lundi 22 août 2016

A ressurreição -- benção da integridade de Deus

Lições da estrada de Emaús
A ressurreição -- bênção da integridade de Deus

Lucas 24. 13-33. 

1. O passado e o futuro -- Quando pensamos na ressurreição pensamos em duas coisas: lá atrás na história, Deus ressuscitou Jesus. E lá na frente, um dia, Deus vai nos ressuscitar. Assim a ressurreição tem passado e futuro. São duas colunas: passado e futuro. Mas e hoje? Será que a ressurreição tem alguma coisa a ver com o meu presente?

2. Os limites da existência -- Lucas 24.21 – E a nossa esperança era que fosse ele quem iria libertar o povo de Israel. Porém já faz três dias que tudo isso aconteceu.

A morte personifica os limites intransponíveis da existência. A morte personifica: o medo existencial, o fim da esperança, a perda do sentido da vida.

Com a morte de Jesus morreu algo na vida dos discípulos... Assim como a morte do esposo mata algo na esposa, a morte do amigo mata algo no amigo, a morte de Jesus matou nos discípulos a vida que dava sentido à vida de cada um deles. Foi isso que aconteceu com aqueles discípulos de Emaús: vagavam à noite pela estrada da vida, cabisbaixos, derrotados. A vida não tinha mais sentido para eles. E é assim que acontece conosco muitas vezes: andamos desesperançados, derrotados pela realidade que esmaga a vida e destrói o futuro. 

3. O novo nasce pela fé na ressurreição

25 - Então Jesus lhes disse: - Como vocês demoram a entender e a crer em tudo o que os profetas disseram! 26 - Pois era preciso que o Messias sofresse e assim recebesse de Deus toda a glória.

Jesus transpôs a barreira dos limites impostos a existência. O novo nasce quando nos reunimos com o irmão ao redor da mesa, ouvimos a Palavra e repartimos o pão. 

29 - Mas eles insistiram com ele para que ficasse, dizendo: Fique conosco porque já é tarde, e a noite vem chegando. Então Jesus entrou para ficar com os dois. 30 - Sentou-se à mesa com eles, pegou o pão e deu graças a Deus. Depois partiu o pão e deu a eles. 31 - Aí os olhos deles foram abertos, e eles reconheceram Jesus.

Vencemos as crises quando redescobrimos o sentido da fé na ressurreição. Isso acontece quando nos reunimos com o irmão, ouvimos a Palavra e repartimos o pão. Por isso, a ressurreição não é um dado do passado e nem apenas do futuro. É um fato presente, uma bênção da integridade de Deus para nossa vida presente. A ação de Deus que no passado trouxe Jesus à vida é a mesma que a cada dia nos dá força.

Mas lembre-se: não é um ato solitário a descoberta da fé na ressurreição. É um ato solidário, que implica em ouvir a Palavra e repartir o pão. A ressurreição de Jesus é a expressão permanente do compromisso irrevogável do Deus Eterno conosco.

samedi 20 août 2016

O corpo e o baile

Um texto que escrevi, fazem uns 10 anos, e que dedico ao professor Dr. Marcel Foucault.

O corpo e o baile

"Ce qu'il y a de plus profond chez l'homme, c'est la peau".
Paul Valéry

Há alguns anos, um outdoor estava presente na cidade de São Paulo nos dias de Carnevale. Nele uma jovem dizia: “Mostre que você já cresceu e sabe o que quer, use camisinha”. O slogan, me pareceu, poderia ter várias leituras. Uma delas seria: você que é mocinha, dona do seu próprio nariz, faça curta a vida.

E o slogan me remeteu a uma questão, que envolve os conceitos carne e corpo. E vou começar a conversa a partir de um texto clássico da literatura brasileira:

“Invadiu-a um desalento imenso, um nojo invencível de si própria. Robustecer o intelecto desde o desabrochar da razão, perscrutar com paciência, aturadamente, de dia, de noite, a todas as horas, quase todos departamentos do saber humano, habituar o cérebro a demorar-se sem fadiga na análise sutil dos mais abstrusos problemas da matemática transcendental, e cair de repente, com os arcanjos de Milton, do alto do céu no lodo da terra, sentir-se ferida pelo aguilhão da carne, espolinhar-se nas concupiscências do cio, como uma negra boçal, como uma cabra, como um animal qualquer... era a suprema humilhação.”

A Carne de Júlio Ribeiro é um romance naturalista publicado em 1888, que fala de divórcio, sexo sem culpa e aponta para a liberdade sócio-cultural feminina. Mas, apresenta também os preconceitos da sociedade escravocrata no Segundo Império. A Carne é a história de Lenita, uma jovem órfã de mãe, cujo pai lhe deu uma educação sofisticada e fora do comum para a época.

Aos 22 anos, após a morte do pai, Lenita teve a saúde abalada e foi viver no interior de São Paulo. Lá conheceu Manuel, um intelectual que vivia trancado com seus livros e que de vez em quando fazia longas caçadas. Lenita e Manuel tornam-se amantes e o romance de Júlio Ribeiro narra a trajetória desse amor, marcado por desejo e violência, por luta entre a razão e a carne.

“As pessoas que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a natureza humana, junto com todas as paixões e desejos dessa natureza”.

A carta do apóstolo Paulo aos Gálatas (5.24), escrita em grego, fala de paixões e desejos. Paixão, paté, aqui, indica deficiência que domina a natureza humana, e sarks, carne. O texto discorre sobre a possibilidade de controle de uma disfunção quando afirma que aqueles que pertencem a Cristo crucificaram todas as paixões e desejos da natureza humana. 

Durante a Idade Média, grupos de cristãos interpretaram a exortação à crucifixão da carne como apelo ao sofrimento e suplício, ao encarceramento e solidão, procurando causar dor e desprazer ao próprio corpo.

Mas o apóstolo faz diferença entre carne e corpo. Carne nos remete às disfunções que envolvem desejos e paixões como lascívia e prostituição. E corpo traduz a materialidade do ser, a base para a realização da existência. 

O domínio e o exercício do corpo advêm como expressividade quando há integração lingüístico-cultural. No corpo residem os sentidos e a razão e, por isso, não é resto, não está despojado de vida, configura-se como totalidade. Seu equivalente na linguagem teológica das escrituras judaicas é a nefesh, singularidade no mundo, face ao outro, interpelado, atravessado por afeições e sentimentos. Orgânico, natural, o corpo alia indeterminação entre a dimensão lingüístico-cultural que o atravessa e constitui e a dimensão emotiva que o movimenta. 

Por isso o corpo -- e com ele as emoções, sentimentos e a própria razão -- é dimensão profunda do ser. É o corpo que projeta as forças que vão moldar o ser aos desejos e paixões. Nesse sentido não há pecado da carne sem que antes tenha passado pelo próprio corpo.

No romance A Carne, Lenita encontra cartas de outras mulheres guardadas por Manuel, sente-se traída e o abandona. Mesmo grávida, casa-se com outro homem. Diante da perda da amante, Manuel suicida-se.

“A placidez da morte sem dor, da morte pela paralisia dos nervos motores, converteu-se em um suplício atroz, pavoroso, para cuja descrição não tem palavras a linguagem humana.

Morto e vivo!

Tudo morrera: só vivia o cérebro, só vivia a consciência e vivia para a tortura... Por que não ter despedaçado o crânio com uma bala? A paralisia invadiu os últimos redutos do organismo, o coração, os pulmões, sístole e diástole cessaram, a hematose deixou de se fazer. Um como véu abafou, escureceu a inteligência de Barbosa, e ele caiu de vez no sono profundo de que ninguém acorda”.

Assim, Júlio Ribeiro finaliza o resultado da batalha perdida entre a razão e a carne. Para ele, os triunfos tresloucados dos desejos e paixões da carne levam, ao final, à morte do corpo. É isso que o apóstolo Paulo nos fala. Por isso, no Carnevale, ou em qualquer outra atividade humana, a liberdade deve ser parceira da existência plena e não da alienação e morte, pois ser livre é realizar-se no tropismo do corpo à vida.

Ao lado da pelota o corpo também baila

vendredi 19 août 2016

Um pouquinho de Kant, para ninguém ficar com medo

Immanuel Kant, filho de pais pietistas, transformou os avanços da astronomia de Copérnico em teoria do conhecimento. A partir de Kant, o conhecimento não está preso aos objetos, mas os objetos acontecem dentro do processo de conhecimento. Na sua época, a filosofia estava dividida entre racionalistas, cuja única fonte de conhecimento é a razão (Descartes), e empiristas, cuja fonte de conhecimento é a experiência (os ingleses que desencadearam a chamada Revolução Industrial). A palavra chave na filosofia de Kant será transcendental. Ele diz:

“Chamo transcendental a todo o conhecimento que em geral se ocupa menos dos objetos, que de nosso modo de os conhecer, enquanto este deve ser a priori”. 

Transcendente é todo o conhecimento que se ocupa pouco do objeto. O objeto não é a fonte do conhecimento humano, mas está dentro dele. O conhecimento é transcendente em relação ao objeto. Transcendente refere-se aquilo que foi descoberto. Kant vai trabalhar com lógica, matemática e analítica. Traduzindo Kant para nossa linguagem, podemos dizer que, pensar transcendentemente significa mostrar como os objetos percebidos pelos sentidos são transformados mediante a razão em objetos do conhecimento. Por exemplo, ao falarmos mesa, não estamos falando de uma mesa específica, mas de um conhecimento transcendente que inclui todas as mesas. Ou seja, mesa não é apenas uma representação ou reprodução mental de algo que está no exterior, mas uma produção da razão humana. Há uma produção racional na atividade criadora do homem que transforma mesa em conhecimento universal. Quando se fala mesa, nessa transcendência, são mesas de todos os tipos, formas e modelos.

