samedi 7 avril 2012

De passagem

Sou leitor do rabino Nilton Bonder. E acho que você só vai ganhar, caso se torne um também. E aqui reproduzo um texto dele sobre a noite de Pessah. Boa leitura. JP.

Rabino Nilton Bonder 

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Ano após ano comentamos sobre os significados de Pessach. Um, o mais objetivo de todos, no entanto, nos escapa. O nome do próprio evento: Pessach (Páscoa). Os israelitas sacrificaram cordeiros e com seu sangue mancharam os umbrais de suas portas protegendo-se da ação do Anjo da Morte sobre seus primogênitos. Porém o próprio texto da Torá usa este nome como um verbo: "ve-raiti et ha-dam u-PaSaCH'ti aleichem" (e verei o sangue e saltarei sobre vós). O ato de passagem é registrado no inconsciente de forma tão impactante que este é o dia: o dia de passagem.

O verbo passar é um verbo estranho. Há nele algo de impermanente e ao mesmo tempo algo de perpetuidade. Quem passou já não mais está; permanece, no entanto, o registro. Se não lembramos de um momento de alegria ou de sofrimento ele não existiu. Uma máxima da sabedoria Idische diz: " O que foi, foi e não retorna" e quem viver viverá para compreendê-la.

No entanto, há dois lugares distintos desde onde podemos enxergar a vida. Podemos olhar a vida pela perspectiva da permanência e descobrir que realmente nada fica. As pessoas gradualmente se modificam a nossa volta: conhecemos novas almas e personalidades enquanto nos despedimos de outras. Nossos endereços do passado, nossas paisagens, nossas estradas vão ganhando novo jeito. As fotografias amarelam, o saído da fábrica passa a ranger, as fibras viçosas dão lugar a estrias e esgarçamento. Vus geven is geven !

Ou podemos entender este mundo pelo olhar da "passagem". Quem passa faz uma marca nos umbrais da história. Esta marca é o registro daquilo que passou -- memória contada de geração em geração. Quem puder olhar a vida como Pessach sem o apego de parar, encontrará o gosto da Redenção, da salvação que afasta o Anjo da Morte. A Liberdade manifesta na saída do Egito é a descoberta do olhar de passagem. Sem considerar este mundo como nossa morada eterna, sem fazer nele planos definitivos, somos mais livres.

A grande doença do mundo do consumo de nossos dias é querer evitar que celebremos a vida por Pessach - por passagem. Mas é de passagem, livres da escravidão da permanência, que temos coragem de abrir nossas portas ao Profeta Elias. A festa da primavera, da vitória da vida sobre o inverno, não é a festa do triunfo permanente, mas celebra a passagem que revigora, renova e dá esperança.

Celebrar Pessach é rever o Chametz, o levedo-impureza, que se agrega a nossa alma a medida que a vida passa. Em nosso afã de conter esta passagem, de estanca-la, a existência se torna pesada, enfadonha e tomada por medos de perda.

Abre a porta e a janela. Sai das trevas dos temores do que nos é reservado no futuro pois este é tão deprimente como um passado que "foi e não mais será". Junte a sua família em torno de uma mesa mágica encantada pelo carinho e por laços de amor que nos aproximam. Permita que a leve embriaguez do vinho doce se misture com o verdadeiro ingrediente da Hagadá - o passado e o futuro condensados neste momento ( Como se nós mesmos tivéssemos sido tirados do Egito!). Celebre o amargo, beba das lágrimas, recline como os bem-sucedidos, relembre do secreto manifesto no Afikoman, fale das receitas irresgatáveis do passado e reconheça aquelas do presente que jamais serão reproduzidas no futuro. Viva um verdadeiro Seder como o da primeira noite. Naquela noite, diferente das outras, família reunida num registro primitivo e insconsciente, celebrava a passagem da vida, da transitoriedade de tudo.

Olhos nos olhos em torno da mesa enquanto que do lado de fora este registro de olhares marcava as portas onde o mórbido fica impotente.

A porta por onde entra o Profeta Elias é a porta por onde nós mesmos entramos e por onde também saímos. É esta porta aberta que nos relembra da "passagem" e nos faz mais humildes.

Pois nesta noite de saber que o "estrangeiro" somos nós mesmos, que o "visitante" e não o residente somos todos nós é a noite da Festa da Passagem. Sagrado o que foi e sagrado o que será. Mas e esta noite?

Esta noite é diferente de todas as outras. Pois nas outras noites o tempo passa e nós nos agarramos em desespero ao que parece ficar. Mas nada fica. Nesta noite nós é que nos fazemos de passagem. Entregues a este fluxo, sem medo, mas com prazer, gira a vida a nossa volta e a esperança é o gosto final de uma noite de dormir tardio
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vendredi 6 avril 2012

O banquete da Páscoa


A ressurreição, de Rafaello Sanzio

Ela virou e respondeu em hebraico: Meu mestre!

[De Montpellier, França, 2005] -- Na sala, o notebook toca música brasileira. Eu, Naira e Paloma convidamos quatro jovens para o almoço de Páscoa: Andreas, alemão, que estuda engenharia; Georgine, de Barcelona, que estuda economia; Térèse, alemã, que estuda Teologia; e Serge, de Barcelona, que veio passar uma semana em Montpellier. Jovens cujas famílias estão longe, cristãos na diáspora acadêmica.

Enquanto eles conversam, Djavan canta que amar é um deserto e seus temores, e a vida vai na cela dessas dores. Lá fora, junto ao pinheiro, companheiro da janela da sala, a primavera chega a passos largos. Eu preparo coelho a caçadora e Naira manchon de canard. Essas serão as carnes do almoço. O almoço é a francesa, com toda a liturgia que isso implica. E os paralamas do sucesso dizem que o calibre do perigo é não saber de onde vem o tiro.

Como vocês notaram estamos em pleno domingo de Páscoa. E quando se fala de Páscoa, se fala de morte, já que não haveria ressurreição se não houvesse morte. Donde, procedem os temores de Djavan e dos paralamas. E isso me leva à teologia, através de um velho amigo dos últimos anos, Paul Tillich.

Ele conta em sua autobiogafia, “Minha busca pelo Absoluto”, que a primeira Guerra Mundial colocou um ponto final em sua formação, pois sua geração foi chacoalhada de tal maneira pela guerra, que deixou para trás sua existência individualista e predominantemente teórica.

Tillich serviu como capelão do exército alemão de setembro de 1914 a setembro de 1918. Ele conta que “antes que as primeiras semanas tivessem passado, meu entusiasmo original desapareceu, e depois de alguns meses me convenci de que a guerra duraria indefinidamente e arruinaria toda a Europa. Acima de tudo, vi que a unidade das primeiras semanas era uma ilusão, que a nação estava fendida em classes, e que as massas industriais consideravam a Igreja como um aliado incontestado dos grupos governantes. Esta situação se tornava mais clara conforme se aproximava o fim da guerra. Produziu a revolução que fez desmoronar a Alemanha imperial. O modo como tal situação deu origem ao movimento socialista religioso na Alemanha já foi descrito. Porém, eu quero acrescentar algumas reflexões”.

Revela que apoiou o movimento socialista que fez a revolução de 1918 na Alemanha, revolução que foi morta pela fraqueza dos proprios socialistas, por seus erros politicos, como a utilização do Exército na repressão aos comunistas; por razões econômicas, como a inflação galopante; e pela volta das forças reacionárias que cresceram nos anos vinte. “Minha empatia com os problemas sociais da revolução alemã teve raízes em minha infância (...). Talvez fosse uma gota do sangue que induziu minha avó a construir barricadas na revolução de 1848, talvez a impressão deixada pelas palavras dos profetas hebreus contra injustiça e pelas palavras de Jesus contra os ricos, estas palavras eu aprendi de cor quando menino”.

E Tillich constata que essa empatia aumentou com o passar dos anos e se transformou em militância socialista religiosa que, depois da segunda Guerra Mundial definhou em resignação e amargura por ver o mundo dividido em dois grupos todo-poderosos, que esmagaram as sobras de um socialismo democrático e religioso. Mas, confiante no futuro,  afirma: “se a mensagem profética é verdadeira não há nada além do socialismo religioso”.

Quando Tillich fala de socialismo, fala da necessidade incondicional de justiça, presente no coração humano, e que deve fundamentar toda ação política. E isso só é possível se o amor ágape fecundar a política e produzir frutos de justiça. Por isso, socialismo verdadeiro é aquele socialismo que está pleno de sentido último [ultimate concern] e transcendência. Se isso não se der, o socialismo se transformará em quase-religião, idolatria que violenta e oprime o ser humano.

Ao falar de Páscoa, ao nos lembrarmos da ressurreição, nos vem à mente os dois dias e meio de silêncio e tristeza, que marcaram a pós-morte de Jesus. Por que esses quase três dias? Na verdade, eles fazem parte de uma pedagogia que transcende. Através desses quase três dias de silêncio e tristeza, Deus possibilitou aos discípulos a aprendizagem da unidade do corpo. Em meio ao silêncio daqueles que fogem e se escondem, em meio ao silêncio da dor da separaçao daquele que é querido, e da tristeza diante daquele que está morto, mas devia estar vivo, os discípulos se uniram, abandonaram velhas brigas e juntos oraram pela misericórdia daquele que é amor.

A unidade foi selada por condições tão adversas. E Jesus levantou-se para dizer que o que separava não separa mais. Agora, ao invés de silêncio temos louvores; ao invés de tristeza, alegria; ao invés de morte, vida.

E assim, como a primavera que cobre de flores o jardim em frente de minha casa, que faz algumas semanas estava seco, a Páscoa possibilita o encontro. Estamos reunidos ao redor de uma mesa, brasileiros, espanhois, alemães. Oramos em francês, mas falamos também em português, espanhol, alemão.     

Quero dizer a Djavan que de fato há o momento do deserto, do temor e da dor, mas já não pode durar para sempre. Quero dizer aos paralamas que já sabemos de onde vem o tiro, por isso o perigo pode ser enfrentado. A mensagem é verdadeira e por isso o mundo será coberto pela justiça. O Cristo ressurreto nos une, e o mundo conhecerá sua glória e o amor que tem por nós.

O banquete da Páscoa estava delicioso, porque foi multiplicado, porque foi ágape de paz, amor e justiça.

Jesus disse: Não me segure, pois ainda não subi para o meu Pai. Vá se encontrar com os meus irmãos e diga a eles que eu vou subir para aquele que é meu Pai e o Pai deles, o meu Deus e o Deus deles. [João 20.16-17]. 

Fonte: Jorge Pinheiro, Teologia Bíblica e Sistemática, o ultimato da práxis protestante, São Paulo, Fonte Editorial, 2012.
Rafaello Sanzio (1483-1520), autoretrato

dimanche 1 avril 2012

A defenestração de Xixuaú

Os heróicos anabatistas não batizavam seus filhos pequenos. Caso houvesse qualquer benefício no batismo infantil, as crianças anabatistas estavam fora dela. Se o batismo infantil fosse necessário para a salvação das crianças, então, os filhos dos anabatistas estariam perdidos. Mas eles não estavam nem aí. Por que? A razão dos anabatistas recusarem o batismo às crianças pequenas não é segredo para ninguém. Só quem tem consciência do bem e do mal e erra o alvo – e Paulo, o apóstolo, diz que todos erramos o alvo – precisa de regenerar-se em Cristo, e ser justificado pela graça, através da fé. Para os anabatistas, as crianças pequenas não se enquadram nessa compreensão: mesmo quando cometem erros, o fazem sem consciência de bem e mal. É por isso que anabatistas e alguns dos seus companheiros de estrada afirmam que todas as crianças estão salvas, todas elas, porque ao não ter consciência moral de bem e mal em suas vidas estão cobertas pelo sacrifício vicário do Cristo.


hawah e hadam

A defenestração de Xixuaú
Ou, onde é mesmo que mora o pecado?

Por Jorge Pinheiro

A compreensão ordinária apresenta hadam, o cara que veio da terra, e hawah, a mulher que é vida, defenestrados da floresta por iavé, senhor do bem e do mal. Bem, defenestrados é um exagero, porque lançados pela janela seria impossível, porque floresta não tem janela. Mas a palavra defenestrados traduz bem o ato de violência e serve como ilustração sobre a apreciação que o senso comum faz da saída do casal de Xixuaú. Para quem não sabe, o rio Jauaperi é o coração da Amazônia e Xixuaú está lá, uma reserva com animais incríveis, vegetação exuberante e igarapés que deixaram hadam e hawah deslumbrados.

A teoria do pecado original é uma maneira transversa de ver a estória humana e flui em direção a um mar grande, uma outra teoria, a do estado de degradação da humanidade. Considera que a natureza humana foi corrompida por um erro original e que todo o humano está em estado de pecado porque é descendência de hadam e hawah. Às vezes, chamado de “o primeiro pecado”, “ou pecado de hadam” ou “o pecado dos pais”, a teoria toma formas diferentes na pluralidade do pensamento cristão, o que leva o pecado original a ser descrito de diferentes maneiras, indo da simples deficiência, como um aleijão, do tropismo ao pecado, de que somos flores do mal, o que pode ou não excluir qualquer idéia a priori de culpa, até a idéia de natureza degenerada e de culpa coletiva. Estas concepções levam a significados na teologia da essencialização do humano, particularmente em relação à graça e ao livre arbítrio.

Feios, sujos e malvados
“...propterea sicut per unum hominem in hunc mundum peccatum intravit et per peccatum mors et ita in omnes homines mors pertransiit in quo omnes peccaverunt...”


Feios, sujos e malvados mergulhados na corrupção


Parece que Ettore Scola tinha razão, teríamos sido condenados a viver em um muquifo? Homem, mulher, filhos e parentes, amontoados? E até com a ou o amante, junto, a brilhar na meia luz mortiça? A teoria do pecado original parte de algumas referências das escrituras judaico-cristãs, as epístolas de Paulo aos romanos (Rm 5.12-21) e aos coríntios (1Cor 15.22) e uma passagem do Salmo 51. Mas a primeira exposição sistemática sobre a condeção ao barraco foi proposta por Agostinho de Hipona, no século IV.

É importante notar, porém, que o referido texto fundante do relato, não apresenta menção ao "pecado original". E a palavra hadam, o da-terra, tem uma dualidade de sentido, primeiro enquanto pessoa do sexo masculino, mas também como agrupamento, espécie. Jean-Michel Maldamé ao analisar este duplo aspecto da universalidade do texto bíblico diz que hadam deve ser considerado como o pai de todos, uma personalidade coletiva que representa a humanidade. (Péché originel, péché d'Adam et péché du monde. Arquivo: http://biblio.domuni.eu/articlestheo/pecheor/po000002.htm).

O pensamento rabínico não concorda com a visão da danação de origem, que se reproduz ad aeternum. Ao contrário, a considera uma perversão da mitologia cristã. E tal compreensão também está ausente no Corão, embora não seja visto assim por todos os muçulmanos. O certo é que para Mahommed, hadam é o pai comum dos humanos e o primeiro profeta do Islã.

Mas a formalização do conceito, entre os cristáos do medievo, partiu de Agostinho, em sua leitura da epístola aos romanos, feita na época em que combatia o monge celta Pelágio, que via a criação e a existência como convite ao belo, puro e bom, mesmo depois do casal de índios ter deixado Xixuaú.

Agostinho, pateando nas pegadas de Orígenes, a partir do neoplatonismo, procurou responder a algumas questões: por que o mal existe? Por que a morte existe? E deu uma resposta instrumental, ao citar o apóstolo quando disse que se por um hadam o errar o alvo entrou no cosmo, e com o pecado a corrupção, assim a corrupção passou a toda a humanidade porque todo mundo erra (Rm 5,12).

O texto escrito à comunidade de fé de Roma, mencionado acima, fala do erro de hadam como a ofensa de uma pessoa, não dogmatiza o ato, como Agostinho se sentiu obrigado a fazê-lo, numa leitura sem paralelo com o texto de Bereshit.

Paulo disse que sua formação intelectual aconteceu aos pés de Gamaliel, ou sejam que ele era um fariseu. E por ser fariseu, usou a hermenêutica, middot, ensinada pelos perushim, fariseus. A leitura tipológica era uma regra dessa hermenèutica. O princípio é: "o gesto dos pais é um espelho para o filho”. Em outras palavras, "a experiência de tudo o que foi vivido pelos patriarcas, incluindo hadam, vai acontecer aos seus descendentes".

Paulo aplica este método em 1Coríntios 10, que é um midrash baseado em Números 20.8. Este é um processo hermenêutico que sobrevive no ditado rabínico: "A história não se repete, gagueja".

Agostinho chamou a ação do casal de pecado de origem. Para explicá-lo disse que se transmitia a todos os humanos, por geração, herdada como defeito. E seguiu as pegadas do preconceito contra a sexualidade humana, tão denegrida pelos estóicos. Tal interpretação choca-se com o texto de Bereshit, que fala da árvore como do "conhecimento do bem e do mal", expressão que traduz a idéia de consciência diante das alternativas da existência, que faz do humano sapiens e o separa do restante do reino animal. O emparelhamento do "pecado de origem" com as relações sexuais produziram uma rica e trágica mitologia cristã, incluído aí a idéia da maçã, para uns, e da vagina como abertura para o inferno, para outros. Mas só podemos falar de consciência diante do bem e do mal, a partir de Bereshit 3.7-13, que descreve a compreensão da incompletude existencial, que diante dos limites, dos quais a morte é o maior, lança o humano a sonhar com a imortalidade.

