vendredi 24 janvier 2025

A segunda Eva

Matrifocalidade e feminescência
Um protestante reflete sobre os dogmas de Maria 
e a construção simbólica que mudou a face da religião cristã


“Isabel exclamou em alta voz: De onde me provém que me venha visitar a mãe do meu Senhor?” (Lucas 1.4243).

Embora a dogmática cristã ao falar de duas naturezas do filho se refira ao divino e ao humano, esses dois processos miticamente nos falam de duas gerações. E no caso de Maria, fala da filha que é gerada pelo pai, num primeiro momento, e do pai que é gerado pela filha numa universalidade posterior.

“Fiéis aos santos pais, todos nós, perfeitamente unânimes, ensinamos que se deve confessar um só e mesmo Filho (...) gerado segundo a divindade antes dos séculos pelo Pai e, segundo a humanidade, por nós e para nossa salvação, gerado da virgem Maria, mãe de Deus [théotokos]”. (1)

O concílio de Calcedônia, 415 AD, apresenta Maria, a moça de Nazaré, como théotokos, mãe de deus. Nesse conceito há uma desconstrução da patriarcalidade ocidental e, por extensão, da propriedade. O que significa Maria mãe de deus nesta revisão da questão de parentesco? 

Miticamente Maria aparece nos ícones como aquela que deu à luz deus e, portanto, substituta do pai. Ao mesmo tempo, a defesa daqueles que adoravam Maria através dos ícones era de que quando adoravam não a encaravam como deusa à maneira pagã, mas como aquela que deu à luz deus. 

Esse pensamento percorreu um caminho que levou até a idéia de segunda Eva. Uma revolução na história da linguagem acerca de Maria. E por que segunda Eva? Qual a diferença entre a primeira e a segunda? Há algumas questões intrigantes nesta discussão: a primeira é a idéia de que ela deu à luz deus; a segunda a percepção da necessidade de identificar uma pessoa como a geradora de uma nova criação; e a terceira de que, sendo deus criado e a pessoa geradora da nova criação uma jovem, o gênero feminino ocuparia a centralidade da nova estrutura de parentesco. Vejamos cada uma delas.

Em primeiro lugar, a maternidade não depende de um homem e que, de fato, o pai não é um pai. Na verdade, na universalidade da maternidade da moça de Nazaré, ela se tornou mãe de seu pai e, por extensão, mãe de todos os pais. 

Em segundo lugar, se acrescentarmos o anúncio do anjo Gabriel de que o que moça de Nazaré haveria de gerar seria fruto do ruach hakadosh, do vento santo, temos a ruptura do significado biológico e cultural da paternidade, o que dá à maternidade caráter suprabiológico e supracultural, já que foram rompidos os laços de sangue. Então, o pai não é mais pai, nem o filho é filho do pai, mas da mãe. Nesse sentido, podemos entender théotokos. Mas tal desconstrução não para aí. A priori há uma realidade natural: inter feces et urinas nascimur. A vulva, a madre aberta pela passagem do primogênito/a permanece presente em nossa cultura e tem a consistência da lei biológica: ninguém chega ao mundo de outra maneira. Não há exceção. Mas em théotokos há a ruptura.

Em terceiro lugar, é interessante notar que Pilatos pergunta à multidão quem ela deseja que seja solto: Jesus ou Barrabás? Ora, Jesus é o eterno liberta; e Barrabás, filho do pai. Assim, naquele momento demônico, a multidão pede a morte da liberdade e a permanência da estrutura de parentesco, do filho do pai. Momentos mais tarde, já na cruz, Jesus reafirma a universalidade da maternidade suprabiológica e supracultural e diz ao seu amigo João que Maria é sua mãe, e à Maria que João é seu filho. 

Estamos diante de uma nova estrutura de parentesco, liberta dos laços de sangue, do biológico e dos condicionamentos culturais da patriarcalidade. Aqui encontramos uma ponte de diálogo com a cultura popular brasileira, a estrutura de parentesco matrifocal, que tem como possibilidade de construção o parentesco definido pelo amor, mas também por seu oposto, o abandono. Tal postura leva à escolha adotiva e, nesse sentido, aponta para a liberdade, mas também em posição, à escravidão, ambas, liberdade e escravidão em relação à natureza e às construções daí decorrentes.

Em quarto lugar, extrapola o universo da naturalidade, está embutida em théotokos e aponta para o futuro -- a gravidez e o parto da mulher virgem, que não tem a vulva como caminho, mas acontece na exterioridade do corpo. Assim, a moça de Nazaré, eterna virgem, preanuncia o tempo da maior de todas as desconstruções, a abolição da maternidade e a expansão da matrifocalidade. Essa desconstrução, sem dúvida, transformará a face da história do cristianismo. Mãe de seu pai, a mulher virgem gerará seu pai. E assim construiremos nosso próprio parentesco. 

Nessa construção teológica de expansão da matrifocalidade tomamos como modelo o papel da mulher na família mediterrânea, onde o espaço físico da casa é entendido enquanto categoria de gestão da chefia feminina e de arranjos extensos presentes nos grupos de parentesco. Nesses arranjos a centralidade da figura feminina e do papel exercido pelas mulheres, além de ser traço característico, religiosos ou não, exerce um eixo estruturador, que produz e reproduz modos de ser do modelo familiar. 

A presença matrifocal no modelo mediterrâneo não está associada à idéia de pessoas e comunidades fracas do ponto de vista da sobrevivência, mas denotam a expansão das trajetórias de ascensão das mulheres, que podem ser identificadas como representantes de um tipo de matriarcado. Podem ou não ser chefes da casa, assim como podem ou não ser liderança de extenso grupo familiar, onde homens, pai e filhos, aceitam a chefia feminina. Assim, é importante entender que a matrifocalidade mediterrânea não representa ausência do homem na família ou comunidade, e nem implica em chefia de mulheres solteiras, distante dos agrupamentos familiares, ou solitárias na gerência da prole. 

Teologicamente, a extensão da matrifocalidade é entendida aqui como construção e expansão da imagem de Maria, que concentra poder entendido como força simbólica circulante, que se fundamenta em presença conquistada na trajetória da fé cristã. Essa presença se traduz na definição de espaço espiritual próprio, que é fruto do prestigio adquirido nas comunidades, já que recebe o estatuto de mãe coletiva pela sua trajetória: no caso gerar o pai, e pelo tipo de funções desempenhadas, de parteira de um novo tempo, responsável por trazer ao mundo, com suas próprias mãos, o filho de novas gerações. A este conceito vamos chamar de feminescência.

Aqueles que procuram nas escrituras cristãs textos que possam remeter à tradição matrifocal da moça de Nazaré surpreendem-se com o fato destes textos serem poucos. Além dos relatos agrupados nos evangelhos de Mateus e Lucas nos capítulos 1 e 2, só se menciona Maria em passagens de João 2 e 19. Afora isso, há uma alusão a que o pai enviou ao mundo o seu filho, nascido de mulher, na carta de Paulo aos gálatas (4.4). Da mesma maneira, os estudos das escrituras cristãs mostram que a primeira geração de escritores, como Paulo, Marcos e João, não deu nenhuma importância à memória da moça de Nazaré: não se referiu a ela como virgem mãe e nem deu destaque à história da concepção do filho por ação do espírito. Isso, no entanto, não diminui a importância da matrifocalidade que seria construída com os passar dos anos na fé católica ocidental e oriental.

A raridade dos textos neotestamentários sobre a virgem mãe contrasta com a quantidade de histórias e relatos de milagres que foram se acumulando nos séculos de história da catolicidade. A explicação para isso é que, com o passar dos tempos, a catolicidade foi desenvolvendo uma simbologia matrifocal a partir de aspectos originários de sua fé, procurando relacioná-la com culturas e sensibilidades dos povos aos quais os católicos começavam a anunciar o evangelho. Assim, podemos falar de quatro aspectos na construção da matrifocalidade católica.

A matrifocalidade católica

A matrifocalidade católica hoje nos lembra afluentes que correm para a formação de um rio. Surge do relato bíblico e da memória da virgem mãe, com a qual a comunidade católica se identifica através do próprio canto da moça de Nazaré, quando diz que “todas as gerações me proclamarão bendita porque o Todo-poderoso fez em mim maravilhas”, conforme Lucas 1.48-49.

Sabemos que o cumprimento dessa profecia veio aos poucos, dando seu salto formal com os concílios da jovem igreja católica. Mas não podemos dizer que o cumprimento dessa profecia de bendição ao pai, pela graça dada à moça de Nazaré, se deve exclusivamente aos católicos. Maria sempre virgem foi vista assim por Lutero, (2) que dedicou a ela seu Magnificat, mas também por Wesley. (3) O que as jovens igrejas reformadas não aceitaram é que se construísse uma piedade cristã a partir de uma teologia matrifocal que colocasse Maria ao mesmo nível do Cristo. Não podemos nos esquecer que certas tradições católicas chamam Maria de co-redentora. 

Paulo afirma em sua primeira carta a Timóteo (2.5) que há um só deus e um único mediador entre deus e a humanidade, que é Jesus Cristo. Os catecismos católicos responderam à polêmica suscitada pela matrifocalidade fazendo distinções entre adoração a deus e veneração à virgem mãe, procurando expressões doces para a matrifocalidade e ligando-a de forma mais íntima à própria piedade ao Cristo. Mas a simbologia matrifocal tem tanta força que, de fato, a leitura patriarcal da trindade fez água: pai e filho perderam importância de forma crescente na tradição popular.

Esta situação tem raízes históricas. Uma delas, sem dúvida, foi o analfabetismo das massas e a conseqüente despreocupação em relação à leitura dos textos neotestamentários no longo período de construção da igreja católica, restando ao povo a devoção tradicional combinada às crenças e costumes de suas comunidades. Este tipo de sincretismo foi a regra no mundo antigo que se tornava católico.