Salvador Dalí, um mestre que me remete a Kant

Para Kant, o fundamento do conhecimento humano é a relação sujeito/objeto. Caminha-se através de juízos e imprimem-se categorias aos objetos. Sua abordagem é crítica porque questiona perspectivas racionalistas e empiristas existentes até aquele momento. Sua teoria do conhecimento parte de quatro perguntas:

O que posso conhecer?
O que devo fazer?
O que posso esperar?
Quem é o ser humano?

O que podemos conhecer? Podemos conhecer tudo? Deus? O juízo pode ser analítico ou sintético. É analítico quando o predicado parte do sujeito. Por exemplo: o triângulo tem três ângulos. Diante de qualquer análise está implícito no sujeito, o predicado. O predicado é ângulo e é impossível falar triângulo sem este predicado. É sintético quando o predicado não está implícito. Por exemplo: o calor dilata os corpos. Temos aqui uma síntese. Podemos ter calor e corpos, mas quando dizemos, o calor dilata os corpos, unimos os dois através do conceito de dilatação.
Kant está descobrindo como a cabeça do ser humano funciona, fornecendo maneiras de chegar ao conhecimento comprovável. Ele descarta o racional porque trabalha somente com a razão, esquecendo a realidade da existência de objetos. Descarta o empírico porque só produzindo experiência não se transcende. Qual a importância desses conceitos e dessa epistemologia para a vida humana? 

Em primeiro lugar, Kant nos mostra, sempre partindo da razão, que os juízos analíticos não tem por base a experiência, são independentes e por isso só podem ser pensados. Faz uma crítica aos racionalistas, no sentido que Descartes despreza os objetos. O ser humano pensa e existe, mas mesmo que não existisse, o mundo existe. O mundo não existe porque o homem pensa. 

Em segundo lugar, os juízos sintéticos baseiam-se na percepção sensível, na experiência. Ou seja, o calor dilata os corpos, mas foi necessário uma experiência para chegar à essa conclusão. Daí, Kant conclui: é impossível fazer ciência a partir de juízos analíticos (a priori). A ciência não pode ser apriorística. Trabalhar apenas com os elementos que a razão pode fornecer produz uma estagnação. Os juízos sintéticos não levam ao conhecimento porque são particulares e contingentes. Não é possível fazer ciência usando só juízos analíticos ou só juízos sintéticos. A ciência, na verdade, é constituída por juízos sintéticos a priori. Kant está tentando resolver o grande problema medieval.
Os juízos sintéticos a priori são aqueles que tem por base a experiência, só que esta é a priori. Ou seja, são universais e necessários aos quais se chega pela intuição evidente. Um exemplo matemático: a linha reta é distância mais curta entre dois pontos. Kant está dizendo que o cientista chega a experiência porque já teve uma intuição antes. Assim, o conhecimento não é fruto nem do sujeito, nem do objeto, mas é a síntese da ação combinada entre os dois. O sujeito dá a forma e o objeto dá a matéria. O conhecimento é resultado de um elemento a priori, o sujeito, e outro a posteriori, o objeto. Ou seja, o conhecimento é uma relação entre sujeito e objeto. 

Para Kant, é impossível haver uma ciência de Deus ou uma ciência das realidades metafísicas. Ele traça como caminho alternativo a razão prática que leva à consciência moral. Ele tira Deus do objeto do conhecimento. Pela razão pura conhece-se o que é, e pela razão prática o que deve ser. Moralmente é necessário aceitar a existência de Deus. Assim, o que não se pode provar pela razão pura torna-se um postulado da razão prática. Depois de eliminar Deus da ordem do pensamento e da realidade, postula a existência de um Deus justo que fundamenta a relação entre a virtude e a felicidade. A verdadeira religião é a moral. A religião revelada é imposta e servil. Deus é a razão da moral prática. O cristianismo para Kant identifica-se com a consciência, sem necessidade do conceito de Deus. Kant aprofunda o ceticismo aberto por Descartes, que marcará o pensamento moderno.

Durante a modernidade, a ciência se desenvolve, produzindo frutos comprováveis, o que fará com que a teologia do século 18 fique estagnada. No século 19, os teólogos entram de cabeça no estudo dos filósofos modernos e vão pesquisar história de Israel, arqueologia, etc., a fim de conseguir produzir uma teologia a partir de objetos comprováveis. A teologia absorve o ceticismo.

A base da teologia é a Cristologia, esse é nosso fundamento teológico. Temos o Cristo da fé e o Jesus histórico. A base da teologia cristã sempre foi uma Cristologia correta, que entende a encarnação como Deus e homem juntos, uma só pessoa e duas naturezas. A Cristologia correta é saber que o Jesus histórico e o Cristo da fé não podem ser separados. Isso ficou claramente definido nos concílios Nicéia e Calcedônia. O que acontece no século 19 é que o Cristo da fé será bombardeado. Jesus não era um mito porque de fato existiu, mas não era Deus. Ele era o carpinteiro, o profeta, mas não o Cristo da fé. Por causa do ceticismo, a Cristologia se divide. Indo mais além, o ceticismo acaba por colocar em xeque até o Jesus histórico. O que sobra é a moral e a fé. Só que a fé cristã está baseada na integridade do Jesus histórico, que ressuscitou. O apóstolo Paulo diz:

“E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados”.  I Coríntios 15:17.

O século 20 vai produzir grandes teólogos que vão defender a fé, dizendo que tudo isso é ideologia, e que a fé é fundamental para o conhecimento de Deus. Por exemplo, Karl Barth defende o Jesus histórico defendendo o texto. O que Barth faz é retornar ao texto e o faz de forma genial. O texto é a revelação quando eu abro a Bíblia. É uma relação sujeito/objeto, conforme Kant, que produz conhecimento. Se o texto estiver fechado não há revelação.

Descartes, apenas um pouquinho

Costumamos dizer que fazer teologia implica em trabalhar com dois princípios. Um princípio é a revelação, e quando falamos de revelação, falamos de texto: é o princípio arquitetônico. Mas, se por um lado, temos a revelação, de outro há um novo elemento, um além de. A teologia é sempre uma contextualização da revelação. Por isso, a teologia muda. A teologia responde à necessidade que a Igreja tem de pregar o evangelho ao mundo, e de maneira que este entenda. E o mundo muda. Bonhoeffer verá isso claramente. Qual o problema que ele tenta resolver? O homem de sua época é não/religioso. Então, como a Igreja vai falar à essa sociedade? Como trabalhar a teologia?
Temos então a revelação, o texto revelado que é a base de toda teologia, ou princípio arquitetônico. E ao mergulhar no princípio arquitetônico trabalhamos com as estruturas de pensamento que uma determinada época produz. Essas estruturas colocam não apenas questionamentos, mas também induzem, às vezes não claramente, às soluções possíveis para os problemas de uma época. Aí se incluem as filosofias e a ciência com suas ramificações e o senso comum. A esse instrumental de interpretação, que usamos como ferramenta para entender a profundidade da revelação chamamos de princípio hermenêutico. 

Toda teologia é passageira, porque é uma reflexão humana sobre a revelação. Dentro desse conceito não há teologia na Bíblia, mas revelação. Ou seja, a Bíblia não apresenta reflexões humanas sobre a revelação, porque é a própria revelação. Embora trabalhe dentro da história e da linguagem humanas, a revelação vai além dos símbolos, produz signos, novos conceitos e novas interpretações da história, gerando assim uma nova linguagem que vai além da linguagem. Os conceitos do mundo grego, por exemplo, forneceram elementos para a linguagem da revelação neotestamentária. A filosofia grega permitiu ao apóstolo João apropriar-se do conceito logos, uma idéia-força do pensamento neoplatônico. Assim, a revelação se dá dentro da história e da linguagem humana.

Houve um momento da história humana onde o mundo vivia ao redor da religião. O mundo conhecido e desenvolvido era cristianizado. Deus era o centro, ou pelo menos, considerado o centro do conhecimento humano. Esse momento da história é conhecido como Idade Média. Descartes negou tudo isso, ao afirmar que qualquer pensamento que não tenha base científica, não merece confiança. Toda filosofia e teologia anteriores, a Escolástica, assim como o pensamento de Tomás de Aquino são negadas por Descartes (1596-1650). Nega porque não tendo base científica, não pode levar a uma certeza absoluta.

O papel da dúvida na construção da certeza

Descartes escreveu um trabalho intitulado Discurso do Método, onde traça o caminho para se chegar à certeza absoluta. Com Descartes há um retorno a maneira de pensar dos gregos. O pensamento grego negava a revelação de Deus e investigava a realidade do mundo à luz da razão. Dessa maneira, a partir de Descartes, a filosofia substitui o tema Deus, invertendo a preocupação central da filosofia medieval e consequentemente a teologia tomista ou escolástica. Ele baseia seus estudos no pensamento rebelde e criativo de cientistas que entraram em choque com a igreja católica, em especial no polonês Nicolau Copérnico (1473-1543), no alemão Johann Kepler (1571-1630) e no italiano Galileu Galilei (1564-1642), que eram astrônomos e matemáticos. Esses homens entraram em choque com a igreja acerca de questões sobre a Terra ser redonda, o movimento dos corpos no espaço, o Sol como centro do sistema solar, etc. Eles mostraram que tudo em que se acreditava antes estava errado. Deus, então, vai ser substituído pela razão.