A presença da teoria do pecado de origem nas denominações cristãs foi sendo consolidada com o correr dos séculos. A teoria agostiniana teve influência em quase toda a teologia ocidental. No segundo Concílio de Orange, quando a liberdade de ação e pensamento de Pelágio foi condenada, parte da doutrina de Agostinho recebeu aprovação oficial. Mas o design da predestinação rígida foi rejeitado. Tal tentativa católica de criar um equilíbrio do agostinianismo esbarrou posteriormente na leitura reformada, que levou às últimas consequências a interpretação trágica do pecado de origem.

Os cristãos orientais, assim como os anabatistas no Ocidente, preferiram uma abordagem diferente para a questão da graça e do errar o alvo, apoiando-se na idéia de theosis, isto é, na busca da união com o Eterno, que foi chamada também de processo de santificação e glorificação. Os dois grupos se reconhecem mais nas teses de João Cassiano do que nas de Agostinho. Por isso, são considerados semi-pelagianos. Entendido aqui que o semi-pelagianismo, teoria que se desenvolveu no sul da Gália, no século V, por João Cassiano, Vicente de Lerins e Salvian de Marselha, traduz uma reflexão teológica onde o ser humano não é visto como mestre de sua salvação, mas que esta, dom gratuito de iavé, deve repousar sobre a resposta positiva do humano consciente de seu afastamento de iavé. Nesta letura, há uma distinção entre o começo da fé, o abrir-se ao chamado de iavé, enquanto ato da vontade livre, e o progresso da fé, obra divina de santificação do humano redimido.

O Magistério católico formatou o ensinamento sobre a transmissão do pecado de origem com as críticas de Agostinho a Pelágio e, depois no século XVI, opondo-se à Reforma protestante. Tal formatação não significou a inclusão de todas as idéias de Agostinho, já que condenou as idéias agostinianas presentes na teologia reformada e também no pensamento jansenista.

Assim o Catecismo da Igreja Católica descreve o pecado de hadam: "O homem, tentado pelo diabo, deixou morrer em seu coração a confiança em seu Criador (Gn 3.1-11) e, abusando de sua liberdade, desobedeceu ao mandamento de Deus". (CEC397 -- "Catechisme de l'Église catholique", primeira edição francesa 1992. Versão definitiva com modificações, 1997, Édition française Pocket, N°3315, 1999. ISBN 2-266-09563-3). E explicita as consequências:

Dessa maneira, o catolicismo diz que por seu pecado Adão, como o primeiro homem, perdeu a santidade e a justiça originais que havia recebido de Deus não só para si mas para todos os seres humanos. E que em sua progênie, Adão e Eva transmitiram a natureza humana ferida por seu primeiro pecado, portanto, privada da santidade e da justiça originais. A essa privação os católicos chamam de pecado original. CEC 416-417.

O catecismo diz ainda que o pecado original é chamado de "pecado" de modo analógico: é um pecado "contraído" e não "cometido", um estado e não um ato (CCC 404). Este estado é transmitido para a raça humana por "propagação", não por "geração", como proposto por Agostinho, que abriu a porta para a suspeita sobre a sexualidade. O Catecismo diz que não podemos especificar o modo como isso de deu.

Assim, a espécie humana seria em Adão um corpo doente. Por esta "unidade da humanidade" todos os homens estão implicados no pecado de Adão, como todos estão envolvidos na justiça de Cristo. No entanto, “a transmissão do pecado original é um mistério que não podemos compreender plenamente". CEC 404.

Para o Magistério católico, vencer o pecado de origem é possível graças a ressurreição de Cristo. "A vitória sobre o pecado conquistada por Cristo nos deu situação melhor do que aquilo que o pecado tinha tirado". A situação humana é descrita como se segue:

"Embora específica para cada um (Concílio de Trento: DS 1513), o pecado original traduz em cada descendente de Adão o caráter de falta pessoal. É a privação da santidade e da justiça original, mas a natureza humana não está totalmente corrompida: ela é ferida em suas próprias forças naturais, sujeitos à ignorância, do sofrimento e do domínio do morte, e inclinada ao pecado (esta inclinação para o mal é chamado de "concupiscência"). O Batismo, dando vida à graça de Cristo, apaga o pecado original e retorna o homem a Deus, mas as conseqüências para a natureza, enfraquecida e inclinada ao mal, persistem no homem e no apelo à guerra espiritual". CEC 405.

E diante disso, apresentaram uma explicação especial para o dogma da conceição de Maria, posição única porque ela teria recebido antecipadamente os frutos da ressurreição de seu filho: "A Virgem Maria foi, desde o primeiro instante da sua concepção, por uma graça e favor singular de Deus Todo-Poderoso, em vista dos méritos de Jesus Cristo, o Salvador do gênero humano, preservada imune de toda mancha do pecado original", conforme afirmou o papa Pio IX, na bula Ineffabilis Iavé, que proclamou o dogma.

A teologia ortodoxa também emprega a expressão "pecado original", apesar de não usar o sentido proposto pelo catolicismo ocidental. Adere ao ensino dos pais da Igreja Oriental, de que o pecado do primeiro homem, com todas as conseqüências e a punição que sofreu, hereditário à espécie humana. Uma vez que cada ser humano é descendente do primeiro homem, ninguém está isento da marca do pecado, mesmo que tal pecado tenha acontecido para que um dia todos possam viver sem pecado.

E assim, tem sido desde o primeiro pecado do primeiro nascido entre os homens. Este pecado tem passado, com todas as suas consequências, a todos os descendentes naturais de Adão, disse Cirilo de Alexandria (apud John Karmiris, A Synopsis of the Dogmatic Theology of the Orthodox Catholic Church, Scranton, Pa.: Christian Orthodox Edition, 1973, p. 35-36).

Os ortodoxos mantiveram-se relativamente afastados dos debates ocidentais sobre a questão do pecado original, e tomaram uma posição de equilíbrio em alguns aspectos. Reconheceram que o pecado de hadam teve consequências para o cosmo, mas rejeitaram qualquer noção de culpa coletiva. Além disso, excluiram a ideia de que a natureza humana é tão corrupta que é incapaz de exercer livre arbítrio, ou seja, conforme as teorias da predestinação particular e da corrupção total defendida por João Calvino.

Em relação à transmissão do pecado original, os ortodoxos afirmaram que a transmissão do pecado original pela hereditariedade natural deve ser entendida em termos de unidade da natureza humana, na consubstanciação de todos os humanos, que estão unidos pela natureza em uma entidade mística. E isto porque a natureza humana é única e indivisível o que faz com que a transmissão do pecado desde o primogênito de toda a raça humana seja compreensível: "a partir de uma raiz, a doença se espalhou para toda a árvore. Adão é a raiz que viu a corrupção”. (Cirilo de Alexandria, fonte citada).

Outra questão a ser levantada, ao ler Bereshit 3, é se podemos falar pecado no sentido agostiniano, pois Paulo no seu texto aos romanos apresenta a lei como limite dinâmico entre o bem e o mal.

Vejamos esta questão. Ao invés de, por que a corrpção?, vamos perguntar por que o mal? Ora, as escrituras judaico-cristãs nos dizem que os pais comeram uvas verdes e as crianças tiveram seus dentes embotados (Ez 18.2) e que iavé é zeloso e repreende os erros dos pais nas gerações que se seguem (Dt 5.9). Então, parece haver uma sequência no fazer humano, seja ela biológica ou cultural e, por isso, também há uma cobrança de iavé diante da repetição dos erros antigos pelas novas gerações. Ou seja, o mal perpassa a existência humana.

Agostinho relacionou este mal à sexualidade, mas Bereshit apresenta a alienação/mal como afastamento do Eterno. É intessante ver que as escrituras judaicas dizem que morre quem peca, e que o filho não herda a falha do pai, nem a culpa do pai cai sobre o filho, pois a justiça ficará sobre o justo e a impiedade do ímpio sobre ele próprio. (Ez 18.20).

Portanto, a transmissão de fatores genéticos existe no sentido biológico, natural, assim como a tranmissão cultural enquanto gaguejar da história, mas não há transmisão da danação espiritual fora da escolha e ação humanas. O que é um paradoxo diante dos textos do parágrafo anterior, mas mostra culpa e pecado, presentes em Bereshit 4.7, não como falha e imposição hereditária, mas como escolha ética, que fundamenta a agir livre.

“Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. Gn 4.7)

Só um detalhe: nada nos diz que o casal de índios era imortal. Tudo indica exatamente o contrário. Estão vai a pergunta: como a morte pode ser o castigo de iavé diante do exercício de liberdade presente em Bereshit 3.13?

Alienação e distanciamento

E a natureza ficou para trás...

E vemos que iavé, depois do ato de distanciamento, deste “o meu caminho eu mesmo traço”, não resolveu destruí-los. Na verdade, cheio de cuidados, costurou roupas de pele, pois hadam e hawah tiveram seus olhos abertos e viram que estavam nus. Assim, a preocupação do texto não está no pecado de origem, mas em outro lugar.

Duas questões devem ser levadas em conta na leitura: (1) o casal foi defenestrado da floresta ou deixou para trás a natureza de onde brotou? (2) O casal de índios fez algo que os animais não fazem, que a natureza não faz, agiu de forma livre. Donde a pergunta retorna: o casal foi defenestrado por que usou tal prerrogativa e teve que arcar com as consequências de deixar a floresta? Ou a alienação, o distanciamento, rompeu com sua condição existencial natural e fez dele homo sapiens sapiens, que tem metalinguagem, pensa seus próprios pensamentos e a projeção de seu agir?
A alienação tende a levar à úbere, conceito que traduz a idéia de algo fértil, fecundo, luxuriante, de uma pessoa da qual emana alguma coisa útil e vantajosa, mas que paradoxalmente é cheia de confiança em excesso, de orgulho, ou mesmo de insolência contra iavé. O apóstolo Tiago descreve o processo da alienação que dá origem à úbere e segue em direção à corrupção, da seguinte maneira: primeiro se deseja o que não deveria ser desejado. Mergulhado no emaranhado do desejo mal pensado, caminha-se na direção de sua realização, erra-se, então, o alvo existencial, o que leva à corrupção (Tg 1.14-15).

Ou como disse iavé a qayin, o-lança: se você tivesse feito o que é certo, estaria sorrindo, mas você agiu mal e, por isso, lehatati está na porta, querendo saltar em cima de você. Ele quer dominá-lo, mas você precisa vencê-lo. (Gn 4:7)

Hadam e hawah antes do distanciamento não tinham desenvolvido o pensamento hipotético-dedutivo. Metaforicamente, viam em preto e branco. Não eram inocentes no sentido de um recém-nascido, mas sua compreensão de mundo repousava sobre o pensamento lógico-formal. Iavé cuidava deles e se fazia presente na vida deles (Gn 2.15-17; 3.8-10; Ec 7.29). O casal no ato do distanciamento não sabia que estava a construir a consciência humana, porém, a partir da separação e da úbere percebeu que não era natureza e isso é constatado quando pensa a sua existência e se vê desnudo.

Assim, de forma desigual, mas combinada, na dialética afastamento/ aproximação, ao deixar a natureza para trás, tem início a construção do pensar humano. Torna-se homo sapiens sapiens, faz metalinguagem, pensa seu pensamento e as construções do seu agir. Faz sua primeira experiência existencial e deixa Xixuaú. No ato abre a vereda do caminhar humano, e no engatinhar pleno de úbere perde o colo quente e tem início a difícil experiência da liberdade (Gn 3; Rm 5.12-19; Ef 2.12; Rm 3.23). Deixa o útero, nasce para a compreensão moral do fazer bem e do malfazer e passa a necessitar do exercício diário da livre escolha. Mas é esse caminho, que se por um lado traduz distanciamento, por outro possibilita a reaproximação, o reencontro, já num outro nível, naquele da escolha consciente, quando exclama como o apóstolo da dúvida... meu Senhor e meu Deus!
Texto para sua pesquisa

Robin Collins, Understanding Atonement: A New and Orthodox Theory, 1995
Veja também: 
http://home.messiah.edu/~rcollins/Philosophical%20Theology/Atonement/AT7.HTM e http://home.messiah.edu/~rcollins/HOME.HTM).

mardi 27 mars 2012

Os degraus da espiritualidade



Os batistas possuem seis princípios fundamentais 
  • A Bíblia como única regra de fé e prática
  • O sacerdócio de cada crente
  • A igreja local é autônoma
  • A igreja é composta por crentes batizados
  • A separação entre a igreja e o Estado
  • Liberdade de expressão e consciência

lundi 26 mars 2012

Os batistas no mundo

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


Igreja Batista 

 

Primeira Igreja Batista da América, organizada em 1638. 

Orientação:
Protestante

Origem:
século XVII

Sede:
Londres (Aliança Batista Mundial)

A Igreja Batista é uma denominação cristã caracterizada pela rejeição ao batismo infantil, optando em seu lugar pelo batismo de fé, sempre através da imersão. O nome é derivado de uma comissão para que os seguidores de Jesus Cristo fossem batizados. Os batistas interpretam o batismo — imergir em água — como uma exposição bíblica e pública de sua fé. Enquanto o termo "batista" tem suas origens com os anabatistas, e às vezes foi visto como pejorativo, a denominação historicamente é ligada aos dissidentes ingleses, ou movimentos de anticonformismo do século XVI. O movimento batista surgiu na colônia inglesa na Holanda, num tempo de reforma religiosa intensa.[1]

Os batistas são considerados protestantes históricos. Alguns batistas rejeitam essa associação. A maioria das igrejas batistas escolhem associar-se com grupos que fornecem apoio sem controle. A maior associação batista é a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos, mas, há muitas outras associações de batistas no mundo. No Brasil, as maiores são a Convenção Batista Brasileira e a Convenção Batista Nacional.

As Igrejas Batistas formam uma família denominacional protestante de origem inglesa.


Nome
O termo batista vem da palavra grega (baptistés, "batista," e remete a João, o batista. Esta relacionada ao verbo (baptízo, "batizar, lavar, mergulho, imerge"), e o baptista latino, e está em conexão direta a "o batizado," João o batista. Como um prenome que foi usado na Europa também como Baptiste, Jan-Baptiste, Jean-Baptiste, John Baptist. E na Holanda, frequentemente em combinações como Jan Baptiste ou Johannes Baptiste. Foi usado como um sobrenome. Outras variações também comumente usadas são Baptiste, Baptista, Battiste, Battista. Anabaptistas na Inglaterra foram chamados batistas em 1569.[2]

Casamento em Igreja Batista na Inglaterra.

A história academicamente aceita sobre a origem das Igrejas Batistas é a sua incepção como um grupo de dissidentes ingleses no século XVII. A primeira igreja batista nasceu quando um grupo de refugiados ingleses que foram para a Holanda em busca da liberdade religiosa em 1608, liderados por John Smyth, um clérigo e Thomas Helwys, um advogado, organizaram em Amsterdã, em 1609 uma igreja de doutrinas batistas. John Smyth discordava da política e de alguns pontos da doutrina da Igreja Anglicana da qual ele era pastor após uma aproximação com os menonitas e, examinando a Bíblia, creu na necessidade de batizar-se com consciência e em seguida batizou os demais fundadores da igreja, constituindo-se assim a primeira igreja batista organizada. Até então, o batismo não era por imersão, só os batistas particulares por volta de 1642 adotaram oficialmente essa prática tornando-se comum depois a todos os batistas. A primeira confissão dos particulares, a Confissão de Londres de 1644, também foi a primeira a defender o imersionismo no batismo.

Depois da morte de John Smyth e da decisão de Thomas Helwys e seus seguidores de regressarem para a Inglaterra, a igreja organizada na Holanda desfez-se e parte dos seus membros uniram-se aos menonitas. Thomas Helwys organizou a Igreja Batista em Spitalfields, nos arredores de Londres, em 1612. A perseguição aos batistas e a outros dissidentes ingleses, fez com que muitos emigrassem. O mais famoso foi John Bunyan, que escreveu sua obra-prima O Peregrino enquanto estava preso. Nos Estados Unidos, a primeira igreja batista nasceu através de Roger Williams, que organizou a Primeira Igreja Batista de Providence em 1639, na colônia que ele fundou com o nome de Rhode Island, e John Clark que organizou a Igreja Batista de Newport, também em Rhode Island em 1648. Em terras americanas os batistas cresceram principalmente no sul, onde hoje sua principal denominação, a Convenção Batista do Sul, conta com quase 15 milhões de membros, sendo a maior igreja evangélica dos Estados Unidos.


Igreja Batista no interior do Estado de Nova York

Existem ainda outras teorias sobre a origem dos batistas, mas que são rejeitadas pela historiografia oficial. São elas a teoria de Sucessão Apostólica, ou JJJ (João - Jordão -Jerusalém) e a teoria anabaptista. Ambas são rejeitadas pelos historiadores batistas Henry C. Vedder e Robert G. Torbet. A teoria de sucessão apostólica postula que os batistas atuais descendem de João Batista e que a igreja continuou através de uma sucessão de igrejas (ou grupos) que batizavam apenas adultos, como os montanistas, novacianos, donatistas, paulícianos, bogomilos, albigenses e cátaros, valdenses e anabatistas. Os batistas landmarkistas utilizam este ponto de vista para se auto-proclamar única igreja verdadeira.

