O sermão do monte
Pr. Jorge Pinheiro
Mateus 5.3
Bem-aventurados/ felizes os pobres de espírito/ humildes de coração/ no respirar ! Sim, o reino dos céus é deles!
Normalmente, pensamos que o Sermão do Monte se restringe às bem-aventuranças, mas estas são a introdução desta Carta Magna das boas-novas de Jesus, o Messias.
Quando falamos em Sermão do Monte, nossa atenção volta para esses três capítulos (5, 6 e 7) das boas novas apresentações do evangelista Mateus. Pensamos nas bem-aventuranças apresentadas neste discurso de Jesus, achando que propõe o caminho para a felicidade. Mas não é bem assim: se nos lembrarmos que Jesus fez o discurso em aramaico, convidamos ir ao hebraico e à cultura da época, para entender melhor o que ele disse.
Dentro da cultura judaica, Jesus descreve aqui uma pessoa que anda no caminho que leva ao Reino dos céus. Por isso, ele repete várias vezes ashréi , no hebraico -- caminhante --, e Mateus utiliza a expressão makarios , no grego, que nós traduzimos por bendito, feliz, bem-aventurado. Expressão que entre os gregos antigos era utilizada em referência aos deuses. E posteriormente aos humanos que andavam no caminho dos deuses.
Assim, este discurso é sobre a caminhada daquilo que é fiel a Deus. São lições para nossa caminhada. Para todos os dias de nossas vidas. E nesta caminhada entram as leis do amor, inclusive aos inimigos. E também o Pai Nosso, oração que nos ensina como nos dirigimos ao Criador.
Mas há algo aqui que chama a atenção: Jesus se coloca como o novo Moisés ao comentar a lei entregue pelo profeta fundador da religião de Israel. Comenta a lei e apresenta novas leituras que devem orientar aqueles que caminham na estrada que leva ao Reino dos céus.
Há um fascínio no Sermão do Monte. Agostinho (354-430) , bispo de Hipona, que os católicos chamam de Santo Agostinho, viu este Sermão como um resumo do evangelho. E Jacques-Bénigne Bossuet (1627-1704), um dos maiores pregadores franceses, posteriormente o Sermão do Monte o primeiro e mais poderoso discurso de Jesus.
Quando lemos o Sermão do Monte sem um tempo para reflexão e oração, ele parece intrigante. E mais do que isso, parece radical, pois como podemos aceitar o conselho para amar os inimigos, para não julgar, para sermos perfeitos como o Pai Celeste, para entrar pela porta estreita que leva à vida. Ou ainda, como não ficar perplexo diante de hipérboles, quando Jesus diz para dar a outra face quando recebe uma tapa, ou cortar a mão direita e jogá-la fora, ou ainda não se preocupar com o dia de amanhã ?
Quando porém nos debruçamos sobre o Sermão do Monte com vagar e oração, descobrimos tesouros inesperados, porque esta Carta Magna do Reino dos céus deve ser vivida em todos os momentos e em todas as situações culturais e sociais de nossas vidas. Ao falar no monte, Jesus disse que cada pessoa possuidora das qualidades descritas são humildes de espírito e limpas de coração, mansas e misericordiosas, choram, têm fome e sede de justiça, são pacificadoras, sofrem injúria e perseguições por amor à justiça e por amor ao Mestre. Assim, caminhando nesta estrada que leva ao Reino dos céus, o cristão é makários, abençoado, feliz.
É muito importante entender que Jesus não estava apresentando uma teoria para a felicidade humana. Como Moisés, apresentou um modelo de comportamente para a construção real do caráter do fiel, que produz bençãos imediatas e futuras.
Assim, como dissemos, Jesus se apresenta como legislador, um novo Moisés, superior, promulgando uma nova lei, a lei do amor, que nasce do Espírito. Jesus não somente condena o arcaísmo da legislação ritual, mas deixa claro que uma nova aliança está nascendo. Assim, estamos diante de um novo povo. Esse israelita espiritual terá um caráter novo, diferente em essência dos padrões do mundo.
Comentando as bem-aventuranças, Agostinho, o bispo de Hipona, viu na exposição de Jesus uma graduação, como se estivéssemos subindo uma escada. O primeiro degrau é a humildade, a submissão à autoridade divina, e o segundo degrau, a mansidão. Esses dois primeiros degraus colocam o discípulo, em espírito de piedade, diante do conhecimento de Deus. É então que, a partir daí, descobre os laços "com que os hábitos da carne e os pecados sujeitam a este mundo". Assim, para Agostinho, os terceiro, quarto e quinto degraus estão relacionados à luta contra o presente século e seus ditames. Já o sexto degrau leva o crente, vitorioso anteriormente, a contemplar o "bem supremo, que somente pode ser visto por uma inteligência pura e serena". O sétimo degrau é a sabedoria, que nasce da contemplação da verdade, que pacifica o cristão e imprime nele a semelhança com Deus. E o último degrau volta ao primeiro, pois ambos nomeiam o Reino dos Céus, a perfeição.
Embora a visão agostiniana seja excessivamente alegórica para nossa leitura reformada, ela faz chegar até nós a compreensão dos pais da igreja sobre o Sermão do Monte.
Do que vimos até aqui, fica claro que o Sermão do Monte fala de qualidades, características dos discípulos de Cristo. E o texto de Galátas 5:22 e 23 sintetiza a mesma preocupação.
Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança. Contra estas coisas não há lei.
Fala do fruto de uma árvore saudável. E descreve apenas um fruto, porque a idéia aqui é a de uma corrente, que só existe através de elos entrelaçados. Se apenas um elo for frágil, toda a corrente será frágil.
Essas nove virtudes, podem ser catalogadas, em:
(1) Hábitos mentais - amor, alegria, paz -, que inspiram o discípulo ao amor a Deus e às pessoas, geram profundo regozijo de coração, que nenhuma obra da carne pode produzir, e criam um sentido de harmonia no que se refere a Deus e à pessoas.
(2) Qualidades sociais - longanimidade, benignidade, bondade -, que nos levam a paciência, diante de injúrias e perseguições, nos dão uma disposição bondosa em relação ao próximo e nos dirigem à beneficência ativa.
(3) Princípios gerais de conduta - fidelidade, mansidão, domínio próprio -, que traduzem posturas de comportamento, ou seja, ser dignos de confiança, não defender com unhas e dentes os próprios interesses e ter sob controle desejos e paixões.
Voltando ao Sermão do Monte, encontramos em Mateus 5.20, que se a nossa justiça não for além a dos escribas e fariseus, não entraremos no Reino dos céus.
Esta declaração, que é uma ordem para todos os discípulos, une numa corrente de ouro, os dois textos estudados. E por que Jesus apresenta os escribas e fariseus como maus exemplos?
Os escribas e fariseus viviam uma religiosidade formal, de aparência, sem transformação real de vida, sem conversão. Nesse sentido, o cristão deve exceder esse padrão, ir além, mudar em essência, ter um coração de carne.
Segundo John Stott (1921-2011), teólogo e evangelista inglês, a grandeza do Reino não é apenas avaliada pela justiça que se conforma à lei, porque a entrada no Reino torna-se impossível se não houver um comportamento que vá além da própria lei.
Aliás, o apóstolo Paulo em Gálatas 5:23 é radicalmente claro, ao dizer que contra as virtudes expressas no fruto do Espírito não existe lei. Os escribas e fariseus diziam que a lei tinha 248 mandamentos e 365 proibições, e concordavam que era impossível cumprir tudo. Como então exceder os rabinos? Simplesmente porque não estamos limitados à lei de Moisés, mas à lei do Espírito. A justiça do cristão excede porque é uma justiça que nasce do coração regenerado, é interna e tem como fonte o Espírito de Deus que habita em nós. É fruto do Espírito.
Assim, podemos dizer que o caráter do cristão, expresso em no Sermão do Monte e em Gálatas 5:22 e 23, traduz a própria vida do discípulo a partir de seu novo nascimento. E, Jesus nos ensinou que ninguém entrará no Reino dos céus se não nascer do Espírito.
O objetivo desta Carta Magna das boas-novas da salvação é falar às mentes e ao coração; marcar o caminho e alertar para o beco sem saída quando o cristão opta por entrar pela porta larga da ética do mundo. E, assim, nesta Carta Magna somos desafiados pela Palavra de Jesus no Monte. E quando a recebemos e a vivemos com fé, somos transformados neste caminhar de nossas vidas em direção ao Reino dos céus.
Nem tudo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não nos profetizamos em teu nome? e em teu nome não expulsamos demônios? e em seu nome não fizemos muitas maravilhas?E então eles direi abertamente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade. (Mateus 7:21-23)
A condição para sermos aceitos por Jesus é a veracidade daquilo que se professa. Viver o que se prega. Nesse sentido, o que caracteriza o discípulo não é a exterioridade de suas ações, por mais poderosas, expressivas ou miraculosas, mas a obediência que traduz uma vida moralmente fecunda e genuína.
Vejamos algo importante, o significado da santificação no Antigo Testamento, no Novo Testamento e o desenvolvimento desse conceito.
Apesar do mandamento ter sido expresso claramente em Levítico 19:2, Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo , o kadish (a santificação) era, e é para os judeus, cerimonial. O kadish se dá em certos momentos da vida, em celebrações e rituais. Assim, no cabalat sabat (entrada do sábado) se faz santificação no culto familiar, na alimentação kosher (pura), nas ferramentas utilizadas pelos sacerdotes, antigamente no templo, hoje nas sinagogas.
A santificação cristã parte de outra perspectiva: somos definidos por Deus como santos. Devemos então viver aquilo que já somos: separados por Deus para servi-lo, glorificá-lo, espelhá-lo diante do mundo. Somos santos e devemos santificar toda a realidade circundante com nossa vida santificada e em crescente santificação. Esse novo conceito é explicado claramente em I Pedro, capítulo 1.13-25, mas a segunda parte do versículo 15, nos dá a chave do pensamento cristão sobre a santificação: tornai-vos santos também vós mesmos em todo vosso procedimento .
Assim, podemos dizer que o Sermão da Montanha constitui um todo que tem como objetivo nos santificar no correr de nossa caminhada em direção ao Reino dos céus. E assim, maravilhados como os ouvintes de Jesus, no Monte, em Mateus 7.29-29, lemos:
E aconteceu que, concluindo o discurso de Jesus, uma multidão se admirou da sua doutrina, porque ensinou com autoridade e não como os escribas .
Eis o desafio colocado por Jesus, somos chamados a caminhar e viver como cristãos!
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire