vendredi 4 décembre 2015

Convergência: o exemplo espanhol -- primeira parte

Convergência: o exemplo espanhol -- primeira parte
Jorge Pinheiro, PhD


Em dezembro de 1973, quatro meses depois do golpe militar que derrubou a Unidade Popular no Chile, foi fundada a Liga Operária, em Buenos Aires. Em 1977, a Liga Operária teve parte de sua liderança no ABC paulista presa, e o autor dessa tese, um de seus líderes, que estava na Europa desde o final de 1976, permaneceu lá até 1978. Libertados os militantes do ABC, a Liga Operária realizou uma conferência interna para definir a política partidária. Optou por concentrar seus esforços na plantação de células operárias, na militância sindical e numa campanha aberta e pública a favor da democratização do país. Para viabilizar seu principal objetivo naquele momento, a democratização do país, organizou um movimento que ficou conhecido como Convergência Socialista.

A Convergência nasceu de um núcleo de militantes que começou a fazer uma reflexão sobre a experiência da guerrilha no Brasil no início dos anos 1970. Esse núcleo original se constituiu no Chile em torno de um grupo que se chamava Ponto de Partida, que naquela época recebeu uma grande influência do Mário Pedrosa. Na verdade, Mário Pedrosa trouxe esses jovens militantes para o marxismo revolucionário e para a Quarta Internacional. Depois do golpe do Pinochet uma parte dos companheiros conseguiu exílio na Argentina e entra no Brasil na clandestinidade em 1974.[1]

Na verdade, a idéia de uma Convergência Socialista, nós trouxemos da Espanha. Depois da morte do generalíssimo Francisco Franco, o Partido Socialista Operário Espanhol, PSOE, apresentou-se à sociedade como a alternativa de oposição ao regime franquista. Assim, de cinco a sete de dezembro de 1976, antes de sua legalização, organizou seu primeiro congresso depois da morte do ditador, o primeiro na Espanha depois de 32 anos. O 27o. Congresso reuniu em Madri líderes e políticos socialistas como Willy Brandt, presidente da Internacional Socialista, Olof Palme, primeiro ministro de Suécia, Bruno Kreisky, primeiro ministro da Áustria, Anker Joergeson, primeiro ministro da Dinamarca, o líder socialista chileno Carlos Altamirano, o italiano Pietro Nenni. Todos chegaram para legitimar como secretário geral dos socialistas espanhóis a Felipe González, que dirigia o partido, junto com Alfonso Guerra, desde o congresso anterior, quando substituiu a velha guarda representada por Ramón Llopis.

As bandeiras levantadas no 27o. Congresso lembravam as reivindicações populares da Espanha republicana. Carlos Altamirano, por exemplo, propôs a união de comunistas e socialistas na construção de um bloco anticapitalista. Falou-se também em marxismo e República, rechaçou-se qualquer possibilidade de acomodação ao capitalismo, defendeu-se a escola pública única e a administração da justiça através de tribunais populares eleitos pelos cidadãos. 

O programa aprovado pelo 27o. Congresso era socialista e republicano. Falava de autodeterminação, autogestão e intervenção, mas a atuação prática do PSOE foi flexível e habilidosa. Sua palavra de ordem eleitoral “Socialismo é liberdade” tocou fundo naqueles que desejavam um trânsito firme e decidido em direção à democracia. Assim, o principal beneficiário do voto das esquerdas foi o PSOE. Mas o PSOE não era a única corrente da esquerda socialista. Entre as várias existentes se destacava a Convergência Socialista, com presença na Catalunha e em Madri. A Convergência Socialista foi constituída em julho de 1974 e em 1976 realizou seu primeiro congresso regional na Catalunha. Nessa época, teve início a busca da unidade socialista.

O PSOE, através de Felipe González, representava a possibilidade de construção de uma Espanha aberta e plural. Assim, a direção do partido se deu como objetivo nos primeiros meses de 1977 aglutinar os socialistas espanhóis. Embora não tenha conseguido incorporar todas elas, trouxe para o PSOE a Convergência Socialista, grupo de origem católica, que lutava pela formação de um partido socialista que reconhecesse as nacionalidades.

A Convergência Socialista traduzia uma feliz combinação. Ao se posicionar nas fileiras do socialismo trazia para o presente a heróica luta da esquerda espanhola e ao reafirmar sua origem cristã retirava das mãos da direita e do franquismo a bandeira do catolicismo. O PSOE não colocava em dúvida o socialismo da CS e a esquerda católica via nela a opção por um socialismo que, ao invés de se mostrar ateu e anticlerical, levantava as bandeiras solidárias do cristianismo. Assim, a entrada da Convergência Socialista para o PSOE não somente fortaleceu o socialismo e a transição para a democracia, mas permitiu um diálogo com os católicos da Espanha pós-franquista.