Essa teoria apresenta alguns problemas, como o fato que grupos como bogomilos e cátaros seguiam doutrinas gnósticas e o gnosticismo é contrário às doutrinas batistas de hoje. Também, alguns desses grupos que sobrevivem até o presente, igrejas como a dos valdenses (que desde a Reforma é uma denominação calvinista) ou dos paulicianos, não se identificam com os batistas. A teoria anabatista é aquela que afirma que os batistas descendem dos anabatistas, que pregaram sua mensagem no período da Reforma Protestante.
Igreja Batista no oeste do Canadá


Igreja Batista na Suécia

O evento mais citado para apoiar essa teoria foi o contato que John Smyth e Thomas Helwyscom os menonitas na Holanda. Todavia, além de em 1624 as cinco igrejas batistas existentes em Londres terem publicado um anátema contra as doutrinas anabatistas, também os anabatistas modernos rejeitam ser denominados batistas e há pouca relação entre os dois grupos.

Ambos grupos possuem algumas similaridades:  Crença no Batismo adulto e voluntário; Visão do Batismo e da Ceia do Senhor como ordenanças; Separação da Igreja e Estado.

Existem algumas diferenças entre os batistas e os anabatistas modernos (por exemplo os menonitas): 
Os anabatistas normalmente praticam o Batismo adulto por aspersão e não por imersão como os batistas;
Os anabatistas são pacifistas extremos e se recusam a jurar;
Os anabatistas crêem em uma doutrina semi-nestoriana sobre a Natureza de Cristo, que não recebeu nenhuma parte humana de Maria;
Os anabatistas enfatizam a vida comunal enquanto os batistas a liberdade individual;
Os anabatistas recusam a participar do Estado, enquanto os batistas podem ser funcionários públicos, prestar serviço militar, possuir cargos políticos;
Os anabatistas crêem em um estado de "sono da alma" entre a morte e a ressurreição.


Expansão mundial
Igreja Batista de Hong Kong

Em 1791, um jovem pastor inglês chamado William Carey criou a Sociedade de Missões no Estrangeiro, para dar suporte no envio de missionários, sendo a Índia o primeiro campo missionário.

As Igrejas Congregacionais Americanas enviaram Adoniram e Ana Judson em 1812, para evangelizar a Índia, com destino a Calcutá. O casal encontrou-se com o missionário batista William Carey e seu grupo de pastores, e aceitou a doutrina de imersão dos batistas e foram batizados pelo Pastor William Ward. Outro missionário congregacional, também enviado a Índia, Luther Rice tornou-se batista. Os Judsons permaneceram na Birmânia, atual Myanmar, e Luther Rice voltou aos Estados Unidos para mobilizar os batistas para a obra missionária.

Consequentemente em maio de 1814, foi fundada uma Convenção em Filadélfia com o nome de "Convenção Geral da Denominação Batista nos Estados Unidos para Missões no Estrangeiro". Desde então missionários batistas foram enviados à América Latina, África, Ásia e Europa.

Batistas no Brasil


Os imigrantes dos Estados Unidos fundaram a primeira igreja batista do Brasil.
Na foto a Capela do Campo, no Cemitério do Campo em Santa Bárbara d'Oeste.

Por força da Guerra Civil Americana de 1865, confederados do Sul dos Estados Unidos (confederados estes que eram esmagadoramente da Igreja Batista), começam a buscar outras terras de potencial agrônomo. O Brasil é um dos países escolhidos. Logo, em 1867, grupos de estadunidenses que somaram mais de 50.000 pessoas desembarcam nos portos brasileiros em busca de refúgio e terra fértil, vasta e barata. Avançando para o continente, escolhem a cidade de Santa Bárbara d'Oeste, para adquirirem terras e fixarem residência. Entre os emigrados, a maioria professava o protestantismo e entre esses, muitos eram Batistas. Já em 1870 fizeram publicar um "Manifesto para Evangelização do Brasil." Tal manifesto, assim que publicado contou com assinaturas de Presbiterianos, Metodistas, Congregacionais e, por um Batista, o jovem Pastor Richard Raticliff, um dos emigrados, cuja família havia convertido através de Thomas Jefferson Bowne nos Estados Unidos. Em 1871, Batistas emigrados dos Estados Unidos organizam a Primeira Igreja Batista do Brasil em Santa Bárbara d'Oeste. Anos mais tarde, em 1879, outro grupo de emigrados faz surgir a segunda Igreja Batista em solo brasileiro em Santa Bárbara d'Oeste no bairro da Estação, onde atualmente se localiza a cidade de Americana.

Enquanto isto, no Recife o Missionário Batista William Buck Bagby participa da conversão do sacerdote católico, Antonio Teixeira de Albuquerque. Por causa de perseguição, Teixeira de Albuquerque tentou refugiar-se em Maceió, sua terra natal, mas acabou mais tarde escolhendo Capivari, no Estado de São Paulo. Vindo a conhecer os Batistas em Santa Bárbara d'Oeste, batiza-se, é ordenado pastor e ajuda a comandar a evangelização que se iniciava entre brasileiros, franceses, ingleses e estadunidenses. Os Batistas de então, em Santa Bárbara d'Oeste, se unem para solicitar a Junta de Richmond, dos Estados Unidos, o envio de missionários ao Brasil. O trabalho de evangelização é intenso e brasileiros estão menos preconceituosos quanto à nova doutrina. Em 1881 chegam, William Buck Bagby e Ana Luther Bagby; Zacarias Taylor e Katarin Taylor. Os primeiros missionários são recebidos em Santa Bárbara d'Oeste e logo filiam-se à Igreja Batista existente e começam a estudar a língua portuguesa, tendo Antonio Teixeira de Albuquerque como professor.

Pouco tardou para que os dois casais de missionários, unindo-se a Antonio Teixeira de Albuquerque rumassem para o Estado da Bahia, onde em 1882, com cartas de transferência das igrejas em Santa Bárbara d'Oeste, organizaram a Primeira Igreja Batista de Salvador. Em um ano aquela igreja já contava 70 membros. Salvador também possuía uma comunidade de estadunidenses que fugiram da Guerra de Secessão. O Pastor Antonio Teixeira de Albuquerque, casado, rumou a Maceió, onde organiza a Primeira Igreja Batista e prega para seus pais. A vida de Teixeira de Albuquerque foi curta, vindo a falecer aos 46 anos de idade. O Brasil não resiste às pressões sociais e políticas, internas e externas, vendo capitular o Império, sendo proclamada a República, em 1889. Nela a liberdade religiosa estava consagrada na Constituição, ainda que, por enquanto, apenas no papel.

De Salvador, os missionários seguiram para outras capitais, plantando igrejas. De volta a São Paulo, com outros missionários recém-chegados foram organizando outras novas igrejas a partir de 1899 em São Paulo, Jundiaí, Santos, Campinas, São José dos Campos. Já em 1904 eram 7 Igrejas Batistas no Estado de São Paulo. Essas, reunindo-se em Jundiaí, organizaram em 1904 a Convenção Batista do Estado de São Paulo, então chamada de União Baptista Paulistana. Em 1914, eclode a Primeira Guerra Mundial, que faria ferver até 1918 toda a Europa. A Europa, destruída, vê muitos de seus habitantes saírem em busca de novas terras. O Brasil, e, principalmente o Estado de São Paulo, com um grande avanço na agricultura (café, cana de açúcar e cereais) torna-se alvo de muitos desses europeus. Fugindo da guerra, aportam no Brasil muitos protestantes, somaram-se a eles as dezenas de casais de missionários dos Estados Unidos que continuavam chegando.

Associações Batistas no Brasil

Convenção Batista Brasileira em 2011 possuía 6.000 igrejas organizadas, 1.200 congregações ou missões espalhadas em todo o território nacional e mais de 1.100.000 membros, a mesma também possui vários colégios, seminários, orfanatos, faculdades, hospitais, centros de recuperação para usuários de drogas, todos mantidos em convênios com as convenções estaduais e/ou igrejas locais. Na área da Educação Teológico-ministerial, atualmente são seminários oficiais batistas: o Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil (Recife, PE), o primeiro a ser organizado (é o mais antigo seminário teológico batista da América Latina); o Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, (Rio de Janeiro, RJ), o Seminário Teológico Batista Equatorial (Belém, PA), Seminário Teológico Batista do Nordeste (Feira de Santana e Salvador, BA) e a Faculdade Teológica Batista do Estado de São Paulo (São Paulo, SP), Faculdade Teológica Batista Ana Wollermam localizado em Dourados, Mato Grosso do Sul, Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP), em Curitiba. Todos oferecem cursos de graduação (Bacharelado) e pós-graduação. Os dois primeiros e a Teológica oferecem Doutorado em Teologia, alguns como a FTBP são autorizados e reconhecidos pelo MEC, além de também terem cursos especiais para ministros evangélicos e ensino à distância EAD.

A Convenção Batista Nacional nasceu em 1958, quando foi aceito o batismo pentecostal por alguns batistas em Belo Horizonte. Em 1967, o Pr. Enéas Tognini organizou a CBN (Convenção Batista Nacional), reunindo 60 igrejas. Grande parte dessas igrejas denominam-se "Batistas Renovadas". Hoje, a CBN, segundo o IBGE, conta com 1.500 igrejas organizadas, 1208 congregações ou missões, e 280.000 membros espalhados pelo Brasil (dados de 2006). Alguns afirmam que as Igrejas ligadas a essa convenção não são batistas, pois as doutrinas históricas batistas rejeitam o pentecostalismo.

As Igrejas Batistas Independentes no Brasil têm a sua origem no trabalho da Missão de Örebro, um movimento na Suécia. O missionário Erik Jansson veio en 1912 para atender colonos suecos residentes no município de Guarani, Rio Grande do Sul, mas mais tarde o grupo espalhou-se por outros estados. Conta com pelo menos 15 mil membros filiados à CIBI (Convenção das Igrejas Batistas Independentes), com grande presença nos Estados do Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo.

A partir da década de 1930 surgiram grupos de cunho mais conservador e [Batistas Fundamentalistas], como a Igreja Batista Conservadora fundada em Bagé - RS, a Igreja Batista Bíblica Nacional que organizou a Comunhão Batista Bíblica Nacional (CBBN) desde 1973, com cerca de uma centena de igrejas e congregações, a Igreja Batista Fundamentalista e a Igreja Batista Regular que são pouco numerosos, correspondendo-se aos de sua denominação norte-americana e canadense. Embora a Convenção Batista Brasileira aceite as doutrinas da eleição, há igrejas batistas que se proclamam também calvinistas, e são filiadas às diversas convenções ou simplesmente, independentes. No Brasil, há um grupo cujo objetivo é estreitar laços de comunhão entre seus membros, em geral filiados a igrejas batistas reformadas: trata-se da Comunhão Reformada Batista no Brasil. Ainda há a Igreja Batista do Sétimo Dia, a denominação evangélica sabatista mais antiga, de origem britânica e alemã, mas que no Brasil formou-se com dissidentes da igreja adventista do sétimo dia que deixaram a denominação por não aceitarem os escritos da Sra. White como inspirados por Deus. Acabaram se afiliando a sede da Alemanha e assim, ex-membros de uma igreja que tomara a crença no descanso sabático emprestado dos batistas do sétimo dia, como a adventista, acabaram se unindo a um dos grupos que a originaram.

Existem também dezenas de Igrejas Batistas sem filiação, tais como a Igreja Batista da Floresta (MG), Filadélfia (RJ), Calvário em Niterói (RJ), ou ainda a Igreja Batista Missionária Central Petrolina, todas de orientação carismático-pentecostal.

Tabernáculo Baptista do Porto

Batistas em Portugal

Em Portugal os Baptistas estão presentes desde o século XIX, quando missionários e expatriados britânicos fundaram a igreja no país.

Estão agrupados na Associação das Igrejas Baptistas Portuguesas (19 igrejas); Convenção Baptista Portuguesa (90 igrejas); Igrejas Baptistas do Carreiro (13 igrejas); Igrejas Baptistas Independentes (grupo pentecostal-batista de origem brasileira, 7 igrejas) e outras congregações e igrejas.

Batistas em outros países de Língua Portuguesa

Em 2009, obteve os seguintes números:
Igreja Evangélica Batista de Angola: 300 congregações com 90.000 membros;
Convenção Baptista de Angola: 315 congregações com 31.000 membros;
Igreja Batista Livre em Angola: 45 congregações com 17.123 membros;
Associação Batista de Macau: 6 congregações com 750 membros;
Convenção Batista de Moçambique: 120 igrejas com 40.000 membros.

João, o Batista

Doutrinariamente, os batistas possuem algumas particularidades:
Crença no Batismo Adulto por imersão - assim como os anabaptistas eles creem que o batismo seja uma ordenança para as pessoas adultas (ordenança, para os batistas, é diferente de sacramento: deve ser obedecida, mas é apenas ato simbólico e não obrigatório para salvação), que deve ser respeitada a menos que o indivíduo não tenha oportunidade de ser batizado. A diferença em relação aos anabaptistas, é que os batistas praticam o batismo por imersão.
Celebração das ordenanças do batismo e também da ceia memorial (não-sacramental), repetindo o gesto de Cristo e os apóstolos ("fazei isso em memória de mim") partilhando-se o pão e o vinho entre todos os membros da Congregação.
Separação entre Igreja e Estado - antes mesmo do Iluminismo, já havia a consciência da separação entre Igreja e Estado entre os batistas.
Liberdade de Consciência do Indivíduo - o crente deve escolher por sua própria consciência a servir a Deus, e não por pressão estatal ou de Igreja Estabelecida.
Autonomia das Igrejas locais - como os batistas originaram do Congregacionalismo, enfatizam a autonomia total das comunidades locais, que podem agrupar-se em convenções. A exceção são os Batistas Reformados, que se originaram do calvinismo Presbiterianismo e dos Batistas Episcopais, que surgiram de missões anglicanas no Zaire.


Jesus e o povo.

Em termos de organização, a maior parte das igrejas batistas operam no sistema de governo congregacional, isto é, cada igreja batista local possui autonomia administrativa, regida sob o regime de assembleias de caráter democrático. Entretanto, a grande maioria das igrejas batistas são associadas a "convenções", que são, na verdade, associações de igrejas batistas que procuram auxiliar umas às outras em diversos aspectos, como jurídico, financeiro e formacional (criação de novas igrejas). Essas associações não possuem qualquer poder interventor nas igrejas, pois uma das características da maioria dos batistas é a autonomia de cada igreja local.

Os batistas tradicionalmente evitaram o sistema hierárquico episcopalista como é encontrado na Igreja Católica Romana ou Igreja Anglicana, entre outras, como entre os metodistas. Todavia, existem variações entre grupos batistas, como a Igreja Episcopal Batista (de governo, obviamente, episcopal), presente em vários países da África e a Igreja Batista Reformada, de governo presbiterial.

Maria e seu Filho, segundo Ireneu de Lyon


Fonte: Ireneu de Lyon. Livros I, II, III, IV, V. Coleção Patrística. Tradução de Lourenço Costa. São Paulo: Paulus, 1995.

O Logos recebeu de Maria, virgem, a geração recapitulada de Adão. O primeiro Adão foi tirado da terra, soprado, e fez-se imagem de Deus. O logos encarnado, enquanto recapitulação de Adão, foi feito modelagem de Deus em Maria. Erram os que sustentam que o Cristo nada recebeu de Maria para poder rejeitar a herança do corpo. Ao dizer assim rejeitam também a imagem. Com efeito, se aquele primeiro recebeu a sua modelagem e substância da terra pela mão e arte de Deus e este não, então não conservou a semelhança com o homem que foi feito à imagem e semelhança de Deus, e o Artífice pareceria inconstante e sem nada que demonstre a sua sabedoria. Isto quer dizer que ele apareceu como homem sem sê-lo realmente e que se fez homem sem tomar nada do homem!

Mas se não recebeu de nenhum ser humano a substância da sua carne, ele não se fez nem homem, nem Filho do homem. E se não se fez o que nós éramos, não tinha importância nem valor o que ele sofreu e padeceu. Ora, não há quem não admita que nós somos feitos de um corpo tirado da terra e de uma alma que recebe de Deus o Espírito. E é isso que se tornou o Verbo de Deus ao recapitular em si mesmo a obra por ele plasmada, e é este o motivo pelo qual se declara Filho do homem (...). O apóstolo Paulo, na epístola aos Gálatas, disse abertamente: “Deus enviou o seu Filho, nascido de mulher”; e na epístola aos romanos diz: ... acerca do seu Filho, que nasceu da posteridade de Davi, segundo a carne, declarado Filho de Deus, com poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dentre os mortos, Jesus Cristo Senhor nosso. (Gl 4.4; Rm 1.3-4)
22,2. De outra forma, a sua descida em Maria seria supérflua; pois para que desceria nela se não devia receber nada dela? Se não tivesse recebido nada de Maria então nunca teria tomado alimentos terrenos com os quais se alimenta um corpo tirado da terra; após o jejum de quarenta dias, como Moisés e Elias, seu corpo não teria experimentado a fome e não teria procurado alimento; João, seu discípulo, não teria escrito: “Jesus, cansado pela caminhada, estava sentado”; nem Davi teria dito dele: “E acrescentaram sofrimento à dor das minhas feridas”; não teria chorado sobre o túmulo de Lázaro; não suaria gotas de sangue, nem teria dito: “A minha alma está triste” (Jo 4.6; Sl 69.27; Mt 26.38; Jo 19.24); e de seu lado transpassado não teriam saído sangue e água. Tudo isso são sinais da carne tirada da terra, que recapitulou em si, salvando a obra de suas mãos.

22,3. Por isso Lucas apresenta uma genealogia de setenta e duas gerações, que vai do nascimento do Senhor até Adão, unindo o fim ao princípio, para fazer entender que o Senhor é aquele que recapitulou em si mesmo todas as nações dispersas desde Adão, todas as línguas e gerações dos homens, inclusive Adão. Por isso Paulo chama Adão de figura daquele que devia vir, porque o Verbo, Criador de todas as coisas, prefigurara nele a futura economia da humanidade de que se revestiria o Filho de Deus, pelo fato de que Deus, formando o homem psíquico, dera a entender que seria salvo pelo homem espiritual. Por isso, visto que já existia como salvador, devia tornar-se quem devia ser salvo, para não ser o Salvador de nada.

22,4. Da mesma forma, encontramos Maria, a Virgem obediente, que diz: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”, e, em contraste, Eva, que desobedeceu quando ainda era virgem. Como esta, ainda virgem se bem que casada — no paraíso estavam nus e não se envergonhavam, porque, criados há pouco tempo ainda não pensavam em gerar filhos, sendo necessário que, primeiro, se tornassem adultos antes de se multiplicar — pela sua desobediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa da morte, assim Maria, tendo por esposo aquele que lhe fora predestinado e sendo virgem, pela sua obediência se tornou para si e para todo o gênero humano causa da salvação. E por isso que a Lei chama aquela que é noiva, se ainda virgem, de esposa daquele que a tomou por noiva, para indicar o influxo que se opera de Maria sobre Eva. Com efeito, o que está amarrado não pode ser desamarrado se não se desatam os nós em sentido contrário ao que foram dados, e os primeiros são desfeitos depois dos segundos e estes, por sua vez, permitem que se desfaçam os primeiros: acontece que o primeiro é desfeito pelo segundo e o segundo é desfeito em primeiro lugar.
Eis porque o Senhor dizia que os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros. E o profeta diz a mesma coisa: Em lugar dos pais nasceram filhos para ti. Com efeito, o Senhor, o primogênito dos mortos, reuniu no seu seio os patriarcas antigos e os regenerou para a vida de Deus, tornando-se ele próprio o primeiro dos viventes, ao passo que Adão fora o primeiro dos que morrem. Eis por que Lucas, iniciando a genealogia a partir do Senhor subiu até Adão, porque não foram aqueles antepassados que lhe deram a vida, e sim foi ele que os fez renascer no evangelho da vida. Da mesma forma, o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, e o que Eva tinha amarrado pela sua incredulidade Maria soltou pela sua fé.


Sobre Ireneu: Ireneu de Lyon, em grego Εἰρηναῖος [pacífico], em latim Irenaeus, (ca.130—202) foi um pai da Igreja que nasceu na província romana da Ásia Menor, na parte ocidental da Turquia, provavelmente em Esmirna. Desenvolveu uma teologia singular sobre Maria, considerando-a perpetuamente virgem e co-redentora. Ireneu fez um paralelismo, dentro do quadro da redenção operada por Cristo, entre a mãe de Jesus, figura da obediência e da humildade, e Eva,  imagem-tipo da desobediência e do orgulho.

vendredi 23 mars 2012

O rei Davi e os anos de chumbo


Davi 

Justiça e graça não se opõem. Antes, são atitudes do Eterno inseridas em seu propósito de redenção da espécie humana. Respostas à realidade criada pela aceitação ou não-aceitação da libertação oferecida pelo Criador.

O segundo livro de Samuel, dos capítulos 11 ao 20, fala da profunda depressão vivida por Davi em conseqüência do seu ato de possessão da mulher de Urias, e como tal situação desencadeou a desestruturação de seua clã e do reino.
Depois do ciclo menstrual, o banho

Tudo começou quando Davi, que possuía oito mulheres, resolveu possuir também a mulher de Urias, que terminado seu ciclo menstrual se lavava na laje de sua casa. Urias, era um general mercenário, heteu de nacionalidade, a serviço do exército de Davi. O rei viu a mulher, mandou trazê-la e teve relações com ela no terraço da casa real. É interessante notar, que tempos depois, quando Bate-Seba manda lhe informar que está grávida, o rei só pensa em esconder o acontecido. E assim faz o caminho da dissolução, tentando fazer com que Urias volte para casa, quebre as regras militares do aquartelamento, que impedem os guerreiros de manterem relações sexuais em época de batalha, e tenha relações sexuais com Bateseba para que o futuro filho possa ser apresentado como do casal. Mas como tal tática não dá certo, Davi opta pelo assassinato do heteu mercenário, já ninguém se importaria com a morte de um estrangeiro. Posição racista que traduz hipocrisia, ingratidão e que culmina com o homicídio.
O medalhão da morte de Urias

Nem bem o cadáver de Urias esfriara, já que o luto de sete dias foi puramente formal, Bate-Seba recolhe-se à casa real e torna-se mulher de Davi. Passado nove meses, o profeta Natã apresenta a Davi a parábola do homem rico que se apropria da ovelha do homem pobre.

"Tu és este homem", vocifera Natã. Denunciado publicamente, Davi chora o seu erro diante de Deus. Arrepende-se e é perdoado. Mas os frutos das três faltas cometidas, adultério, dissimulação e assassinato, ele haveria de colhê-los na sua própria família.

Não somente o reino sofreu as conseqüências da quebra da Lei, já que a confiança que o povo depositava no rei foi imediatamente quebrada. Da mesma maneira, sua família olhava com desconfiança esse pai que se mostrava fraco e evasivo diante de suas obrigações familiares.

Temos, então, a morte do primeiro filho de Davi e Bate-Seba, o incesto de Amnom e Tamar, e o ódio crescente de Absalão pelo seu meio-irmão Amnom. É impressionante notar que passados dois anos, a única postura de Davi em relação ao filho incestuoso foi apenas de muita ira. Não há da parte do pai nenhuma atitude objetiva. Não há diálogo, crítica, punição... Nada. Apenas ira acumulada. Podemos imaginar como isso tocou o coração de Absalão, irmão de sangue de Tamar, ao ver dois anos passarem-se sem que o pai tomasse qualquer atitude.  E Absalão fez justiça com as próprias mãos, assassinando o irmão.

Tal situação fracionou mais ainda as relações familiares. Davi amava a Absalão, e este ansiava pelo perdão do pai. Mas nunca mais foram reatadas as relações de amor entre pai e filho. É verdade que depois de três anos de separação, Absalão consegue ver o pai, que o beija. Até que ponto este beijo foi o pedido de perdão de um pai omisso a seu filho rebelado, não sabemos. O beijo como cumprimento era um costume oriental. O certo é que o ressentimento de Absalão não foi curado.

Temos, então, mais uma seqüência de tragédias. Absalão lidera uma conspiração contra o próprio pai, toma o trono e obriga Davi a fugir com toda a sua família e soldados de confiança. O rei é apedrejado e amaldiçoado. Em fuga, "o rei Davi e todo o povo que ia com ele chegaram exaustos ao Jordão, e ali descansaram".

Sem dúvida, esses últimos cinco anos tinham sido terríveis. Esse Davi, deprimido à beira do Jordão, estava longe de lembrar o pastor alegre e confiante que derrotara Golias. A auto-suficiência do rei, sua insensibilidade e racionalização levaram-no à transgressão. Agora estava ali, às margens do rio, tendo dentro de si uma confusão de sentimentos acumulados: culpa, medo, ira, rejeição.

Quando se arrependera, depois da exortação de Natã, Davi escreveu o salmo 51 e posteriormente o salmo 32. Dois textos belíssimos. O primeiro, sobre a confissão do pecado e o arrependimento. O segundo, sobre a felicidade daquele que recebe o perdão. Agora, no fundo do poço, com a família destroçada, suas concubinas sendo possuídas publicamente pelo próprio filho, destronado e amaldiçoado, só lhe restava descansar em Deus.

O reinado de Absalão será curtíssimo. Ele é assassinado e o rei Davi vive um momento de profunda angústia. Recupera-se da dor da morte do filho rebelde, mas tão amado, e começa a reconquistar cada uma das tribos, em parte graças à participação diplomática e militar de seu amigo e braço direito durante todos esses anos: Joabe.

A tempestade estava passando. Os anos de chumbo terminavam. E Davi recomposto emocional e espiritualmente poderá dizer no final de sua vida:

"Disse o Deus de Israel, a Rocha de Israel me falou: aquele que domina com justiça sobre os homens, que domina no temor de Deus, é como a luz da manhã, quando sai o sol, como manhã sem nuvens, cujo esplendor, depois da chuva, faz brotar da terra a erva. Não está assim com Deus a minha casa? Pois estabeleceu comigo uma aliança eterna, em tudo definida e segura. Não fará ele prosperar toda a minha salvação e toda a minha esperança?”.
                                                                                   
O Senhor Deus restaurara a vida de Davi.

Mas fica uma pergunta: será que o rei durante esses anos trágicos tinha consciência do processo que estava vivendo? Temos uma pista bastante interessante: os já citados salmos 51 e 32. Vejamos o que eles dizem.

No salmo 51, salmo de confissão e arrependimento, logo no versículo três, Davi afirma: "(...) eu conheço as minhas transgressões e o meu pecado está sempre diante de mim".