Para fazer essa transição, Descartes faz uma reflexão sobre a existência de Deus, sobre a relação entre filosofia, teologia e ciência. Escreveu Regras para a direção do espírito com a finalidade de evidenciar a única certeza absoluta que o homem pode ter: a certeza matemática. No seu Discurso do Método encontra-se sua famosa frase: “Penso logo existo”. Disse assim que a única certeza que alguém pode ter, de fato, é o próprio pensar.

“Notei que, enquanto assim queria pensar que tudo era falso, era necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E notando que esta verdade, penso, logo sou, era tão firme e tão segura que as mais extravagantes suposições dos céticos não podiam abalá-la, julgava que podia aceitá-la, sem escrúpulo, como primeiro princípio da filosofia que buscava”.

O primeiro princípio da filosofia de Descartes é: “eu penso”. Quando se está pensando, agora, e tudo isso necessariamente não é verdade, ao menos o pensamento sobre isso é. Partindo de uma desconfiança universal, transformou-a em dúvida metódica. Ele não aceitava nada que não oferecesse garantia absoluta de verdade. Definiu quatro regras:

1. O critério geral da verdade. Tem de ter duas condições: a clareza e a distinção.

2. A regra de análise. Para se analisar alguma coisa, qualquer que seja, é preciso dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quanto possíveis e necessárias forem. Soluciona-se um problema, qualquer que seja, aos poucos e por partes.

3. A regra de síntese. O pensamento deve ser ordenado pelo mais simples e mais fácil de se conhecer, e subir aos poucos, como que por degraus até o conhecimento dos compostos, até a ordem daqueles que não precedem naturalmente uns aos outros. Por exemplo: H2O é a síntese, mas a análise diz H H O. 

4..A regra de comprovação. Fazer enumerações tão completas e revisões tão gerais até ter a certeza de não há erro. Todo o processo deve ser revisto e enumerado.

Descartes definiu um método para chegar a verdade natural. Isso para a Matemática. E Deus e a fé, onde ficam? Para encontrar Deus, ele não parte do mundo, mas de si mesmo, parte da revelação geral no próprio homem. O penso logo existo, tem um ponto de apoio: Deus. Ele é a causa de toda a perfeição, é uma idéia inata ao ser humano. Ele não descarta Deus, coloca-o como início do processo. Para Descartes, a fé é a exceção das regras gerais e evidentes, apresenta a certeza maior, não é fruto do intelecto que conhece, mas da vontade. Por isso, para ele a fé deve levar a ética.

O surgimento do pensamento científico vai influenciar os teólogos do século 19. Descartes é o início do período chamado Iluminismo. Ou seja, tem começo uma época que iluminará o mundo, antes imerso nas trevas da Idade Média. O Iluminismo vai abrir o longo período de modernidade, que deságua nas teologias dos séculos 19 e 20

mercredi 17 août 2016

Do Logos de Heráclito ao Logos joanino

Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Logos, no grego 'palavra', foi entendido pelo filósofo grego Heráclito de Éfeso, como o princípio supremo de unificação, portador do ritmo, da justiça e da harmonia que regem o Universo. ["Bem dizia Heráclito: homens são deuses e deuses são homens, porque o Logos é um só" (Hipólito, Refutações, IX, 10,6)]. 

Assim, Heráclito diante da mobilidade de todas as coisas denominou fogo ao elemento primitivo, e viu este comandado por uma lei natural inteligente ou racional, o Logos. Considerou o Logos dotado de dois princípios internos contrários a operar, ditos por ele, antropomorficamente, guerra e paz (ou discórdia e concórdia). Estas duas forças contrárias transformavam o elemento primitivo, ora na direção da solidificação, ora de retorno ao estado móvel do fogo. 

Portanto, o Logos, concebido por Heráclito como uma lei natural ordenadora, a tudo comanda em forma dialética. E segundo Platão é o princípio de ordem, mediador entre o mundo sensível e o inteligível. Assim, para a filosofia grega, Logos era o princípio da inteligibilidade, a razão.

Mas, exatamente por ser razão e palavra, Logos mantém uma relação de complementação com sabedoria, e por isso é pensada por Heráclito como harmonia, o próprio nexo original entre Logos e physis. Todavia, para que, diante da ameaça do relativismo trazido pelas argumentações sofísticas, encontre-se melhor determinado o que se compreende por verdade, o pensamento de Sócrates e Platão vai formular explicitamente a questão: o que é? Esta questão busca definir isso que subjaz sempre idêntico a si mesmo, a substância ou essência, fundamento de +toda instabilidade acidental da existência aparente. 

O que em Heráclito se delimitava como o encontro da harmonia passa a ser, a partir do pensamento de Sócrates e Platão, uma procura: nasce, assim, a filosofia como um desejo de conhecimento. Aristóteles caracteriza expressamente esta transformação quando afirma em sua obra que "O que desde sempre, agora e para sempre, é constantemente procurado, porque sempre de novo a questão fracassa, é o problema: o que é o ser?". A filosofia constitui-se, a partir das concepções socrática, platônica, aristotélica, como o pensamento que investiga a questão do ser.

O conceito razão relaciona-se a três outros: essência, existência e essencialização. A essência não é apenas aquilo que uma coisa é, mas também aquilo que faz com que uma coisa possa ser. Nesse sentido, essência é potencialidade, o poder de ser e a fonte de existência: origem do ser. Mas também é o reino da cognição, do pensamento, impossível de penetrar. Pari passo à essência, o Logos correlaciona mente e realidade, tornando possível o conhecimento. Quando alguém compreende e fala sobre a realidade, faz juízos e define padrões, que são comuns aos outros seres humanos, se comunica. E quem possibilita a comunicação é o Logos. Assim, o Logos é a origem da razão e também do ser. Mas, origem do ser aqui não significa conhecimento a priori, é estar colocado à parte do reino da finitude e por isso a origem do ser só é conhecida por um ato de revelação.

A palavra fundamenta o caminho

A importância do logos

Dentre as inúmeras transformações que surgem com a pólis, a mais importante é a extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. 

A palavra deixa de ser o termo ritual e passa a ser a fonte para o debate, discussão e reflexão, sendo ela, ou melhor, o seu uso de forma mais persuasiva, que irá definir o orador vencedor dos embates dialéticos (dialética é compreendida como a arte real da discussão: as normas para uma discussão correta). Todas as questões de interesse geral passam a ser submetidas à arte da oratória e as decisões são as conclusões dos debates. A política se torna a arte do domínio da linguagem.  Com a popularidade dos debates e das discussões, a polis se fundamenta na publicidade das manifestações sociais; se distinguem os interesses comuns dos privados, consolidam-se as práticas abertas e o domínio público, a base social da estrutura. 

Porém, esse desenvolvimento traz uma profunda transformação, já que ao tornar comuns os elementos de uma cultura, levamos os mesmos à crítica e à controvérsia. Todos os elementos estão expostos a interpretações diversas e a debates apaixonados. Já não era possível se impor só por prestígio pessoal ou religioso... Devia haver o convencimento pela dialética. 

A palavra constituiu-se no instrumento da vida política. Sua vertente escrita trouxe em si a possibilidade de uma completa divulgação do conhecimento. Neste momento, a escrita tornara-se pública, não mais estando presente apenas no palácio – como no período micênico. Neste contexto, o saber pode tornar-se igualmente público, deixando de estar restrito aos magistrados ou sacerdotes. Depois de divulgadas, as idéias deverão ser submetidas ao debate político e à aceitação popular. 

A sabedoria e o logos

Com a consolidação da importância da palavra, o saber passa a ser um bem público. E a sabedoria, tão exaltada por filósofos como Platão, para o qual a sabedoria pertencia ao passado, ofereceu aos seus contemporâneos o amor à sabedoria, à filosofia. Assim, a sabedoria percorreu as veredas da linguagem, da palavra, do discurso, do logos, da dialética: este caminho tornou-se característico da cultura grega. Pode-se, em última instância, argumentar que a filosofia nasceu no momento em que se tentou recuperar algo perdido, a sabedoria, mesclada à dialética. 

Não foi sem resistência que esse percurso foi seguido. A popularização do saber, antes inacessível, foi questionada. Havia uma articulação para que os mitos que chegassem à praça publica e fossem objeto de exame, mas não deixassem de ser um mistério. A sua reformulação produziu um salto no desenvolvimento humano, mantendo seus reflexos até hoje. 

Na contemporaneidade latino-americana, partindo da dialética, Enrique Dussel propõe a dialética analógica da alteridade, a abertura da totalidade à alteridade, transcendendo o âmbito do logos. O logos permanece no mundo e não pode avançar mais além. O logos que transcende é análogos, mais além do logos, analogia que se articula na dialética da voz ouvida que leva a ouvir: ou seja, a ouvir a voz. Assim, o logos chega ao seu limite, e confia no que ouve do outro pela fé, pois sem a confiança no outro, não se pode escutar sua voz. Fé aqui significa ir mais além do horizonte da physis, ir mais além do horizonte da ontologia do mesmo, afirmando a ontologia da negatividade, isto é, já que o outro não se origina no idêntico, é diferente. Brota como ouvido, é âmbito ao qual a totalidade pode abrir-se, e ao abrir-se muda de estatuto, tornando-se ontologia negativa.