Quando o catolicismo entrou no norte da Europa, encontrou os cultos celtas a uma deusa que era a rainha do céu. Logicamente, a síncrese entre a rainha do céu e a virgem foi um processo natural, onde os celtas convertidos atribuíram à imagem de Maria as capacidades e peculiaridades da rainha do céu. Assim, essas percepções se deram cada vez que o catolicismo se inseriu em uma região, assumiu a cultura e procurou traduzir as crenças que lhe eram anteriores a uma forma compatível com a fé católica. (4)

Na América invadida pelos europeus, a matrifocalidade religiosa se traduzia, em muitas regiões, pelos cultos à terra mãe, e também foram substituídos pelo culto à virgem mãe católica. (5) O mesmo se deu em outros lugares com o culto à deusa lua. O culto asteca à Tonantzim foi incorporado na figura e no culto à virgem de Guadalupe. Este fenômeno é correlacional porque se deu como uma forma de esvaziar um mito da ancestralidade substituindo-o pela devoção católica invasora. Por outro lado, acabou em alguns casos, sendo expressão de inserção do catolicismo nas culturas. Tomemos como exemplo o caso de Guadalupe, onde a devoção a Maria foi proposta como forma de substituir o culto ancestral a Tonantzim, heroína civilizadora. Mas com o tempo, os descendentes dos astecas se reapropriaram da matrifocalidade católica de tal forma que através dela voltaram a expressar a simbologia de sua cultura com seus valores próprios, que de outro modo estaria condenada pela dominação colonial.

O testamento cristão deu continuidade às escrituras hebraico-judaicas a partir da vida e das palavras de Jesus. Quando Lucas conta, no primeiro capítulo do seu evangelho, a anunciação do anjo a uma moça de Nazaré e depois sua visita à prima Isabel (1.36 e seguintes), ele estava recorrendo a alguns relatos proféticos das escrituras hebraico-judaicas, como o relato de Sofonias capítulo 3 e o relato de 2º. Samuel capítulo 6. Se for assim, a idéia da matrifocalidade está explícita, aquela moça simbolizava a figura da comunidade crente. É o símbolo da gente despossuída, fiel a deus e, ao mesmo tempo, da humanidade nova.

Nesse sentido a figura de uma mulher, mais precisamente de uma moça no desamparo de seu gênero, sintetiza a vocação do seu povo e dos crentes da nova aliança. Ela seria, então, em pessoa a realização plena do que os profetas antigos chamaram de virgem, filha de Sião, referindo-se ao povo fiel, conforme vemos em 2º. Reis (19.21); Isaías 52; Jeremias (31.4 e seguintes); e Sofonias (3.12 e seguintes). A matrifocalidade católica está sintetizada nessa moça sem poderes políticos, mas mãe de deus, e sintetiza a história do Israel fiel à aliança. E é uma parábola da humanidade futura.

É interessante ver como a matrifocalidade católica fortalece e amplia a leitura de gênero presente nas escrituras hebraico-judaicas. Na leitura da criação, narrada no Gênesis, a mulher é produção do pai e culminou sua ação criadora. Em muitos textos bíblicos, embora a mulher seja figura da humanidade em sua relação com o pai, ela mais que nada é esposa. Tal imagem no livro do Apocalipse expande a matrifocalidade católica nascente ao dizer que apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos pés e na cabeça uma coroa de doze estrelas (12.1). Por trás desta imagem, está o simbolismo matrifocal de antigas ancestralidades e apresenta a vitória da comunidade cristã que enfrentava o martírio e as perseguições. E não foi por acaso, então, que o catolicismo nascente viu nesta imagem da comunidade grávida do messias a figura de Maria mãe.

A dogmática matrifocada

A construção matrifocal católica criou uma rica simbologia ao redor da moça de Nazaré. É interessante que essa construção procurou na medida do possível partir de bases conceituais neotestamentárias. Assim, a imaculada concepção de Maria, declarada em 1854 pelo papa Pio IX, é fruto, em previsão, dos méritos do Cristo na cruz. Os cristãos católicos diziam assim que o pai preservou a moça de Nazaré do pecado original pelos méritos antecipados da morte do filho. Ela, a moça de Nazaré teria sido a primeira salva, ou seja, com ela aconteceu antes, antecipou-se, a salvação que, pela cruz, os outros filhos receberiam.

Na sequência da mesma construção simbólica, quando, em 1950, o papa Pio XII tornou dogma a assunção da moça de Nazaré ao céu com corpo e alma, dizia que ocorreu com ela, também em antecipação, o destino de todos, pois os cristãos oram no Credo, creio na ressurreição da carne. É isso e não privilégio dado por santidade própria ou por mérito diverso.

Mas ao discutir o fim do parentesco como conseqüência da expansão da matrifocalidade, esses dois dogmas que, talvez por centenas de anos, repousaram no inconsciente cristão, trazem percepções importantes: ela é mãe do pai, mas é santificada e exaltada pela morte do filho que vai nascer. Nesse sentido, o fato de ser mãe do pai/filho que vai morrer, faz dela símbolo perfeito da feminescência. Assim, a feminescência católica traduziria uma revolução, a moça de Nazaré é figura do caminho de toda a humanidade.

O eixo fundamental das escrituras hebraico-judaicas e cristãs é a revelação de que o pai tem um projeto para a humanidade: uma vida de intimidade com ele. Essa intimidade que recebe também os nomes de aliança ou reino de deus supõe uma proximidade afetiva que lembra a relação homem/mulher. É como um casamento. Ora, a imagem tradicional de deus nas religiões é de um pai dono do poder. Para se ter acesso a esse pai é necessário um intermediário. É como alguém que para ter acesso a um presidente precisa de um intermediário político ou de um padrinho. É essa constatação, num primeiro momento inconsciente, mas que se conscientiza na construção católica e leva ao surgimento e à expansão da matrifocalidade. Por ter sido educado olhando o pai ausente, no caso brasileiro, o povo simples não é diferente das massas dos primeiros séculos do início do catolicismo.

Para ouvir a palavra do pai, as massas recorreram àquilo que as escrituras chamaram de “anjo do Senhor”, emanação visível do pai transcendente. É imagem ou expressão da presença do pai. Em outros lugares, os textos chamam de “glória do Senhor”, o sinal visível da presença do pai. Como no Êxodo, a nuvem que desce sobre o monte Sinai quando o pai fala (Ex 19) ou a tenda na qual o povo consulta o pai. Quando os israelitas acolhem e reverenciam a tenda, a arca, a nuvem ou o vento, sinais da presença divina, não é nenhum destes elementos em si que eles adoram e sim o pai presente através deles.

A matrifocalidade rompe a ausência e o distanciamento paterno. O que ela faz é trazer a realidade da ancestralidade para o presente. Heróis civilizadores deixam de estar no passado e passam a estar no cotidiano da vida, nas coisas que são feitas e que representam no dia a dia a manutenção da vida. Nesse sentido, a expansão da matrifocalidade não é representação do pai ou do filho, mas o fim do parentesco. Diante da matrifocalidade todos são filhos e não há um filho mais importante, porque o primeiro, o mais querido, morreu. E a volta dele, o levantar dele, se dá como memória em todos os demais.

Essa expansão da matrifocalidade, presente no inconsciente cristão, possibilitou a construção de pontes com outras culturas também marcadas pela matrifocalidade. E essa compreensão nos remete às tradições do catolicismo popular brasileiro. Mas, e isso é mais importante, aponta para uma teologia onde a universalidade cristã repousa em colo feminino, substituindo pai e filho, agora frutos da feminescência. E porque uma virgem deu à luz deus e é geradora de nova criação, o gênero feminino e não o masculino passa a ocupar a centralidade da nova estrutura de parentesco dessa nova criação.

Podemos, então, dizer: uma virgem gerou como filho seu criador e tornou-se mãe de seu pai. Estamos diante da desconstrução das relações convencionais de sangue, filiação, paternidade e parentesco biológico, mas, sobretudo, da quebra da naturalidade, da abolição do que restava da maternidade. Essa desconstrução das relações familiares, aqui chamada feminescência, produziu um estado simbólico inovador que transformou a face da história cristã. A partir daí nasceu uma época e, ao mesmo tempo, uma criança. Mãe de seu pai, uma virgem produzida produziu seu produtor. E, assim, desejos de pureza, incorpóreos e virginais da espécie humana são preenchidos pela feminescência da virgem. E, talvez, por isso, 1,2 bilhão de católicos ocidentais e orientais olhem com tanto carinho para Maria, a moça de Nazaré.

Notas

1. “Credo de Calcedônia”, 415 AD, Concílio de Calcedônia, Actio V, Mansi, VIII, 116s, in H. Bettenson, Documentos da Igreja Cristã, São Paulo, ASTE, 1967, p. 86. Em português contemporâneo por Jorge Pinheiro.
2. Jaroslav Pelikan e Helmut T. Lehmann, editores, Luthers Works, vol. 45, Filadélfia, Fortress Press, 1955, p. 212.
3. John Wesley, “Letter to a Roman Catholic”, in A. C. Coulter, John Wesley, Nova York, Oxford University Press, 1964, p. 495. 
4. Marcelo Barros, “O rosto de Deus em Maria”. Site: Empaz. Acesso em 29/11/2006. WEB: http://empaz.org/marcelo/textos_longos/m_maria1.htm
5. Victor Codina, Teologia Simbólica de la Tierra, capítulo 1, La Paz, Ed. CPP, 1993.




jeudi 23 janvier 2025

Paulo, missionário

O paradigma missionário do apóstolo Paulo é o modelo que reflete sua abordagem estratégica, teológica e prática para a proclamação do evangelho. 

Paulo é reconhecido como um dos maiores missionários da história cristã, e seu paradigma pode ser compreendido por meio de vários aspectos.

Cristocentrismo. A missão de Paulo era centrada em Cristo. Ele enfatizava a mensagem do evangelho como a boa-nova da morte e ressurreição de Jesus, que traz salvação para todos os povos (1 Coríntios 15:3-4). Não se preocupava em divulgar uma ideologia, mas uma pessoa: Jesus Cristo.

Chamado e Comissionamento. Paulo acreditava que sua missão era um chamado divino, que ele foi comissionado por Cristo durante sua experiência na estrada de Damasco (Atos 9:15-16). E via a si mesmo como "apóstolo dos gentios" (Romanos 11:13), enviado para levar o evangelho além do contexto judaico

Universalidade do Evangelho. Um dos pilares do paradigma missionário de Paulo era a convicção de que o evangelho era para todos, judeus e gentios, sem distinção (Gálatas 3:28). Desafiava barreiras culturais, religiosas e sociais, adaptando sua abordagem sem comprometer a mensagem central (1 Coríntios 9:19-23).

Plantação de Igrejas. Paulo focava não apenas em evangelizar, mas em estabelecer comunidades de fé. Ele plantou igrejas em cidades do Império Romano, como Corinto, Éfeso e Filipos, que se tornaram centros de irradiação do evangelho.

Trabalho em Equipe. Paulo não trabalhava sozinho. Formou parcerias com outros missionários, como Barnabé, Timóteo, Tito, Priscila e Áquila. Também valorizou as contribuições das igrejas locais, que apoiaram suas missões com recursos e orações.

