, mas o Espírito mandado por Deus, para que possamos entender tudo o que Deus nos tem dado. Portanto, quando falamos, nós usamos palavras ensinadas pelo Espírito de Deus e não palavras ensinadas pela sabedoria humana. Assim explicamos as verdades espirituais aos que são espirituais. Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucuras para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual”. 1Coríntios 2.10-14.


2. O Espírito é Ação e Voz


A ação e voz do Espírito são evidentes na vida dos profetas. Tornavam-se porta-vozes de Deus, quando o Espírito descia sobre eles. O Isaías profetizou sobre a vinda de Jesus Cristo e disse que o Espírito do Senhor estaria sobre ele (Is 61.1). Ezequiel revelou que o Espírito o levou a lugares, numa visão dada pelo próprio Espírito de Deus lhe dera (Ez 11). 


Embora algumas pessoas não tivessem o título de profeta, mesmo assim proferiram mensagens por meio do Espírito Santo. O rei Davi pronunciou seu último testemunho poético antes de morrer, quando disse: "O Espírito do Senhor fala por meio de mim, e a sua mensagem está nos meus lábios" (2Sm 23.2). Quando José interpretou os sonhos de Faraó, este exclamou que o Espírito de Deus estava sobre o filho de Jacó (Gn 41.38,39).


Depois que Samuel ungiu a Saul rei de Israel, o Espírito do Senhor desceu poderosamente sobre ele e profetizou. Deus o transformou numa pessoa diferente, de maneira que os israelitas perguntaram: “Será que Saul também virou profeta?”. (1Sm 10.5-13). Essa pergunta foi repetida quando o Espírito do Senhor desceu novamente sobre Saul enquanto perseguia Davi sem trégua. O rei tirou sua túnica e profetizou (1Sm 19.23,24). 


No acampamento de Israel, durante o Êxodo, Deus retirou parte do Espírito que estava sobre Moisés e a colocou sobre 70 anciãos: eles então profetizaram, bem como Eldade e Medade. Quando ouviu sobre isso, Moisés disse que seu desejo era que o Senhor colocasse o seu Espírito sobre todo o povo, para que todos profetizassem (Nm 11.25-29). 


O profeta Miquéias opôs-se aos falsos profetas em seus dias. Disse que estava repleto do Espírito do Senhor, de sua justiça e força, para convencer Israel de seus pecados (Mq 3.8). Moisés é o protótipo do Messias, pois foi considerado um profeta e revelou o Espírito do Senhor. Ele predisse o advento de Cristo, quando falou ao povo que Deus levantaria um profeta como ele próprio, do meio deles (Dt 18.15,18). Além disso, ele repetidamente introduziu a revelação do Senhor com as palavras "disse o Senhor a Moisés" (Nm 8.1,5, 23).


3. O Espírito é Santo


Não me expulses da tua presença, nem tires de mim o teu Santo Espírito”. Sl 51.11


"Mas eles se revoltaram contra Deus e ofenderam o seu santo Espírito. Por isso, Deus se tornou inimigo deles e começou a lutar contra eles". Is. 63.10.


Nas línguas utilizadas no Antigo e no Novo Testamento (hebraico e grego), os termos usados para o Espírito Santo enfatizam sua santidade, embora no AT, o adjetivo santo antes do substantivo espírito aparece poucas vezes (Sl 51.11; Is 63.10,11). 


No Novo Testamento a palavra santo antes do substantivo Espírito está presente na maioria dos livros, especialmente no livro de Atos. Isso não significa que a ênfase ao Espírito seja menor no Antigo do que no Novo Testamento. As expressões mais frequentes no Antigo Testamento são “o Espírito de Deus” ou “o Espírito do Senhor”. 


4. O Espírito é Criador


"Por meio da sua palavra, o SENHOR fez os céus; pela sua ordem, ele criou o sol, a lua e as estrelas". (Salmo 33.6). 


"Tu lhes deste o teu bom Espírito para lhes ensinar o que deviam fazer" (Neemias 9.20).


A primeira vez que a palavra espírito aparece na Bíblia é no relato da criação, em Gênesis. Lá, o Espírito de Deus pairava sobre as águas como poder criador que traz ordem ao caos (Gn 1.2). O salmista faz eco a esse conceito, quando diz: "Por meio da sua palavra, o SENHOR fez os céus; pela sua ordem, ele criou o sol, a lua e as estrelas". (Sl 33.6). 


Por meio do sopro de Deus, Adão tornou-se uma alma vivente (Gn 2.7). Jó afirma que o Espírito do Senhor o criou e que recebeu vida por meio do sopro do Todo-poderoso (Jó 27.3; 32.8; 33.4; 34.14,15). Quando Deus retira seu sopro dos seres humanos e dos animais, eles morrem e retornam ao pó (Sl 104.29; Ec 3.19,20; 12.7). No vale dos ossos secos, o sopro de Deus entrou nos esqueletos e eles retornaram à vida (Ez 37.1-14). 


5. O Espírito é Pessoa


A ênfase sobre o monoteísmo, dada pelos escritores do Antigo Testamento, prevalece na doutrina da Trindade. No entanto, os escritores bíblicos fazem uma distinção entre Deus e o Espírito do Senhor, sem jamais considerar o Espírito como uma mera emanação de Deus. Tome-se, por exemplo, as referências em Gênesis 1.1-2. Deus criou o céu e a terra, mas o Espírito do Senhor pairava sobre as águas. Deus disse que seu Espírito não contenderia para sempre com o ser humano (Gn 6.3). 


Isso significa que os escritores bíblicos viam duas pessoas divinas distintas. Entendiam que o Espírito era Deus, o qual exercia funções que os escritores bíblicos expressaram em termos humanos. Isso fica claro em algumas passagens. Os levitas oraram: "Tu lhes deste o teu bom Espírito para lhes ensinar o que deviam fazer" (Ne 9.20). Davi perguntou: "Aonde posso ir a fim de escapar do teu Espírito?" (Sl 139.7) e Isaías escreveu que o povo entristeceu o seu Espírito Santo e Deus (o Pai) tornou-se inimigo deles (Is 63.10-12; veja também 48.16).


6. O Espírito é Vida


Espiritualidade quer dizer uma vida no Espírito de Deus, um intenso convívio com o Espírito de Deus: esse é o sentido cristão da palavra. Dessa maneira, a idéia de uma vida forte, a ideia da vitalidade de uma vida criativa a partir de Deus nos leva à espiritualidade, ou seja, a uma vida espiritualizada por Deus. 


Por isso, podemos dizer: as pessoas procuram a Deus porque Deus as atrai para si. Estas são as primeiras experiências do Espírito de Deus no ser humano. E Deus as atrai como um imã atrai as migalhas de ferro.  O íntimo e suave atrativo de Deus é experimentado pela pessoa em sua fome de viver e em sua busca de felicidade, que nada no universo pode satisfazer ou saciar.


A espiritualidade da vida se opõe à mística da morte. Quanto mais sensíveis as pessoas se tornam para a felicidade da vida, mais sentem a dor pelos fracassos da vida. Vida no Espírito é vida contra a morte. Não é vida contra o corpo, mas a favor de sua libertação e sua glorificação. Dizer sim à vida significa dizer não à guerra e suas devastações. Dizer sim à vida significa dizer não à miséria e suas humilhações. Não existe uma afirmação verdadeira da vida sem luta contra tudo que nega a vida.


A recepção universal do Espírito Santo foi anunciada séculos antes do derramamento do Espírito no dia de Pentecostes (At 2.17-21). Deus falou por meio do profeta Joel: "E depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne, e os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões. Até sobre os servos e sobre as servas naqueles dias derramarei o meu Espírito" (Jl 2.28,29). Joel não estava sozinho na predição do futuro derramamento do Espírito.


Isaías também fez uma ilustração do Senhor derramando correntes de água sobre terras secas e seu Espírito sobre os descendentes de Jacó (Is 44.3). Por meio de Ezequiel, Deus disse aos judeus do exílio que o Senhor os tomaria de todas as nações e os reconduziria à sua própria terra. Colocaria seu Espírito sobre eles e os motivaria a obedecer à sua Lei (Ez 36.24-28; 39.29). Deus revelou que o Messias, quando viesse, seria cheio do Espírito (Is 11.2), que também seria derramado sobre o povo da aliança (Is 32.15; 59.21; Ez 37.14). E esse Espírito permaneceria com os filhos de Deus (Ag 2.5).


O Espírito é a fonte de vida (Jo 6.63) e ela é comparada às fontes de águas correntes que, espiritualmente falando, fluem do interior da pessoa (Jo 7.38,39). O discurso de despedida de Jesus, proferido no cenáculo, enfatizou a chegada do Espírito Santo. Ensinou que Ele seria dado pelo Pai e permaneceria para sempre com os fiéis. 


Seria outro Consolador, uma Pessoa que personificaria a verdade (Jo 14.16,17). O Consolador sairia do Pai, seria enviado pelo Filho e testificaria sobre Jesus (Jo 15.26). O Consolador também convenceria o universo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.7-11). O Espírito guiaria as pessoas em toda a verdade, proporcionaria a revelação futura e glorificaria a Jesus Cristo (Jo 16.13-15). 


Por último, em antecipação ao Pentecostes, Jesus soprou o Espírito Santo sobre os discípulos, para auxiliá-los na tarefa que receberam de pregar o Evangelho (Jo 20.22). As referências ao Espírito Santo na primeira carta de João não diferem muito de seu evangelho. O Espírito dado às pessoas cria uma consciência de que o Pai vive em nós através do Filho (1Jo 3.24; 4.13). E como somos capazes de reconhecer o Espírito de Deus? Nós O conhecemos pelo reconhecimento de que Jesus Cristo veio de Deus em forma humana: ouvimos a Deus (1Jo 4.2, 6).


7. O Espírito participou do ministério de Jesus


"O céu se abriu, e Jesus viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e pousar sobre ele". (Mateus 3.16). 


"Que a graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a presença do Espírito Santo estejam com todos vocês!" (2Co 13.13).


O Novo Testamento enfatiza o derramamento do Espírito, seus dons, sua obra, inspiração, comunhão e habitação nos corações dos cristãos. A doutrina da Trindade fica evidente no relato do batismo de Jesus: O Pai revela o Filho, de quem se agrada, e o Espírito Santo desce sobre ele na forma de uma pomba (Mt 3.16,17; Mc 1.10; Lc 3.22).


A fórmula batismal trinitária, mostrada na conclusão do evangelho de Mateus, enfatiza essa mesma doutrina (Mt 28.19). Nas cartas, os apóstolos ensinaram freqüentemente o princípio trinitariano, tanto no início como na conclusão de suas cartas (2Co 13.13; Ef 1.2-11; 1Pe 1.1-3). 


Além dos relatos do nascimento, batismo e tentação de Jesus, há poucas alusões ao Espírito nos evangelhos de Mateus e Marcos. Comparativamente, o de Lucas está repleto de passagens que falam sobre o Espírito. Mateus e Lucas relatam a concepção de Jesus como obra do Espírito Santo (Mt 1.18, 20; Lc 1.35). João Batista disse ao povo que ele batizaria com água, mas Jesus os batizaria com o Espírito Santo (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16). Antes de Cristo iniciar seu ministério, o Espírito o levou ao deserto para ser tentado pelo diabo (Mt 4.1; Mc 1.12; Lc 4.1).


8. O Espírito é Defensor


O Espírito Santo é aquele que/quem convence os errados de suas culpas, que/quem defende aqueles que/quem são acusados e que julga com misericórdia. A vida humana pode ser negada e, por isso, para ser realmente vivida tem de ser afirmada. Vida negada e recusada é morte. Vida aceita e afirmada é felicidade. É o Espírito da verdade quem convence o universo de seu pecado, que corrige o universo injusto e que transforma as pessoas, de escravos e vítimas do erro em servos alforriados pela graça de Deus.


Com efeito, se olharmos a prodigiosa atividade do Espírito em Atos dos Apóstolos, será fácil entender o Espírito Defensor dos servos de Deus e da igreja neotestamentária, que se por um lado produzia unidade, por outro trabalhava a diferença e diversidade das pessoas.

 

Nesse sentido, a autoridade defensora do Espírito interveio nos momentos difíceis quando a vida de pessoas estava sob risco, quando a perseguição crescia ou quando se fazia necessário proclamar o Verbo da vida. Foi esse Espírito defensor que revelou às igrejas apostólicas o mistério da encarnação do Filho de Deus, em conformidade com o ensino dos profetas e do evangelho.


Mas, quando se fez necessário morrer pela proclamação do Verbo da vida, o Espírito Defensor se faz Consolador preenchendo a fraqueza humana de coragem e fidelidade.

 

É este Espírito Defensor que possibilita o encontro das diferentes experiências de vida, assim como a comunhão da diversidade que Ele próprio cria e administra em cada um de nós. E é Ele, que/quem nos encoraja à esperança. O Espírito, o Espírito de unidade e da diversidade, não cessa de atuar entre os cristãos, mesmo quando distantes e aparentemente separados.


9. O Espírito é Possuidor


“Certamente vocês sabem que são o templo de Deus e que o Espírito Santo vive em vocês”. 1Coríntios 3.16.


Falar sobre o Espírito Santo é falar sobre nós, pois só Ele pode mostrar quem de fato somos. Assim, o que nós somos é mais bem compreendido quando o Espírito atua em nossas vidas. Quem é o Espírito Santo? Para que foi Ele enviado por Cristo?


A Criação, a Providência e a Salvação são as obras de Deus. Mas, existe também a obra subjetiva de Deus, que é a aplicação de sua salvação na vida das pessoas. E é aqui que entra a Pessoa do Espírito Santo, pois esta obra é feita de dentro para fora no ser humano, já que Cristo fez a obra externa.


“Mas foi a nós que Deus, por meio do Espírito, revelou o seu segredo. O Espírito Santo examina tudo, até mesmo os planos mais profundos e escondidos de Deus. Quanto ao ser humano, somente o espírito que está nele é que conhece tudo a respeito dele. E, quanto a Deus, somente o seu Espírito conhece tudo a respeito dele”. 1Co 2.10-11.

 

Assim, podemos dizer que o Pai, para nós, aparece nas obras da Criação e da Providência, o Filho aparece na obra de redenção da humanidade e o Espírito Santo aplica essa obra redentora às pessoas, tornando real a salvação.

 
Na realidade, o Espírito Santo é a Pessoa da Trindade que se torna pessoal para aquele que crê. O Espírito é a pessoa específica da Trindade por meio de quem a Trindade atua em nós.


Embora a compreensão do Espírito Santo seja importante, ela é em geral um pouco difícil. E isto assim porque temos na Bíblia menos revelações explícitas acerca do Espírito do que encontramos sobre o Pai e o Filho. Mas Ele é Deus como o Pai e como o Filho.


10. O Espírito é Paradoxal


“O Senhor Deus diz a seu povo: Depois disso, eu derramarei o meu Espírito sobre todas as pessoas: os filhos e as filhas de vocês anunciarão a minha mensagem, os velhos sonharão e os moços terão visões. Até sobre os escravos e as escravas eu derramarei o meu Espírito naqueles dias”. Joel 2.28-29.


O derramamento do Espírito no dia de Pentecostes é início e fim. É o fim da antiga aliança e o surgimento de uma nova. É o fim de uma velha era e o início de uma nova. O que era escrito em pedras agora é escrito no coração. O povo de Deus agora é uma raça, é roça: é a colheita do Espírito que semeia a palavra no coração das pessoas.


No Pentecostes, ao citar o profeta Joel, Pedro deixa claro: os últimos dias começaram. A compreensão de que o Pentecostes marca o tempo do fim e o fim dos tempos, traz para nós duas lições:


A primeira, é que somos chamados à vigilância, pois o fim se abrevia: o tempo da partida está cada dia mais próximo. A segunda é que devemos fazer a crítica daqueles que pensam poder apresentar os tempos e as épocas que Deus reservou para si. 


“Pois o Espírito que Deus nos deu não nos torna medrosos, pelo contrário, o Espírito nos enche de poder e de amor e nos torna prudentes”. 2Timóteo 1.7.


Deixemos de lado cálculos, estimativas, projeções e repousemos sobre a certeza de que o Dia do Senhor se aproxima, e que a igreja o aguarda desde o dia de Pentecostes. Aquele derramar do Espírito foi o esperado que aconteceu inesperadamente. 


É interessante observar que Lucas (Atos 1.4) diz que os discípulos deveriam esperar o tempo da promessa em Jerusalém. Depois (Atos 2.2), fala que de repente o Espírito Santo se fez presente. Eles esperavam, mas não sabiam quando. Eles tinham certeza, mas não sabiam a hora.


O Espírito não é companheiro de horas marcadas, anunciadas em anúncios e cartazes. Ele vem quando não esperamos. E não vem da forma que esperamos. Quem quiser andar com o Espírito tem que estar preparado para surpresas, para o inesperado. Ele não falha com as suas promessas, mas não fará o que esperamos nem quando esperamos.


Quando o Espírito vem ninguém o controla. Mas ele controla a todos. Naquela hora ninguém escolheu nem determinou os seus atos. Mas ninguém estava sem controle. O Espírito controlava a todos. Era conforme o Espírito concedia. Ser cheio do Espírito não é ser como um avião sem piloto. Ser cheio do Espírito é ser conduzido por ele que na sua soberania faz o que quer quando quer e como quer. Eis o paradoxo de Deus, aquilo que contraria a crença compartilhada pela maioria.


“Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vêm do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucura para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual”. 1Coríntios 2.14.


11. O Espírito é Missionário


“Essas notícias chegaram à igreja de Jerusalém, que resolveu mandar Barnabé para Antioquia. (...) Barnabé era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé. E muitos se converteram ao Senhor”. Atos 11.22 e 24.


Atos dos Apóstolos é um livro sobre a prática de missões sob o comando do Espírito Santo. O Espírito é missionário. Por isso, o livro de Atos é único em seu estilo no Novo Testamento, porque revela o Espírito como um Espírito Santo missionário. E se o Espírito Santo é missionário, o que lemos em Atos é a conseqüência natural da história de uma igreja que é formada como igreja missionária. A relação Espírito-igreja é a chave do sucesso em Atos. 


Mas, Lucas deixa claro que o Espírito Santo é quem comanda a igreja em sua missão. O Espírito Santo é Deus e Deus soberano. Ele conduziu em triunfo a jovem igreja cristã em sua missão de evangelizar e discipular. E o mesmo Espírito quer hoje conduzir nossa igreja em sua tarefa missionária. Afinal, é o Espírito quem vocaciona, capacita e dirige os obreiros e a igreja na missão.


“Naquele tempo alguns profetas foram de Jerusalém para Antioquia. Um deles, chamado Ágabo, levantou-se e, pelo poder do Espírito Santo, anunciou: Haverá uma grande falta de alimentos no universo inteiro. Isso aconteceu quando Cláudio era o Imperador romano”. Atos 11.27-28.


Além disso, é Ele quem vai adiante: abre as portas e prepara o caminho para o sucesso da obra missionária. E o mesmo Espírito, além de preparar o campo, é quem transforma este mesmo campo em base missionária. A visão missionária é uma dádiva do Espírito para a igreja do Senhor Jesus. Praticar esta visão, como o fez a jovem igreja de Atos, é entender o propósito para o qual a igreja de Jesus existe.


12. O Espírito é Semeador


“Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Auxiliador, o Espírito da verdade, para ficar com vocês para sempre. O universo não pode receber esse Espírito porque não o pode ver, nem conhecer. Mas vocês o conhecem porque ele está com vocês e viverá em vocês”. João 14.16-17.


Para a igreja, ou seja, para a comunidade de fé, a unidade só é válida na variedade: nunca na uniformidade. A aceitação das pessoas com suas diferenças e particularidades é uma condição indispensável para a saúde da comunidade cristã. Por isso, há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito (1Co 12.4). Assim, o amor unifica as diferentes expressões do frutificar no Espírito e a liberdade no Espírito possibilita a expressão dos diferentes dons.


Os dons do Espírito Santo são evidências na igreja porque a Palavra do Senhor é a mesma ontem e hoje, pois "passarão os céus e a terra, mas, as minhas palavras não haverão de passar" Mateus 24.35.


Sabemos que "o Espírito Santo opera todas essa coisas, repartindo particularmente a cada um como quer" (1Co 12.11) e que a "manifestação do Espírito é dada a cada um para o que for útil" (1Co. 12.7). 


Os dons do Espírito Santo são os meios através dos quais os membros do corpo de Cristo, a Igreja, somos capacitados, habilitados e equipados para podermos realizar com autoridade e poder, a obra de Deus.


Em 1Co 12.1, o apóstolo Paulo diz: "a respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes". E assim somos exortados a estudar os dons do Espírito Santo, sem os quais a Igreja, ao invés de ser um organismo vivo, cheio de graça e de unção, passaria a ser uma organização social ou apenas religiosa.


Sim, todos os dons permanecem em sua integridade ou, como diz Paulo em Co 12.4 "ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo". Isto é, aquele Espírito que deu e que repartiu, é o mesmo que dá e que reparte hoje, a cada um, como quer, para a edificação do corpo de Cristo que é a Igreja do Senhor.


Às vezes, porém, se confundem os nove dons do Espírito, com fruto do Espírito, que se expressa através de nove características indispensáveis à vida cristã. O cristão tem que frutificar e manifestar as nove características do fruto do Espírito: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão e temperança. Gl 5.22.

 
O fruto do Espírito molda o caráter do cristão no modelo do caráter de Cristo, enquanto os dons são as capacitações especiais que o Espírito concede aos cristãos, para com poder, graça e unção, realizar a obra do Senhor.


A Palavra de Deus ensina: "segui o amor e buscai com zelo os dons espirituais" (1Co. 14.1), mas, também, a reavivar o dom de Deus que em nós (2Tm 1.6).  E por que isso? Porque os dons são palavras de conhecimento, de sabedoria e discernimento, unção para curar, para realizar milagres, e fé. É, ainda, capacitação para falar em línguas, para interpretá-las e para profetizar.


13. O Espírito é Sabedoria


“Porém, quando o Espírito da verdade vier, ele ensinará toda a verdade a vocês. O Espírito não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouviu e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer. Ele vai ficar sabendo o que tenho para dizer, e dirá a vocês, e assim ele trará glória para mim”. João 16.13-14.


Esses dons espirituais são necessários à vida e ao ministério dos que exercem a liderança na igreja. São a sabedoria, o conhecimento e o discernimento. Falar com sabedoria, ter conhecimento e discernir a origem de idéias, propostas e ações possibilitam ao cristão proclamar a palavra, liderar com humildade e harmonia, e saber escolher o que é melhor para a comunidade de fé. 


Em Atos 4.13 lemos que os líderes judeus ficaram admirados com a coragem de Pedro e de João, pois sabiam que eram homens simples e sem instrução. Admiraram-se de que?  Com as palavras sábias apresentadas através da inspiração do Espírito Santo.


Ninguém é detentor de todos os dons do Espírito, mas cada um recebe o dom, da forma como o Espírito quer. O Espírito é quem reparte. A exortação da Palavra é que busquemos os dons e o façamos com equilíbrio, zelo, sem impedir que o Espírito possa fluir. Em 1Co 12.7 lemos: "a cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito para o proveito comum", isto é, para o proveito da igreja. 


14. O Espírito é Inspirador


“Quem fala em línguas estranhas fala a Deus e não às pessoas, pois ninguém o entende. Pelo poder do Espírito Santo ele diz verdades secretas. Porém quem anuncia a mensagem de Deus fala para as pessoas, ajudando-as e dando-lhes coragem e consolo. Quem fala em línguas estranhas ajuda somente a si mesmo, mas quem anuncia a mensagem de Deus ajuda a igreja toda”. 1Coríntios 14.2-4.


Quem fala com Deus sem usar as palavras em português, ou no seu idioma pátrio, edifica-se a si mesmo (1Co 14.2-4,14). Mas, essas línguas podem ser humanas (At 2.4-6) ou uma língua desconhecida na terra (1Co 13.1). Os cristãos de Corinto exageraram na importância do dom de línguas em detrimento dos outros dons. Para corrigi-los, Paulo deu a seguinte orientação: 


a) a profecia, por que é proclamação do Evangelho, é mais importante para a igreja porque exorta, edifica e consola: dela todos se beneficiam. Os irmãos não devem pensar apenas na sua edificação.


b) para que os benefícios se estendam ao maior número de pessoas na igreja, aquele que fala em línguas, ore para receber o dom de interpretação (1Co 14.13), se é que deseja os dons espirituais. Em nenhum momento Paulo despreza o dom de variedade de línguas. Ao contrário, ele agradeceu a Deus porque falava em línguas e disse que gostaria que todos falassem em línguas, mas que houvesse mais proclamação do Evangelho. 


Podemos dizer ainda que o falar em línguas é o processo da misericórdia de Deus para pobres e excluídos, que não têm voz na sociedade, cujas línguas estão mudas. Então, é um desprender-se sob o Espírito que possibilita expressarem o que sentem e experimentam. É uma nova expressão para a experiência da fé, e é uma expressão pessoal.


Mas, para benefício da Igreja convém que o dom de línguas tenha intérprete. Caso não haja intérprete, melhor que fiquem em silêncio, falando consigo e com Deus. E, por fim, uma recomendação do apóstolo: procurem, com zelo, profetizar e não proíbam falar línguas, mas façam-se todas as coisas decentemente e com ordem (1Co 14.39-40). 


“Por isso, já que vocês estão com tanta vontade de ter os dons do Espírito, procurem acima de tudo ter os dons que fazem com que a igreja cresça espiritualmente”. 1Coríntios 14.12.


15. O Espírito é Amplidão


“A terra era um vazio, sem nenhum ser vivente, e estava coberta por um mar profundo. A escuridão cobria o mar, e o Espírito de Deus se movia por cima da água”. Gênesis 1.2.


O Espírito Santo é o acontecer da presença atuante de Deus, que penetra até o mais íntimo da existência humana. Leia o Salmo 139.7-23. Ele atua como força de vida no ser humano e transforma aqueles que se encontram sob o senhorio de Cristo.


Cria espaço, põe em movimento, leva da estreiteza para a amplidão. Cria o horizonte e nas nossas vidas amplia o horizonte. Na experiência com o Espírito Santo, Deus não é experimentado somente como Pessoa da Trindade, mas também como aquele espaço e tempo de liberdade onde o ser humano pode se desenvolver.


“Aí eu me ajoelhei aos pés do anjo para adorá-lo, mas ele me disse: Não faça isso! Pois eu sou servo de Deus, assim como são você e os seus irmãos que continuam fiéis à verdade revelada por Jesus. Adore a Deus! Pois a verdade revelada por Jesus é a mensagem que o Espírito entrega aos profetas”. Apocalipse 19.10.


Esta é a experiência do Espírito. Um dos nomes de Deus, segundo a religião judaica, é Macom: amplidão. Quando o Espírito é experimentado como essa amplidão aberta à vida, quando os seres humanos vivem no Espírito, Deus é experimentado como um novo tempo de vida.


16. O Espírito é Liberdade


“Aqui a palavra Senhor quer dizer o Espírito. E onde o Espírito do Senhor está presente, aí existe liberdade”. 2Co 3.17.


Onde está o Espírito do Senhor há liberdade. Com essa experiência do Espírito, o apóstolo Paulo fala sobre a liberdade cristã. Mas para falar da liberdade no Espírito é necessário começar pela fé.


A fé é geralmente entendida como uma concordância formal com a doutrina da igreja ou como uma participação na fé da igreja. Mas a fé que liberta é mais do que isso, é uma fé que nos envolve pessoalmente. A fé que me faz livre é a fé com a qual eu concordo, porque eu a compreendo, não porque seja forçado por hábito ou tradição. A fé pessoal é o início de uma liberdade que renova inteiramente a vida e vence o universo (Jo 16.33).


Essa fé é uma experiência que não abandona aqueles que a experimentaram realmente: a liberdade do medo para confiança, o reviver para uma esperança viva, o amor incondicional à vida.


Para a fé cristã, a liberdade não consiste nem na compreensão de uma necessidade histórica, nem na autonomia sobre si próprio e sobre a propriedade, mas sim no ser tocado pela energia de vida do Espírito.


Fé significa ser criativo com Deus e no seu Espírito. Crer leva a uma vida criativa e vivificante pelo amor. Crer, por isso, significa ultrapassar os limites da realidade determinada pelo passado e buscar as possibilidades da vida que não se realizaram.  E é essa fé que livra da força do mal, da lei das obras e do poder da morte e leva a uma comunhão direta e eterna com Deus. Essa é a base e o fundamento da liberdade no Espírito. 


“O Espírito e a Noiva dizem: Venha! Aquele que ouve isso diga também: Venha! Aquele que tem sede venha. E quem quiser receba de graça da água da vida”. Apocalipse 22.17.  


Considerações finais


As palavras hebraica e grega para espírito revelam um significado duplo: espírito e vento. Por exemplo, "o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas" (Gn 1.2), e "Deus fez passar um vento sobre a terra, e as águas abaixaram" (Gn 8.1). Jesus disse a Nicodemos: "O que é nascido do Espírito, é espírito... o vento sopra onde quer” (Jo 3.6-8). 


Outro significado do termo espírito nas duas línguas é sopro, respiração, tanto divina como humana (Jó 4.9; 12.10; 2Ts 2.8; Ap 11.11). Nas Bíblias em português, a expressão espírito é escrita com letra maiúscula para referir-se ao Espírito de Deus ou com letra minúscula para indicar o espírito humano. Como os manuscritos antigos não usavam letras maiúsculas, os tradutores e editores, às vezes, têm dificuldade para determinar se o escritor bíblico tinha em mente o espírito de Deus ou o humano. Como exemplo veja as variações de tradução em Atos 19.21. 


A imagem da água, que denota limpeza e purificação (Ez 36.25-26; Ef 5.26-27; Hb 10.22), as imagens do óleo e do azeite, que denotam unção (Mt 25.1-13; Ap 3.18) e a imagem do fogo, que denota luz e o consumir da justiça divina (Mt 3.11; At 2.3; Sl 78,14) são também símbolos do Espírito.


“De repente, veio do céu um barulho que parecia o de um vento soprando muito forte e esse barulho encheu toda a casa onde estavam sentados. Então todos viram umas coisas parecidas com chamas, e cada pessoa foi tocada por uma dessas línguas. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, de acordo com o poder que o Espírito dava a cada pessoa”. Atos 2.2-4.


As cartas apostólicas ensinam o princípio tri/unitário, tanto no início como na conclusão dos textos (2Co 13.13; Ef 1.2-11; 1Pe 1.1-3). O evangelho de Lucas tem passagens que apresentam a concepção de Jesus como obra do Espírito, assim como Mateus (Lc 1.35, Mt 1.18, 20). João Batista disse ao povo que ele os batizava com água, mas Jesus os batizaria com o Espírito Santo e com fogo (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16). 


Na história humana, a idéia de poder sempre esteve ligada à violência, às guerras e ao prazer. Ter poder é possuir riquezas, são os músculos, ou os votos que um político pode conquistar. Mas, nas Escrituras, o Espírito é comparado à água, que refrigera, limpa e purifica, por isso simboliza o poder de um novo nascimento.


O Espírito também é comparado ao óleo ou azeite. Nessa simbologia, o Espírito é um poder que conforta, já que o azeite era utilizado como medicina. Os reis eram ungidos com o azeite perfumado. O azeite da unção usado em Israel tinha uma fórmula, na qual entravam a mirra, a canela, as madeiras aromáticas, a cássia e o azeite de oliva, razão porque era usado como perfume. 


Já o fogo sempre esteve ligado à imagem de Deus e sua justiça. No Pentecostes, centelhas de fogo pousaram sobre a cabeça de cada um dos apóstolos e no Apocalipse um lago de fogo está reservado para a morte, para o universo dos mortos e para aqueles que não tiverem seus nomes escritos no Livro da Vida (Apocalipse 20.14-15). A água, o óleo e o fogo são sinais da presença e da justiça de Deus e nos ajudam a compreender o papel do Espírito em nossas vidas, nas sociedades e no universo.


“Ele os batizará com o Espírito Santo e com fogo”. Lucas 3.16.


Jorge Pinheiro

Paris, 3 de agosto de 2010.



GABRIELA ROCHA - EU NAVEGAREI (CLIPE OFICIAL) | EP CÉU

Gabriela Rocha: https://goo.gl/2Fr5CQ

LETRA:
Autor: Azmaveth Carneiro da Silva (Azmaveth Carneiro) -JC Edições Musicais Ltda.
Espírito, Espírito
Eu navegarei No oceano do Espírito E ali adorarei Ao Deus do meu amor Espírito
Espírito
Que desce como
Que desce como fogo Vem como em Pentecostes E enche-me de novo
Eu adorarei Ao Deus da minha vida
Que me compreendeu
Sem nenhuma explicação Espírito, Espírito Que desce como fogo Vem como em Pentecostes E enche-me de novo





A correr com a ruach

A correr com a ruach 
Pr. Jorge Pinheiro 

רוּח 

No testamento hebraico a palavra mais usada para espírito, sopro, vento é רוּחַ (ruach), conforme Bereshit 3.8 e Shemot 10.13 e 14.6, entre outros textos. No cristianismo, a ruach, pneuma em grego, vem geralmente acompanhado do adjetivo santo e é a terceira prosopon da Trindade, juntamente com o Pai e o Filho. É Deus todo poderoso, entendido como uma das pessoas do Deus Triuno, que revelou seu Santo Nome YHWH ao seu povo em Israel, enviou seu Filho, eternamente gerado, Jesus para salvá-los do pecado e da morte … e a ruach hakadosh para santificar e dar vida à sua comunidade. O Deus Triúno se manifesta como três hypostasis de uma única ousia, que chamamos Deus. 

Duas ilustrações 

1. Os meninos e a ruach -- Eliseu e os 42 jovens 2 Reis 2:23-24

2. A ruach e a corrida -- Elias estava correndo na chuva enquanto a noite caía. Ele tinha um longo caminho a percorrer até Jezreel, e não era mais jovem. Mesmo assim, correu sem parar, porque “a própria mão do Deus eterno” estava sobre ele. A energia que fluía pelo seu corpo sem dúvida era diferente de tudo o que já tinha sentido na vida. Afinal, ele havia acabado de ultrapassar os cavalos que puxavam a carruagem do Rei Acabe. — 1 Reis 18:46. 

Atos 2.1-13 – PENTECOSTES 

“E, ao cumprir-se o dia de Pentecostes, encontravam-se todos reunidos no mesmo lugar. Então surgiu do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa, onde se encontravam assentados. E apareceram-lhes línguas dispersas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles. E todos ficaram cheios da ruach hakadosh, e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espirito lhes concedia que falassem. Já em Jerusalém habitavam judeus, homens piedosos e todos os povos debaixo do céu. Quando, então, surgiu aquele ruído, acorreu a multidão e ficou perplexa, pois cada qual os ouvia falando em seu próprio idioma. Ficaram, pois, atônitos e se admiravam, dizendo: Vede! Não são galileus todos estes, que estão falando? E como ouvimos nós, cada qual em seu próprio idioma materno: partos, medos, elamitas, os que moram na Mesopotâmia, na Judia, na Capadócia, em Ponto, na Ásia, na Frigia, na Panfília, no Egito, e nas regiões da Líbia perto de Cirene, e os romanos, que aqui residem, judeus e prosélitos, cretenses e árabes - como ouvimo-los falando em nossos idiomas os grandes feitos de Deus? Todos, porém, ficaram atônitos e desconcertados, dizendo uns aos outros: Que quer dizer isto? Outros, contudo, zombando, diziam: Estão embriagados!” 

A ruach é paradoxal 

Quando falamos que a ruach hakadosh é a espontaneidade da realidade, estamos dizendo que a ruach é paradoxal. Exemplo disso foi o derramamento da ruach no dia de Pentecostes, que se apresentou como fim e princípio. Foi o fim da aliança anterior e o surgimento de uma nova. É o fim de uma era e o início de uma nova. O que era escrito nas pedras da lei agora seria, pela ruach, escrito nos corações. As comunidades de fé deixavam de estar restritas a uma raça. 

No Pentecostes, ao citar o profeta Joel (2.28-32), Pedro deixa claro: o fim começou. A compreensão de que o Pentecostes marca o tempo do fim traz para nós duas lições: a primeira, é que somos chamados à vigilância, pois o fim se abrevia. A segunda, é que devemos fazer a crítica daqueles que pensam poder apresentar os tempos e as épocas que Deus reservou para si. 

É interessante observar que Lucas (Atos 1.4) diz que os discípulos deveriam esperar o tempo da promessa em Jerusalém. Depois (Atos 2.2) fala que de repente a ruach se fez presente. Eles esperavam, mas não sabiam quando. Eles tinham certeza, mas não sabiam a hora. A ruach é a espontaneidade da realidade. Ele vem quando e da forma que não esperamos. Quem anda com a ruach aprende a estar preparado para surpresas. É certo que Ele não falha nas promessas, mas não faz como e quando esperamos. 

Quando a ruach vem Ele controla a todos. Aquela hora do Pentecostes ninguém escolheu. Mas ninguém estava sem controle, porque a ruach controlava a todos. Era conforme a ruach queria. Ser cheio da ruach não é ser avião sem piloto. Ser cheio da ruach é ser conduzido por sua soberania. Eis o paradoxo de Espírito. 

“Mas quem não tem a ruach de Deus não pode receber os dons que vêm da ruach e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucura para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual”. 1Coríntios 2.14. 

A ruach é missionária 

A ruach é missionária. Vejam as palavras de Lucas: “Essas notícias chegaram à igreja de Jerusalém, que resolveu mandar Barnabé para Antioquia. (...) Barnabé era um homem bom, cheio da ruach e de fé. E muitos se converteram ao Senhor”. Atos 11.22 e 24. 

Atos dos Apóstolos é um livro sobre a prática de missões sob o comando da ruach. Por isso, o livro de Atos é único em seu estilo no Novo Testamento, porque revela a ruach como missionária. E se a ruach é missionária, o que lemos em Atos é a consequência natural da história de uma comunidade que é formada como igreja missionária. A relação ruach/ comunidade é a chave do sucesso em Atos. 

Lucas deixa claro que a ruach é quem comanda a igreja em sua missão. A ruach é Deus soberano. Ele conduziu em triunfo a jovem comunidade cristã em sua missão de comunicar. E o mesma ruach quer hoje conduzir nossas comunidades na tarefa missionária. Afinal, é a ruach quem vocaciona, capacita e dirige os chamados para a missão. 

“Naquele tempo alguns profetas foram de Jerusalém para Antioquia. Um deles, chamado Ágabo, levantou-se e, pelo poder da ruach hakadosh, anunciou: Haverá uma grande falta de alimentos no universo inteiro. Isso aconteceu quando Cláudio era o Imperador romano”. Atos 11.27-28. 

Mas qual a relação entre Espírito cósmico e missão? Seguindo Irineu, um dos pais da Igreja, podemos dizer que Deus pela Palavra deu existência ao universo, e a ruach transformou o existente em cosmo, todo ordenado, com vida e sentido. 

A ruach dá sentido à vida 

Esse Espírito vivo deu sentido ao universo. Ele tem como propósito dar sentido à vida humana, por isso é Ele quem vai adiante: abre as portas e prepara o caminho para o sucesso da comunicação das boas novas da salvação. E o mesma ruach, além de preparar cada região, cada pedaço deste planeta, é quem transforma pessoas e povos para que se dê a expansão do Evangelho. A visão da expansão da comunicação é uma dádiva da ruach para as comunidades de fé do Senhor Jesus. Praticar esta visão, como o fez as comunidades de Atos, é entender o propósito para o qual a própria comunidade de Jesus existe. 

Comunicar é semear. Por isso, Jesus disse: “Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Auxiliador, a ruach da verdade, para ficar com vocês para sempre. O mundo não pode receber esse Espírito porque não o pode ver, nem conhecer. Mas vocês o conhecem porque ele está com vocês e viverá em vocês”. João 14.16-17. 

Para a comunidade de fé, a unidade só é válida na variedade: nunca na uniformidade. A aceitação das pessoas com suas diferenças e particularidades é uma condição indispensável para a saúde da comunidade cristã. 




Théorie du Big Bang (documentaire)
"BIG BANG" La naissance de l'Univers est sans aucun doute le grand débat cosmologique de ce siècle. Deux grandes théories s'affrontaient. Finalement, l'une l'a emporté sur l'autre. Mais comment les scientifiques ont-ils pu affirmer que l'une était correcte et l'autre non ?

https://www.youtube.com/watch?v=VQPb5YQ2RGw










Sinai, a revelação não foi televisionada

 Pentecostes

A revelação no Sinai não foi televisionada

Reflexões a partir de um artigo do rabino Joel Seltzer



Durante uma semana cristãos e judeus deixam o seu cotidiano e sobem uma montanha em suas imaginações, a fim de reviver momentos dramáticos na história do povo judeu, o momento em que a Lei foi dada no Monte Sinai.


O importante não são as reuniões nas igrejas e sinagogas que celebram o Shavuot -- do hebraico : שבועות, "sete semanas, nome da festa judaica também conhecida como Festa das Colheitas ou Festa das Prímicias, celebrada no quinquagésimo dia do Sefirat Haômer em que, devido a contagem, a festa é conhecida também por Pentecostes --, mas aquele momento de santidade, quando abrimos nossos ouvidos para ouvir as palavras do Decálogo, nos Dez Mandamentos: "Eu sou o Senhor vosso Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão, não terás outros deuses além de mim".


E nós começamos a sonhar: como foi aquele dia? A montanha ficou mesmo em chamas, e Moisés tremeu de medo, consciente de seu papel naquele momento único de teofania? Houve raios e trovões, e os filhos de Israel reconheceram a gravidade deste momento? O que foi que Moisés testemunhou? Será que ele se afastou com medo, ou foi atraído pelos sons ensurdecedores da revelação? Se Deus lhe respondeu "com a voz", o que Ele fez com o som da sua voz? Falou baixinho ou gritou? Será que Deus fala com o que poderíamos chamar de palavras, e essas palavras foram gritadas, ou eram parecidas com a ''voz mansa'' que Elias ouviu?


Antes de conhecê-lo, a leitura da Torá é longo e eu perdi minha chance de realmente ouvir essas palavras sagradas.


Este é o nosso problema: Somos crentes pós-modernos, vivendo em um mundo pós-moderno. Um mundo de reality show, onde as massas optam por assistir a "vida" se desdobrar na televisão ao invés de prestar atenção à realidade "real" da vida. Um mundo onde a cada segundo um novo filme já está disponível on-line, pronto para ser baixado com o toque de um botão. Vivemos em um mundo onde há um ciclo de notícias a cabo 24 horas, onde vimos no mês passado os acontecimentos das manifestações por todo o país, muitas vezes instalados em nossas salas de estar. Então é lógico que, quando pensamos nos acontecimentos do Monte Sinai, a nossa mente bem treinada não pode deixar de procurar o visual, afinal de contas, é ver para crer, e nós queremos acreditar. E se a fé cristã está baseada também preceitos da Lei, então almejamos conhecimento, o conhecimento concreto, como o que aconteceu naquele dia no Monte Sinai.


Mas, devemos compreender nosso erro: estamos sacrificando a revelação no altar da veracidade pós-moderna.


Mas não somos os primeiro a passar por esse dilema teológico, o desejo de saber o que não pode ser conhecido. Um rabino, Norman Lamm, ex-reitor da Universidade de Yeshiva, uma vez enfrentou esta questão em um ensaio, ao procurar explicar suas concepções sobre o que ocorreu no Monte Sinai. Nele, Lamm explica que ele "aceita assumidamente a ideia da revelação verbal da lei", embora não pudesse levar a sério "a caricatura dessa ideia que faz de Moisés um secretário que anota um ditado." Em outras palavras, para a Ortodoxia moderna os acontecimentos no Monte Sinai não são apenas reais em um sentido histórico, mas são reais também em um sentido descritivo. Ou seja, os textos revelados são precisos e, portanto, Moisés falou com Deus, e Deus lhe respondia "com a voz". Por outro lado, Lamm não admite completamente o elemento de mistério encontrado na descrição do texto da revelação, ele não fecha a porta para as possibilidades e ambiguidades. Por isso, incentiva-nos a compreender que "como Deus falou é um mistério. Como Moisés recebeu esta mensagem é irrelevante, porque o que Deus falou é de extrema importância".


Mas para que fechemos nossos olhos e imaginemos uma representação vaga da conversa entre Deus e Moisés, da montanha a tremer em chamas, o rabino Abraham Joshua Heschel alerta que tentar entender a representação deste momento da Bíblia como literal é na verdade meu primeiro erro. Heschel, explica: "O mundo" da revelação "é como uma exclamação, é indicativo em vez de um termo descritivo. Os termos apontam para o seu significado”. Em outras palavras, Heschel quer que pensemos na descrição da entrega da Lei que lemos durante o Shavuot como poesia, não prosa, como drama e não como uma encenação. Ele diz: "Mas do que um relatório sobre a revelação, a própria Bíblia é um midrash".


E assim que nós timidamente retornamos aos nossos templos e sinagogas para celebrar os serviços de Shavuot. E devemos nos repreender por sermos vítimas, mais uma vez, da necessidade incessante de entender, de sentir, de ver. Lembremo-nos que nossa capacidade de entender e nossa visão são duas ferramentas, insuficientes, para compreender o mundo ao nosso redor. Por isso, devemos admitir que o poder infinito do mistério e a fonte do próprio mistério, é Deus.


Fonte

Rabbi Joel Seltzer / Jewish World blogger, 08,05.2013, in www.haaretz.com/misc/writers/rabbi-joel-seltzer-jewish-world-blogger-1.449358



Théorie du Big Bang (documentaire)
"BIG BANG" La naissance de l'Univers est sans aucun doute le grand débat cosmologique de ce siècle. Deux grandes théories s'affrontaient. Finalement, l'une l'a emporté sur l'autre. Mais comment les scientifiques ont-ils pu affirmer que l'une était correcte et l'autre non ?

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mercredi 19 mai 2021

Para compreender Paul Tillich

Jorge Pinheiro
Prof. Dr. Ciências da Religião.

Introdução

Como ler Tillich

Nossa abordagem visa procurar inspiração e não tomar as ideias e argumentos de Paul Tillich como cânone. Entendemos que seus escritos foram elaborados sob condições especiais e refletem conjunturas e realidades peculiares à modernidade do século vinte e por isso nos servem de roteiro para reflexão e não como palavra revelada.

Herdeiro do pensamento alemão do século dezenove, Paul Tillich é devedor do idealismo alemão, em especial de Hegel e Schelling, mas é a partir de 1919, na Alemanha destruída pela I Guerra Mundial que começa a trabalhar sobre a ideia de uma teologia da cultura. 

Para Tillich, a cultura tem uma leitura diferente daquela que terá para a antropologia da segunda metade do século vinte, que inclui a produção humana em toda a sua riqueza e diversidade. Para ele, cultura é a produção da intelectualidade ilustrada europeia. E por baixo das manifestações culturais específicas se faz presente a religião. Assim, para Tillich, a religião expressa o incondicionado, dando margem a manifestações especiais, que se apresentam enquanto cultura. Daí seu interesse em manter um permanente diálogo com artistas, escritores e com o mundo social-democrata da época. Dessa maneira, durante toda sua vida Tillich será um teólogo da cultura e um filósofo da religião. 

1. Breve resumo histórico

Paul Tillich nasceu na Prússia, na aldeia de Starzeddel, província de Brandeburgo, em 1886, filho de pastor luterano. Morreu em 1965 nos Estados Unidos.

1910 -- Graduou-se doutor em Filosofia, em Breslau.

1912 – Licenciou-se em Teologia (Halle) e tornou-se capelão militar. Burguês liberal e idealista, nessa época, chegou à conclusão que as classes pobres eram exploradas pela aristocracia fundiária, pelo Exército, pela Igreja e pelo Estado.

1915 – A grande transformação

“A transformação ocorreu durante a batalha de Champagne, em 1915. Houve um ataque noturno. Durante toda a noite, não fiz outra coisa senão andar entre feridos e moribundos. Muitos deles eram meus amigos íntimos. Durante toda aquela longa e terrível noite, caminhei entre filas de gente que morria. Naquela noite, grande parte da minha filosofia clássica ruiu em pedaços; a convicção de que o homem fosse capaz de apossar-se da essência do seu ser, a doutrina da identidade entre essência e existência... Lembro-me que sentava entre as árvores das florestas francesas e lia Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, como faziam muitos outros soldados alemães, em contínuo estado de exaltação. Tratava-se da liberação definitiva da heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche, ‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicional de Deus estava mesmo morto”. Revista Time, 6/5/59, p. 47.

Para Tillich era preciso abandonar aquele Deus concebido pela teologia do século 19 e fazer o cristianismo responder aos problemas e às exigências contemporâneas.

1920 – Escreve Cristianismo e Socialismo.

Funda, então, na Alemanha, após a Primeira Grande Guerra, um movimento chamado Socialismo Religioso, que tinha por base a afirmação de que “sem fundamento religioso nenhuma sociedade pode salvar-se da destruição”. Apesar de seus esforços a classe operária alemã não adere ao movimento, como Tillich pretendia. O movimento fracassa.

1925 – Começa a escrever sua Teologia Sistemática, cujo primeiro volume só será publicado em 1952.

1933 – Escreve A Decisão Socialista, que é apreendida pela polícia nazista, levando-o a migrar para os Estados Unidos, nesse mesmo ano. Nos EUA, leciona primeiro no Union Theological Seminary, depois, já aposentado na Universidade de Harvard e no final de sua vida no Divinity School de Chicago, onde morre em 1965.

Paul Tillich sofreu influência da teologia dialética de Barth (mais tarde se tornarão adversários declarados) e do existencialismo de Heidegger. Mas, na verdade, sua reflexão terá dois direcionamentos: busca redefinir o conceito de religião (Filosofia da Religião, 1925) e mostrar a interdependência entre religião e cultura (Teologia da Cultura, 1959). Sua Teologia Sistemática está umbilicalmente ligada a essa preocupação.

“Caso perguntasse a uma pessoa que tivesse ficado impressionada com os mosaicos de Ravena ou com as pinturas da cúpula da Capela Sistina ou com os retratos do último Rembrandt, se sua experiência teria sido religiosa ou cultural, ela acharia difícil responder a tal pergunta. Poderia ser correto dizer que essa experiência é cultural na forma e religiosa na substância. É cultural porque não está vinculada a um ato ritual específico, mas é religiosa porque toca o problema do Absoluto e os limites da existência humana”.

2. Teologia

É considerado o maior pensador sistemático do século vinte. Sua teologia pode ser situada como um diálogo entre a teologia liberal e a neo-ortodoxia. 

Ø Barth (fideísmo) versus Harnack (razão).
Ø Tillich – princípio da correlação.

Seu princípio hermenêutico é o princípio da correlação

Princípio da Correlação

Ø Os elementos relacionados só podem existir juntos. É impossível que um aniquile a existência do outro. Com o princípio da correlação a reflexão teológica desenvolve-se entre dois pólos: a verdade da mensagem cristã e a interpretação dessa verdade, que deve levar em conta a situação em que se encontra o destinatário da mensagem. E situação não diz respeito ao estado psicológico ou sociológico do destinatário, mas “as formas científicas e artísticas, econômicas, políticas e éticas, nas quais [os indivíduos e grupos] exprimem as suas interpretações da existência”.

Exemplos

Ø O eu não pode existir sem o mundo, nem o mundo sem o eu.
Ø A fé não pode existir sem a dúvida, nem a dúvida sem a fé.

Outros pensadores, como Platão, Aristóteles e Tomás de Aquino utilizaram o princípio da correlação, mas Tillich o transformou em princípio hermenêutico por excelência.

Para Tillich o fazer teologia deve partir de uma correlação epistemológica, que ele divide em três momentos:

Ø Razão/Revelação
Ø Razão/Fé
Ø Filosofia/Teologia

Sua Teologia Sistemática divide-se em cinco grandes blocos

Ø Razão e Revelação. “A razão não resiste à revelação. Ela pergunta pela revelação. Pois revelação significa a reintegração da razão”.
Ø O Ser e Deus. “É a finitude do ser que conduz à questão de Deus”. 

Ø A Existência e o Cristo. Para Tillich, o conceito Novo Ser, quando aplicado a Jesus como o Cristo, indica o poder que nele vence a alienação existencial. Expressa em forma negativa traduz o poder de resistir às forças da alienação. Experimentar o Novo Ser em Jesus como o Cristo significa experimentar o poder que nele venceu a alienação existencial em si mesmo e em todos aqueles que têm parte com ele. O Novo Ser é o Cristo. A imagem do Cristo expressa o que Deus quer que sejamos: o que os seres humanos são essencialmente e deveriam ser. Aquilo que todo ser humano é potencialmente foi expresso em Jesus, enquanto Cristo. Assim, a doutrina de salvação para Tillich é regeneração, a participação no Novo Ser, justificação, a aceitação do Novo Ser, e santificação, a transformação pelo Novo Ser. Com seu conceito de essencialização, Tillich subverteu a compreensão da existência e de seus conflitos, ao mostrar que servem para enriquecer o ser essencial. Ao voltar-se para o que é eterno, a existência é derrotada em sua reivindicação de ser positiva, ou seja, o eterno nega à finitude sua reivindicação de infinitude. Assim, Jesus, finito, tornou-se Cristo no seu auto-sacrifício e morte. Recusou a tentação demoníaca inerente à existência finita de reivindicar infinitude. Dessa maneira, a ontologia, através da análise da essência, existência e da essencialização, conduziu a uma releitura da compreensão de Deus na fé cristã. Por isso, Tillich, afirmou que Deus não tem existência, já que ele é além da essência e da existência. Falar de Deus enquanto existência é negá-lo, porque existência é alienação e finitude, mas não enquanto relação mecânica e formal como creram Schelling e Kierkegaard, por ele criticados. Para Tillich há uma finititude essencial e alienação existencial. 

Ø A Vida e o Espírito. 
Ø A História e o Reino de Deus.


ANEXOS


Além do Socialismo Religioso

Pareceu-nos interessante como forma de apresentar Paul Tillich, deixar que ele próprio nos fale de sua experiência norte-americana. Para isto, estamos partindo das idéias que apresenta em artigo publicado no Christian Century, em 15 de junho de 1949, e cujos direitos pertencem a Christian Century Foundation. Este artigo, em inglês, pode ser encontrado no site www.christiancentury.org e foi preparado por Ted & Winnie Brock para Religion Online. Aqui não nos interessa transcrever o artigo do Christian Century, mas discutir as idéias expostas pelo teólogo alemão.

Tillich conta que não viveu uma mudança dramática de vida e experiência intelectual nos anos 1940, mas uma lenta transformação, praticamente inconsciente, fruto de uma contínua adaptação aos modos e pensamento norte-americanos. 

Ele conta que no verão de 1948, quando voltou pela primeira vez à Alemanha, desde 1933, viveu um claro teste da enorme mudança que sofreu. Houve uma mudança em seu modo de se expressar. O idioma inglês trabalhou nele, produzindo algo que seus amigos alemães consideraram um milagre: o fez compreensível. Nenhum anglicismo apareceu nas palestras que fez, mas o espírito do idioma inglês dominou seu coração, dando-lhe clareza, sobriedade e concretude. 

Isto aconteceu indo contra suas inclinações naturais. Aprendeu a evitar o acúmulo de adjetivos, coisa freqüente no idioma alemão. Passou a evitar as ambigüidades, que é um vício freqüente do linguajar filosófico alemão. Além disso, o fez baixar à terra, rompendo com suas longas abstrações. “Tudo isso foi muito bem recebido por meus auditórios alemães, sendo visto como uma impressionante mudança de mente”. 

Falando na Alemanha sobre a situação da teologia no EUA, Tillich disse aos seus conterrâneos que a América estava adiante da Europa em teologia histórica e sistemática e mais ainda em relação à ética. Podia dizer isso porque tinha se dado conta de que as éticas são um elemento integrante de teologia sistemática, e teve muito tempo para aprender sobre as éticas individuais no pensamento americano. 

No que se refere às éticas sociais, Tillich havia partido de sua experiência militante e teórica como socialista religioso na Alemanha. Mas foi nos Estados Unidos que ele percebeu a importância central que as éticas sociais têm para a teologia norte-americana. Por isso, considerava que ganhou teologicamente com sua experiência estadunidense. 

"Nos meus primeiros anos nos Estados Unidos fiquei surpreso e preocupado com a tremenda ênfase dada à questão do pacifismo, algo que me parecia de importância secundária e de resultado confuso. Mais tarde, descobri que todos os problemas teológicos giravam ao redor desta questão. Quando nos anos anteriores, durante e depois da Segunda Guerra Mundial, a ideologia pacifista foi quebrada, vi que esta era uma indicação de que surgia uma atitude nova em relação à doutrina do homem e em relação ao Cristianismo. Esta mudança de mentalidade tornou tudo mais fácil para mim e me fez sentir em casa em meu trabalho teológico. 

Quando vim para América, em 1933, fui rotulado de neo-ortodoxo ou neo-supernaturalista. O que era incorreto, mas tenho de admitir que algumas das expressões que utilizava diante das audiências americanas levaram a tal uma impressão. Minha tarefa nos anos trinta era dar a meus alunos e aos outros ouvintes conta de minhas idéias teológicas, filosóficas e políticas, como tinham se desenvolvido durante os anos críticos de 1914 a 1933. 

Trouxe comigo da Alemanha a teologia de crise, a filosofia de existência e o socialismo religioso. Tentei traduzir essas expressões para meus alunos e leitores. Em todos os três destes campos -- o teológico, o filosófico e o político -- meu pensamento sofreu mudanças, em parte por causa de experiências pessoais, em parte por causa das transformações sociais e culturais que estes anos testemunhou. 

A maior das mudanças ao nível mundial foi o político -- das incertezas dos anos trinta ao estabelecimento, nos anos quarenta, de um mundo de intenso dualismo -- assim como o ideológico. Antes da Segunda Guerra Mundial havia espaço para a esperança de que o espírito religioso-socialista penetrasse no Leste e no Ocidente, mesmo que de forma diferente, diminuindo os contraste e prevenindo os conflitos entre eles. Hoje não há base para nenhuma esperança. A expectativa que tínhamos depois da Primeira Guerra Mundial era de um kairós, de plenitude do tempo, mas tal esperança foi duas vezes abalada, primeiro pela vitória do fascismo e depois por sua derrota militar. 

Não duvido que as concepções básicas do socialismo religioso sejam válidas, que apontem ao modo político e cultural de vida pela qual a Europa pode ser construída. Mas não estou seguro de que a adoção dos princípios do socialismo religioso seja uma possibilidade num futuro previsível. Em vez de um kairós criativo, vejo um vazio que só pode ser feito criativo se aceitar e suportar, rejeitando todos os tipos de soluções prematuras. Esta visão significa uma diminuição de minha participação naturalmente em atividades políticas. Minha mudança de mente também foi influenciada pelo desarranjo completo de uma tentativa política séria que fiz durante a guerra para atravessar a abertura entre Leste e Oeste com respeito à organização de Alemanha pós-guerra”. 

Tillich diz que fala-se muito do repúdio das liberdades civis e os direitos do homem nos países comunistas, que significou uma desilusão para os liberais no mundo inteiro. Mas não pode ser negado que este repúdio dos direitos humanos teve também um efeito devastador naqueles que defendiam o socialismo religioso, como ele, que sem ser utópico, acreditava no amanhecer de uma era criativa, mas viu o mundo mergulhar num momento de profunda escuridão. 

“Existencialismo era bem familiar para mim, antes mesmo da palavra entrar em uso geral. A leitura de Kierkegaard em meus anos de estudante, o estudo completo dos trabalhos posteriores de Schelling, a devoção apaixonada por Nietzsche durante a Primeira Guerra Mundial, o encontro com Marx (especialmente com os escritos filosóficos dele), e finalmente minhas próprias tentativas religioso-socialistas me levaram a uma interpretação existencial da história. Assim, eu estava preparado para a ilosofia existencial desenvolvida por Heidegger, Jaspers e Sartre. 

Apesar de o existencialismo virar moda, confirmei minha convicção de que sua verdade básica para a condição presente. A verdade básica desta filosofia, como vejo, é sua percepção da liberdade finita do homem, e, por conseguinte, da situação dele como perigoso, ambíguo e trágico. Existencialismo ganha sua significação especial para nosso tempo no imenso aumento em ansiedade, perigo e conflito na vida pessoal e social devido à estrutura destrutiva presente dos negócios humanos. 

A filosofia existencial se aliou com a psicologia profunda. Só pela recente guerra e seu resultado se tornou manifesto que doença psíquica -- a inabilidade para usar criativamente a liberdade finita da pessoa -- é mais difundida neste país que qualquer outra doença. Ao mesmo tempo psicologia de profundidade removeu sobras do pensamento do século 19 - ao nível do sociológico, ontológico e até mesmo implicações teológicas de fenômenos como ansiedade, culpa e neurose de compulsão. Fora desta nova cooperação da ontologia e da psicologia (inclusive psicologia social) uma doutrina do ser humano exerceu influência considerável em todos os reinos culturais, especialmente em teologia”. 

Segundo Tillich foi sob esta influência que elaborou seu sistema teológico: da possibilidade de unir o poder religioso de teologia neo-ortodoxa com a necessidade de levar a mente contemporânea à reflexão existencial, o que resultou na concepção do "método de correlação", quer dizer, perguntas existenciais e respostas teológicas. A situação humana, como interpretado pela filosofia existencial, a psicologia e sociologia posiciona a pergunta; a revelação, interpretado a partir dos símbolos de teologia clássica, dá a resposta. A resposta, claro, deve ser reinterpretada à luz da pergunta, como a pergunta deve ser formulada à luz da resposta. 

“Parece mim, é possível evitar dois erros contraditórios em teologia, o supernaturalista e o naturalista. O primeiro faz da revelação uma pedra que cai em acima da história, aceita obedientemente, eliminando qualquer suficiência da natureza humana. O segundo substitui revelação por uma estrutura de pensamento racional derivada que julga através de natureza humana. O método de correlação superan o conflito entre supernaturalismo e naturalismo, eliminando a contradição permanente entre fundamentalismo ou neo-ortodoxia por um lado e humanismo teológico ou liberalismo por outro. 

No curso desta tentativa ficou claro para mim que a denominada teologia liberal tem que ser defendida com paixão ética e científica. Isto é, permanece o direito e dever da crítica filológico-histórica da literatura bíblica sem qualquer condição, a não ser a integridade de pesquisa e honestidade científica. Qualquer interferência dogmática com este trabalho nos dirigiria a superstições novas ou velhas -- mitos e símbolos -- o que não pode ser feito sem a supressão de conhecimento. O poder deste neobiblicismo é óbvio na Europa continental, mas já pode ser sentido também aqui, e até mesmo entre liberais antiquados. 

Olhando para a última década de minha vida eu não vejo nenhuma mudança dramática de mente, mas um desenvolvimento lento de minhas convicções na direção de maior claridade e certeza. Acima de tudo eu vim perceber que algumas grandes e duradouras coisas são decisivas para a mente humana, e que agarrá-las é mais importante que procurar mudanças dramáticas”.

A dimensão religiosa na vida espiritual do homem

"Em tais circunstâncias, desprovida de um lar, de um lugar onde estabelecer sua morada, a religião descobre logo que não é necessária tal morada, que não necessita procurar um lar. Seu lar está em todas partes, quer dizer, na profundeza de todas as funções da vida espiritual do homem. 

A religião é a dimensão da profundidade em todas elas, é o espectro da profundidade na totalidade do espírito humano.

O que significa a metáfora profundidade? Significa que o aspecto religioso aponta em direção àquilo que, na vida espiritual do homem, é último, infinito e incondicional. No sentido mais amplo e fundamental do termo, religião é preocupação última. E a preocupação última se manifesta em absolutamente todas as funções criativas do espírito humano.

Manifesta-se na esfera moral com a seriedade incondicional do imperativo moral; donde, quando alguém rechaça a religião em nome da função moral do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.

Manifesta-se no reino do conhecimento como a busca apaixonada de uma realidade última; por isso, quando alguém rechaça a religião em nome da função cognitiva do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.

Manifesta-se na função estética do espírito humano como o anelo infinito de expressar um significado último; donde, quando alguém rechaça a religião em nome da função estética do espírito humano, rechaça a religião em nome da própria religião.

A religião constitui a substância, o fundamento e a profundidade da vida espiritual do homem. Eis o aspecto religioso do espírito humano".

A luta entre o tempo e o espaço

"O Deus do tempo é o Deus da história. Isso significa em primeiro lugar, que é o Deus que atua na história com destino a uma meta final. A história segue uma direção, algo novo há de criar-se nela e por intermédio dela.

Essa meta designa-se de várias maneiras: bem-aventurança universal, vitória sobre os poderes demoníacos representados pelas nações imperialistas, chegada do Reino de Deus na história e, mais além da história, transformação da forma do mundo, etc.

Os símbolos são muitos – alguns mais imanentes, como no profetismo antigo e no moderno protestantismo, outros mais transcendentes, como nas doutrinas apocalípticas posteriores e no cristianismo tradicional --, mas em todos os casos o tempo dirige, cria algo novo, uma “nova criatura”, como chama Paulo. 

O trágico círculo do espaço foi superado. A história tem um princípio e um fim definidos.

No profetismo, a história é história universal. Negam-se as limitações espaciais, as fronteiras entre as nações. Para Abraão todas as nações serão benditas, todas poderão adorar a Deus no monte Sião, o sofrimento da nação escolhida tem o poder de salvar todas as demais. O milagre do Pentecostes supera as diferenças do idioma.

Em Cristo salva-se e une-se o cosmo, o universo. Em sua tentativa de criar uma consciência humana indivisa, as missões têm um caráter universal. O tempo alcança plenitude na história e a história a alcança no reino universal de Deus, o reinado da justiça e da paz.

Isso nos leva ao ponto decisivo da luta entre o tempo e o espaço. O monoteísmo profético é o monoteísmo da justiça. Os deuses do espaço suprimem, necessariamente, a justiça. O direito ilimitado de todo deus espacial choca inevitavelmente com o direito ilimitado de outro deus espacial. A vontade poder de um dos grupos não pode fazer justiça ao outro. Isso é válido para os grupos poderosos que operam dentro da nação e para as próprias nações.

O politeísmo, a religião do espaço, é forçosamente injusto. O direito ilimitado de todo deus do espaço anula o universalismo implícito na idéia de justiça. 

Este é o único significado do monoteísmo profético. Deus é um porque a justiça é uma. A ameaça profética que pende sobre o povo eleito, de ser rechaçado por Deus, por causa da injustiça, é a verdadeira vitória sobre os deuses do espaço. 

A interpretação da história que nos dá o dêutero-Isaías, segundo o qual Deus chama os demais povos para castigar o povo por Ele escolhido, devido à sua injustiça, confere a Deus um caráter universal.

A tragédia e a injustiça são próprias dos deuses do espaço; a realização histórica e a justiça o são de Deus que atua no tempo, e por seu intermédio, unindo no amor o vasto espaço de seu universo".

Entre a heteronomia e a autonomia

"Todo sistema político requer autoridade, não só no sentido de possuir instrumentos de força, mais também em termos de consentimento mudo ou manifesto das pessoas. Tal consentimento só é possível se o grupo que está no poder representa uma idéia poderosa, que goze de significado para todos.

Existe, pois, na esfera política uma relação entre a autoridade e a autonomia, relação que em meu ensaio Der Start als erwartung und aufgabe (O Estado como promessa e como tarefa) caracterizei como segue: 

“Toda estrutura política pressupõe poder e, conseqüentemente, um grupo que o assume. Posto que um grupo de poder é também um conglomerado de interesses opostos a outras unidades de interesses, sempre necessita uma correção. A democracia está justificada e é necessária na medida em que é um sistema que incorpora correções contra o uso errôneo da autoridade política. (...) Os sistemas ditatoriais carecem de correções contra o abuso da autoridade por parte do grupo de poder. O resultado é a escravidão da nação inteira e a corrupção da classe dirigente”.

Entre o luteranismo e o socialismo 

"É relativamente simples chegar ao socialismo quando se parte do calvinismo, em especial em suas formas mais secularizadas da última época; o caminho está muito mais cheio de obstáculos quando passa pelo luteranismo.

Sou luterano de berço, educação, experiência religiosa e reflexão teológica. Nunca me situei no limite entre o luteranismo e o calvinismo, nem sequer depois de experimentar as desastrosas conseqüências da ética social luterana e de reconhecer o inestimável valor da idéia calvinista do Reino de Deus para a solução dos problemas sociais.

A essência de minha religião continua sendo luterana. Ela abarca uma consciência de corrupção do existir, o repúdio de todo tipo de Utopia social (incluindo a metafísica do progressismo), a compreensão da natureza irracional e demoníaca da existência, o reconhecimento do elemento místico na religião, e o rechaço do legalismo puritano na vida privada e corporal.

Também meu pensamento filosófico expressa esse conteúdo singular. Até agora, só Jacob Bohéme, porta-voz filosófico do misticismo alemão, tentou uma elaboração especificamente filosófica do luteranismo. Através dele o misticismo luterano influenciou Schelling e o idealismo alemão, e através de Schelling, por sua vez, os filósofos irracionalistas e vitalistas que emergiram nos séculos XIX e XX.

Na medida em que grande parte da ideologia anti-socialista se baseou sobre estes últimos, o luteranismo atuou indiretamente através da filosofia e também diretamente como forma de controle sobre o socialismo"


Bibliografia

Paul Tillich, Die sozialistische Entscheidung. In: Christentum und soziale Gestaltung. Frühe Schriften zum religiösen Sozialismus. Gesammelte Werke II, Stuttgart, Evangelisches Verlagswerk, 1962, 219-265. Trad. fr. in: Écrits contre les nazis (1932-1935). Paris/Genève, Le Cerf/Labor et Fides, 1994. Trad. ing. in: Against the Third Reich, Paul Tillich’s Wartime Radio Broadcasts into Nazi Germany, editado por Ronald H. Stone, Mathew Lon Weaver.


A conversation with Dr. Paul Tillich -- Part 1

Title: A conversation with Dr. Paul Tillich and Mr. Werner Rode, a graduate student of theology [videorecording]. Published: [New Haven, CT] : Yale Broadcast & Media Center, [2010] Description: 1 DVD (28 min.) : sd., b&w ; 4 3/4 in. Notes: Telecast in 1956 on the NBC-TV series Frontiers of faith and produced by the National Council of Churches of Christ in the U.S.A., Broadcasting and Film Commission. Reproduced in new format on Sept. 30, 1986, by Union Theological Seminary in Virginia, Library Media Services Department. DVD copy of original VHS videocassette: [Virginia : Union Theological Seminary, 1986] Summary: Werner Rode, a graduate student at Union Theological Seminary, New York, interviews the theologian Paul Tillich in 1956 concerning his life and developments in theology during his career.






lundi 17 mai 2021

O universo na mística judaica 2

O universo na mística judaica – II 
Jorge Pinheiro


Para os rabinos expositores da criação ex nihilo (a partir do nada), assim como para os defensores do processio Dei ad extra (processo dentro do Eterno) a intenção primeira de Gênesis-Um é apresentar o Eterno como criador, que utiliza tohu e bohu (sem forma e vazio, o caos) como matéria-prima para a formação do universo. E é a partir dessa relação entre surgimento do universo e revelação, que os estudiosos judeus entenderão a redenção, já que o estágio final do mundo revelado significa uma volta ao começo, uma nova criação.

“A Redenção deveria ser conseguida não por um movimento tempestuoso na tentativa de apressar crises e catástrofes históricas, mas antes pela remarcação do caminho que conduz aos primórdios da Criação e da Revelação, ao ponto em que o processo do mundo (a história do universo e de Deus) principiou-se a desenvolver-se dentro de um sistema de leis. Aquele que conhecia a senda pela qual viera podia ter esperanças eventualmente de poder retornar sobre seus passos”. [Gershom Scholem, A Mística Judaica, São Paulo, Perspectiva, 1972, p. 248].

Assim, mais do que qualquer intencionalidade em apresentar a cronologia do surgimento do universo, Gênesis Um apresenta uma ordem enquanto dialética da estrutura e acidentalidade. Esse processo é interpretado por Scholem como “o primeiro ato, o ato do tzimtzum, no qual Deus determina e (...) limita a Si mesmo, é um ato de julgamento que revela as raízes dessa qualidade em tudo o que existe. Essas raízes do julgamento divino subsistem em mistura caótica com o resíduo da luz divina que remanesceu, após a retirada ou retraimento original, dentro do espaço primário da criação de Deus. Então um segundo raio de luz emanado da essência do Ein-Sof traz ordem ao caos e põe o processo cósmico em movimento, ao separar os elementos ocultos e moldá-los em nova forma” [Iossef ibn Tabul in Gershom Scholem, Kiriat Sefer, vol. XIX, pp. 197-199]. 

E dois escritos antigos nos mostram que a hipótese da creatio ex nihilo tem base num texto do profeta Isaías, “assim diz Adonai, teu redentor, aquele que te modelou desde o ventre materno. Eu, Adonai, é que fiz tudo, e sozinho estendi os céus e firmei a terra. Com efeito, quem estava comigo? ” (Is 44.24), como num apócrifo intertestamentário: “Eu te suplico, meu filho, contempla o céu e a terra e observa tudo o que neles existe. Reconhece que não foi de coisas existentes que Deus os fez, e que também o gênero humano surgiu da mesma forma”. 2 Macabeus 7.28. 

À primeira vista, a cosmogonia judaica define a centralidade de Gênesis-Um no ato criativo do Eterno apenas enquanto espacialidade. Seria uma busca do lugar, da centralidade espacial. O que leva alguns especialistas a afirmarem que não há nenhum elemento espaço-temporal em Gênesis. Mas, isso não é verdade. Em 1740, Anton Lazzaro Moro, cristão novo, geólogo e exegeta italiano, desenvolveu uma sofisticada defesa da hipótese espaço-temporal em Gênesis Um. Dizia ele que tudo que está “envolto e fechado” precisa de um tempo para libertar-se e tornar-se evidente, e que o Eterno, ao criar a natureza, colocou-se como administrador das leis criadas. Daí concluiu: 

“Quando a Escritura afirma que ‘Spiritus Dei ferebatur super aquas (...)’ indica uma função que traz consigo sucessão de tempo” [Anton Lazzaro Moro, De Crostacei e degli altri Corpi Marini che si Truovano su Monti, 1740, apud Paolo Rossi, A Ciência e a Filosofia dos Modernos, São Paulo, Editora Unesp, 1992, p. 345].

Desenvolvendo sua tese espaço-temporal, explicou que toda a criação sofreu duas produções diferentes, que precisam ser cuidadosamente separadas: “a primeira é a do nada pela mão imediata do criador; a outra provém do seio das segundas causas acionadas pelo administrador da natureza. A primeira produção é instantânea e é ato divino proporcionado pela onipotência e eternidade de Deus; a segunda [produção] implica que o ato divino seja adaptado às exigências da natureza que Deus estabeleceu em cada coisa” [idem, op. cit., p. 345]. 

A partir daí sua cosmogonia é surpreendente. Explica que foi o Eterno quem moveu circularmente “a celeste matéria de todo o planetário vórtice”, obrigando essa matéria que formaria o Sol a colocar-se no lugar que lhe era destinado. Constatando que seja qual for a velocidade que se queira atribuir ao movimento diário do Sol e de seu vórtice, “isso não aconteceu num só dia e em só vinte e quatro horas”.

A formação do Sol, assim como a produção dos planetas, “comprova que aqueles seis dias não foram de medida igual aos dias modernos, mas que foram espaços de tempo de duração muito mais longa, ou seja, de uma duração proporcional à atividade das causas segundas e à exigência dos efeitos produzidos; espaços esses que foram chamados dias, conforme o costume freqüentemente usado nas Escrituras de exprimir com o nome de dias certos espaços de tempo longos e indeterminados”, afirmou Moro [idem, op. cit., p. 347].