Em sua reflexão sobre a superação das totalidades ontológicas a partir da abertura à alteridade, Dussel afirma que tal superação se dá com a metafísica, entendida como além do fundamento. E se dá assim porque a metafísica não é somente ontológica, mas opera através da descoberta de um mais-além do mundo. E como em grego aná significa mais além, e logos significa palavra, análogos toma o sentido de palavra que irrompe no mundo desde um mais além do fundamento. O método ontológico-dialético chega até o fundamento do mundo desde um futuro, porém se detém diante do outro como um rosto de mistério e liberdade, de história distinta, mas não diferente. 1 Mas se o outro é distinto, não há diferença, nem retorno, embora haja história e crise. Por isso, para Dussel, se este logos irrompe enquanto interpelante indo mais além da compreensão, ele é análogo.

Essa interpretação de Dussel repousa na compreensão do Logos joanino, que repousa em Jesus, o Cristo, acima da tradição filosófica, quer de Heráclito, quer de Platão ou do neoplatonismo, e ainda da filosofia judaica expressa em Filón de Alexandria. Nesse sentido, se antes estávamos diante da personificação do Logos, ainda assim não há na tradição da filosofia grega ou judaica a idéia de encarnação do Logos. Esse Logos joanino, por isso, vai além de toda a tradição filosófica, embora João a utilize como ponte para falar à cultura de sua época. 

Há ainda uma ponte com o pensamento judaico, principalmente no que se refere aos textos de Gênesis um e de Provérbios 8.22-31. O primeiro ao utilizar a expressão “en arqué” e o segundo ao personalizar a sabedoria. Nesse sentido, o Logos de João se apresenta como análogo. Análogo a Deus, porque é pessoa divina, e análogo aos seres humanos, porque é pessoa humana. 

Análogo significa que o Logos vem de mais-além, isto é, que há um primeiro momento no qual surge uma palavra interpelante, mais além do mundo, que é o ponto de apoio do método dialético porque passa da ordem antiga à ordem nova. Embora, este Logos eterno se reflita através de nossos pensamentos e por isso não possa existir um ato do pensamento sem a secreta premissa de sua verdade incondicional [Romanos 12.2 e 1Coríntios 2.16].

Mas a verdade incondicional não está ao nosso alcance. Em nós humanos há sempre um elemento de aventura e risco em cada enunciado da verdade. Mas mesmo assim, podemos e devemos correr este risco, sabendo que este é o único modo que a verdade pode ser revelada a seres finitos e históricos.

Quando mantemos relação com o Logos eterno e deixamos de temer a ameaça do destino demoníaco, aceitamos então o lugar que cabe ao destino em nosso pensamento. Podemos reconhecer que desde o princípio esteve submetido ao destino e que sempre desejou livrar-se dele, mas nunca conseguiu.

Tarefa teológica da maior importância, na análise cristã do destino é saber relacionar Logos e kairós. O Logos deve alcançar ο kairós. O Logos deve envolver e dominar os valores universais, a plenitude do tempo, a verdade e o destino da existência. A separação entre Logos e existência chegou ao fim. O Logos alcançou a existência, penetrou no tempo e no destino. E isso aconteceu não como algo extrínseco a ele próprio, mas porque é a expressão de seu próprio caráter intrínseco, sua liberdade.

É necessário, porém, entender que tanto a existência como o conhecimento humano estão submetidos ao destino e que o imutável e eterno reino da verdade só é acessível ao conhecimento liberto do destino: a revelação. Dessa maneira, ao contrário do que pensavam os gregos, todo o ser humano possui uma potencialidade própria, enquanto ser, para realizar seu destino. Quanto maior a potencialidade do ser – que cresce à medida que é envolvido e dominado pelo Logos – mais profundamente está implicado seu conhecimento no destino.

Nosso destino, que aqui pode ser entendido como missão, é servir ao Logos num novo kairós, que emerge das crises e desafios de nossos dias. Quanto mais profundamente entendermos nosso destino [no sentido de prokeimai, estar colocado, ser proposto] e o de nossa sociedade, tanto mais livres seremos. Então, nosso trabalho será pleno de força e verdade.

Notas

1. Enrique Dussel, “El Método de Pensar Latinoamericano: la Analéctica como Ruptura Teórica”, conferência proferida em novembro de 1972, in Introduccion a Una Filosofia de la Liberación latinoamericana, México D.F., Ed. Extemporâneos, 1977, pp. 117 a 138.

O período pré-socrático ou cosmológico

O pensamento helênico procurou resolver uma questão metafísica-teológica fundante, buscou compreender as relações entre a realidade empírica e o Absoluto, entre o mundo e Deus. Esse dualismo gerou uma espécie de fatalismo que caracterizou o pensamento helênico sobre a vida.

O mundo real e o vir-a-ser dependem do princípio eterno da matéria obscura, que tende para Deus como aquilo que é imperfeito remete ao que é perfeito. O mundo apreende em parte a racionalidade de Deus, mas chega até Deus, porque não deriva dele. Essa leitura da realidade, que se opõe à racionalidade divina, leva ao pessimismo. O homem helênico reconhecia o absoluto racional de Deus, mas considerava que não fazia parte do mundo, porque Deus não criou este mundo, nem o governa. Na verdade, a humanidade seria governada pelo Destino, considerado uma necessidade irracional.

A importância do pensamento helênico na construção do pensamento ocidental repousa sobre a busca do racional, que não é um abstrato absoluto, mas repousa sobre a experiência, sobre o conhecimento sensível. Assim,  o conhecimento não estaria fechado, mas aberto para a apreensão. Chamamos essa postura filosófica de realismo, que não se limita à experiência, mas a transcende em diração ao Absoluto. Ou seja: do mundo para Deus.

Para os helênicos, o conhecimento vinha em primeiro lugar. Depois a prática, o fazer. Mas o fazer, e aí se inclue a vontade, não é anulado pelo conhecimento, mas está subordinado a ele. Se por um lado, a busca do racional levava a uma postura otimista diante da possibilidade do conhecimento, a irracionalidade do mundo arrastava para o pessimismo.

Essa dualidade entre conhecimento e realidade contrária à felicidade da vida, atravessa todo o pensamento helênico. E a busca do conhecimento se transformou na busca do conhecimento do mundo, do Absoluto e do ser humano.

Quem mais trabalhou essas questões foram os jônios, e dentre os jônios, os atenienses.

Períodos do Pensamento Helênico

Consoante a ordem cronológica e a marcha evolutiva das idéias pode dividir-se a história da filosofia grega em três períodos:

I. Período pré-socrático ou cosmológico (séc. VII-V a.C.), em que o interesse filosófico está voltado para a natureza.

II. Período socrático ou ontológico (séc. IV a.C. -- Sócrates, Platão, Aristóteles), em que o interesse pela natureza é integrado com o interesse pelo espírito e são construídos grandes sistemas filosóficos, culminando com Aristóteles.

III. Período pós-socrático ou antropológico (séc. IV a.C. - VI p.C.), em que o interesse está voltado para a busca da felicidade imediata e, como consequência, para as questões morais.

IV. Período religioso ou místico, que diferente da fase mitológica, mergulha nas religiões de mistério, na busca de soluções imediatas para os problemas da vida, que a razão não resolvera. Aí entrou o cristianismo.

O período cosmológico ou pré-socrático

O primeiro período do pensamento helênico toma a denominação substancial de período naturalista, porque a nascente especulação dos filósofos é instintivamente voltada para o mundo exterior, julgando-se encontrar aí também o princípio unitário de todas as coisas; e toma, outrossim, a denominação cronológica de período pré-socrático, porque precede Sócrates e os sofistas, que marcam uma mudança e um desenvolvimento e, por conseguinte, o começo de um novo período na história do pensamento helênico.

Esse primeiro período tem início no alvor do VI século a.C., e termina dois séculos depois, mais ou menos, nos fins do século V. Surge e floresce fora da Grécia propriamente dita, nas prósperas colônias gregas da Ásia Menor, do Egeu (Jônia) e da Itália meridional, da Sicília, favorecido sem dúvida na sua obra crítica e especulativa pelas liberdades democráticas e pelo bem-estar econômico. Os filósofos deste período preocuparam-se quase exclusivamente com os problemas cosmológicos.

Estudar o mundo exterior nos elementos que o constituem, na sua origem e nas contínuas mudanças a que está sujeito, é a grande questão que dá a este período seu caráter de unidade. Pelo modo de a encarar e resolver, classificam-se os filósofos que nele floresceram em quatro escolas: Escola Jônica; Escola Itálica; Escola Eleática; Escola Atomística.

Escola Jônica

A Escola Jônica, assim chamada por ter florescido nas colônias jônicas da Ásia Menor, compreende os jônios antigos e os jônios posteriores ou juniores. A escola jônica, é também a primeira do período naturalista, preocupando-se os seus expoentes com achar a substância única, a causa, o princípio do mundo natural vário, múltiplo e mutável.