Flexibilidade Cultural. Embora Paulo fosse judeu, ele se adaptava às culturas locais para se comunicar de forma mais eficaz. Respeitava os costumes dos povos que evangelizava, desde que não contradissessem os princípios do evangelho. Um exemplo disso foi seu discurso no Areópago, em Atenas (Atos 17:22-31), onde usou elementos da cultura grega para apresentar a mensagem de Cristo.

Sofrimento e Perseverança. Paulo entendia que a missão envolvia sacrifício. Enfrentou perseguições, prisões e privações, mas permaneceu comprometido com o evangelho (2 Coríntios 11:23-28). Ele via o sofrimento como parte de sua identificação com Cristo e do avanço do reino de Deus.

Ênfase na Doutrina e na Comunhão. Paulo investia no ensino e discipulado das comunidades que fundava. Escrevia cartas para corrigir doutrinas, fortalecer a fé e promover a unidade entre os crentes. Para ele, uma igreja saudável era fundamental para a continuidade da missão.

Esperança Escatológica. A missão de Paulo era alimentada por sua expectativa da volta de Cristo. Ele acreditava que o tempo era curto e, por isso, urgia que as pessoas se reconciliassem com Deus.

O paradigma missionário de Paulo continua sendo uma inspiração para a obra missionária contemporânea, destacando a centralidade de Cristo, a inclusão de todas as culturas e a importância de formar comunidades enraizadas na fé e na prática cristã.

Uma rápida idéia de quem foi  Paulo.

O apóstolo Paulo, ou seja, Saulo de Tarso, foi uma figura central no Cristianismo primitivo.

Nascido em Tarso, na região da Cilícia (atualmente parte da Turquia), Paulo era judeu da tribo de Benjamim e cidadão romano, o que lhe conferia direitos e privilégios significativos. Foi criado como fariseu e atuou como  perseguidor dos cristãos.

Paulo se converteu ao Cristianismo enquanto viajava para Damasco, com a intenção de prender seguidores de Jesus. Segundo o relato no livro de Atos dos Apóstolos, ele teve uma visão de Jesus ressuscitado, que lhe perguntou: "Saulo, Saulo, por que me persegues?". Após esse evento, Paulo ficou temporariamente cego, mas recuperou a visão após ser curado por Ananias, um discípulo cristão. A partir daí, tornou-se missionário.

Paulo realizou diversas viagens missionárias pela Ásia Menor, Grécia e Roma, pregando a mensagem de Jesus Cristo tanto para judeus quanto para gentios (não judeus). Fundou comunidades cristãs em várias cidades e escreveu cartas (epístolas) que compõem parte do Novo Testamento, como Romanos, Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses e Tessalonicenses. Essas cartas são fundamentais para a teologia cristã e abordam temas como a fé, a salvação pela graça e a unidade da Igreja.

Paulo foi preso várias vezes devido à sua pregação. Segundo a tradição cristã, ele foi martirizado em Roma por volta do ano 67 d.C., durante o reinado do imperador Nero. Como cidadão romano, teria sido decapitado em vez de crucificado.

Paulo é reconhecido como "apóstolo dos gentios" por sua contribuição em levar o Cristianismo além do mundo judaico. Sua teologia e escritos moldaram a fé cristã.


lundi 20 janvier 2025

O desafio da vida

O desafio da vida
Jorge Pinheiro, pastor e missionário da Cruz Huguenote na Europa.

Muitas vezes, nos perguntamos, principalmente nos momentos de abandono e dor, por que não morri na barriga da minha mãe? Por que não expirei ao sair dela? Por que houve um colo que me acolhesse? E peitos, para que eu mamasse? Jó 3.11-12.

Quinta-feira, 07.11.2024, eu e Naira deveríamos viajar a Barcelona para o aniversário da minha neta Liz. Acontece que de manhã, a partir das seis horas, comecei a ter uma dor imensa no quadril esquerdo, que descia até o meio da perna. Minha perna estava endurecida, e eu não conseguia de mexer. Segurei a dor e minha imobilidade até às oito horas, quando a Naira despertou.

Mas a resposta já nos foi dada, porque assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade. Efésios 1.4-5. É isso mesmo, fomos criados para ser amados por Deus.

Contei para ela o que passava e não tivemos alternativa: fomos ao Pronto Socorrro, aqui perto de casa. Ao chegar lá, eles já tinham a minha ficha de saúde na internet. Sou diabético, com uso de medicamento diário, tenho pressão alta e estou às vésperas dos oitenta anos. Tal situação fez com que fosse imediatamente atendido.

E daí vem uma pergunta, o que dá significado à vida? E também já tivemos a resposta, quando o nosso irmão Isaías disse, em vão tenho trabalhado, inútil e vãmente gastei as minhas forças. Mas, o meu direito está diante do Senhor, a minha recompensa, perante o meu Deus. Isaías 49.4.

A primeira enfermeira que me atendeu, fez uma rápida entrevista sobre minha saúde geral, as dores que sentia no momento, mediu minha pressão, 19.2 por 11, e preenchido o prontuário me encaminhou para a enfermaria, numa sala com duas camas. Ocupei a primeira. A outra estava vazia. Uma outra enfermeira se ocupou de mim. E aí começou o check-up. Pressão nos dois braços. Um terceiro enfermeiro me atendeu, retirou meu sangue e levou para análise. E depois me preparou para o eletrocardiograma. Tudo isso aconteceu num prazo de tempo de cerca de quatro horas.

É, os olhos do Deus eterno me viu ainda substância não formada, e no livro dele foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando ninguém havia ainda. Sl 139.16. Esta é a verdade, fomos feitos para viver a vida escrita por Deus.

Essas são as considerações finais da médica que acompanhou todo o processo: tudo bem com seu sangue, o coração está em forma, mas a pressão muito alta estava a provocar dor de cabeça e, segundo ela, a paralisia e dor no quadril esquerdo, joelho e perna. Fui medicado e estou tomando meus medicamentos para pressão alta (numa dosagem maior da que tomava antes), para diabetes, dor e tensão muscular. Devo agora me consultar com minha médica generalista, que deve me dirigir a um especialista, um cardio. Mesmo medicado, ainda tenho a pressão bem alta ao acordar e dor de cabeça. Ontem, fiz uma caminhada de 7,9 km, porque caminhar e malhar são fundamentais como tratamento auxilar para a pressão alta.

Por isso, somos chamados a conhecer a Deus, pois o temor do Senhor é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência. Provérbio 9.10.

Assim, como o apóstolo Paulo, podemos dizer -- Nele, fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade. Efésios 1.11.

Meu querido, minha querida, em qualquer lugar, ou nação, aquele que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável. Atos 10.35.

Quero esclarecer que fui bem atendido, eu diria, até de forma carinhosa. Sou cristão militante e por isso enfrento bem tal desafio: sou resistente à dor e não tenho medo de morrer.
 
Afinal, estou aqui de passagem. Meu reino é o do senhor Jesus. É isso. Sintam-se à vontade para orar ou não. Orar não é obrigação, deve acontecer a partir da consciência de quem somos e de como devemos estar diante do Pai eterno.

Alguns dias depois fiz um cardio completo. Estou ótimo. Coração batuta. Tudo bem para continuar o desafio da vida.

A resposta ao título deste pequeno artigo, é que descobrimos o desafio, o sentido da vida, quando conhecemos a Deus. O que nos leva a três lições fundamentais, o amor de Deus dá sentido, o plano de Deus dá valor à vida, Deus quer encher nossa vida de sentido.

Amém!

Eu e ela atravessando a vida em direção ao Reino!


vendredi 17 janvier 2025

Homenagem ao Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Para compreender o neocalvinismo de Kuyper

O neocalvinismo de Kuyper

Jorge Pinheiro, PhD


Abraham Kuyper (1837-1920), segundo Philippe Gonzalez, foi um teólogo reformado que procurou realçar a relevância do pensamento calvinista para a vida contemporânea, tanto a nível individual como coletivo. A posteridade o vê como um dos principais iniciadores da tendência teológica conhecida como neo-calvinismo. A visão de Kuyper é fiel à de Calvino no seu desejo de enfatizar a importância da glória de Deus, um tema recorrente no pensamento calvinista.


"Deus criou o cosmos geocentricamente, ou seja, colocou o centro espiritual desse cosmos no nosso planeta, e fez com que todas as divisões dos reinos da natureza nesta terra culminassem no homem. Deus chamou este homem, como portador da sua imagem, para consagrar o cosmos à sua glória. Portanto, na criação de Deus, o homem ocupa os cargos de profeta, sacerdote e rei; e apesar do fato de o pecado ter vindo perturbar estes planos elevados, Deus leva-os por diante”.


No pensamento calvinista, a glória de Deus está ligada ao reinado de Deus sobre o universo. Para o cristão, então, trata-se de glorificar o soberano divino, confessando esta verdade, tanto em pensamento como em ação, em todas as dimensões da vida. Mas a sua soberania não se limita ao íntimo do crente, à sua espiritualidade individual. Esta soberania é cósmica: estende-se a todas as esferas da existência.


Neste correr do século 21, o protestantismo tem vivido transformações significativas. Na Europa secular, as igrejas que emergiram da Reforma Magisterial viram suas fileiras e sua influência diminuir. Já as correntes que reivindicam a herança da Reforma Radical, e sua concepção de igreja livre, gozam de uma relativa estabilidade. Esta transformação tem repercussões na relação entre os diferentes protestantismos e a sociedade.


Só que o chamado declínio do protestantismo institucional pode ser visto como o sucesso de ideias que defendia, a começar pela liberdade individual e pela separação entre religião e política. Este sucesso deve-se à extensão destas ideias a toda a sociedade, contribuindo para a sua secularização. Essas mesmas idéias infundiram no evangelicalismo, outra vertente do protestantismo, uma concepção fortemente individualista da salvação. O individualismo parece assim ser uma componente central do protestantismo. Hoje, a ênfase na figura do indivíduo tende a eliminar qualquer forma colectiva de relação com a fé, a começar pela comunidade eclesial.


Questionar o bem comum, os desafios sociais, enquanto questões que fazem parte dos desígnios de Deus, leva a igreja a enfrentar temas novos. Entram em jogo, então, a família, a sociedade e o Estado. Ou seja, está levantada a questão da relação que os cristãos e a comunidade de fé deve estabelecer com estes grupos. E como o questionamento diz respeito às entidades que estruturam as relações sociais, temos então o desafio político.