Este sentimento foi traduzido nas entrevistas de muitos exilados ao voltarem à Espanha. O cantor e compositor Joan Manuel Serrat, por exemplo, pisou em solo catalão em agosto de 1976, onze meses depois de seu exílio forçado. Ele tinha sido beneficiado pela anistia concedida pela Coroa espanhola em agosto de 1976. Serrat chegou disposto a ter “um papel político e social, como todo mundo”. Filiou-se à Convergência Socialista, partido que conheceu no exílio. E declarou: “Estou com a CS da Catalunha na luta por criar um Partido Socialista da Catalunha. Amo a Catalunha e sou partidário do socialismo. Não há nenhuma contradição nisso”.[2] E deu uma entrevista à revista Interviú[3], onde expôs suas posições políticas e contou porque se filiou à Convergência Socialista.

-- E por que você se afiliou à Convergência Socialista da Catalunha? 

-- Porque acho que, enquanto o autêntico Partido Socialista da Catalunha não é uma realidade e todos os socialistas independentes não podem se aglutinar em um único partido, a Convergência é onde me sinto realmente bem, e onde posso compartilhar o que sinto e onde posso ser mais útil. 

-- Que socialismo você quer para a Espanha? O que você entende por socialismo? 

-- Você está me examinando? Isso é feio... Você sabe disso... 

-- Mas concretamente, você se considera marxista? 

-- Eu sou socialista, genuinamente consciente, mas penso também penso que a história é um processo. 

-- Eu sempre achei que você tinha uma veia anárquica, não necessariamente ideológica, pois suas atitudes pessoais eram freqüentemente mais éticas e espontâneas que políticas. Como você vai articular esta sua personalidade não muito inclinada à disciplina militante com a Convergência Socialista? 

-- A contribuição principal que posso dar é meu trabalho, e meu trabalho não é necessariamente disciplinado, já que permite uma certa anarquia, nele me sinto livre. Se tivesse outro tipo de atividade, minha militância seria de outro tipo. 

-- Com sua entrada para a Convergência Socialista muda a sua produção artística? Você vai continuar a ser o mesmo cantor de antes? 

-- Claro, eu continuo o mesmo! 

-- Mas o seu trabalho pode mudar... 

-- Bem, isso se verá. Você me perguntou em que estou trabalhando agora. Quando terminar a gente vai poder conversar. Por enquanto estou nos esboços; as idéias devem amadurecer. 

-- Você conheceu muita gente no exílio? Muitos políticos? 

-- Vi de tudo, políticos, operários, pessoas que sabem das coisas, pessoas que não sabem nada. Em onze meses você vê muita gente... e deixa de ver muitas outras. 

-- Durante este período, amadureceu sua decisão de entrar para a Convergência? 

-- A Convergência Socialista apareceu e eu fui atraído para ela. Escolhi a opção que me pareceu mais interessante. No momento certo de medir a importância e real representatividade de cada grupo político se verá qual é a força popular do partido. Para mim interessam os catalães que se chamam López ou Fernández, mas também o proletariado que não é catalão, mas trabalha na Catalunha e que constitui uma realidade que não podemos ignorar.

Assim, a regional catalã da Convergência Socialista iniciou, em 1977, conversações com a regional de Madri, que participava da Federação de Partidos Socialistas, sobre a viabilidade de unificação com o PSOE. Fruto dessas conversações, no dia 15 de maio foi celebrado o congresso que unificou a Convergência Socialista ao Partido Socialista Operário Espanhol. As alianças com a Convergência Socialista e com os socialistas catalães, aliadas ao carisma de Felipe González e à popularidade de Alfonso Guerra, foram as responsáveis de que o PSOE passasse dos 10% previstos pelas pesquisas aos 29% que conquistou em 15 de junho de 1977. Com 118 cadeiras no Parlamento converteu-se na segunda força política do país, com um milhão de votos a menos que a UCD de Adolfo Suárez. Assim, o Partido Socialista Operário Espanhol conquistou nas urnas a credencial de “principal partido da oposição”, título que nos últimos anos do regime de Franco pertencera ao Partido Comunista Espanhol de Santiago Carrillo. 

Nessa época, como membro da direção da Liga Operária brasileira e da Fração Bolchevique da Quarta Internacional, o autor da tese vivia no bairro de Aluche, na periferia de Madri. Suas atividades estavam voltadas à construção da seção espanhola da Quarta Internacional, tanto em Madri, como em Vigo, na Galícia. O fato de ser trotskista, aliado à história da oposição de esquerda e do POUM durante a Guerra Civil, possibilitou conversações com lideranças do proletariado madrilenho e com dirigentes sindicais, o que o levou a acompanhar de perto o processo de democratização espanhol e a unificação dos socialistas. 

Notas

[1] Entrevista de Valério Arcary a Ricardo Azevedo, “Qual é a tua, Convergência?”, Tendência e Debates, nº 10, março/abril de 1990. Na época da entrevista, Valério Arcary era membro da direção nacional da Convergência Socialista e integrante do Diretório Nacional do PT, e Ricardo Azevedo era membro da Executiva Estadual do Diretório Regional do PT-SP e diretor da revista Teoria & Debate. 
[2] Elvira Motta, “Regreso de América y compromiso político”, Barcelona, Lecturas, 09.1976. 
[3] Carlos Alfieri, “Serrat ahora habla aqui”, Madri, Interviú, no. 16, 02.09.1976.

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