vendredi 28 août 2020

Cânon e Escrituras hebraicas

A questão de quais livros pertencem às Escrituras hebraicas é chamada questão canônica. A palavra cânon no hebraico significa “cana de medir”, e no grego significa regra, norma ou padrão. O termo canônico foi usado nos primeiros três séculos depois da era cristã para as doutrinas e normas cristãs. 

No entanto, com o surgimento de heresias no ambiente cristão, o termo canônico foi designado, à partir do quarto século, para reafirmar a autenticidade e inspiração divina das Escrituras. Por isso, os livros das Escrituras também são chamados de livros canônicos. Segundo a tradição e a história judaica, os livros que compõem as Escrituras hebraicas formam um cânon tripartido: a Lei, os Profetas e os Escritos, que segundo a tradição foram reunidos pelo sacerdote Esdras, hábil escriba na Lei de Moisés (Es 7.6). 

Depois da destruição de Jerusalém e do Templo no ano 70 d.C. pelo general Tito, fez-se necessário a ratificação da canonicidade das Escrituras hebraicas (Tanach). Esta ratificação foi realizada entre os anos 70 e 100 d.C., sem alteração daquilo que já havia sido estabelecido no passado. Os livros apócrifos ou deuterocanônicos não são aceitos como inspirados por Deus pelos judeus, embora reconheçam a canonicidade do Talmude, sobre o qual falaremos mais adiante. 

É importante lembrar que certos livros já eram canônicos antes que qualquer teste lhes fosse aplicado. Isto é como dizer que alguns alunos são inteligentes antes mesmo de se lhes ministrar uma prova. Os testes apenas provam aquilo que intrinsecamente já existe. Do mesmo modo, nem a sinagoga nem os concílios jamais concederam canonicidade ou autoridade a qualquer livro. A tradição e os concílios reconheceram certos livros como palavra de Deus e, com o passar do tempo, aqueles assim reconhecidos foram colecionados para formar o que hoje chamamos Escrituras hebraicas. 

Que testes a tradição e os rabinos aplicaram? 

1. Havia o teste da autoridade do escritor. Em relação às Escrituras hebraicas, isto significava a autoridade do legislador, do profeta ou do líder em Israel. 

2. Os próprios livros deveriam dar alguma prova intrínseca de seu caráter peculiar, inspirado e autorizado por Deus. Seu conteúdo deveria se apresentar ao leitor como algo diferente de qualquer outro livro por comunicar a revelação de Deus. 

3. O veredicto da tradição e das sinagogas quanto à natureza canônica dos livros era importante. Na verdade houve crescente unanimidade no pós-exílio babilônico nas sinagogas quanto aos livros que mereciam lugar entre os inspirados. Embora seja fato que alguns livros tenham sido questionados, nenhum livro cuja autenticidade foi questionada por número grande de sinagogas veio a ser aceito posteriormente como parte do cânon. 

O cânon das Escrituras foi-se formando na medida em que cada livro era escrito, e completou-se quando o último livro foi terminado. Quando falamos da formação do cânon estamos falando do reconhecimento dos livros canônicos pela tradição e pelas sinagogas. Esse processo levou séculos. Alguns afirmam que todos os livros das Escrituras hebraicas já haviam sido colecionados e reconhecidos por Esdras, no quinto século a.C. Referências nos escritos de Flávio Josefo (95 d.C.) e em 2Esdras 14 (100 d.C.) indicam a extensão do cânon das Escrituras hebraicas como os 24 livros reconhecidos pelos judeus. Assim, o cânon hebraico é formado por blocos e livros na seguinte ordem: 

Primeiro bloco: A Lei/ Torah, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. 

Segundo bloco: Os Profetas/ Anteriores, Josué, Juízes, 1-2 Samuel, e 1-2 Reis. Posteriores, Isaías, Jeremias, Ezequiel. Os Doze, Oséias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias. 

Terceiro bloco: Escritos/ Emeth, Verdade, Salmos, Provérbios, Jó. Megiloth/ Rolos, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras/Neemias e 1-2 Crônicas. 

A discussão do chamado sínodo de Jâmnia (70-100 d.C.) parece ter partido desse cânon. Já os doze livros apócrifos das Escrituras hebraicas jamais foram aceitos pelos judeus no mesmo nível de autoridade dos livros canônicos. Eles eram respeitados, mas não foram considerados como Escritura. A Septuaginta, versão grega das Escrituras hebraicas produzida entre o terceiro e o segundo séculos a.C., somou os apócrifos às Escrituras hebraicas canônicas. 

Os manuscritos das Escrituras hebraicas e suas cópias foram escritos em pergaminho ou papiro. Até a descoberta dos rolos do Mar Morto em 1947, não possuíamos cópias das Escrituras hebraicas anteriores a 895 d.C. A razão disso era o respeito que os judeus tinham pelo texto, o que os levava a enterrar as cópias, à medida que ficavam gastas demais para uso regular. Na verdade, os massoretas (tradicionalistas), que acrescentaram os acentos e transcreveram a vocalização entre 600 e 950 d.C., padronizando o texto das Escrituras hebraicas, criaram formas sutis de preservar a exatidão das cópias que faziam. Verificavam cada cópia cuidadosamente, contando as letras de cada página, livro e divisão. Assim, qualquer coisa numerável era numerada. Quando os Manuscritos do Mar Morto foram descobertos, trouxeram a luz partes de textos hebraicos datados do segundo século a.C. de todos os livros das Escrituras hebraicas à exceção de Ester. Essa descoberta foi importante, pois forneceu um instrumento mais antigo para verificarmos a exatidão do texto massorético, que se provou extremamente exato. 

Outros instrumentos antigos de verificação do texto hebraico incluem a Septuaginta, os targuns aramaicos (paráfrases e citações das Escrituras hebraicas), citações em autores cristãos da Antigüidade e a tradução latina de Jerônimo (a Vulgata, c. 400 d.C.), feita diretamente do texto hebraico corrente em sua época. Todas essas fontes oferecem dados que asseguram um texto extremamente exato das Escrituras hebraicas. 

São números que nos dão segurança sobre os textos. Nenhum outro texto antigo, como os da filosofia e da literatura gregas, por exemplo, têm um número tão elevado de manuscritos que comprovam sua origem e qualidade textual. E, da mesma maneira, nenhuma outra tradição religiosa antiga tem uma base textual tão fidedigna como o judaísmo.







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