Essa escola floresceu precisamente em Mileto, colônia grega do litoral da Ásia Menor, durante todo o VI século, até a destruição da cidade pelos persas no ano de 494 a.C., prolongando-se porém ainda pelo V século. Os jônicos julgaram encontrar a substância última das coisas em uma matéria única; e pensaram que nessa matéria fosse imanente uma força ativa, de cuja ação derivariam precisamente a variedade, a multiplicidade, a sucessão dos fenômenos na matéria una. Daí ser chamada esta doutrina hilozoísmo (matéria animada). Os jônios antigos consideram o Universo do ponto de vista estático, procurando determinar o elemento primordial, a matéria primitiva de que são compostos todos os seres.

Os mais conhecidos são: Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto. Os jônios posteriores distinguem-se dos antigos não só por virem cronologicamente depois, senão principalmente por imprimirem outra orientação aos estudos cosmológicos, encarando o Universo no seu aspecto dinâmico, e procurando resolver o problema do movimento e da transformação dos corpos. Os mais conhecidos são: Heráclito de Éfeso, Empédocles de Agrigento, Anaxágoras de Clazômenas. Tales de Mileto (624-548 A.C.)

“Água”

Tales de Mileto, fenício de origem, é considerado o fundador da escola jônica. É o mais antigo filósofo helênico. Tales não deixou nada escrito mas sabemos que ele ensinava ser a água a substância única de todas as coisas.

A terra era concebida como um disco boiando sobre a água, no oceano. Cultivou também as matemáticas e a astronomia, predizendo, pela primeira vez, entre os helênicos, os eclipses do sol e da lua. No plano da astronomia, fez estudos sobre solstícios a fim de elaborar um calendário, e examinou o movimento dos astros para orientar a navegação. Provavelmente nada escreveu. Por isso, do seu pensamento só restam interpretações formuladas por outros filósofos que lhe atribuíram uma idéia básica: a de que tudo se origina da água.

Para Tales, a água, ao se resfriar, torna-se densa e dá origem à terra; ao se aquecer transforma-se em vapor e ar, que retornam como chuva quando novamente esfriados. Desse ciclo de seu movimento (vapor, chuva, rio, mar, terra) nascem as diversas formas de vida, vegetal e animal. A cosmologia de Tales pode ser resumida nas seguintes proposições: A terra flutua sobre a água; A água é a causa material de todas as coisas. Todas as coisas estão cheias de deuses. O imã possui vida, pois atrai o ferro.

Aristóteles fala sobre a teoria de Tales: elemento estático e elemento dinâmico. Elemento Estático - a flutuação sobre a água. Elemento Dinâmico - a geração e nutrição de todas as coisas pela água. Tales acreditava em uma “alma do mundo”, havia um espírito divino que formava todas as coisas da água. Tales sustentava ser a água a substância de todas as coisas.

Anaximandro de Mileto (611-547 A.C.) “Ápeiron” Anaximandro de Mileto, geógrafo, matemático, astrônomo e político, discípulo e sucessor de Tales e autor de um tratado Da Natureza, põe como princípio universal uma substância indefinida, o ápeiron (ilimitado), isto é, quantitativamente infinita e qualitativamente indeterminada. Deste ápeiron (ilimitado) primitivo, dotado de vida e imortalidade, por um processo de separação ou “segregação” derivam os diferentes corpos. Supõe também a geração espontânea dos seres vivos e a transformação dos peixes em homens.

Anaximandro imagina a terra como um disco suspenso no ar. Eterno, o ápeiron está em constante movimento, e disto resulta uma série de pares opostos - água e fogo, frio e calor, etc. - que constituem o mundo. O ápeiron é assim algo abstrato, que não se fixa diretamente em nenhum elemento palpável da natureza.

Com essa concepção, Anaximandro prossegue na mesma via de Tales, porém dando um passo a mais na direção da independência do “princípio” em relação às coisas particulares. Para ele, o princípio da “physis” (natureza) é o ápeiron (ilimitado). Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa do mundo habitado, a introdução na Grécia do uso do gnômon (relógio de sol) e a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é o iniciador da astronomia grega). Ampliando a visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito de uma lei universal presidindo o processo cósmico total. Diz-se também, que preveniu o povo de Esparta de um terremoto. Anaximandro julga que o elemento primordial seria o indeterminado (ápeiron), infinito e em movimento perpétuo.

Fragmentos

“Imortal...e imperecível (o ilimitado enquanto o divino) - Aristóteles, Física”. Esta (a natureza do ilimitado, ele diz que) é sem idade e sem velhice”. Hipólito, Refutação.

Anaxímenes de Mileto (588-524 A.C.)

“Ar”

Segundo Anaxímenes, a arkhé (comando) que comanda o mundo é o ar, um elemento não tão abstrato como o ápeiron, nem palpável demais como a água. Tudo provém do ar, através de seus movimentos: o ar é respiração e é vida; o fogo é o ar rarefeito; a água, a terra, a pedra são formas cada vez mais condensadas do ar.

As diversas coisas que existem, mesmo apresentando qualidades diferentes entre si, reduzem-se a variações quantitativas (mais raro, mais denso) desse único elemento. Atribuindo vida à matéria e identificando a divindade com o elemento primitivo gerador dos seres, os antigos jônios professavam o hilozoísmo e o panteísmo naturalista. Dedicou-se especialmente à meteorologia. Foi o primeiro a afirmar que a Lua recebe sua luz do Sol.

Anaxímenes julga que o elemento primordial das coisas é o ar.

Fragmentos
“O contraído e condensado da matéria ele diz que é frio, e o ralo e o frouxo (é assim que ele expressa) é quente. (Plutarco). “Com nossa alma, que é ar, soberanamente nos mantém unidos, assim também todo o cosmo sopro e ar o mantém”. (Aécio).

Fontes on-line

O mundo dos filósofos
http://www.mundodosfilosofos.com.br/presocratico.htm
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/socrates/presocraticos.htm
Wikipedia -- http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A9-socr%C3%A1ticos

vendredi 12 août 2016

A unidade universal do reinar de Cristo

A política no reinar de Cristo
Jorge Pinheiro

Neste tempo de campanha e eleições, o país corre o risco de ser envolvido numa maré emocional, que leva aos extremos e ao ódio. Mas, política não deve ser feita assim. A administração, direção e organização de comunidades não se faz com as emoções à flor da pele, não é pensando em vendeta, não é odiando o adversário do momento, transformado em inimigo que deve ser varrido da face da terra, que se deve fazer política, que se pode falar em atividade de pessoas cidadãs. Essa leitura de ódio não constrói um país, mas divide e impossibilita o abraço solidário de um povo.

Quando a política é feita desta forma: com violência de ações e palavras, com vontade de destruir e matar, o irmão se distância do irmão e perdemos o sentido de nação e povo. Mas nós que temos a mente de Cristo devemos chamar a um jeito outro de fazer política, entendendo que o reino de César não deve estar acima do reinar de Cristo.

E esta política que constrói, que não mata, que não odeia, que possibilita ações diretas ou indiretas de governo, nasce fácil nos corações e dirige nosso fazer e nossas mentes quando o reinar de Cristo está presente nas vidas.

Dentro da unidade universal do reinar de Cristo encontra-se o princípio protestante enquanto evento fundante do cristianismo. É o princípio protestante que retira da imagem humana de Jesus tudo que nela poderia nela ser materializado como idolatria, por sua facticidade histórica. É por meio do símbolo da cruz que desaparecem as particularidades e o finito do evento Jesus, dando lugar ao significado presente do Cristo. 

O paradoxo do aparecimento do Cristo na existência sem a deformação da existência é uma interpretação radical do símbolo da cruz que salva nossa adoração do homem Jesus do significado da idolatria de se permanecer na adoração de um objeto histórico e por isso limitado, finito, enclausurado num espaço e tempo passados. O princípio protestante, lido sob tal perspectiva, apresenta a cruz como presente e fim, como revelação e eschaton que remetem ao kairós.

Mas, o protestantismo não abandona a unidade universal da substância, que mantém e possibilita o resgate do sentido do Eterno nas profundezas do humano. Na aridez do “deo dixit”, da palavra que se resume na ética do texto, as profundezas da interioridade humana podem ser esquecidas e perder seu vigor teológico. Por isso, a relevância do kerigma cristão deve andar em aliança com o reconhecimento da presença daquele que é Eterno, mas se expressa na cultura e nas dobraduras da secularidade. É a partir dessa compreensão que devemos entender o fazer política no reinar de César.

O conceito de política solidária pode então ser visto como definição de um processo de essencialização, já que o significado da vida, existencial e pessoal passa a consistir na expansão, nas culturas e vidas, da presença essencial do Eterno. A política solidária é latente antes do encontro com a presença central e fundante do Cristo, mas torna-se manifesta depois desse encontro. E é esse processo de essencialização da cultura e da vida, onde Cristo é centro e fundamento do fazer e pensar a política, que possibilita a política como fruto do ágape solidário que aponta para o kairós de Cristo. Fazer política, a partir desse processo de essencialização da cultura e da vida, é a via para a construção de uma sociedade solidária – plena de alegria, justiça e paz. 

Os protestantes e a responsabilidade social

Política e responsabilidade social hoje no Brasil

Prof. Dr. Jorge Pinheiro


Diante da vergonha de evangélicos corruptos, de votos mercadejados no púlpito, da Palavra deturpada e enlameada por lobos travestidos de cordeiros, faço uma pergunta -- afinal, que relação existe entre o presente e o espírito crítico e transformador do protestantismo? 

E exorto homens e mulheres de boa vontade a uma reflexão sobre o que significa o presente enquanto desafio político para os protestantes brasileiros.