Por razões históricas evidentes, na Europa, nos territórios onde eram majoritárias, as igrejas saídas da Reforma Magisterial mantiveram laços privilegiados com o Estado. Inversamente, as igrejas livres mantiveram uma espécie de distância das autoridades políticas. 


No entanto, se o modelo de cristianismo deixou de ser estruturante para as igrejas oficiais e deu lugar a uma concepção do pluralismo religioso inerente às sociedades modernas, é entre as correntes próximas do evangelicalismo que se assiste à emergência de reivindicações preocupadas em preservar o carácter cristão das nações ocidentais. 


Estas reivindicações apontam para uma transformação importante no seio do protestantismo evangélico. Elementos centrais relacionados com a salvação, o significado da história e a relação com o mundo estão a ser redefinidos. Esta redefinição é conseguida através do papel que as comunidades de fé desempenham no plano de Deus para o mundo. Assim, tornar a nação uma categoria teologicamente relevante implica transformações essenciais. E a relação com o mundo proposta por este novo discurso prevê o acesso dos cristãos regenerados a lugares de decisão nos vários sectores da sociedade, a começar pela política e pela economia, de modo a imprimir uma visão cristã à convivência.


Quando se trata de fazer essa conversão do quadro de pensamento evangélico habitual, os defensores destes novos desenvolvimentos retiram uma parte considerável dos seus argumentos do contexto da teologia política neo-reformada. 


Ao contrário da teologia anabatista, o pensamento neo-reformado considera sistematicamente o envolvimento na sociedade em situações de antagonismo entre os apoiadores do protestantismo e os adeptos de outras visões do mundo. Aproveita o papel favorável atribuído ao magistrado no pensamento calvinista e permite assim encarar o exercício do poder por um cristão como um bem para a sociedade, desde que este se deixe guiar por princípios extraídos das Escrituras. Em comparação, uma concepção anabatista não parece adequada para pensar este tipo de situação.


A posição kuyperiana apresenta aspectos problemáticos. A leitura neo-reformada da fé cristã e da sua relação com a sociedade é incapaz de pensar o pluralismo fora da visão de confronto e visa o estabelecimento de uma nação cristã. Simultaneamente, esta teologia é deficiente na forma como revela a presença do Cristo no mundo, ou seja, o milagre da encarnação.


Kuyper fundou, em 1880, uma instituição dedicada à cosmovisão calvinista: a Universidade Livre de Amsterdam. Foi um dos responsáveis pelo movimento de reforma que as igrejas reformadas holandesas viveram e que deu origem, em 1886, ao nascimento de uma denominação que pretendia fazer um regresso às fontes do calvinismo, e que se chamou "Gereformeerde Kerk" [Igreja Reformada]. E tornou-se um político: foi um dos fundadores do Partido Anti-Revolucionário (1878). Anos mais tarde, Kuyper tornou-se primeiro-ministro dos Países Baixos de 1901 a 1905.


Em um de seus livros mais famosos, Lectures on Calvinism, proferidas em Princeton em 1898, ele definiu o calvinismo e explicou porque o considerou um sistema de pensamento que constitui uma alternativa à modernidade. Já que, com a Revolução Francesa, ocorrida em 1789, segundo ele, a ordem social deixou de basear-se na revelação divina, mas optou pela vontade humana.  


Kuyper propôs a distinção entre os diferentes usos do termo calvinismo. Alguns por serem depreciativos, pois pode ser usado para se referir a uma minoria religiosa sectária. Outros, dizem que o calvinismo traduz a estreiteza da doutrina da predestinação. Ele condenou também a visão batista, que se considera ligada ao tronco calvinista. Kuyper rejeitou estes usos do termo, por serem sectários, confessionais ou denominacionais. E propôs uma leitura que chamou de científica.


Segundo Kuyper, o aspecto científico do calvinismo emerge de três aspectos. O primeiro é histórico: o calvinismo passou por um desenvolvimento particular dentro do protestantismo, um desenvolvimento que lhe permitiu evitar as armadilhas nas quais tanto os luteranos quanto os anabatistas foram presos. O segundo aspecto é filosófico: o sistema desenvolvido por Calvino é global e, portanto, capaz de ser estendido a todas as esferas que compõem a existência. A terceira razão é política. Pois, para ele, o calvinismo garantiu a liberdade às nações que escolheram fazer dele sua base constitucional. Haveria uma afinidade entre o calvinismo e a opção pelo governo democrática. E o teólogo cita como exemplos a Holanda, a Inglaterra e os EUA, além da Suíça.


Quando Kuyper se refere ao caráter científico do calvinismo, ele está se referindo a uma visão de mundo coerente. Assim, o calvinismo constituiria uma forma de consciência religiosa com teologia própria, com uma ordem eclesial particular, e que daria origem a formas de vida política ou social particulares. Isto implicaria uma relação específica entre este tipo de cristianismo e o mundo, entre a igreja e o Estado, entre a ciência e a arte. 


Na concepção kuyperiana, o calvinismo constitui um sistema global comparável aos experimentados pela humanidade ao longo da sua história. É por isso que o teólogo se propõe a comparar 0 calvinismo com outras cosmovisões como o paganismo, o islamismo, o catolicismo e o modernismo. E, como seria de esperar, o objetivo de Kuyper será demonstrar a superioridade do calvinismo sobre todas as outras cosmovisões e, sobretudo, a sua capacidade de encarnar as exigências do cristianismo, em oposição ao catolicismo, à ortodoxia e ao luteranismo.


Uma pequena bibliografia


Blaser, K., & Geense, A. (2006 [1995]). 'KUYPER, Abraham (1837-1920)', pp. 734a-734b in  P. Gisel (ed), Encyclopédie du protestantisme. Paris: PUF. 

Kayayan, É., & Kayayan, A. R. (1995). Le chrétien dans la cité. Lausanne: L'Âge d'Homme. Kuyper, A. (1899). Calvinism : six Stone-lectures. Edinburgh/New York:  T & T Clark/Fleming H. Revell Company. 

Reimer, A. J. (2003). 'Public Orthodoxy and Civic Forbearance : The Challenges of Modern  Law for Religious Minority Groups', Conrad Grebel Review, 21(3), 96-111.————. (2009). 'An Anabaptist-Mennonite Political Theology: Theological Presuppositions',  Direction, 38(1), 29-44. 

Wagner, C. P. (2008). Dominion! How Kingdom Action Can Change the World. Grand  Rapids: Chosen. 



L'Église évangélique baptiste de Montpellier et trois pasteurs

L'Église évangélique baptiste de Montpellier et trois pasteurs



L'Église évangélique baptiste de Montpellier a une histoire qui s'inscrit dans le contexte plus large du mouvement baptiste en France, mais elle a également ses spécificités locales. Voici un résumé de son histoire :


Origines du mouvement baptiste en France :


Le mouvement baptiste a pris racine en France au début du 19ème siècle, avec des influences venant principalement des missionnaires anglais et américains. Les premiers baptistes français étaient souvent des individus convertis à l'étranger ou influencés par des missionnaires protestants.


Fondation de l'Église à Montpellier :


L'Église évangélique baptiste de Montpellier a été fondée dans la première moitié du 20ème siècle, bien que la date exacte puisse varier selon les sources. Elle fait partie du développement du mouvement baptiste dans le sud de la France, une région historiquement marquée par une forte présence protestante.


Développement et Activités :


Comme beaucoup d'églises baptistes, celle de Montpellier a mis l'accent sur l'évangélisation, l'étude de la Bible, et la vie communautaire. Au fil des décennies, elle a vu croître son influence dans la région, accueillant des membres de diverses origines, souvent des étudiants et des familles attirés par un culte vivant et des enseignements centrés sur les Écritures.


L'église a souvent été active dans des œuvres sociales, l'accueil des nouveaux arrivants, et l'organisation d'événements comme des conférences, des concerts, et des activités pour les jeunes.


Évolution récente :


Aujourd'hui, l'Église évangélique baptiste de Montpellier continue d'être un lieu important de culte et de communauté pour les baptistes de la région. Elle est impliquée dans des réseaux plus larges de collaboration avec d'autres églises évangéliques en France, et participe à des initiatives locales et nationales.


L'Église dans le contexte actuel :


L'église reflète une diversité croissante au sein de la communauté chrétienne évangélique, avec des membres venant de différentes cultures et arrière-plans. Cela se manifeste dans une vie communautaire riche et variée, avec des cultes souvent multiculturels.


L'Église évangélique baptiste de Montpellier est donc un exemple de l'implantation et du développement du protestantisme évangélique en France, avec une histoire qui mêle héritage local et influences internationales.



André Lovérini


André Lovérini est un pasteur et une figure influente au sein du protestantisme évangélique en France, en particulier dans le mouvement baptiste. Il a exercé son ministère dans plusieurs églises en France, y compris l'Église évangélique baptiste de Montpellier, où il a servi comme pasteur.


Lovérini est connu pour son engagement dans l'enseignement biblique, l'évangélisation, et le développement des églises. Il a aussi contribué à la formation des futurs pasteurs et leaders au sein de la communauté évangélique. En plus de son travail pastoral, il a été impliqué dans des projets missionnaires et dans le soutien de l'œuvre chrétienne en France et à l'étranger.


En tant que pasteur, il a probablement eu un impact significatif sur la croissance et la vitalité spirituelle de l'Église évangélique baptiste de Montpellier, en encourageant la participation active des membres de l'église dans la vie communautaire et l'évangélisation.



Didier Roca


Didier Roca est un pasteur évangélique français, associé au mouvement baptiste. Il a notamment été impliqué dans le ministère pastoral de l'Église évangélique baptiste de Montpellier. Comme beaucoup de pasteurs évangéliques, il est engagé dans l'enseignement biblique, le soin pastoral, et l'accompagnement spirituel des membres de son église. 


Didier Roca est également connu pour son implication dans le développement de la vie communautaire de l'église, ainsi que dans la formation des croyants et des leaders au sein de la communauté évangélique. Son rôle est de guider l'église dans sa mission spirituelle et d'aider les membres à grandir dans leur foi et leur engagement chrétien. 


L'influence de Didier Roca s'étend probablement au-delà de Montpellier, avec une participation active dans des réseaux évangéliques plus larges en France.



Alexandre Miglioranza


Alexandre Miglioranza est un pasteur évangélique, d'origine brésilienne, qui a exercé son ministère en France. Il est notamment connu pour son rôle en tant que pasteur de l'Église évangélique baptiste de Montpellier. Miglioranza est reconnu pour son engagement dans l'enseignement biblique, le leadership spirituel, et l'évangélisation.