É interessante ver como a física do século XX, principalmente aquela que sofreu influências dessa mesma cosmogonia, traduziu para uma nova linguagem antigos conceitos. 

É verdade, que desde Aristóteles a ciência avaliou equivocadamente o conceito tempo, considerando-o absoluto, sem relação imediata e causal com o espaço. Pensou um tempo sem ambigüidades, achando que se fosse medido corretamente, entre dois espaços ou eventos, o intervalo de mensuração seria sempre igual. Durante séculos, inclusive para Newton, o tempo foi independente do espaço. Mas, em 1905, Einstein tornou pública uma nova teoria de espaço, tempo e movimento, que ele chamou de relatividade especial. Comprovada em experiências de laboratório, essa teoria, aceita pela maioria dos físicos, levanta algumas hipóteses, como a equivalência da massa e da energia, a elasticidade do espaço e do tempo e a criação e destruição da matéria. Dez anos depois, na seqüência da teoria anterior, Einstein publicou a sua teoria da relatividade geral, com novas afirmações: a curvatura do espaço e do tempo, a possibilidade de que o universo seja finito, mas ilimitado e a possibilidade de o espaço e o tempo se esmagarem, deixando de existir.

”Estas considerações levou-nos a conceber teoricamente o universo real como um espaço curvo, de curvatura variável no espaço e no tempo, de acordo com a densidade de distribuição da matéria, susceptível porém, quando considerada em larga escala, de ser tomado como um espaço esférico. Esta concepção tem, pelo menos, a vantagem de ser logicamente irrepreensível, e de ser aquela que melhor se cinge ao ponto da teoria da relatividade geral”. [Albert Einstein, Considerações Cosmológicas sobre a Teoria da Relatividade, in O Princípio da Relatividade, H. A Lorentz, A. Einstein, H. Minkowski, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1958, pp. 239-240].

E ao criticar a teoria do tempo absoluto, Einstein mostrou que à medida que o deslocamento de um objeto se aproxima da velocidade da luz, sua massa aumenta mais rapidamente, de forma que gasta mais energia para aumentar sua velocidade. Por isso, muito possivelmente nunca possa atingir a velocidade da luz, pois deixaria de ter massa intrínseca. O importante dessa teoria é ter modificado a compreensão de tempo e de espaço. Antes, considerava-se que a velocidade da luz fosse a distância que ela percorre, dividida pelo tempo que leva para fazer isso. Agora, compreendemos que a velocidade pode ser a mesma, mas não a distância percorrida. A partir da teoria da relatividade, o conceito de simultaneidade, ou seja, da existência de um mesmo momento em dois lugares diferentes, deixou de ter qualquer significado em termos de universo.

O tempo não-determinado

Em linguagem da física da relatividade o tempo gasto é a velocidade da luz multiplicada pela distância que a luz percorreu. Temos então várias medidas de tempo, ou seja, medições diferentes entre dois eventos ou espaços. Gênesis nos apresenta este conceito de tempo com yom que aparece como tempo não determinado/quando em Gn 3.5; tempo não determinado/período em Gn 1.14, 16, 18; tempo não determinado/época em Gn 2.4.

Deixamos de ter, então, dois conceitos separados e absolutos: o tempo e o espaço, para termos um, o espaço-tempo. Ora, um evento é algo que acontece num determinado ponto do espaço e logicamente num tempo também determinado. Só que não há separação entre essas duas unidades. Uma das premissas da teoria da relatividade, conforme expõe Stephen Hawking, é que o tempo corre mais lentamente perto de um corpo volumoso [Uma breve História do Tempo, Rio de Janeiro, Rocco, 1988, pp. 35-60]. Assim, na Terra, para tomarmos um exemplo próximo, o tempo é mais lento que em outros planetas ou luas de menor massa. Isto porque existe uma relação entre energia da luz e sua freqüência. Quanto maior a energia, maior a sua freqüência.

Dessa maneira, à medida que a luz percorre verticalmente o campo gravitacional da Terra perde energia e sua freqüência diminui. Em outras palavras, espaço e tempo são quantidades dinâmicas. Quando um corpo se move no universo afeta a curva do espaço-tempo e, por sua vez, a curva do espaço-tempo afeta a forma como os corpos se movem e as forças atuam. Só que, e esse conceito é importante para a relatividade geral, não há como falar de espaço-tempo fora dos limites do universo. Essa premissa é interessante, pois descarta a idéia de um universo imutável, que sempre existiu, para trabalhar com a possibilidade de um universo que teve início e é plástico.

Assim, para a teoria da relatividade o universo teve começo como singularidade, o possível Big Bang, e deverá ter um fim também singular, o possível Big Crunch. E como o espaço-tempo é finito, mas sem limites, o Big Crunch poderia levar a uma concentração de energia tal que muito possivelmente possibilitaria a formação de um novo universo.

“De forma semelhante, se o universo explodisse novamente, deveria haver outro estado de densidade infinita no futuro, o Big Crunch, que seria o fim do tempo. Mesmo que o universo como um todo não entrasse novamente em colapso, haveria singularidades em algumas regiões determinadas, que explodiriam para formar buracos negros. Essas singularidades seriam o fim do tempo para quem ali caísse. Na grande explosão e demais singularidades todas as leis são inoperantes. Então, Deus ainda teria tido completa liberdade para escolher o que aconteceu e como o universo começou”. [Stephen Hawking, idem, op. cit., p. 236].

Ora, como a expansão do universo implica em perda de temperatura, que é uma medida de energia, quando o universo dobra de tamanho, sua temperatura cai pela metade. Assim, quando o Eterno criou o universo, supõe-se que tinha tamanho zero e temperatura infinitamente quente. Mas à medida que se expande, a temperatura cai. Isso explica porque o universo é tão uniforme, e parece igual mesmo nos mais diferentes pontos do espaço. Uma das consequências, caso consideremos o fiat divino como o Big Bang, é que a partir da grande explosão não houve tempo de a luz se deslocar por ilimitadas distâncias. É por isso que Gênesis apresenta em primeiro lugar tohu e bohu, as trevas e o abismo, e só no versículo três o surgimento da luz.

É interessante ver que uma das possibilidades que alguns físicos baralham é a de que o Eterno escolheu a configuração inicial do universo por razões que não temos condições de compreender. Consideram que os acontecimentos da criação não se deram de forma arbitrária, mas refletem um ordem comum. Hawking opta por uma variável que chama limitação caótica ou escolha ao acaso. Dentro desse ponto de vista, o universo primordial surgiu como caos. Ora, a segunda lei da termodinâmica mostra que há essa tendência no universo, e que a ordem e o equilíbrio, ou seja, a vida, que é a forma mais organizada da matéria, surge como oposição a este caos.

“Einstein uma vez formulou a pergunta: ‘Que nível de escolha Deus teria tido ao construir o universo?’ Se a proposta do não limite for correta, ele não teve qualquer liberdade para escolher as condições iniciais. Teria tido, ainda naturalmente, a liberdade de escolher as leis a que o universo obedece. Isto, entretanto, pode não ter sido um grau assim tão elevado de escolha. Pode ter sido apenas uma, ou um pequeno número de teorias completas unificadas, tal como a teoria do filamento heterótico, que são autoconsistentes e permitem a existência de estruturas tão complexas quanto os seres humanos, que podem investigar as leis do universo e fazer perguntas acerca da natureza de Deus”. [Stephen Hawking, idem, op. cit., p. 237].

E Prigogine e Stengers explicaram que “toda variação de entropia no interior de um sistema termodinâmico pode ser decomposta em dois tipos de contribuição: a entrada exterior de entropia, que mede as trocas com o meio e cujo sinal depende da natureza dessas trocas, e a produção de entropia, que mede os processos irreversíveis no interior do sistema. É essa produção de entropia que o segundo princípio define como positiva ou nula”. [Ilya Prigogine e Isabelle Stengers, Entre o Tempo e a Eternidade, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 53].

E a partir da termodinâmica, Hawking trabalha com as setas do tempo. “As leis científicas não distinguem entre as direções para frente e para trás do tempo. Entretanto, há pelo menos três setas de tempo que distinguem o passado do futuro, que são a seta termodinâmica, direção do tempo em que a desordem aumenta; a seta psicológica, direção do tempo na qual se recorda o passado e não o futuro; e a seta cosmológica, direção do tempo em que o universo se expande mais do que se contrai. Demonstrei que a seta psicológica é essencialmente a mesma que a termodinâmica, de modo que ambas sempre apontam para a mesma direção. A proposta do não limite para o universo prevê a existência de uma seta termodinâmica do tempo bem definida, porque o universo deve começar num estado plano e ordenado. E a razão por que se observa esta seta termodinâmica se adequar à cosmologia é que os seres inteligentes só podem existir na fase de expansão”. [Stephen Hawking, idem, op. cit., pp. 210, 211].

Coerente com sua visão de que o Eterno não joga dados com o universo, Einstein combateu às teses de acausalidade na mecânica quântica, defendidas pelas escolas de Copenhagem e Gottingen.

“Não posso suportar a idéia de que um elétron exposto a um raio de luz possa, por sua própria e livre iniciativa, escolher o momento e a direção segundo o qual deve saltar. Se isso for verdade, preferia ser sapateiro ou até empregado de uma casa de jogos em vez de ser físico”. Citado por Franco Selleri, Paradoxos e realidade, Ensaios sobre os Fundamentos da Microfísica, Lisboa, Fragmentos, 1990, p. 41.

Em 1944, voltaria à carga: “Nem sequer o grande sucesso inicial da teoria dos quanta consegue convencer-me de que na base de tudo esteja o indeterminismo, embora saiba bem que os colegas mais jovens considerem esta atitude como um efeito de esclerose. Um dia saber-se-á qual destas duas atitudes instintivas terá sido a atitude correta”. [Einstein, idem, op. cit. p. 59].

Ao finalizar este artigo desejo colocar em relevo algumas constatações presentes nessas reflexões sobre a origem do universo a partir da mística judaica.

A primeira é que a descrição do primeiro versículo de Gênesis-Um está fora do espaço-tempo. O surgimento do espaço-tempo teve início com o caos, que não deve ser entendido como negação ou pura ausência, mas como entropia. É universo espaço/temporal que repousa nos quatro conceitos enumerados por Noach: determinação, proclamação, trabalho e ordem.

Em segundo lugar, o tempo de Gênesis Um não é o tempo que conhecemos e no qual nos movemos, mas é o tempo da ordem/organicidade, tempos não determinados, épocas. Ou seja, o surgimento do universo implicou na expansão do espaço-tempo, assim o espaço-tempo de Gênesis 1.3 é totalmente diferente do espaço-tempo de Gênesis 1.12.

E, por fim, a expressão hebraica yom, presente nos textos de Gênesis Um, também não é a medida dos dias atuais, mas espaços de tempo de duração longa ou de duração proporcional à atividade das causas segundas e à exigência dos efeitos produzidos. Tivemos, então, um processo de expansão permanente, dentro dos limites das leis naturais e da liberdade de possibilidades.