Bem, falar do presente, em primeiro lugar, significa dizer que vamos de uma contingência a algo diferente, que pode ser inferior ou superior, mas nunca igual. 

O presente é sempre parte de uma situação mais geral e está enquadrado no caminhar de um processo. E para fazer a leitura do presente pode-se recorrer à análise histórica, à avaliação crítica ou à construção filosófica. Algumas vezes, porém, algum desses elementos falha. Por isso, não basta observar o presente. Estamos excessivamente ligados a ele, o que pode nos levar a escorregar num julgamento do aqui e agora e esquecer que devemos estar voltados para o futuro.

O momento é importante, mas transformar o exame do presente em apreciação subjetiva é realizar uma redução, é ver a situação como totalidade e permanência. Olhando assim colocamos a situação num patamar muito elevado e a perspectiva que temos se torna global, apesar de seu caráter individual e limitado.

Tal análise do presente pode levar a uma ampla aprovação e tocar emocionalmente setores expressivos de comunidades inteiras. Esta é uma maneira de ver, mas é irresponsável, mesmo quando apresenta análises de conjuntura e perspectivas para o futuro. E por que irresponsável? Por não aceitar suas responsabilidades. Por não reconhecer os limites daquele que observa, assim como de seu próprio horizonte. 

Mas se existe um nível mais amplo do que este analisado, somos levados a falar da situação do presente como possibilidade. Mas é possível chegar a tal patamar de observação? Caso exista um ponto de vista mais amplo, a partir do qual se posicione um observador do presente, ele precisa estar livre das amarras do historicismo.

Busque a justiça
Voltem para Deus todos os humildes deste país, todos os que obedecem às leis de Deus. Façam o que é direito e sejam humildes. Talvez assim vocês escapem do castigo no Dia da ira do SENHOR. (Sofonias 2.3).  

Pode-se dizer que pessoas, militantes e revolucionários, souberam interpretar uma época dada. Eis aqui o ponto de intersecção entre o presente e o espírito crítico e transformador do protestantismo. Seguindo a trilha aberta, é possível afirmar que o protestantismo radical traduz inquietude e descontentamento em relação aos acontecimentos sociais concretos. 

Há uma busca ética de respostas entre o protestantismo radical e a ação consciente do intelectual orgânico. Ambos representam determinada comunidade, têm função superestrutural e, apesar de sua organicidade, precisam exercer autonomia em relação às pressões sociais que sofrem. É dessa postura que nasce a força crítica e a compreensão de que diante da realidade há alternativas diferentes daquelas expressas pelo poder. 

O protestantismo radical diante do presente não pode ser apreendido a partir da leitura do apresentado no passado, porque procura uma compreensão que não possa ser abalada. E essa interpretação não pode estar pousada sobre experiência própria e nem mesmo sobre a história da Igreja.

Pratique a justiça. 
O SENHOR já nos mostrou o que é bom, ele já disse o que exige de nós. O que ele quer é que façamos o que é direito,  amemos uns aos outros com dedicação e vivamos em humilde obediência ao nosso Deus. (Miquéias 6.8).  

Mas um terceiro elemento deve ser levado em conta: a tendência dialética do protestantismo radical, que se expressa de forma paradoxal, ao fazer a crítica de pontos de vista estabelecidos. 

Quando analisamos o protestantismo a partir desta problemática, vamos constatar que ele não testemunha em benefício do presente, mas profere um não ao presente. Um não amplo, já que não critica cada detalhe do presente, e também por não discordar inteiramente do presente. Ao renunciar a um não de cada detalhe do presente, apresenta um sim às conquistas e vitórias obtidas no processo. 

O individualismo e o criticismo se transformaram, quando analisamos o presente, em movimentos reacionários. Mas estão, muitas vezes, sob a proteção de religiosidades cujas essências e mensagens consistem em declarar um não para tudo que está no presente. 

O espírito crítico e transformador do protestantismo radical está envolvido no presente concreto, tem a coragem de decidir e colocar-se sob julgamento, ao nível do particular. E é a partir dessa compreensão do que significa o espírito crítico e transformador no tempo, que nos remetemos às três posições que definem diferentes compreensões do presente. Primeiro, vamos analisar duas: a concepção conservadora e a concepção progressista, que se apresentam com variáveis e modulações. 

A concepção conservadora admite o surgimento do criativo e da novidade no tempo, mas considera que isso aconteceu no passado. Por essa razão nega toda mudança, presente ou futura. A força dessa concepção repousa no fato de que considera o criativo e a novidade como dados e não como resultados da ação cultural e social do ser humano. 

A concepção conservadora também reconhece necessidade e transformação como componentes do presente, mas também os situa no passado. Desconsidera que se aconteceu no passado, necessidade e transformação se revelam em todas as positividades e negatividades do passado, do presente e futuro. Sob tal visão repousam os conservadorismos. Perderam o sentido de necessidade e transformação.

Faça o bem, repreenda o opressor 
Aprendam a fazer o que é bom. Tratem os outros com justiça; socorram os que são explorados, defendam os direitos dos órfãos e protejam as viúvas. (Isaías 1.17).

A concepção progressista considera necessidade e transformação alvos a serem projetados no futuro, existentes em cada época, mas que não se apresentam enquanto irrupção no presente. Assim, os tempos tornam-se vazios, sem decisão, sem responsabilidade. Na concepção progressista existe uma tensão diante do que foi. Mas a consciência de que o alvo é inacessível aqui e agora a debilita e produz um compromisso continuado com o passado. A concepção progressista não oferece nenhuma opção ao que está dado. Transforma-se em progresso mitigado, em crítica pontual desprovida de tensão, onde não há nenhuma responsabilidade definitiva.  

Este progressismo mitigado é a atitude característica da sociedade burguesa. É um perigo que ameaça constantemente, é a supressão do não e do sim incondicional às questões concretas. É o adversário do protestantismo radical.

Conservadorismo e progressismo, reação e progresso, estão entrelaçados na consciência do presente que surge enquanto necessidade e transformação. E é esse entrelaçamento que leva a um terceiro caminho.

E o terceiro caminho é a utopia. Sem o espírito utópico não há protesto, nem crítica radical. A utopia quer responder às necessidades e transformar o tempo, mas esquece que criatividade e novidade não abalam todos os tempos e todos seus conteúdos. É por isso que a utopia leva, necessariamente, à decepção. Assim, o resultado da utopia desencantada é o deslumbramento sem compromissos.

Mas a idéia de necessidade e transformação nasce da discussão com a utopia. Necessidade e transformação clamam pela irrupção de criatividade e novidade no tempo, cujo caráter é decisivo no instante histórico enquanto destino. Mas, com a irrupção da criatividade e novidade que respondem às necessidades e transformam o tempo concreto, é preciso ter consciência de que não existe um estado de perfeição no tempo, a consciência de que o ideal e perfeito nunca se fixam num presente eterno.

Assim, toda mudança, toda transformação exige uma compreensão do momento vivido que vá além do meramente histórico, do aqui e agora. Deve projetar-se no futuro, deve entender que há na busca permanente da justiça um choque entre necessidade/ transformação e criatividade/ novidade. Tal desafio não pode ser resolvido por uma pessoa, por mais protestante e radical que seja. O sujeito da transformação será, em última instância, o sujeito social, as massas em mobilização. Mas o protestantismo radical, assim como a intelectualidade orgânica têm aí um importante papel a cumprir, serem voz e ação críticas para que o sonho de Amós aconteça no presente concreto: que o juízo corra como as águas e a justiça como ribeiro perene. 

Antenor da Conceição (1)

Notas políticas de Antenor da Conceição


Quem sabe... Talvez essas notas sirvam para os camaradas, futuramente. Ou mesmo para mim, quando a memória fraquejar. Quem sabe... Maquiavel escreveu para o príncipe, eu escrevo para os camaradas.

Em primeiro lugar, proponho que se faça a discussão sobre a relação entre a construção do partido revolucionário e o Partido dos Trabalhadores. E proponho um critério metodológico.

As duas bases fundamentais de qualquer pensamento lógico dialético são dadas pela relação correta ou não que se faça entre estrutura e gênese. Ao contrário do estruturalismo, que se fortaleceu violentamente após o Maio de 1968, dizemos que a essência de um objeto ou de um fenômeno está na estrutura, mas predomina na gênese, que não dá somente o que é, mas também o que vai ser. Definir a essência de um fenômeno apenas pela estrutura é um erro esquerdista, e definir a essência pela dinâmica é cair no oportunismo ou no direitismo. Mas é da correlação desses dois conceitos lógicos que podemos tirar conclusões corretas.

De uma forma geral, mas cuidadosa, já que qualquer generalização seria um erro, dizemos que a dinâmica nos dá a estratégia e a estrutura nos dá as táticas, tanto as gerais, como as imediatas, para chegarmos à estratégia.

Explicamos isso, que parece complicado, com aquela piada do “tijolo e do Mandel”. Quando Mandel diz “lá vem o tijolo” a sua preocupação se prende à estrutura, ao tijolo, e não dá resposta ao movimento. Ou seja, não responde ao “lá vem”. E exatamente por não responder à dinâmica sofre uma fratura exposta.