Avant de servir à Montpellier, Alexandre Miglioranza a pu avoir d'autres expériences pastorales, peut-être au Brésil ou dans d'autres contextes francophones, où il a contribué à la formation de disciples et à la croissance des communautés chrétiennes. Sa prédication et son ministère sont souvent centrés sur la solidité doctrinale, l'encouragement de la vie de prière, et le service communautaire.


En tant que pasteur, il joue un rôle clé dans la direction de l'église, la gestion des activités spirituelles, et l'accompagnement des membres dans leur parcours de foi. Son influence est particulièrement marquée parmi les francophones, et il contribue à l'édification de l'église locale à travers une approche à la fois pastorale et missionnaire.


jeudi 16 janvier 2025

Help Corporation

1. Missão e Valores:

"Promover dignidade e novas oportunidades para pessoas em situação de risco."

Valores como empatia, respeito, inclusão e transparência traduzem nossas ações.

2. Áreas de Atuação:

Assistência emergencial (alimentos, roupas, abrigo temporário).

Apoio psicológico e orientação social.

Capacitação profissional e reinserção no mercado de trabalho.

Defesa de direitos e advocacia social.

3. Estrutura Organizacional:

Diretoria e Conselho Consultivo.

Equipe técnica (assistentes sociais, psicólogos, educadores).

Voluntariado e parcerias comunitárias.

4. Modelo de Financiamento:

Doações de pessoas físicas e jurídicas.

Eventos beneficentes e campanhas de arrecadação.

Parcerias com empresas e projetos incentivados por leis de benefício fiscal.

5. Identidade Visual:

Logotipo impactante, com cores azul (confiança) e verde (esperança).

Slogan: "Apoiando vidas, transformando futuros."

6. Parcerias e Networking:

Conectar-se com outras ONGs, prefeituras e igrejas.

Estabelecer vínculos com centros de formação e empresas que possam oferecer oportunidades de trabalho.

7. Planejamento Legal:

É uma associação sem fins lucrativos.

Estatuto e registro formal junto aos órgãos competentes.


O espectro do vermelho, resenha

O Espectro do Vermelho é uma obra que explora a relação entre o cristianismo social e a formação do Partido dos Trabalhadores (PT) no Brasil, analisando como elementos religiosos influenciaram a construção do pensamento socialista no partido.


O livro, escrito por Jorge Pinheiro, combina rigor teórico, reflexão histórica e testemunho pessoal, oferecendo uma leitura teológica do socialismo no PT a partir das contribuições de Paul Tillich e Enrique Dussel.  


Contexto e Objetivo  


O livro parte da hipótese central de que o cristianismo foi um componente fundamental na formação do pensamento socialista do PT. Pinheiro busca demonstrar como a presença cristã, especialmente através da Teologia da Libertação e das Comunidades Eclesiais de Base, moldou a ideologia e a prática política do partido.


A obra também questiona o tipo de socialismo que o PT representa, destacando sua ruptura com os modelos clássicos de partidos operários e sua singularidade como um movimento que integrou diversas correntes ideológicas e religiosas.  


Estrutura e Conteúdo 

 

1. Introdução e Contexto Histórico

  

O livro começa com uma análise das tentativas de construção de partidos operários no Brasil, desde a Primeira República até a fundação do PT em 1979. Pinheiro destaca o fracasso de experiências anteriores, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB), e como o PT emergiu como uma nova força política, agregando sindicalistas, intelectuais e militantes cristãos.  


2. A Influência do Cristianismo Social

 

Pinheiro explora o papel do cristianismo social, tanto católico quanto protestante, na formação do PT. Ele analisa como a encíclica Rerum Novarum (1891) e o Concílio Vaticano II (1961) influenciaram a "opção preferencial pelos pobres", base teórica da Teologia da Libertação.


Essa visão cristã de justiça social foi crucial para a atuação de grupos como as Comunidades Eclesiais de Base e a Juventude Operária Católica, que se opuseram à ditadura militar e contribuíram para a formação do PT.  


3. A Pluralidade Ideológica do PT


O autor descreve como o PT surgiu como um amálgama de tendências socialistas, incluindo trotskistas e cristãos sociais. Essa pluralidade permitiu ao partido construir uma identidade peculiar, distanciando-se dos socialismos e abraçando a democracia como valor central.


Mas, ao longo dos anos, o PT  expurgou suas correntes mais à esquerda, abandonando sua proposta socialista, tornando-se assim um partido de corte social-democrático.  


4. A Teologia Política de Paul Tillich e Enrique Dussel

  

Pinheiro utiliza as teorias de Paul Tillich e Enrique Dussel para analisar o socialismo no PT. Tillich oferece uma leitura antropológica e ética do socialismo, destacando a importância da justiça como exigência incondicional. Dussel, por sua vez, contribui com uma perspectiva latino-americana, enfatizando a luta contra a exploração e a dominação.


Essas abordagens ajudam a entender como o cristianismo e o socialismo se entrelaçaram no PT, criando no Brasil um modelo inédito de pensamento político.  


5. Conclusões e Reflexões Finais

  

Pinheiro descreve, assim, como o Partido dos Trabalhadores representou um socialismo influenciado pelo cristianismo social. Mas afirma que um partido de trabalhadores deve manter uma conexão com suas raízes utópicas e comunitárias, destacando a importância da fé e da luta política na construção de um futuro mais justo.  


Contribuições e Relevância

  

O Espectro do Vermelho é uma obra fundamental para entender a história do PT e a relação entre religião e política no Brasil. Ao integrar análise histórica, teórica e teológica, Pinheiro oferece uma visão abrangente e original do socialismo brasileiro, destacando a importância do diálogo interdisciplinar para a compreensão da política e da sociedade.  


Para leitores interessados em política, religião e história do Brasil, este livro é uma leitura essencial, que combina profundidade acadêmica com uma narrativa envolvente e acessível.


Um leitor atento.



Os batistas para principiantes

Nos séculos dezesseis e dezessete, em várias regiões da Europa, pequenos grupos de cristãos evangélicos se reuniam de forma clandestina, fugindo da perseguição dos poderes ligados à igreja de Roma. Todos eles sabiam que faziam parte da igreja de Cristo, que tinha surgido lá atrás, na sequência da pregação do profeta João, o batista, que pregava à beira do rio Jordão. Esses nossos irmãos e irmãs conheciam histórias de comunidades de fé que tinham vindo antes deles e que, no correr dos séculos, milhares de discípulos do Evangelho de Cristo tinham sido perseguidos, presos, torturados e mortos. E, por isso, não puderam estabelecer com visibilidade suas comunidades. Todos, desde o profeta João, o batista, até aquele momento de terrível perseguição na Idade Média tinham consciência de que eram peregrinos e tinham sido chamados para serem testemunhas vivas do Evangelho do Senhor Jesus Cristo.

Esta compreensão de nossas origens, por ter João, o batista, como referência da pregação profética, o rio Jordão como referência geográfica e Jerusalém como sede da primeira comunidade de fé, passou a ser conhecida como teoria Jerusalém, João, Jordão.


Mas no correr do século 16, na Alemanha, e depois em vários países da Europa, um grupo de cristãos, que se caracterizava por sua fidelidade às Escrituras Sagradas e que só aceitava em suas comunidades pessoas convertidas pelo Espírito Santo de Deus e eram por eles batizadas, cresceu e marcou sua presença de fé no continente europeu. Estes irmãos e irmãs não reconheciam como válido o batismo administrado na infância, pois, crianças recém-nascidas não têm consciência de pecado, da necessidade de regeneração, da fé e da salvação. Na defesa destas posições estavam bem fundamentados no Novo Testamento, em especial nos Evangelhos. A exigência do batismo bíblico de pessoas convertidas chamou a atenção do povo e das autoridades e eles passaram a ser chamados de anabatistas, e depois de batistas, porque levavam às águas aqueles que tinham se arrependido de seus pecados e aceitado Jesus como Salvador e Senhor de suas vidas.


Assim, a designação de batistas se firmou no século 17, mas aqueles irmãos e irmãs estavam espiritualmente ligados a todos os que, através dos séculos, permanecer fiéis aos ensinamentos das Escrituras Sagradas, dizendo não, mesmo com risco de suas vidas, às corrupções do Evangelho de Cristo.


Mas foi no século dezessete, na Inglaterra, que oficialmente uma comunidade de fé deu a si própria o nome Batista. Essa comunidade foi fundada por John Smyth (1570-1612), um pastor que defendia a liberdade religiosa, condenada pela igreja da Inglaterra. Atualmente, Smyth é considerado o fundador da moderna denominação batista. Mas não podemos esquecer que há uma unidade que soma os movimentos históricos que acabamos de apresentar e que podemos sintetizar assim: batista é uma designação que foi colocado a diversas comunidades cristãs no século 17 na Inglaterra. Esses irmãos e irmãs eram representantes daquela resistência cristã, daquele Cristianismo neotestamentário que atravessou a História, mesmo no período de densas trevas espirituais da Idade Média.


Assim, podemos dizer que, quando em qualquer parte do mundo, sejam quais forem as circunstâncias, uma comunidade de fé praticar as doutrinas do Novo Testamento teremos aí uma igreja batista.

  

Através dos tempos, os batistas se têm notabilizado pela defesa destes princípios:


1º - A aceitação das Escrituras Sagradas como regra de fé e conduta.

2º - O conceito de igreja como comunidade local, democrática e autônoma, formada de pessoas regeneradas e biblicamente batizadas.

3º - A separação entre Igreja e Estado.

4º - A absoluta liberdade de consciência.

5º - A responsabilidade individual diante de Deus.

6º - A autenticidade e apostolicidade das igrejas.

Caracterizam-se também os batistas pela intensa e ativa cooperação entre suas igrejas. Não havendo nenhum poder que possa constranger a igreja local, a não ser a vontade de Deus, manifestada através de seu Santo Espírito, os batistas, baseados nesse princípio da cooperação voluntária das igrejas, realizam uma obra geral de missões, em que foram pioneiros entre os evangélicos nos tempos modernos; de evangelização, de educação teológica, religiosa e secular; de ação social e de beneficência. Para a execução desses fins, organizam associações regionais e convenções estaduais e nacionais, não tendo estas, no entanto, autoridade sobre as igrejas; devendo suas resoluções ser entendidas como sugestões ou apelos.

Para os batistas, as Escrituras Sagradas, em particular o Novo Testamento, constituem a única regra de fé e conduta, mas, de quando em quando, as circunstâncias exigem que sejam feitas declarações doutrinárias que esclareçam os espíritos, dissipem dúvidas e reafirmem posições. Cremos estar vivendo um momento assim no Brasil, quando uma declaração desse tipo deve ser formulada, com a exigência insubstituível de ser rigorosamente fundamentada na Palavra de Deus. É o que faz agora a Convenção Batista Brasileira, nos 19 artigos que se seguem:


Os batistas são, depois do pentecostalismo, a ramificação mais numerosa do protestantismo, compreendido como um cristianismo biblicista, conversionista e militante. É a principal confissão protestante norte-americana e tem um crescimento significativo no Brasil. Em termos gerais, desenvolveu-se a partir de cinco traços distintivos:

  1. A prática do batismo por imersão da pessoa convertida, como testemunho de compromisso e fé
  2. As Escrituras como regra em matéria de doutrina, ética e fé
  3. Eclesiologia congregacionalista e de proclamação, com autonomia da assembléia local composta de militantes engajados
  4. Teologia de inspiração calvinista, com destaque para a conversão pessoal
  5. Defesa da liberdade de consciência e de expressão, e oposição à qualquer interferência da autoridade civil ou eclesiástica na vida da igreja

Esse protestantismo evangélico se caracteriza, assim, pela referência à tradição confessional, mas também por uma plasticidade marcante. A nível global, a Aliança Batista Mundial/ABM reúne cerca de 35 milhões de batistas e busca definir políticas de evangelização, reconciliação entre batistas, defesa da liberdade religiosa e assistência às igrejas batistas localizadas em regiões carentes do mundo. A Aliança Batista Mundial foi fundada em Londres em 1905. 


Os precursores dos batistas foram, ideologicamente, os anabatistas da época da Reforma. Congregações anabatistas da Holanda no início do século XVII e grupos de puritanos independentes e congregacionais, que fugiram da Inglaterra para a Holanda fazem parte dessa construção histórica. Influenciados pelos anabatistas, puritanos independentes convenceram-se de que o batismo cristão é apropriado apenas para adultos convertidos, como testemunho de seu compromisso e fé pessoal.


De volta à Inglaterra, este grupo formou a primeira congregação batista em 1611. Duas décadas depois, Roger Williams (1639) formou a primeira congregação batista em Providence (Rhode Island). A partir de então, os batistas, já com influências da teologia calvinista, cresceram rapidamente nos Estados Unidos. A democracia informal centrado nas Escrituras tornou-se uma referência política na construção de igrejas em situação de fronteira, sob as condições rurais instáveis do Sul, Meio-Oeste e Extremo Oeste norte-americano. Assim, essas regiões foram densamente povoadas pelos batistas, uma tendência que se mantém até hoje.


Os batistas olham a vida cristã como fé pessoal, serviço e testemunho. Isso faz dos batistas militantes da causa protestante evangélica. Cada pessoa deve nascer de novo, estar convertido para uma nova vida e a partir daí congregar numa igreja. Para os batistas, a igreja local é o resultado da conversão e da graça, uma comunidade de crentes reunidos: não é a mãe da experiência cristã, nem fonte de graça, como na tradição católica. 


A igreja local é santa porque a fé e a vida de seus congregados são santas. A igreja local, pelo menos em princípio, não tem nenhuma autoridade sobre seus membros, em sua liberdade de consciência ou em assuntos eclesiásticos.


A plasticidade batista


Devido à sua plasticidade, os batistas temos mostrado características opostas na história. Pela ênfase na autoridade da Bíblia, na compreensão puritana estrita, na ética vitoriana, e compreensão da absoluta necessidade da fé e santidade pessoal, a maioria dos batistas é conservadora, tanto nas questões de fé, como de moral. Mostram-se temerosos diante das filosofias e teologias modernas e da política liberal. O evangelho e a Bíblia são  interpretadas literalmente, dentro dos princípios tradicionais batistas. A ética cristã são os princípios básicos das Escrituras, que nenhum batista deve abandonar. Por esta razão, muitas convenções batistas se recusam a aderir ao movimento ecumênico e ignoram o evangelho social, e sua preocupação com a justiça econômica, política e social. 


Porém, devido a ênfase na liberdade de consciência e de crença pessoal e a importância da vida cristã longe da autoridade eclesiástica, de dogmas e rituais, os batistas são líderes do liberalismo tanto a nível político como teológico. Muitos seminários e igrejas batistas são conhecidas por estilo de adoração, atitudes sociais e teologias liberais. Os batistas foram importantes na criação do movimento ecumênico no início do século XX. Nas controvérsias que dominaram o século XX nos Estados Unidos entre teologia moderna versus fundamentalismo, entre o evangelho social versus o evangelho individual, e entre ecumenismo versus exclusivismo.


Mas, os batistas tiveram sempre papéis de destaque nos campos teológicos e políticos, quer como progressistas, quer como conservadores, exemplo disso foram Walter Rauschenbusch, pastor e teólogo batista e um dos teóricos do Evangelho Social, e Billy Graham, o maior evangelista do século 20. E no Brasil, como expressão progressista, podemos citar o Manifesto dos Ministros Batistas de 1963, de claro conteúdo político e social a favor das reformas de estrutura no país. 





Os batistas e a inerrância bíblica

Ed René Kivitz: Sobre meu desligamento 

da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil/SP


A crença na inerrância bíblica, ou seja, a ideia de que a Bíblia é totalmente isenta de erros em seu texto original, surgiu e se desenvolveu ao longo da história do cristianismo, mas foi formalmente sistematizada de forma mais clara entre os séculos XIX e XX .

Origens Antigas

Desde os primeiros séculos do cristianismo, muitos teólogos, como Agostinho de Hipona (354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274), sustentaram a autoridade das Escrituras como divinamente inspiradas e, portanto, específicas em questões de fé e moral. No entanto, eles frequentemente interpretavam partes do texto de forma alegórica ou simbólica, o que demonstra uma abordagem menos específica quanto à literalidade de cada detalhe.

Reforma Protestante (século XVI)

Durante a Reforma Protestante, figuras como Martinho Lutero e João Calvino reafirmaram a autoridade suprema das Escrituras (princípio da Sola Scriptura). No entanto, a ênfase foi mais na suficiência da Bíblia para a fé e prática cristã do que em uma inerrância absoluta em todas as questões, como ciência e história.

Desenvolvimento Moderno (século XIX)

A formulação moderna da inerrância surgiu como resposta ao racionalismo, ao surgimento da crítica bíblica e às descobertas científicas (como a teoria da evolução), que surgiu a desafiar a historicidade e a literalidade de partes da Bíblia. No século XIX, teólogos conservadores, especialmente nos Estados Unidos, decidiram enfatizar a inerrância total das Escrituras em sua forma original como forma de defesa da autoridade bíblica diante desses desafios.

Declaração de Chicago (1978)

A crença na inerrância foi formalmente definida no documento chamado Declaração de Chicago sobre a Inerrância Bíblica (1978). Esse documento, redigido por teólogos evangélicos, afirmou que a Bíblia é "sem erro ou contradição em todas as suas afirmações, quer de natureza teológica, histórica ou científica", desde que interpretada corretamente e em seu contexto original.

Motivos para o Surgimento

1. Defesa contra o Racionalismo e Crítica Textual: O surgimento de abordagens críticas que questionavam as deficiências e a correção histórica da Bíblia motivou uma ocorrência mais rígida em defesa da inerrância.


2. Conservadorismo Teológico: O desejo de preservar a autoridade da Bíblia como base fundamental da fé cristã.


3. Conflito com a Ciência Moderna: Desafios como o darwinismo e as novas teorias cosmológicas intensificaram a necessidade de reafirmar a Bíblia como verdade absoluta.

Portanto, a crença na inerrância, embora tenha raízes antigas, se desenvolveu como resposta aos desafios modernos à autoridade bíblica.

A crença na inerrância bíblica — a ideia de que a Bíblia é totalmente isenta de erros em seus manuscritos originais —. como vimos acima, não é universalmente aceita. Alguns líderes batistas contemporâneos questionaram ou reinterpretaram essa doutrina.

Um exemplo é o pastor Ed René Kivitz, líder da Igreja Batista de Água Branca (IBAB) em São Paulo. Kivitz defende que a Bíblia deve ser relida e ressignificada para se adequar aos contextos contemporâneos, mostrando que sua interpretação não deve ser estática. Essa posição tem gerado debates e críticas, especialmente entre aqueles que sustentam a inerrância bíblica. 

Em 2020, Kivitz afirmou que a Bíblia deveria ser considerada um livro insuficiente, necessitando de releituras para que seus princípios promovessem libertação e justiça no mundo atual. Essa declaração levou à sua exclusão da Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, evidenciando a controvérsia em torno de suas posições teológicas. 

Além de Kivitz, há outros pastores e teólogos batistas que adotam perspectivas semelhantes, embora nem sempre sejam figuras públicas de destaque. Esses líderes frequentemente enfatizam a necessidade de interpretar as Escrituras à luz das realidades sociais e culturais contemporâneas, o que pode levar a uma visão menos rígida da inerrância bíblica.

É importante notar que, dentro da tradição batista, existe uma diversidade significativa de opiniões teológicas. Enquanto alguns defendem a inerrância bíblica de forma estrita, outros adotam abordagens mais flexíveis, refletindo a amplitude e a complexidade do pensamento batista contemporâneo.

Para uma compreensão mais aprofundada sobre as posições de Ed René Kivitz e as controvérsias associadas, você pode assistir ao vídeo acima.





mercredi 15 janvier 2025

Celebremos a Festa da Candelária

Nos países da Europa, na França inclusive, há o costume de celebrar uma festa cristã que se chama Candelária. Ela é celebrada no segundo dia do mês de fevereiro, ou seja, cerca de quarenta dias depois de Natal. A expressão candelária vem do latim e significa festa das velas, e lembra que aquele menino judeu judeu, Jesus/Yeshua, é a luz do mundo. Bem, de certa forma, este livro nasceu sob as luzes da Candelária.

A festa da Candelária comemora a apresentação daquele menino da periferia palestina no templo de Jerusalém, pois a partir da antiga tradição judaica todo primogênito deveria ser levado ao templo, quarenta dias após seu nascimento, para ser consagrado a haShem. Este período de quarenta dias correspondeu também ao período de resguardo das mães, que pela lei da religião judaica foram proibidos de frequentar o templo. Assim, uma vez que tinha passado o tempo do resguardo, deveria ir ao templo para dedicar um sacrifício a haShem e ser declarada pura pelo sacerdote. Por isso, a festa da purificação de Miriam/Maria, mãe de Yeshua.