Davi, na verdade tinha consciência do erro cometido. Quando escreve o salmo, ele já parou de racionalizar o seu erro. Ele não se justifica mais. É interessante ver como essa compreensão que tem de si próprio é real. Davi, neste salmo, usa palavras como purificar, lavar, renovar, restituir, sustentar, livrar e abrir, para dizer o que Deus precisa fazer por ele. Aqui ele vê suas limitações, vê sua humanidade decaída e pede a Deus que seja Deus pleno em sua vida.

Duas coisas ficam claras nessa oração do rei Davi. Por um lado, reconhece que está vivendo o momento mais terrível de sua vida: distante do Eterno, esse Deus que transformou um menino desprezado pelo pai, pastor de ovelhas, sem perfil para nada mais heróico, em rei ungido de Israel. Mas, se tem esta autocompreensão de seu estado de pecador pusilânime e irremediavelmente perdido, por outro, tem consciência de que não é isso que o Eterno quer para ele. "Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova em mim um espírito reto".

E no salmo 32, o rei canta a alegria do perdão recebido. Ele se diz feliz, bem-aventurado, e explica que esses sentimentos existem porque "não ocultei os meus pecados".

Depois de reconhecer suas limitações, de ter seus erros perdoados e de viver a alegria do perdão, Deus diz a Davi: "Instruir-te-ei e te ensinarei o caminho que deves seguir; e sob as minhas vistas, te darei conselho".

Davi superara seus erros, mas o Eterno continuaria presente. Cresceria no conhecimento do Eterno, de si próprio, e do próximo. Graças a esse crescimento, gerações foram abençoadas com os momentos de chumbo da vida do rei Davi, com seu arrependimento e com o conhecimento posterior que o Eterno lhe deu.

mercredi 21 mars 2012

Um e-mail de dois anos atrás: o renascimento do Evangelho na França

ELAM evangeliza na rua
Mon, 7 Jun 2010 09:46:26 +0200
Subject: A vez da França

Queridos colegas, bom dia!
Paz e graça em Jesus, o Cristo.

Depois de conversar um pouco com Ricardo Guinancio, amigo e irmão, resolvi escrever sobre o despertamento espiritual que países europeus, de língua francesa, estão vivendo. Na verdade, estou a falar da França, Bélgica e Suíça. E vou contar alguns casos que vão ajudar os colegas a compreenderem o fenômeno.

Exemplo 1: o pastor Philippe Pomier, além de sua igreja, dirige um ministério em Lyon, o projeto ELAM. Vejam o site: www.elamdanslarue.fr/ O ministério é multidenominacional e tem um objetivo: apresentar de uma forma leve – mas não superficial --, alegre e musical Jesus nas ruas das cidades franceses. O projeto tem uma linda banda, formada por músicos cristãos – a filha do Pr. Pomier canta e toca harpa – e jovens que trabalham com mímica, expressão corporal e teatro.

As prefeituras das cidades, já conhecendo a qualidade e potencialidade do grupo para animar e envolver pessoas, e dão todo o apoio. Estive com eles em Valence. Vejam as fotos. E o resultado tem sido o de despertar pessoas: os cristãos a se envolverem com o projeto e a se reintegrarem às igrejas, e os não-cristãos são convidados a ouvir palestras sobre Jesus e a salvação. Mas há duas coisas aqui que devem ser ressaltadas. Primeiro: o interesse das prefeituras. O projeto jamais chega às praças sem autorização e apoio das prefeituras. Segundo: um dos filhos do Pr. Pomier costuma ir ao Brasil para se reciclar, ver experiências, carregar as baterias e voltar cheio de idéias para a França. Ele e o pai, assim como toda a família e a igreja do Pr. Pomier não estão ligados a nenhuma igreja ou denominação no Brasil, mas têm o nosso país como referência cristã e vão aí aprender. O rapaz já foi cinco vezes ao Brasil.

Exemplo 2: o pastor Raymond Vandeput é belga. Hoje na Bélgica ele dirige o ministério Atioch Network. Leia sobre ele:
http://blog.fellowshipofthesword.com/2009/04/raymond-vandeput-jc-cailleau-richard-henderson-rob-atripaldijpg.html

O pr. Vandeput já plantou 25 igrejas. Ele atua na brecha, assim fundou igrejas para africanos, armênios, brasileiros, filipinos, franceses, ingleses e romenos. Mas daqui vamos tirar uma lição importante: de onde, na prática, esse homem tira idéias e se recicla para desenvolver o seu trabalho? Isso mesmo! É no Brasil que ele carrega as baterias. Mas também não está ligado a nenhum ministério ou denominação brasileira. Se os irmãos quiserem conversar com ele, falem no nome do pr. Pomier, se apresentem e batam um papo. O telefone dele na Bélgica é 00 32 23810577.

Exemplo 3: Mas, esse despertamento também está acontecendo no campo reformado e histórico. Em 2009, houve um grande evento protestante de três dias em Estrasburgo, com forums, conferências, espectáculos circenses, concertos, jogos e exposições. Foi promovida pela Fédération Protestante de France (http://www.missionchretienne.net/theologie/actualite-chretienne,21/plus-de-15-000-protestants-en-fete-a-strasbourg,2646.html), contou com o apoio da prefeitura da cidade e reuniu mais de quinze mil pessoas. Ninguém imaginou que teria tal repercussão. Tanto que o presidente Sarkozy, embora tenha sido convidado não foi, se fez representar. Agora, aqui no Institut Protestant de Théologie-IPT, que integra a Faculté de Théologie Protestante, no final de maio organizaram-se festividades para comemorar a restauração dos prédios, obras que custaram 6 milhões de euros. A faculdade de teologia protestante de Paris foi criada em 1877, no âmbito da Universidade de Paris. E Sarkozy veio, falou da importância do protestantismo na formação da identidade francesa, citou Paul Ricoeur, teólogo reformado, e durante dois dias tivemos casa cheia, com palestras, concerto e culto. Eu estou residindo, por quatro meses, na faculdade com minha esposa. E a pergunta é: por que Sarkozy veio? Por que os maiores jornais -- inclusive o jornal católico La Croix --, deram destaque ao evento? Acho que os irmãos começam a entender o que está acontecendo.

Sarkozy inaugura o Fundo Paul Ricouer no Instituto Protestante de Teologia em Paris

Exemplo 4: A história dos batistas na França é muito bonita. Sébastien Fath, historiador e sociólogo (http://blogdesebastienfath.hautetfort.com), fala da influência do pensamento de teólogos batistas como Walter Rauschenbush na teologia reformada francesa. E cita o semanário batista Solidarité Social, que nos anos 1920 e 1930 marcou a intelectualidade francesa, e pensadores batistas como Paul Passy, professor da Universidade de Paris. Segundo Fath, a atividade dos batistas permitiu imprimir uma marca discreta na vida nacional. Muitos, especialmente aqueles presentes na Federação Protestante francesa, souberam enfrentar as dificuldades sociais, durante a I Guerra Mundial e a crise dos anos 1930. O movimento dos batistas sociais, por exemplo, marcou o pensamento reformado, e traduziu um esforço de volta às características familiares do cristianismo dos dois primeiros séculos. Os batistas sociais defendiam que as comunidades de fé deviam promover o Reino de Deus na terra.

Hoje, a Fédération des Églises Évangéliques Baptistes de France (www.feebf.org), a Association évangélique d'Églises baptistes de langue française (www.associationbaptiste.com) e as Églises Réformées Baptistes, juntas, têm cerca de 250 igrejas e 40 mil membros, com presença nacional e atuação missionária na África e na América Latina. Eu poderia falar da igreja batista que freqüento, aqui perto de casa, e de como é uma igreja envolvida com a comunidade (http://eglise.maine.free.fr). Mas vou deixar isso para depois.

Há um despertamento, sem dúvida. Mas esse despertamento espiritual nos países europeus de língua francesa é pontual, diferente do fenômeno brasileiro, onde há sessenta anos se vive um despertamento generalizado. Não cabe aqui analisar as razões diferentes dos dois fenômenos, nem compará-los. O importante nesse momento é nos perguntarmos o que a igreja brasileira – a minha e a sua – pode fazer para apoiar o despertamento espiritual francês. Esse e-mail tem apenas uma finalidade, fazer com que pensemos na responsabilidade que temos, por experiência acumulada na plantação, organização e desenvolvimento de igrejas, para com nossos irmãos europeus de língua francesa. Não se trata de substituí-los, nem de ensiná-los a fazer a roda, afinal a Reforma teve aqui uma de suas colunas -- Calvino era francês e os huguenotes marcaram até a história do Brasil. Trata-se de apoiá-los, de estar junto, de colar o ombro no ombro.

É para ler, discutir e orar. Deus está mostrando caminhos.

Um abraço do amigo Jorge Pinheiro
Pastor interino da Igreja Batista em Perdizes/ em França.
83, boulevard Arago (313)
75014, Paris

Tel. 0033645525025