Ora, nós partimos da estrutura, mas para chegar à dinâmica. Nós partimos do que temos, da estrutura, que é uma Convergência Socialista frágil, com divergências internas, mas que existe tanto ao nível da sociedade, como da luta de classes. Mas, ao falarmos da sociedade em que vivemos, da luta de classes, já estamos falando da dinâmica. Ou seja, estamos falando do “lá vem”. Lá vem a abertura política, lá vem a democracia burguesa, lá vem a reorganização partidária, lá vem burgueses, pelegos, estalinistas querendo acaudilhar o movimento de massas, operário e sindical. E?

Se não entendemos o “lá vem” não temos respostas para o “como baixar a cabeça para que esse tijolo chamado democracia não esmague nossos miolos”. Se entendermos o “lá vem” vamos nos preocupar com a estratégia, ou seja, com o porquê construir um partido bolchevique. Mas essa estratégia não terá base real se esquecermos a dinâmica, a vida real e diária da luta de classes, incluídos aí os dois fenômenos mais importantes desses dois últimos anos, o movimento sindical independente e sua expressão político-partidária, o Partido dos Trabalhadores.

Para chegarmos à meta estratégica é necessário voltar ao ponto de partida. É necessário voltar ao partido frouxo, com uma direção frágil e sem política e é exatamente a partir dessa estrutura, que é o que temos, que veremos como e quais as táticas que implementaremos para chegar àquela estratégia determinada pela dinâmica.

O trotskismo ao nível da lógica concreta fez um aporte teórico importante, que é o conceito de programa de transição. Ou seja, entre dois extremos, o real imediato e o real possível, o determinante serão aquelas táticas que tomando elementos da realidade, às vezes aparentemente secundários, se transformam em imprescindíveis. Ou seja, entre o real imediato e o real possível é necessário construir uma ponte, que é um programa, que é uma teoria, e que se tornará um real imediato superior através da própria práxis. Parece difícil, mas não é.

Vejamos. Hoje temos um partido frágil, dividido. Assim como está, este partido serve para pouco e nenhuma época. Também não serve para voltar ao passado: ser um partido que anteriormente respondia a outra dinâmica, quando se vivia uma época sem democracia, de clandestinidade e o nosso trabalho era fazer propaganda política.

Mas o real imediato é esse desgraçado partido frágil e dividido. O real possível é o partido bolchevique de massas, que precisamos construir se, de fato, quisermos dar uma resposta ao movimento ascendente das massas, às reivindicações e insatisfações operárias e populares e, mais do que isso, se quisermos criar as condições para um dia nos colocarmos como alternativa de poder. Para isso precisamos de uma teoria, de um programa que defina as táticas gerais necessárias para chegarmos ao partido revolucionário. Eis a questão, qual será a ponte, ou quais serão as medidas que tomaremos? Mas antes de falar nas medidas, temos que estar de olho no futuro, com o pé no presente.

E agora vamos falar de táticas gerais, ou seja, da ponte, ou de como baixar a cabeça diante do tijolo que vem.

O surgimento do movimento sindical independente a nível nacional, assim como sua expressão superestrutural e político-partidária, o Partido dos Trabalhadores, é um fenômeno que deve nortear nossa tática geral, já que é o fenômeno mais importante que a realidade nos deu nos dois últimos anos. O movimento sindical independente e o Partido dos Trabalhadores é o caminho em direção às massas mobilizadas, e à possibilidade de construir direções dentro do movimento, reconhecidas pelo próprio movimento. Não é a reprodução do que fizemos em 1978 com a Convergência Socialista, porque agora estamos trabalhando com algo maior, que tem sua própria dinâmica. Poderemos quando muito ser co-autores do crime.

O movimento independente dos trabalhadores é a tática mais geral. O Partido dos Trabalhadores é uma tática dentro dessa tática geral. Dependendo da situação do movimento de massas, da reorganização partidária e da força e posicionamento de outros setores da esquerda, o Partido dos Trabalhadores poderá transformar-se em síntese desse fenômeno que é o movimento independente dos trabalhadores.

Mas é necessário entender uma coisa: os sindicalistas e trabalhadores estão dando um salto na história do Brasil, logicamente cheio de contradições. O que para nós, ao nível da teoria pode ser simples, para eles é uma construção que custou anos de experiências. Nesse sentido, nossa tática imediata em relação ao movimento dos trabalhadores e ao Partido dos Trabalhadores é somar forças. Devemos levar em conta que os trabalhadores estão chegando ao PT a partir do trabalho sindical. Dessa maneira, é uma arte saber combinar as coisas. Saber ser paciente em relação ao trabalho específico, sem fazer uma confusão por causa de erros táticos em relação à política sindical. O fundamental é o trabalho sobre e junto com o movimento e nosso fortalecimento nele e no Partido dos Trabalhadores. Exatamente por isso, às vezes, teremos que ser pacientes em relação ao específico, para poder conversar sobre o que é fundamental. Mas, dialeticamente, quanto melhor sindicalistas nós formos, mais confiança teremos entre os companheiros.

Mas é necessário, também, levar em conta as características particulares, subjetivas, psicológicas, desse líder sindical com quem estamos trabalhando. Se ele é personalista, o que é muito comum em agitadores e dirigentes do movimento de massas, devemos evitar parecer que estamos competindo com ele. Devemos sempre evitar as discussões mais duras e violentas em público.  

Um texto antigo de Antenor da Conceição – agosto de 1980.

    




mercredi 10 août 2016

Ballou, um Batista, e o pensamento divergente

Um curto ensaio sobre universalismo,
por Hosea Ballou, ca. 1849

We propose, in what we shall say in the few following pages, on the subject of Universalism, to offer a few suggestions on several subjects which relate to the doctrine, considered as a system of theology, which distinguishes its believers, as a sect, from Christians of denominations, and also in regard to some of the different views which have been entertained respecting the doctrine, by those who have professed and defended it. 

And, 1st. As respects the one central idea, in which all, who have ever professed to believe the doctrine, have agreed. This great and paramount idea embraces the final end of all sin in the human family, and the consequent holiness and happiness of all men. We deem it proper to consider all who embrace this one item of faith as Universalists, however they may differ in regard to the ways and means which have been, or may be, used to carry into effect the desired and glorious result; or however they may differ as to times and seasons in which Divine wisdom may accomplish it. This item of faith evidently distinguishes all its advocates from all who believe that any of the human family will sin and suffer as long as the Creator shall exist. 

2nd. There is another item in the belief entertained by Universalists, in which all its advocates are agreed. And that is, that this great and glorious truth has its origin in the nature of God, and is a necessary result flowing from all the Divine attributes, which harmonize in infinite, unchangeable love. As it is manifestly unreasonable to suppose that there can exist in any one of the Divine attributes a tendency which conflicts with that of any other attribute, so it is equally unreasonable to allow that Divine justice can require any punishment or retribution which Divine love does not desire. That the good of the subject is the object, is the necessary conclusion. 

3rd. All Universalists agree in the belief, that their distinguishing doctrine is plainly taught by Divine inspiration, in the scriptures of Old and New Testaments; and, of course, they do not believe that the inspired Scriptures anywhere express a contrary doctrine. They find this doctrine in the writings of Moses, in the prophets, and in the Psalms; and most clearly set forth in the teachings of Jesus and his apostles. The very spirit of the gospel of the Son of God is that of love to enemies, and the rendering of good for evil.

And, 4th. All Universalists agree in believing that the true Christian life consists in possessing, living, and acting the spirit of love, as manifested in the life and teachings of the Divine Master. And however we may fail, or come short of this rule, even our delinquencies admonish us of its purity, and compel us to acknowledge it.

Having presented the reader with a short compendium of the articles of our faith, in which Universalists are agreed, we propose to set forth a concise view of some of the most important differences in the opinions which have been embraces by believers in the before- mentioned essential particulars. 

It would not be consistent with our present purpose, or with the limits prescribed to these pages, to go back in the early ages of the church, and inquire into the particular tenets of those learned divines who were believers in this doctrine, and who taught it in the schools. Some of those, having imbibed many notions taught by Grecian philosophers, thought it consistent with Christianity to retain many heathen opinions, and exerted more labor, learning and criticism, to reconcile the ancient mythology with Christianity, than to understand and teach the doctrine of Jesus in its simplicity. 

What we now propose to do is to take somewhat of a general survey of the opinions entertained by those who, within the memory of living men, have believed and taught Universalism. As this doctrine was first taught in this country, its general aspect indicated that it had what we may call a Calvinistic base! 

A work entitled "Calvinism Improved," designed to vindicate Universalism, was not very essentially different from the views of our Universalists in general fifty years ago. As the basis of Calvinism is generally understood, we need not describe its elements. Simply to improve it, so as to establish Universalism on it, requires only to extend the merciful decrees of God, which Calvin restricted to a part of the human family, so as to embrace the whole, and do the same with the vicarious atonement made by the Son of God, which Calvin confined to a chosen part. When a Calvinist found that the Scriptures plainly teach that the Savior gave himself a ransom for all men, having, by the grace of God, tasted death for every man, it was easy for him to see the impropriety of believing that God had, from all eternity doomed any to endless woe. 

It does not appear that our earliest Universalists doubted that man, by sin, had incurred the just penalty of endless punishment, but fully ruled on the efficacy of the atonement for a deliverance of all men from such a condemnation. The doctrine of the Trinity was also held as an essential part of the general system of doctrine. The great idea of universal salvation filled its believers so full of joy, giving such an impetus to the benevolence and love, that their zeal to impart its light and comfort to their fellow-men seemed to correspond with its vastness and glory. The natural consequence of this state of things was to arouse the clergy, who had quietly settled in the doctrine of endless misery, and were enjoying a comfortable living with their people, who believed their doctrine, to look about them, and to exert all the means in their power to oppose and put down a doctrine, which, to them, appeared to be subversive of Divine Truth, and dangerous to the interests of souls committed to their charge. 

The few defenders of Universalism found enough to do, in contending with their numerous and learned opposers, without retiring to their studies to call in question, and to examine, the soundness of certain tenets which they had never doubted, and which they could hold, not only without weakening their own cause, but use successfully in opposing their adversaries, who believed the same. While viewing these circumstances, in room of wondering why our early preachers did not see the impropriety of allowing the infinite demerit of sin, and the incongruous notion of an infinite substitute for its penalty, we may marvel that they should have been brought so far out of darkness as to behold that one bright and glorious star in the midst of the gloom which surrounded it. They were evidently men of strong minds, acute discernment, and of moral courage. 

To a wonderful degree were their labors blessed, and converts from the doctrine of endless punishment became numerous, as trophies of their spiritual warfare. But as believers were multiplied, and additions made to the number of advocates of the impartial doctrine, it seems that Divine wisdom saw fit to lead some minds to look inquiringly into the soundness of many dogmas which had been suffered to lie undisturbed in public opinion for ages. These inquiries were directed to test the doctrine of the Trinity, of vicarious atonement, of the infinite demerit of sin, of the justice of endless punishment, of the common doctrine of a personal devil, and the existence of that hell in which the church had so long believed, and which her clergy had located in the invisible, eternal world. 

On examination of the dogma of three distinct persons in one indivisible, infinite being, each of which is infinite, it was discovered to be embarrassed not only with mystery, defying even an approach by the human understanding, but involving most palpable absurdity; and when the fact was duly considered, that Jesus by his many prayers acknowledged his dependence on his Father in heaven, and when it was also duly realized that he acknowledged that he was sent of the Father, and that all the power he possessed and exercised was given him by the Father, the dogma was given up, as resting on no better ground than human invention. 

Vicarious atonement, when carefully examined, was believed to depend on certain assumed notions, which had for their support neither Scripture nor reason. If man justly deserved endless punishment, or any punishment at all, neither Scripture nor reason would allow that the innocent should suffer it in room and stead of the guilty. As to reason, it frowns on such a dogma indignantly; and the Scriptures, wherever they speak on the subject, assure us that God will render to every man according to his works. As, in the very nature of moral consciousness, guilt is the necessary retribution of the commission of known wrong, it is impossible that the innocent should suffer it. The doctrine of the infinite demerit of sin, and of the justice of endless punishment, required no very deep or labored research to result in exploding it. 

The eye of enlightened reason, at one glance, could clearly see, that if sin be infinite, there can be no difference or degrees in criminality, while the Scriptures clearly teach a comparative distinction, and that while one offender is justly liable to many stripes, another is exposed to but a few. As to the justice of endless punishment, minds enjoying the liberty of free inquiry could easily detect the diabolical character of such justice, as it is the exact opposite of the Divine nature, which is love. Such justice is evidently predicated on the false principle and ungodly practice of rendering evil for evil. The commonly received opinion, that there exists a personal being called the devil, seemed as difficult to eradicate from people's minds as any of the superstitions which had been nourished by learned divines in any age. Such a being, it seems, was indispensable in contriving and carrying on the scheme of man's eternal ruin! But when inquiry demanded who was the author of this devil, and what he was made for, and who it is that upholds him, and other kindred questions were asked, the most plausible account which could be obtained amounted to the startling blasphemy of attributing the whole to the wisdom of God! These inquiring minds indulged in the liberty of calling in question the existence of that hell, in the invisible, eternal world, the belief of which the doctors of the church have taught to their people for many ages. 

And now, what account were our divines able to furnish concerning this dark, gloomy state of endless woe? Nothing more than that they knew nothing about it. True, they would say that we read of hell in the Bible, but they were utterly unable to show that a single passage gave countenance to the existence of such a hell as they professed to believe in, and in which they taught the people to believe. And as such a belief is evidently dis-honorable to the character of our heavenly Father, it was rejected as an abominable superstition. As some of those exploded superstitions had been retained by the early defenders of Universalism, it was alarming to them to be assured that their younger brethren, who preached the glorious doctrine of universal salvation, had repudiated those doctrines which they had never called in question. And now arose a conflict between the preachers of Universalism, almost as sharp at that which had been carried on between Universalists and their opposers; and had it not been that the spirit imparted to all who believed in that one central idea of universal, impartial, and unchangeable love, predominated in directing their feelings and measures, lamentable consequences might have been realized. 

But such as had been favored with new discoveries, realizing that they first believed in universal salvation, before they made those discoveries, and even by the assistance of their fathers in the faith, would have been quite unreasonable, had they been either uncharitable or ungrateful towards their elders and benefactors. Such considerations were not without their favorable influence. The doctrine of a future retribution, or of a state hereafter in which the sins of this life will be punished, was not denied by any of the early defenders of final restoration. The belief that there will be an end of sin and of the punishment was received with such transporting joy, that minor subjects were little thought of. 

Those in our times, who are led to yield an assent to the doctrine of Universalism, rarely feel such ecstatic joy as did the first believers. The reason is, those who now become convinced of the truth of the doctrine have so long lived in the atmosphere of the doctrine, that they have, by degrees, become fully convinced, having been inclined that way for years. 

As early as were repudiated those opinions which have been noticed, that of a future state of punishment was called in question, and in process of a few years was by many disbelieved. By the writer of these pages this doctrine has been doubted more than half a century, and for nearly forty years has been disbelieved, as being taught in the Scriptures. Difference of opinion on this question, though at one time, and for a little while, produced a rent among our clergy; the healing power of the main doctrine soon overcame all difficulty, which, for a long time, has given us no trouble. 

Though there are some now who believe in what is called future retribution, we know of none who pretend to prove it by Divine revelation, or dwell on it in their preaching. We know of no passages of Scripture, which teach the doctrine of a future state, which imply the existence of either sin or punishment in that state. Could we find any such testimony, we should then need Scripture proof that such sin and punishment will have an end, in order to be consistent Universalists. 

Owing to the age and infirmities of the writer of this article, he cannot expect to be able, much longer, to render any considerable service to the infinitely glorious cause to whose interest he has had the happy privilege of devoting his humble talents for nearly sixty years. But while holding himself ready to resign his armor, at the word of command, he cannot fully express his gratitude for what he sees of the wonderful spread of truth, and for the numerous army which he will leave in its future defense.

Fonte:
www.auburn.edu/~allenkc/ballou.html


Karl Barth, roteiro de estudo

Karl Barth
(Roteiro de estudo)

Era pastor numa aldeia suíça. Seu grande desafio era o que pregar a cada domingo. Em 1914, ele e seu amigo Thuneysen resolveram buscar uma resposta ao desafio da pregação. Durante quatro anos, Thuneysen estudou Schleiermacher e Barth estudou Paulo. Como fruto desses estudos, em 1919, Barth publicou seu Comentário sobre Romanos.
Características de seu pensamento:

A. Sua teologia parte da crise e da negação 

Toda a produção humana está sob crise e juízo de Deus e se resolve num processo dialético, o Não de Deus à salvação própria (à religião Babel) vs. o Sim de Deus ao homem.

Seu pessimismo teológico entrou em choque com o otimismo nazista da Alemanha de Hitler e com o processo de capitulação da igreja luterana diante do nazismo. Em conseqüência de suas idéias e pregações, foi expulso da Alemanha. Passou então a lecionar na Suíça. Depois da Segunda Guerra Mundial, levanta-se contra o stalinismo e pela paz na Europa, e afirma que “neste momento, a vocação da igreja é dizer: punhais à parte, é a hora da palavra”.

B. Sua teologia é cristológica e cristologia é a doutrina da pessoa de Cristo.

A compreensão da dogmática à luz da pessoa de Cristo leva à reflexão cristã: Deus-em-carne, Deus-feito-homem.

C. Sua teologia é kerigmática

A mensagem se torna a palavra de Deus. A palavra do homem se torna a palavra de Deus, se assim for a vontade de Deus. 

Não há apologética, porque defender a fé é pretender que Deus precisa ser defendido.

Se algo acontecer domingo de manhã na igreja, as pessoas o notarão sem que haja fogos de artifício.

A dialética do kerigma leva a duas conclusões :

A Bíblia é uma produção humana -- lida na presença de Jesus Cristo, se assim for da vontade de Deus, torna-se a palavra de Deus para nós.

A Igreja não é uma instituição que possa ser descrita por sua continuidade histórica -- mas, se assim for da vontade de Jesus Cristo, torna-se comunidade com os irmãos na fé através do milagre da Sua presença.

A tarefa da teologia é a reflexão da igreja que busca sua mensagem, que busca ser fiel à sua missão, com a certeza de que se algo acontece aí, o mundo se dará conta.

D. Sua teologia é crítica 

Ao Protestantismo liberal, pois este aceitou fontes de conhecimento alem dos textos canônicos, procurou construir uma teoria do conhecimento que levava em conta o desenvolvimento das ciências humanas e da natureza, e colocou a consciência moral e a experiência como uma das fontes do conhecimento teológico.

Ao Catolicismo romano

À Teologia natural, pois o ser humano não pode chegar à compreensão de Deus meramente através da contemplação dos elementos naturais, porque terá sempre uma idéia a priori de Deus, fabricação de sua própria mente.