No dia em que Miriam e seu marido Yosef/ José levaram Yeshua ao templo, lembra Lucas, um biógrafo dos atos de Yeshua, que um homem chamado Simeão foi até lá, levado por Ruach de haShem/ Espírito d'O Nome, sob a promessa de que não morreria antes de ver o mashiah. Ele colocou Yeshua no colo e disse que naquele momento HaShem poderia deixá-lo morrer em paz, porque tinha visto a salvação, aquele que ele, HaShem, estava preparado para ser a luz das nações e a glória de Israel.

Esta é a festa da Candelária, que se comemora com doces e panquecas, e que mesmo que na contramão de dogmas e tradições religiosas, nos renovados, não nas luzes de vela do menino da Candelária, mas na luz do menino que se tornou aquele rabino da periferia palestina, e que nós consideramos nosso mestre, Yeshua haMashiah/ Jesus, o Messias.

Vemos a vida ser vívida como se não tivesse tido valor. Vemos, em nome de políticas e religiões, pessoas sendo transformadas em assassinos seriais, legais ou não, e espalhandoem a dor, o sofrimento e a morte. Mas tal realidade atravessou a modernidade ocidental, no mínimo desde iniciada do século dezenove. E os filósofos da existência perceberam isso e procuraram refletir sobre essa situação-limite. Então, vamos triangular esta conversa, combinando filosofia, teologia, poesia e uma leitura existencial dos primeiros textos das escrituras hebraico-judaicas.

A partir de meados do século dezenove, conforme constata Tillich, o mundo passou a sofrer com o pensamento lógico-matemático e naturalista que foi minando a liberdade individual e a comunidade orgânica. E, assim, o racionalismo analítico transformou tudo em objetos de design e controle, incluindo as pessoas. Da mesma forma, o humanismo secularizado separou as gentes e o mundo do mistério supremo da existência. Ou seja, o pensamento lógico e naturalista, assim como o humanismo secularizado possibilitou a construção de um novo mundo, biotecnológico, desumano e sem alma.

Mas, desejo fazer três leituras daquela modernidade nascente. Em 1970, Manuel Ballestero publicava em Madri, pela Siglo XXI, La Revolución del Espíritu (Tres pensamentosientos de libertad), analisando o caráter radical da liberdade no pensamento de três gênios da modernidade: Nicolas de Cusa, Lutero e Marx. Ballestero diz que sua preocupação residiu em analisar o projeto de liberdade desses três pensadores, sabendo que a autonomia e o ato livre são concebidos de maneiras diferentes e mesmo antagônicas, embora existam, no contexto da obra dos três, analogias de fundo. Isso se refere ao fato de que a liberdade significa a abolição da lei, o colapso da determinação exterior, e não o comportamento que se adequou aos limites da ordem. Assim, segundo Ballestero, Cusa, Lutero e Marx olham a liberdade como a destruição da ordenação exterior e anterior ao próprio ao livre.

Os ensaios mostram que a revolução teórica empreendida por Cusa e Lutero não é gratuita, nem produto de um simples ato ideal, mas se enraíza no tecido histórico do movimento de mudança global da formação social pré-capitalista. Cusa e Lutero clamam por essa destruição. Sem entrar nos detalhes das alterações vívidas no século dezesseis, com a ruptura do equilíbrio cidade/campo, o surgimento das produções e as associações do sistema de trabalho assalariado, vemos que a dimensão negativa da condição humana na incipiente sociedade capitalista será percebida por Cusa e Lutero : a autonomia do sujeito se dá como dor.

Mas ambos compartilham essa subjetividade liberada pelo início da arrancada capitalista como desequilíbrio. Assim, tanto Cusa quanto Lutero partem da negação dessa subjetividade alienada do capitalismo nascente, considerando que deve ser superada para que o Espírito floresça. Aí, então, teríamos o fim da inessencialidade do sujeito alienado e a inserção desta na totalidade objetiva. Mas isso não pode acontecer sem a transformação dessa realidade objetiva em realidade espiritual, que sustenta o ser humano. Dessa maneira, para os dois pensadores, o Espírito construiu num nível superior o universo anteriormente negado.

O jovem Marx, seguindo os passos de Hegel, partirá dessa discussão. Para ele, a religião é uma realização imaginária da essência do ser humano, mas essa essência não tem realidade alguma. De todas as maneiras, há um ponto de interligação nessa perspectiva, quando vê, assim como Cusa e Lutero, a liberdade como abolição da legalidade, como coincidência do momento subjetivo com o momento objetivo, e como responsabilidade suprema do ser humano. Para entender esse ponto de partida de Marx é bom ler seus manuscritos econômicos e filosóficos, mas também sua Introdução à Crítica da Economia Política (Marx, São Paulo, Abril Cultural, 1982), texto que só foi descoberto em 1902 e publicado por Kautsky em 1903.

“O cristão é senhor de todas as coisas e não está convidado a ninguém. O cristão é servo em tudo e está submetido a todo o mundo” (Lutero, Les grands écrits reformateurs, Paris, Aubier, 1955, p. 225).

Para Lutero, o ser humano existe como estrutura ontológica dual. Sua conceituação traduz a ansiedade teórica do século dezesseis, mas traduz-se em superação da subjetividade alienada. O cristão é senhor de todas as coisas, não é convidado a ninguém e esse senhor radical é produto da graça. Sua liberdade é fruto da fé que transforma a subjetividade alienada em realidade objetiva. Nesse sentido, o caráter espiritual da autonomia do cristão se dá como processo. Morre o imediato, o alienado, e tem início a construção de uma segunda natureza.

A liberdade surge como deslocamento do ser humano natural, como distanciamento crítico daquilo que foi naturalmente dado. O primeiro momento da liberdade parte de uma concepção trágica, porque o senhorio num primeiro momento implica em servidão, criando tensão e luta... “É necessário desesperar-se por você mesmo, fazer com que você saia de dentro de você e escape de sua prisão” (Lutero, Les grands écrits, p. 259). Mas superada a tensão, temos a liberdade enquanto espiritualidade, uma dimensão de combate.

O ser humano, que no Mashiah/Cristo vive essa metamorfose, tem a liberdade que vai além, a liberdade que é fonte de ação e realidade. Assim, o caminhante se transforma em receptáculo de fé, em intencionalidade aberta ao Absoluto.

Diante do desafio da liberdade, filósofos e teólogos, apoiados nas artes, enfrentam a alienação da vida. Enfrentaram, às vezes de forma desesperada tal desafio, o que levou muitas delas a emoções apaixonadas, proféticas e revolucionárias. Mas isso não os impede de denunciar a estrutura psicológica e sociológica da modernidade e defender a espontaneidade da vida, o caráter paradoxal da religião e as raízes do conhecimento existencial. E assim, filósofos e teólogos enriqueceram a compreensão da vida, e desenvolveram instrumentos para a revolução deste século 21.

A filosofia existencial, conforme diz Tillich nessa conversa, e eu continuo a acrescentar a teologia, olhou o mundo e, assim como artistas, escritores, poetas, não gostou do que viu. O que me leva a um poeta espanhol, Machado, que vai cantar para nós nessa viagem com Tillich.

“Tudo passa e tudo cai, mas o nosso é passar, passa fazendo caminhos, caminhos sobre o mar. Nunca persiga a glória, nem deixe a memória dos homens da minha canção; Eu amo os mundos sutiles, ingênuos e gentios, como pompas de jabón. Eu gosto de ver eles pintarse de sol e grana, voar baixo o céu azul, temblar súbitamente e quebrarse… Nunca persegue a glória.”

E a alienação já presente na modernidade desaguou na alta-modernidade, em lugares e tempos onde se vive como se a vida não tivesse valor. E como estamos conversando, eu, Tillich, Machado e você, digo que as escrituras hebraico-judaicas também falam existencialmente do humano. Diz, lá na Torá, que o humano não é bom nem mal, mas que envelhece a partir dessa polaridade. Tal situação aparece no diálogo que haShem/ o Nome tem com Qayin/ O-lança. Diz que ele estava inclinado a fazer mal feito, que este mal-fazer estava diante dele como um animal feroz, mas que ele, O-lança, desviou dominando o desejo de mal-fazer.

Essa conversa, de certa forma, apresenta o padrão humano, um jeitão para fazer. E nos relatos da saga humana tais histórias se multiplicaram. São contadores que falam do tesão pela vida. E aqui vai uma que gosto muito. Conta-se que quando os escravos fugiram do Egito com os soldados egípcios correndo atrás deles e já estavam atravessando o Mar Vermelho, anjos resolveram cantar um hino de gratidão a haShem, mas este não permitiu e disse: Eu construí o humano, cada um deles é minha criação, como posso cantar se muitos se afogarem neste mar? Eis a universalidade da existência: somos aparência de HaShem, quer escravos hebreus ou soldados egípcios. A teologia mais antiga entende isso:a vida é fazer universal. Mas nela se faz presente o “yetzer”.

A palavra “yetzer” vem da raiz “yzr”. Quando as escrituras hebraicas falam de especificidade capenga, significa moldar, propor-se. A ideia é que o humano seja dirigido por suas inclinações, suas imaginações, sejam elas boas ou mais. Nesse sentido, o humano é diferente dos animais. E é exatamente “yetzer” que, combinado à liberdade humana, possibilita uma mudança de rumo.

Sören Kierkegaard foi, sem dúvida, quem nos ofereceu um pensamento que leva à teologia existencial, de maneira consistente, ao considerar que cada pessoa deve fazer individualmente as escolhas que realizam sua própria existência. Ou seja, nenhuma estrutura imposta deve alterar a responsabilidade humana de procurar agradar a Deus de forma pessoal e paradoxal. Cada pessoa sofre a angústia da dúvida até realizar um ato de fé ou dar um salto de fé e se engajar em uma escolha particular. Cada pessoa é confrontada com o desafio do seu arbitragem livre e com o fato de que uma escolha, mesmo que não seja boa, ou claramente defeituosa e mais, deve ser feita para que se possa realmente viver.

Para ele, a existência é a experiência pessoal imediata diante da eternidade, é fé, interpretada dialeticamente. E, na verdade, uma teologia existencial relacionada fortemente sobre três considerações de Kierkegaard. A primeira é que o universo é fundamentalmente paradoxal e que o maior paradoxo de todos é uma união transcendente de Deus e do humano na pessoa de Cristo. A segunda é que ter um relacionamento pessoal com Deus vai além de todas as condicionantes morais, estruturas sociais e normas comuns. E a terceira é que seguir as convenções sociais é essencialmente uma escolha estética pessoal que os indivíduos fazem.

E isso pode ser visto num texto clássico de Kierkegaard ...

”Quando chegou ao local que Deus havia indicado, Abraão fez um altar e arrumou a lenha em cima. dele. Depois amarrou Isaque e o colocou no altar, em cima da lenha. Em seguida pegou o punhal para matá-lo". Gênesis 22.9-10.

Este é um dos trechos mais desnorteadores do Antigo Testamento: Abraão, em obediência a haShem, se prepara para sacrificar seu filho. Este relato foi baseado por Kierkegaard, em 1843 , num ensaio teológico, "Temor e tremor".

Kierkegaard decidiu o ideal de um saber intelectual e universal, defendido por Hegel, e mostrou o caráter voluntário e singular da vida cristã, que se consubstancia no ato de fé. Conhecedor dos clássicos, amou a música e a literatura, a filosofia clássica e a moderna. Fruto dessa paixão construiu uma teologia da existência que teve o objetivo de confrontar idéias e experiências à luz do cristianismo. se em conhecimento e experiências sentimentais. A partir de problemas pessoais encontrados para a existência. Não se contentou em analisar o conteúdo da consciência e daí construir uma teologia da existência.

Consideremos que todos nós atuamos em três planos de existência, a estética, a ética e a religião. Mas que a maioria das pessoas vive uma vida estética no desejo imediato, onde nada importa, exceto as aparências, a felicidade e os prazeres. E de acordo com cada um desses planos, as pessoas seguem as convenções sociais. Disse ainda que a quebra das convenções sociais por razões pessoais, quer a busca de fama, confiança ou rebeldia, são escolhas estéticas. menor é o número de pessoas que vivem na esfera ética, que decidem se afirmar como responsáveis, fazer o melhor e ir além da amizade superficial. Assim, relacionou conhecimentos e experiências e distribuição entre elas uma dialética, já que seria através da dialética – Tillich chamou o método de demonstração e eu de analética, afirmando Dussel -- que se percebe as experiências da existência: estética, ética e experiência da fé .

Mas se o plano ético é importante e norteia um ideal de sociedade, o plano fundamental para a vida de uma pessoa é o de fé. E para se viver a fé é preciso entregar-se ao Criador, um caminhar, um viver, e esse deve ser o esforço do cristianismo radical.

Mas vamos citar, de passagem, três gigantes que se debruçaram sobre o desafio da existência:

Marx, para quem a existência é uma experiência humana determinada socialmente, no contexto das classes sociais, interpretada em termos de sua teoria econômica e social. Consideramos o jovem Marx como um pensador existencial, pois na época seus escritos traduziriam a luta contra a alienação no capitalismo; contra as teorias que interpretavam o mundo sem procurar transformá-lo; e contra a afirmação de que o conhecimento é independente da situação social. Este jovem Marx anunciou o fim de todas as filosofias e sua transformação em sociologia revolucionária. Mas sua interpretação da história, sua compreensão da ideologia, e sua análise sociológica da economia, fizeram dele, de fato, um filósofo que dominou as discussões teóricas do final do século 19 e correr do século 20, tornando-se uma referência política na história dos movimentos de libertação do último século.

Nietzsche, para quem é a experiência de ser humano biologicamente determinada, que concretiza a vontade de poder, que se expressa como metafísica da vida. Como o jovem Marx crítico e revolucionário, o ataque de Nietzsche contra o niilismo europeu, a construção de categorias biológicas para o processo do conhecimento, seu estilo fragmentado e profético e sua paixão escatológica, levou-o, assim como Marx, de fato, à procura do método científico e à ontologia da vida.

E Heidegger, para quem a existência é a experiência do ser diante do Ser, na vida vivida com cuidado e determinação, que ele descreve como a estrutura do ser-em-si. Heidegger retornou a um jeito kierkegaardiano de fazer filosofia existencial, ou seja, à psicologia dialética. Utilizou a expressão existencial para designar a filosofia externa para a experiência pessoal imediata, e fez a releitura da teologia expressa por Kierkegaard, especialmente seus ataques às igrejas burguesas e secularizadas. Mas a partir de Aristóteles transformou a psicologia dialética em nova ontologia: rejeitou as implicações religiosas da atitude existencial, modificando-a pela decisão em aberto do ser heróico e trágico.

Por tal compreensão Tillich acrescenta que, para os socialistas religiosos, a existência é uma experiência humana pessoal, imediata, da história que se vive, do momento criativo que se expressa como uma interpretação geral da história. Estamos então diante da teologia existencial.

Dessa maneira, podemos dizer que para os socialistas religiosos cada caminho se entrelaça com outros caminhos, formam teias, e aí está a ideia de História quando vê a vida humana e a realidade presente e os kairós como estruturas abertas, que nascem nesses caminhos. É o desafio existencial, ser natureza e transcender a ela, que leva o humano à possibilidade da revolução, ou seja, à construção da História.

E, de novo, Machado poetisa para nós:

“Caminante, son tus huellas el camino y nada más; caminante, no hay camino, se hace camino al andar. Al andar se faz caminho e ao voltar a vista atrás se ve a senda que nunca se ha de voltar a pisar. Caminante no hay camino sino estelas en la mar... Hace algún tiempo en ese lugar onde hoy los bosques se visten de espinos se oyó a voz de um poeta gritar "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..." Golpe a golpe, verso a verso...

Para o socialismo religioso, o respeito pelos caminhos e a negação do ódio e da violência direcionadam a tesão pela vida. Criar pessoas é, em primeiro lugar, ensinar, pois quem derrota uma vida derrota todas. E quem cuida de uma vida salva o mundo. Cuidar de pessoas é, então, semear a paz para que ela reine entre os humanos. Para que ninguém possa dizer: o meu pai é maior do que o teu pai.

E nessa leitura existencial, vemos que o primeiro livro das escrituras hebraicas se descreve como o livro da história humana. É interessante o que esse livro fala da construção e da história do primeiro par humano: Da-terra e A-vida. Este é o sentido dos nomes hadam e hawah. A construção dessas duas pessoas, Da-terra e A-vida, ao se dar no final do processo de surgimento do universo, mostra o valor que têm para haShem: são menores, aparentemente pequenos, mas têm valor, pesam. A história humana é a história de uma pessoa, de duas pessoas, de todas as pessoas.

O que nos remete mais uma vez à exposição de Tillich sobre a filosofia existencial, quando diz que os filósofos existencialistas procuraram descobrir o significado da vida, indo além das teologias reavivadas, assim como o positivismo. E foi assim que rejeitaram o mundo alienado e os religiosos fundamentalistas. Voltaram-se para a experiência e para a subjetividade, como experiência fundamental para a objetividade. Ou seja, a realidade é experimentada na vida real, na experiência interior, e dessa maneira procuraram descobrir a criatividade do ser, anterior e que vai além da separação entre subjetividade e objetividade, em ambos os sentidos.

Nas escrituras hebraico-judaicas, a construção da história humana é sempre uma explicação entre o sofrimento e a coragem de optar pela liberdade. E este foi o desafio apresentado aos hebreus escravizados. Construir a História e optar pelo caminho da liberdade acarretará riscos, já que muitas vezes há segurança na escravidão. Mas, objetividade humana é ser humano, ver possibilidades nas escolhas humanas.

Por isso, Tillich diz que se chamarmos de místico tal leitura da vida, a filosofia existencial poderá ser considerada a reconquista do sentido da vida em termos místicos, pois rejeita compreensões eclesiásticas e positivistas, mas não o espírito. Donde, damos uma nova definição para místico, para aplicá-lo à filosofia existencial. A expressão não significa a união mística com o absoluto transcendente; é sim uma empreitada de fé, que caminha em direção à união com a profundidade da vida. Esta espiritualidade é mais protestante do que católica; mas não deixa de ser mística ao transcender a objetividade alienada e a subjetividade vazia da pós-modernidade. Historicamente, a filosofia existencial retornou à leitura pré-cartesiana do mundo, quando não havia a separação entre subjetividade e objetividade, e a essência da objetividade encontrou-se no interior da subjetividade... quando Deus foi encontrado na alma humana.

O respeito e o cuidado por tudo aquilo que é humano, por sua terra e vida, é uma decisão humana radical. Uma das linhas-força das teias de relações humanas presente nas escrituras hebraicas-judaicas é a de caminho. Mais do que proporciona uma inspiração a haShem, as escrituras falam de andar com ele. Daí a ideia de caminho. O ser humano é colocado a cada momento e a cada dia diante da exigência de exercer sua liberdade e escolher entre o fazer bem feito e o fazer mal feito.

Assim, para Tillich, na luta contra a falta de sentido da civilização tecnológica, os filósofos da existência empregaram métodos diferentes, todos com ênfase existencial. É necessário destacar que Kierkegaard representou o protestantismo luterano da filosofia existencial. E como teólogo, construiu uma psicologia dialética que contribuiu para confrontar as interpretações racionalistas e mecanicistas da natureza humana.

A teologia existencial oferece um quadro dramático: polaridade e imbricamento entre a atitude existencial e as expressões teológicas que dominam o movimento. Pode prevalecer o existencial, mas também pode prevalecer o teológico no mesmo caminhante. Mas sempre está presente uma ação crítica. Todos reagimos, na prática e na teoria, ao destino histórico, ao desafio da liberdade de construção do ser, ao prokeimai, ao estar colocado, ao ser proposto. Polaridade e imbricamento expressam esta revolução do espírito contra a sociedade excludente, que se expressa de forma imperial nesta pós-modernidade.

A vida é o bem maior, o modelo de escolha. A escolha do bem-fazer então é esta: a vida, caminho que fica entre o crescimento e a decadência. A linha-força do caminho da vida é o caminhar...

“Murió el poeta lejos del hogar. Le cubre o polvo de um país vizinho. Al alejarse le vieron llorar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar..." Golpe a golpe, verso a verso... Cuando el jilguero no puede cantar. Quando o poeta é um peregrino, quando de nada nos sirve rezar. "Caminante no hay camino, se hace camino al andar... Golpe a golpe, verso a verso." 

Jorge Pinheiro
Ciências da Religião, Prof. Dr.