jeudi 2 septembre 2010

O caminho de comunhão

Para você usar como lições da Escola Bíblica e nos Pequenos Grupos da sua igreja. 

Um forte abraço, Jorge Pinheiro. 

Etapas de um caminho de comunhão 

No último trimestre de 2006, experimentamos um novo Pentecostes. A comunhão que, naqueles dias, nos envolveu deu novo alento à Igreja e ao conjunto da comunidade. Assim, a exortação para que produzíssemos frutos maduros de comunhão e de empenho, interpelou-nos de maneira poderosa. E a liderança da Campanha dos 40 dias, Uma vida com propósitos aceitou o desafio de fazer com que a comunhão fosse plenamente realizada no seio da Igreja. Já tinha havido o início de um caminho de comunhão com a “Campanha dos 40 dias, Uma vida com propósitos”, mas agora se tratava de consolidar a extraordinária experiência vivida, aprofundando-a. Era o que todos esperavam: a transformação dos Grupos Operativos em comunidades que dariam continuidade ao Pentecostes vivido no último trimestre de 2006. Assim, cada Grupo Operativo exerceria a função de pequenas comunidades, que deveriam envolver o conjunto da Igreja e integrar aqueles que estavam chegando. E já sabemos quais seriam os frutos desse trabalho: os nossos corações viveriam a cada semana essa comunhão com Cristo e os irmãos, ao mesmo tempo em que a Igreja, na sua totalidade, descobriria e viveria os dons derramados pelo Espírito. Iríamos, assim, estabelecer uma colaboração recíproca e, por meio desses encontros, os pequenos grupos descobririam a própria riqueza da vitalidade e criatividade cristãs. Donde, como conseqüência, nasceria uma maior disponibilidade de engajamento no contexto da vida da Igreja. O testemunho de comunhão entre as pessoas, vividos nos pequenos grupos, provocou o envolvimento de toda a Igreja nessa caminhada de descoberta do poder de transformação da vida sob o Espírito. Agora, iríamos estabelecer tal fraternidade que desembocaria na construção de um projeto que envolveria cada frente de trabalho, cada ação missionária, todas as presenças dos irmãos da Igreja Batista em Perdizes em suas atividades seculares. A partir dessa meta e propósitos é que se insere o roteiro de estudo semanal -- Etapas de um Caminho de Comunhão -- que entregamos aos Grupos Operativos. Deus abençoou essa caminhada e possibilitou a todos crescerem no Espírito e no relacionamento com as pessoas que nos cercavam. Em Cristo, Pr. Jorge Pinheiro 

Primeira semana A importância da comunhão 

(1) “Depois o SENHOR disse: Não é bom que o homem viva sozinho. Vou fazer para ele alguém que o ajude como se fosse a sua outra metade”. Gênesis 2.18. Conhecer e ser conhecido Se você se encontrasse em um estado de tranqüilidade e introspecção, e se estivesse ciente dos anseios e desejos de seu coração, possivelmente diria: “Eu adoraria conhecer os outros e ser conhecido por eles”. Em um momento de total sinceridade, acho que todos adorariam ter alguém que confiasse tanto em nós a ponto de revelar seu lado mais íntimo e sensível. Acho que adoraríamos poder confiar àqueles de quem gostamos alguns dos sentimentos que guardamos. A maioria das pessoas se sente atraída por amizades, namoros, casamento, clubes ou pequenas associações, pois dentro de nós carregamos o anseio de conhecer os outros e ser por eles conhecidos. Por isso, devemos nos perguntar: o que nos impede de abrir o coração e nos dar a conhecer aos outros? Tememos riscos? Que riscos são esses? Mas não podemos esquecer que existem as alegrias. Que alegrias podemos vivenciar ao abrir nossos corações? Amar e ser amado Outro componente da comunhão é amar e ser amado. Se você não estabelecer com algumas pessoas um relacionamento amoroso comprometido, você vai morrer por dentro. É por isso que muitas pessoas não sentem prazer e alegria na vida, pois não mantiveram com ninguém um relacionamento de amor profundo. Nem com seus pais, nem com seu cônjuge e nem com seus amigos. A essa altura da vida, elas já estão insensíveis à possibilidade de experimentar um relacionamento cheio de amor. Não é esse o plano de Deus para nós. Ele deseja que sejamos amados e amemos. Na verdade, Ele quer que isso aconteça em nossas vidas. Quem em sua vida dedicou um amor constante e profundo a você e de que forma essa pessoa demonstrou esse amor? Pense e complete as frases abaixo: Posso sentir mais amor pelas pessoas quando elas... Para mim, a melhor maneira de expressar meu amor pelas outros é... Acho difícil receber amor dos outros porque... Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Josué 4.20-24. Terça 1 Reis 8.41-43. Quarta Efésios 1.15-20. Quinta Gênesis 29.31-35. Sexta Deuteronômio 7.9-10. Sábado João 14.21-23. Domingo Gálatas 2.19-20. 

Segunda semana A importância da comunhão 

(2) “Nenhuma quantidade de água pode apagar o amor e nenhum rio pode afogá-lo. Se alguém quisesse comprar o amor e por ele oferecesse as suas riquezas, receberia somente o desprezo”. Cantares de Salomão 8.7. Servir e ser servido Exercer a comunhão também significa servir e ser servido. O exemplo mais empolgante disso está registrado no Evangelho de João 13. Nesse capítulo, Jesus assume a posição do mais humilde dos servos e lava os pés de seus discípulos. Ele oferece um exemplo e depois os convida a imitá-los. Servir é algo que compõe a própria base da comunhão. Para manter os relacionamentos íntimos por um longo tempo, é preciso haver humildade e a disposição de servir um ao outro. Também deve haver a disposição de ser servido. Quando Jesus pegou a toalha e a bacia de água para lavar os pés dos discípulos, estabeleceu, de uma vez por todas, a absoluta necessidade de todos os que desejam viver em comunhão estarem prontos para servir aos outros. Como você vem sendo servido pelos outros, e de que forma esse serviço cristão ajudou a criar a comunhão? Com quem você gostaria de aprofundar sua comunhão? Celebrar e ser celebrado Cântico dos cânticos, um livro da Bíblia, é um registro do amor entre um homem e sua noiva. Eles estão celebrando os aspectos de suas personalidades e características físicas e pessoais. Em certo ponto, o noivo diz: “Você faz meu coração bater mais rápido com o simples brilho de seus olhos. Como é belo seu amor, minha noiva. Muito mais agradável do que o melhor dos vinhos”. Perto do final do livro, os dois concordam que a união amorosa pode ser maravilhosa. Eles também falam sobra a riqueza e as fortunas de um homem bem-sucedido que conhecem, e terminam dizendo um ao outro: “Jamais pensaríamos em trocar o que temos por essas riquezas, pois temos a comunhão”. Esse casal aumentou sua comunhão e a qualidade de seu relacionamento ao celebrar criativamente um ao outro. Fizeram o que muitos de nós deixamos de fazer. Um prestou atenção ao outro e se observaram cuidadosamente. Então decidiram destacar o que acharam atraente, desejável e elogiável no outro e se deram ao prazer de expressá-lo. Podemos agradar nossos corações ao celebrarmos uns aos outros. Exercício Em grupo, celebrem uns aos outros. E, pensando na pessoa que está ao seu lado, termine essa frase: Se você sumisse da minha vida, eu sentiria falta de... Uma expressão de gratidão Se em sua vida há alguém que tenha dedicado um profundo amor por você, reserve algum tempo durante as próximas semanas para expressar sua gratidão. Faça uma lista de três pessoas que não estejam no grupo, mas que você gostaria de celebrar e incentivar. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Êxodo 33.12-13. Terça Deuteronômio 11.15-16. Quarta Mateus 20.25-28. Quinta Cantares 1.15-17. Sexta Cantares 5.4-8. Sábado Efésios 5.1-2. Domingo 1João 4.8-12. 

Terceira semana Assuma o risco da comunhão 

(1) O que a amizade não é Se pretendemos assumir o risco da comunhão, precisamos primeiro ser sinceros a respeito do nosso próprio egoísmo natural quando se trata de relacionamentos. Quando procuramos amigos, muitas vezes pensamos naquilo que podemos ganhar com o relacionamento. Por isso, é necessário esclarecer o que a amizade não é. E entender porque “algumas amizades não duram nada, mas um verdadeiro amigo é mais chegado que um irmão”. Provérbios 18.24. Amizade não é encontrar alguém para cuidar de nós e satisfazer nossas necessidades. Não é elevar nossa vida a um alto nível para se autopromover. E não é fingir que nos preocupamos com alguém para que ele se una à nossa causa ou compre nosso produto. O essencial da amizade é conhecer e ser conhecido, amar e ser amado, servir e ser servido, celebrar e ser celebrado. Quais os possíveis problemas que posso enfrentar se começar uma amizade com as seguintes atitudes: Procurar um amigo que seja exatamente como eu. Alguém que concorde em tudo comigo. Uma pessoa que esteja disposta, sempre, a satisfazer todas as minhas necessidades. Amizades exigem esforço Se pretendermos passar da solidão para a comunhão, precisamos enfrentar a realidade de que fazer amizades pode ser uma empreitada árdua e demorada. É um processo que exigirá energia, trará alguns riscos e, às vezes, deixará cicatrizes. Quando a Bíblia diz que as amizades são como o ouro e a prata, está confirmando a importância e o valor das amizades. A Bíblia também utiliza uma outra imagem, aquela de cavar em busca de ouro, pois elas sempre implicam em esforço e dedicação. Fale de um relacionamento que você guarda com carinho. Por que ele é tão importante para você? Comente este versículo: “Descobri que na vida existe mais uma coisa que não vale a pena: é o homem viver sozinho, sem amigos, sem filhos, sem irmãos, sempre trabalhando e nunca satisfeito com a riqueza que tem. Para que é que ele trabalha tanto, deixando de aproveitar as coisas boas da vida? Isso também é ilusão, é uma triste maneira de viver”. Eclesiastes 4.7-8. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Números 25.10-13. Terça 1Samuel 23.16-18. Quarta Salmos 141.5. Quinta Provérbios 17.9. Sexta Provérbios 18.19-21. Sábado 2Pedro 2.4-7. Domingo 2Coríntios 5.18-20. 

Quarta semana Assuma os riscos da comunhão 

(2) Amizades exigem tempo e dedicação É comum as pessoas entrarem na igreja porque estão solitárias, porque precisam de amigos. Mas tanto aquelas que estão chegando, como nós, que já estamos na igreja faz anos, devemos ter clara uma questão: a igreja é o melhor lugar para se fazer amizades, mas a construção de uma verdadeira amizade leva tempo. E quanto tempo? Poderíamos dizer não sei, depende, mas é melhor ser mais preciso: a construção de uma verdadeira amizade leva anos. Uma amizade, chamada pelos gregos de amor fileo, pode nascer num momento, como na história do amor fileo entre Davi e Jônatas. Ou como conta a Bíblia, Jônatas, filho de Saul, sentiu uma profunda amizade por Davi e veio a amá-lo como a si mesmo. E fizeram um juramento de amizade, pois Jônatas tinha grande amor por Davi. Depois do juramento, Jônatas tirou a capa que estava usando e a deu a Davi. Deu também a sua túnica militar, a espada, o arco e o cinto. (1Samuel 18.1-4) Essa amizade que começou num relance, quando Jônatas viu aquele jovem pastor que acabara de matar, sem armas de guerra, um guerreiro inimigo terrível, durou de sete anos e meio. Ou seja, desde a vitória de Davi sobre o gigante Golias, até a morte do rei Saul e seu filho Jônatas num ataque dos filisteus. Ao saber da morte de seu amigo, Davi compôs uma canção, que terminava assim: “Eu choro por você, meu irmão Jônatas/ como eu o estimava!/ Como era maravilhoso o seu amor para mim,/ melhor ainda do que o amor das mulheres”. (2Samuel 1.26). É, amizade exige tempo, exige dedicação e até mesmo sacrifício. Você aceita arriscar? Pense e converse com seu grupo: Por que é preciso tempo para estabelecer um relacionamento? Conte ao grupo sobre algum relacionamento ao qual você tem dedicado tempo nesta fase da sua vida. O que podemos fazer para encorajar esse(a) irmão(ã) no desafio de construir um relacionamento sólido? Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Eclesiastes 3.1-11. Terça Eclesiastes 5.19-20. Quarta Eclesiastes 12.1-7. Quinta 2 Crônicas 6.26-31. Sexta Salmos 32.1-6. Sábado 2Coríntios 4.14-18. Domingo Hebreus 12.5-11. 

Quinta semana Saia da superficialidade (1) 

Um desafio que todos enfrentamos na busca da comunhão é ir além da superficialidade. Quando começamos uma amizade, as conversas tendem a ser um pouco superficiais. Isso é natural. É preciso cultivar a confiança e desenvolver uma base de conhecimento mútuo. Mas se o relacionamento permanecer no nível superficial, vamos nos frustrar. Fomos criados para ir mais fundo, por isso, é preciso ir além da superficialidade e alcançar um nível íntimo de comunicação e compartilhamento de nossas vidas. Volte ao texto da semana passado (1Samuel 18.1-4) e veja como Jônatas rompeu, logo no início de sua amizade com Davi, o risco da superficialidade. Agora, converse em grupo: O que nos prende a relacionamentos superficiais? O que tem ajudado você a assumir riscos e procurar amizades e comunhão mais íntimas? O valor de uma boa pergunta Muitas vezes, uma boa maneira de superar a barreira da superficialidade é fazer uma pergunta. Mas não deve ser qualquer pergunta, deve exigir uma resposta sincera, levar a outra pessoa a abrir seu coração. Quando permanecemos na segurança das perguntas fúteis, nossos relacionamentos estacionam na superficialidade. Mas quando vamos mais fundo em nossa conversa, rompendo barreiras de distanciamento, medo e vergonha, conquistamos cada vez mais intimidade. Uma simples frase pode ganhar profundidade quando acrescentamos na conversa, por exemplo, um realmente ou como você se sente ou o que você pensa disso? Vá fundo e pergunte: Mas, como é que você vai, realmente? E como você se sente em relação a isso? E o que é que você pensa disso? Dê tempo para a pessoa falar, deixe-a expor suas opiniões, suas alegrias e ou problemas. Você não precisa ter as soluções, você está construindo um relacionamento, compartilha as experiências de vida de seu amigo. Para o grupo: Formem pares e durante cinco minutos façam a outra pessoa uma das perguntas acima. Depois de perguntar, preocupem-se realmente em ouvir. Depois, conte ao grupo o que você aprendeu sobre seu amigo (ou amiga). Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Salmos 31.13-15. Terça Salmos 40.1-3. Quarta Provérbios 4.24-27. Quinta Hebreus 4.15-16. Sexta Mateus 23.24-32. Sábado João 8.2-11. Domingo João 18.33-38. 

Sexta semana Saia da superficialidade 

(2) O papel da comunhão com Deus Sua capacidade de experimentar a plenitude da comunhão no relacionamento com outras pessoas está ligado à sua comunhão com Deus. Muitas pessoas gostariam de se sair melhor nas relações humanas, mas não percebem que há uma correlação entre sua comunhão com Deus e a qualidade dos relacionamentos que mantêm com as pessoas. O potencial de aprimoramento das relações humanas está diretamente ligado ao grau de maturidade do relacionamento com Deus. Ao abrir seu coração ao amor de Deus, aceitando Jesus Cristo, o amor dele se espalha dentro de você, pois “em todo o Universo não há nada que possa nos separar do amor de Deus, que é nosso por meio de Cristo Jesus, o nosso Senhor” (Romanos 8.39). Esse amor se torna a base sólida sobre a qual você constrói os relacionamentos humanos. Seu relacionamento com Deus, caso seja maduro, oferece a segurança que você precisa para assumir riscos nas relações com as pessoas. A partir desse sólido ponto de segurança e paz, você pode circular mais livremente pelo mundo dos relacionamentos humanos. Você passa a aliviar os fardos das pessoas que o cercam, pois sua fonte de força e segurança é o próprio Deus. Outra conseqüência de seu relacionamento com Deus, é que você saberá quando deve se afastar de relacionamentos que são prejudiciais ou abrir mão de relacionamentos que chegaram ao fim. Você estará seguro nos relacionamentos humanos porque sua segurança nasce de sua relação com Deus. Pense e converse em grupo: Que barreiras me atrapalham na busca de um relacionamento mais íntimo com Deus? Se você tem um relacionamento íntimo com Deus, de que forma isso ajuda você nas suas relações com os outros? Como posso ajudar as pessoas do grupo que ainda não têm um relacionamento íntimo com Deus? Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. 

Sétima semana A SANTIDADE DO BOM NOME DO PRÓXIMO 

Muitas vezes, quase sem perceber, somos superficiais naquilo que comentamos ou falamos. Fazemos brincadeiras que magoam, comentários mordazes ou, pior ainda, ferimos a imagem de alguém afirmando coisas que não temos certeza, que ouvimos de outros. É comum pensarmos que não devemos dar “testemunho falso contra ninguém” (Êxodo 20. 16) quando se refere à alguma coisa séria, mas que podemos fazer piadas e anedotas com dificuldades e problemas que as pessoas enfrentam. A palavra próximo, quando falamos de comunhão, inclui todos os nossos semelhantes. A difamação de caráter é proibida, não apenas formalmente, no tribunal, mas por qualquer declaração falsa. O mandamento que encontramos em Êxodo 20.16 e Deuteronômio 5.20 nos mostra que a santidade consiste em não fazermos determinadas coisas, que devemos abandonar tudo o que do amor ao próximo e da vontade de Deus. Ou como diz Deuteronômio 13.12-15, não podemos falsear a verdade em nossas afirmações. Será que alguém pode se sentir seguro na igreja, se houve comentários maldosos sobre irmãos e irmãs? Para conversar com o grupo: Você já foi alvo de comentários mordazes? E como você se sentiu? Hoje, você consegue ter um relacionamento mais profundo com esse/a irmão/ã que magoou você? E sejamos justos nos nossos juízos, conforme Deuteronômio 17.8-11. O Senhor Jesus nos ensina em Mateus 18.15-16 como devemos proceder diante de um irmão que pecou contra nós. Como o grupo pode ajudá-lo diante desse afastamento, da ruptura da comunhão entre o irmão que disse alguma coisa ruim sobre você? A chave para a compreensão do mandamento da santidade do bom nome do próximo está numa atitude positiva, que possibilita o encontro com o próximo e com Deus: é a verdade, conforme no ensina Jesus em seu diálogo com Pôncio Pilatos, em João 18.37. Nosso compromisso é com a verdade. Ou melhor, nosso compromisso com Aquele que é a verdade. Então você é rei? - perguntou Pilatos. - É o senhor que está dizendo que eu sou rei! - respondeu Jesus. - Foi para falar da verdade que eu nasci e vim ao mundo. Quem está do lado da verdade ouve a minha voz. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. 

Para ler e refletir NÃO SE ESQUEÇA, SUA FÉ CUSTOU SANGUE Desde o começo do século dezesseis, La Rochelle era uma cidade próspera que lucrava com o comércio. Era um centro dos protestantes huguenotes extremamente ativo. “Amanhã volto para o Brasil. Estou na França há quinze dias. Vim apresentar comunicação sobre Socialismo e Religião no Colóquio Internacional da Associação Paul Tillich em Língua Francesa, que se reuniu em Toulouse. Depois do Colóquio vim para Paris. Estou hospedado na Faculdade Evangélica Livre de Vaux-sur-Seine. Estou vivendo momentos de descanso e reflexão, aqui à margem do rio Sena, onde num ambiente pleno de espiritualidade cristã, posso meditar sobre a heróica história dos evangélicos na França. E é sobre eles, os huguenotes, que escreverei nesta coluna”. Os huguenotes eram protestantes franceses que surgiram durante a Reforma do século XVI. Não eram camponeses, mas cidadãos nobres e burgueses. Fundaram em 1559 uma igreja reformada que cresceu de forma impressionante. Em 1571, houve um sínodo huguenote que elaborou, sob a inspiração do líder reformado Théodore de Bèze, a Confissão de La Rochelle. Em 1573, Henrique III, ainda como duque de Anjou, cercou a cidade por mais de seis meses. Os huguenotes formavam então um formidável grupo de pressão econômica, política e militar, apoiados pelos ingleses, alemães, holandeses e pelos protestantes de Genebra. Assim, na segunda metade do século dezesseis, os ataques católicos aos huguenotes fizeram-se cada vez mais virulentos, culminando com o massacre de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572, no qual foram mortas mais de 30 mil pessoas. “Estou sentado num banco de madeira, rodeado de verde. Atrás, fica a biblioteca da faculdade, lá na frente, uma árvore seca se inclina sobre o rio. Um irmão seminarista, do Haiti, caminha de um lado a outro do campo verde. Ele ora. Está entardecendo. São quase dez da noite, mas ainda está claro. Eu também oro, olhando para o rio Sena e agradecendo a Deus por aqueles que vieram antes de mim, que mantiveram ao preço de sangue, desfraldada, a bandeira do Evangelho”. Os católicos franceses, agrupados no partido da Santa Liga, entre 1576 e 1584, passaram a pressionar huguenotes e os reis considerados hesitantes. Na esperança de legalizar na França a existência de uma igreja reformada e de apaziguar os ânimos, o rei Henrique IV (1553-1610), soberano huguenote que se converteu sob pressão ao catolicismo uma semana antes do massacre de São Bartolomeu e, depois em 1576, se reconverteu ao protestantismo, assinou em 13 de abril o Edito de Nantes. O Edito de Nantes fez importantes concessões aos huguenotes. Entre elas, as liberdades de consciência e de culto nas residências senhoriais, em todas as cidades onde existisse a fé reformada. Concedeu anistia para todos os "crimes" cometidos no passado e criou 150 locais de refúgio para os huguenotes: 66 cidades e castelos onde guarnições eram mantidas pelo rei. La Rochelle que pertencia aos huguenotes desde a primeira guerra de 1562 foi uma dessas cidades de refúgio. E mais: tornou-se a mais forte praça de guerra cedida aos protestantes pelo Edito de Nantes. Na verdade, era a capital huguenote na França. O Edito de Nantes foi, de fato, uma constituição político-religiosa que procurou criar mecanismos de defesa para os huguenotes. Mas não durou muito. Em 1627, o cardeal Richelieu, a propósito de um pacto firmado entre La Rochelle e a Inglaterra, que já declarara guerra à França, iniciou a destruição de La Rochelle. O cardeal conduziu pessoalmente o cerco à cidade rebelde, construindo em terra firme, 12 km de linhas contínuas de fortificações e, no mar, a construção de um dique destinado a impedir a chegada de suprimentos pela frota inglesa. Os huguenotes, comandados pelo almirante Jean Guiton, prefeito da cidade, resistiram durante quinze meses até que a fome forçou-os à rendição em 28 de outubro de 1628. As fortificações da cidade foram arrasadas e as franquias municipais suprimidas. A partir de então, La Rochelle entrou em declínio. Luiz XIV, convencido de que os huguenotes haviam desaparecido do solo francês, seja pela fuga, pela conversão forçada ao catolicismo ou pelo massacre, aboliu, em 18 de outubro de 1685, o Edito de Nantes. A partir desse momento, os huguenotes perderam toda liberdade de culto e toda garantia de segurança. Tornaram-se marginais: suas propriedades foram confiscadas e privados de todos os seus direitos pessoais. A guerra civil irrompeu como guerra clandestina, com a fuga para os países protestantes de centenas de pastores. Suas igrejas foram destruídas. Abandonaram bens e filhos, que eram proibidos de deixar o país. O catolicismo exigia que fossem reeducados na fé romana. Mais de 400 mil huguenotes se refugiaram, principalmente na Holanda e na Prússia, países que ganharam por receber recursos humanos estratégicos: comerciantes, empresários e intelectuais. A América inglesa também recebeu um número grande dessa elite huguenote em diáspora. “Poucos irmãos brasileiros sabem que a saga huguenote aportou em nossas terras. Poucos, infelizmente, têm conhecimento dos mártires que testemunharam e foram sacrificados aqui por amor ao Evangelho”. Em 1557, chegou ao Rio de Janeiro um grupo de huguenotes com o objetivo de fundar uma colônia chamada França Antártica, que deveria se caracterizar pela tolerância religiosa. Eram os primeiros protestantes a pisar em terras brasileiras. Três pastores lideravam o grupo. Ao aportarem no Rio, Villegaignon, que comandava a frota francesa, entregou os pastores e suas ovelhas às autoridades católicas. Alguns conseguiram escapar, mas quatro deles, Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon e André la Fon foram presos e condenados à morte. Foram condenados não somente por aportarem na terra, que era colônia portuguesa, mas por difundirem o evangelho da graça, que contrariava as doutrinas católicas de salvação por fé e obras. Antes de serem executados os huguenotes foram obrigados a confessar sua crença. Era um direito do governador exigir dos súditos uma confissão de fé. Era uma última chance de renegar suas "heresias" protestantes. Foi-lhes dado um prazo de 12 horas para que escrevessem num documento tudo quanto criam. Em doze horas aqueles quatro homens, com ajuda apenas de suas Bíblias escreveram a primeira confissão de fé das Américas, mostrando aos jesuítas aquilo no que criam. Foi um Credo. E sabiam que estavam assinando suas sentenças de morte. No momento da execução o carrasco, por conhecer a vida piedosa daqueles homens, recusou-se a executá-los. Impaciente, José de Anchieta, o padre que os acompanhava, afastou o carrasco e ele mesmo pôs fim à vida dos huguenotes. Era uma manhã de sexta-feira, 9 de fevereiro de 1558. “Pai querido, em nome de Jesus, agradeço por teus mártires. São dez e meia da noite. O rio Sena agora é apenas uma mancha escura que desliza. No meu coração, porém, brilha mais forte o evangelho da graça, que irmãos de outros tempos me entregaram. Devo honrar este evangelho e passá-lo às gerações futuras”. Vaux-sur-Seine, 2 de junho de 2003. 

Oitava semana VOCÊ SABE DIZER MUITO OBRIGADO? 

“Estejam sempre alegres, orem sempre e sejam agradecidos a Deus em todas as ocasiões. Isso é o que Deus quer de vocês por estarem unidos com Cristo Jesus. Não atrapalhem a ação do Espírito Santo.” I Tessalonicenses 5.16-20 Vejam que interessante, Paulo não era um professor de boas maneiras, desses que treinam misses para jantares de gala. E, no entanto, nos diz para sempre dizermos muito obrigado. Será que a gente leva esse conselho a sério? E para você é muito difícil dizer muito obrigado? Ou, ao contrário, é tão fácil, que já virou algo automático? Bem, existem duas maneiras de dizer muito obrigado: aquele jeito simples, natural, é quase uma oração que dirigimos à outra pessoa. Ninguém vê, não fazemos publicidade disso, mas enchemos a alma do próximo de alegria. E há uma segunda maneira: festiva, cheia de emoções visíveis, de movimentos e palavras. Todos vêem e são contagiados com a alegria de nossa maneira de ser. Ambas são corretas, desde que nasçam do coração. Para conversar no grupo: Qual é a sua maneira de dizer muito obrigado? Ou será que por timidez, ou porque anda sempre tão apressado, poucas vezes agradece às pessoas que servem você? Pode ser o guardador de carro, o porteiro, as pessoas da recepção ou os diáconos da igreja. Você já parou para contar quantas pessoas a cada dia e na igreja cuidam de você, servem você? Aproveite esse momento e faça um pequeno exercício de aritmética, conte quantas pessoas num dia normal, ou no domingo, na igreja, servem você. E como é que você trata cada uma delas? Conversem em grupo e façam um plano para o próximo domingo. Dê um muito obrigado àqueles que você tem esquecido. E se puder aprofunde a comunhão, um abraço ou um beijo fraternal aquecerá corações. Não se esqueça disso. Amar ao irmão e a Deus Em antigos relevos do Egito vemos adoradores com as mãos estendidas jogando beijos para suas divindades. Beijar a terra, dobrar os joelhos eram gestos de adoração O primeiro beijo foi soprado por Deus no Éden. Por isso, o estado do ser humano pleno, cheio do Espírito, é adorar: agradecer ao seu Criador pela graça recebida. Se você quer ter uma comunhão de verdade com irmãos e irmãs? Diga muito obrigado a Deus. Seja grato. Entregue a Ele o que você tem de melhor. Adore. Dê um beijo naquele que merece todo o nosso amor. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir DUAS MULHERES E O MILAGRE DO PERDÃO As situações-limite exemplificam as maravilhas do perdão. Vemos isso, por exemplo, na expressão de Jesus "onde pouco é perdoado, pouco amor é mostrado". Aminal Lawal, uma mulher nigeriana, foi condenada por adultério por ter um filho dois anos depois de separar-se de seu marido. Ela seria apedrejada até a morte, conforme ordena a lei islâmica, a Sharia. Há mais de três mil anos, uma jovem chamada Raabe, na Palestina, também correu o risco de ser assassinada. E para entender o milagre do perdão vamos fazer uma rápida viagem pela história de Aminal e pelo ofício de Raabe. Mas antes vejamos duas palavras fundamentais para nossa viagem... O Novo Aurélio, o dicionário da Língua Portuguesa, assim nos apresenta a palavra prostituição (u-i). [Do lat. tard. prostitutione.] S.f. 1. Ato ou efeito de prostituir(-se). 2. Comércio habitual ou profissional do amor sexual. 3. O conjunto das prostitutas. 4. A vida das prostitutas. 5. P. ext. Vida desregrada. 6. Profanação, aviltamento. E a palavra perdão. [Dev. do arc. perdõar.] S. m. 1. Remissão de pena; desculpa; indulto. 2. Ét. Renúncia de pessoa ou instituição à adesão às conseqüências punitivas que seriam justificáveis em face de uma ação que, em níveis diversos, transgride preceitos jurídicos, religiosos, morais ou afetivos vigentes. A Sharia é a aplicação do Alcorão na prática cotidiana, e em alguns países é aplicado como lei. Assim, a morte por apedrejamento é um costume no Oriente Médio, e essa norma também faz parte da Torá judaica. Aminal teve um filho fora do casamento. E por isso devia ser apedrejada. Mas o mundo ocidental se manifestou pela revogação da sentença. Então, os juízes islâmicos, pressionados pela opinião pública, usaram um subterfúgio para salvar Aminal. Alegaram que segundo a tradição islâmica um bebê pode estar em gestação por um período de até cinco anos. Ou seja, Aminal poderia estar grávida do marido. Raabe foi mulher de Salmon (Mateus 1.5), possivelmente filho de Calebe (cf. 1Crônicas 2.51), e mãe de Boaz. É bom lembrar que as prostitutas na Antigüidade, sacerdotisas ou não, começavam seu ofício ainda na puberdade. Na vida escura e duvidosa dessa jovem, prostituta e mentirosa, deve ter brilhado a centelha de que com os hebreus havia um Deus superior a todos os deuses que ela conhecera. A cidade de Jericó estava em pânico, temendo um ataque dos hebreus, e entre o povo se comentava o que o Deus dos hebreus fizera na saída do Egito e durante a caminhada no deserto: "Soubemos que o Senhor secou o mar Vermelho diante de vocês quando saíram do Egito. Também ficamos sabendo como, a leste do rio Jordão, vocês mataram Seom e Ogue, os reis dos amorreus, e destruíram os seus exércitos". Josué 2.10. Zaná é uma palavra hebraica que pode ser traduzida por praticar prostituição, mas seu sentido literal quer dizer manter relações sexuais ilícitas. É a palavra que designa a atividade de Raabe, jovem que escondeu os espiões enviados por Josué. A palavra normalmente se refere às mulheres e apenas duas vezes diz respeito a homens (Êx 34.16; Nm 25.1). A forma feminina é usada para indicar a prostituta (Gn 34.31). Tais pessoas recebiam pagamento (Dt 23.19), tinham marcas características que as indicavam (Gn 38.15; Pv 7.10; Jr 3.3), tinham suas próprias casas (Jr 5.7) e deviam ser evitadas (Pv 23.27). Poucas vezes a mulher com quem o ato é cometido é identificada como mulher casada (Lv 20.10; Jr 29.23), mas também nunca se afirma que é solteira. Ambas mulheres, Aminal e Raabe, foram consideradas prostitutas, conforme o costume palestino. A primeira adulterou e a segunda, segundo estudiosos, era uma sacerdotisa da religião cananéia, ou seja, uma prostituta cultual. Ambas mereciam a morte, mas foram salvas pelo perdão. E perdão implica em esquecimento, por isso não importa mais se Aminal adulterou ou se Raabe era prostituta cultual... Mas há uma diferença, não sabemos se no caso de Aminal houve arrependimento e mudança de vida. Não sabemos se Aminal depositou sua vida, pela fé, nas mãos do Deus criador dos céus e de terra. Já, Raabe, pela fé, confiou na misericórdia e no poder de Deus e obteve salvação para si e sua família. Veja a confissão que ela faz no final do verso 11, ao reconhecer que Iaveh estava acima dos deuses da religião cananéia: "O Deus de vocês, o Senhor, é Deus lá em cima no céu e aqui em baixo na terra". Estas palavras, proferidas por Raabe, são uma declaração de contrição, de arrependimento. Centenas de anos mais tarde, Jesus, o ungido de Deus, descendente da prostituta Raabe, disse de uma outra jovem, quando essa lavou seus pés com óleo e os enxugou com os cabelos: "Você está vendo esta mulher? Quando entrei, você não me ofereceu água para lavar os pés, porém ela os lavou com as suas lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. Você não me beijou quando cheguei; ela, porém, não pára de beijar os meus pés desde que entrei. Você não pôs azeite perfumado na minha cabeça, porém ela derramou perfume nos meus pés. Eu afirmo a você, então, que o grande amor que ela mostrou prova que os seus muitos pecados já foram perdoados. Mas onde pouco é perdoado, pouco amor é mostrado". Lc 7.44-47. Eis o milagre do perdão. Milagre que cobriu Raabe e, em nome de Jesus, clamamos para que cubra também a vida de Aminal Lawal. 

Nona semana A ARITMÉTICA DA COMUNHÃO CRISTà

Quando falamos de comunhão, mesmo sendo de comunhão na igreja, não podemos nos esquecer que a igreja é formada por famílias, por isso o apóstolo Pedro na sua primeira carta, no capítulo três, fala às esposas cristãs de maridos não-cristãos e aos maridos cristãos de esposas não-cristãs, embora seus conselhos não se restrinjam a estes casos. O primeiro grupo, as esposas cristãs de maridos não-cristãos, seria mais numeroso do que o segundo, devido à estrutura patriarcal da sociedade. Quando uma esposa pagã se convertia, não podia esperar que o marido a acompanhasse nessa decisão. Mas se era o marido que se convertia, era quase certo que sua esposa aderisse à decisão dele. Para o grupo conversar: Em nosso grupo, temos quantos casais? E cada casal, quanto anos têm de vida em comum? Quem se converteu primeiro? E o outro como veio a conhecer o Senhor Jesus? Para Pedro, o Espírito de Cristo devia manifestar-se nas relações sociais, e por isso também na vida diária no lar. Pedro tinha em mente a relação conjugal e não as relações que existem entre homens e mulheres. A atitude que Pedro defende não é a convencional do patriarcalismo de seus dias, mas é a expressão da ética cristã da comunhão. Por isso, propõe que, semelhantemente a Jesus Cristo, quando as esposas são cristãs e os maridos não, esses maridos, que não obedecem à Palavra, sejam ganhos sem palavra pelo procedimento delas. Pedro faz um jogo de palavras. No primeiro caso, refere-se à Palavra de Deus, e, no segundo caso, refere-se ao uso comum da palavra. Os maridos que não aceitam a Palavra de Deus podem ser ganhos pelo procedimento digno de suas esposas, sem que estas precisem pronunciar uma só palavra. Sabemos que os brigam, mas aqui, hoje, o importante é saber como você faz as pazes. Você faz as pazes porque um dos dois cede? Você dá um tempo e depois os dois conversam sobre a questão? Conte para o grupo a sua experiência. A comunhão é um fator essencial da vida cristã. A comunhão da esposa cristã, quando seu marido não é cristão, tem uma finalidade evangelística. E quando os dois são cristãos essa comunhão é mútua. Um é com jugo do outro, cônjuge. O apóstolo Pedro exorta os maridos à comunhão, a relacionarem-se com suas esposas com discernimento. Ou seja, mostrando-se sábios e companheiros nas relações íntimas da vida conjugal. Assim, fica aqui um alerta a todos nós: a falta de compreensão entre marido e mulher, egoísmo da parte de um ou de outro, ou qualquer coisa que provoque atritos na vida afetiva do casal, terá repercussão na comunhão da igreja. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir JESUS, A CANÇÃO DA VIDA "O pecado está à porta, à sua espera. Ele quer dominá-lo, mas você precisa vencê-lo." Deus alerta Caim. Há pessoas que fazem a apologia do roubo, do assassinato e da destruição. Há pessoas que consideram o pecado uma arte e vêem muita utilidade nele. Estamos diante da cultura da guerra e da morte. Talvez por isso a Palavra afirme que este mundo jaz no maligno. Não sei se você já ouviu falar da Sociedade para a Promoção do Vício ou do Clube do Fogo do Inferno, fundados por Sir Francis Dashwood. Ou se leu alguma coisa sobre a Sociedade para a Supressão da Virtude. O certo é que essas associações existiram na Inglaterra do século XIX, mas, sem dúvida, a mais estranha era a Sociedade para o Encorajamento do Assassinato, formada por aficionados em carnificinas e especialistas em assassinatos. Bem, não sei se você já parou para pensar no assassinato. É quase certo que não, mas um escritor inglês, Thomas De Quincey (1785-1859), um sujeito estranho, que morava em lugares imundos, só saia à noite, e durante 50 anos foi um "comedor de ópio", parou para pensar no assunto e escreveu um livro chamado "Do Assassinato como uma das Belas Artes". De Quincey tinha uma coluna diária na Westmorland Gazette, onde só tratava de crimes terríveis. E justificava sua morbidez dizendo que tais artigos levavam os leitores a uma profunda reflexão moral. Não sei se ele tinha razão, mas hoje vou conversar com você sobre o assassinato. "Portanto -- como disse De Quincey -- que nos seja permitido tirar o melhor partido de um mau assunto; que o tratemos esteticamente, e verifiquemos se o podemos aproveitar dessa maneira. Secamos nossas lágrimas e gozamos a sensação de descobrir que uma transação que, considerada moralmente chocante, se for julgada pelos critérios do gosto, revela-se uma obra muito meritória". "Segundo este princípio, cavalheiros, proponho-me a guiar-vos os estudos desde Caim... Através desta grande galeria do assassinato, que nos seja permitido vagar de mãos dadas, juntos, em admiração deliciada. O primeiro assassinato é conhecido de todos. Como inventor do assassinato e pai da arte, Caim deve ter sido um gênio de primeira grandeza. Todos os Cains foram homens de gênio...". "Assassinei um homem porque me feriu, assassinei um moço porque me machucou. Se sete pessoas são mortas para pagar pela morte de Caim, então se alguém me matar serão mortas setenta e sete pessoas da família do assassino”. Lameque fala às suas mulheres. Bem, se você não está chocado, vamos seguir. De Quincey faz algumas propostas para a realização de um assassinato. "Quanto à pessoa, suponho evidente que deve tratar-se de um homem bom; porque, se não for esse o caso, ele poderá estar, ao mesmo tempo, contemplando a possibilidade de cometer assassinato". Ainda quanto à pessoa, "a vítima escolhida deve também possuir uma família de crianças inteiramente dependentes de seus esforços, de modo a aprofundar o pathos”. Quanto à oportunidade e ao lugar, "o bom senso do praticante o tem geralmente guiado para a escolha da noite e da intimidade. Contudo, não tem havido falta de casos que esta regra foi abandonada com excelentes efeitos”. De Quincey, segundo especialistas, escreveu trechos inteiros de seu livro sob o efeito do ópio, mas paradoxalmente ele nos leva a pensar sobre que razões, motivos ou deleites levariam um ser humano a assassinar outro. Por ser tal ato tão terrível, nossa vida é protegida por leis e é por isso que as guerras são execradas. Mas, muita gente tenta justificar o injustificável. De Quincey se baseia na possibilidade do prazer e da beleza do ato, outros numa possível necessidade de prevenção contra um mal futuro. Mas, cuidado, como canta Lameque, quando não há arrependimento, o pecado -- pessoal ou social -- sempre se multiplica. "Vocês são filhos do Diabo, e querem fazer o que o pai de vocês quer. Desde a criação do mundo ele foi assassino e nunca esteve do lado da verdade”. Palavras de Jesus. E já no final deste texto, eu me lembrei de "Inscrição para uma lareira" de Mário Quintana, quando o poeta afirma que "a vida é um incêndio: nela/ dançamos salamandras mágicas/ Que importa restarem cinzas/ se a chama foi bela e alta?/ Em meio aos toros que desabam/ cantemos a canção das chamas! Cantemos a canção da vida,/ na própria luz consumida.” Não, a vida não precisa ser um inferno. Que o poeta me perdoe, mas não necessitamos cantar a vida na própria luz consumida! Por que cantar a destruição se Jesus veio para que tenhamos vida e vida plena? Diga não à apologia do roubo, do assassinato e da destruição. Jesus é a canção da vida! 

Décima semana MOMENTOS DE DESPEDIDA 

Os momentos mais difíceis da comunhão são os momentos de despedida. Pode ser uma viagem, a mudança por razões de trabalho, um chamado missionário ou a perda de uma pessoa querida. Você já viveu um momento marcante de despedida? Conte para o grupo como foi. Em Atos dos Apóstolos 20.22-28 temos uma história eletrizante. Era a última vez que o apóstolo Paulo passaria por aquela região e não teria tempo de ir à cidade de Éfeso. Por isso, ele pediu à liderança da igreja que fosse visitá-lo enquanto o navio fazia sua escala. E foi ali na beira da praia, enquanto o navio estava ao largo, que a despedida se deu. Todos abraçaram e beijaram o apóstolo, sabendo que era a última vez que o viam: "Agora eu vou para Jerusalém, obedecendo ao Espírito Santo, sem saber o que vai me acontecer lá. Sei somente que em todas as cidades o Espírito Santo tem-me avisado que prisões e sofrimentos estão me esperando". Atos dos Apóstolos 20.22-23. Nossa comunhão com as pessoas, por mais importante que sejam para nossas vidas, implicam, muitas vezes, em momento de separação. Na sua vida, você já enfrentou algum momento triste de perda de uma pessoa querida? Você já superou a dor? O que esse momento lhe ensinou? A atitude do apóstolo Paulo deve ser a minha e a sua. Nossa vida espiritual deve obedecer à vontade de Deus, de tal maneira que o Espírito Santo nos fale, nos tranqüilize, nos oriente. A comunhão cristã exige vida em conformidade com a vontade de Deus. O que vamos fazer deve sempre ser produto da ação do Espírito Santo em nosso ser, dizendo-nos como agir a cada momento. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir O CORPO E O BAILE Um outdoor estava presente na cidade de São Paulo no Carnaval. Nele uma jovem diz: "Mostre que você já cresceu e sabe o que quer, use camisinha". Por incrível que pareça tal slogan tem várias leituras. Uma delas é: você que é mocinha, dona do seu próprio nariz, faça sexo. Tal slogan nos remete a uma questão teológica, que envolve os conceitos carne e corpo. E começaremos tal discussão a partir de texto clássico da literatura brasileira: "Invadiu-a um desalento imenso, um nojo invencível de si própria. Robustecer o intelecto desde o desabrochar da razão, perscrutar com paciência, aturadamente, de dia, de noite, a todas as horas, quase todos departamentos do saber humano, habituar o cérebro a demorar-se sem fadiga na análise sutil dos mais abstrusos problemas da matemática transcendental, e cair de repente, com os arcanjos de Milton, do alto do céu no lodo da terra, sentir-se ferida pelo aguilhão da carne, espolinhar-se nas concupiscências do cio, (...) como uma cabra, como um animal qualquer... era a suprema humilhação." A Carne de Júlio Ribeiro é um romance naturalista publicado em 1888, que fala de divórcio, sexo livre e aponta para a liberdade sócio-cultural feminina. Mas, apresenta também os preconceitos da sociedade escravocrata no Império. A Carne é a história de Lenita, uma jovem órfã de mãe, cujo pai lhe deu uma educação sofisticada e fora do comum para a época. Aos 22 anos, após a morte de seu pai, Lenita teve a saúde abalada e foi viver no interior de São Paulo. Lá, conheceu Manuel, um intelectual que vivia trancado com seus livros e que de vez em quando fazia longas caçadas. Lenita e Manuel tornam-se amantes e o romance de Júlio Ribeiro narra a trajetória desse amor, marcado por desejo e violência, por luta entre a razão e a carne. "As pessoas que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a natureza humana delas, junto com todas as paixões e desejos dessa natureza". O texto de Paulo (Gálatas 5.24) fala de paixões e desejos. Paixão, paté, aqui, indica deficiência que domina a natureza humana (sarks em grego, carne). O texto discorre sobre a possibilidade de controle desta disfunção quando afirma que aqueles que pertencem a Cristo crucificaram todas as paixões e desejos da natureza humana. Durante a Idade Média, grupos de cristãos interpretaram a exortação à crucifixão da carne como apelo ao sofrimento e suplício, ao encarceramento e solidão, procurando causar dor e desprazer ao próprio corpo. Mas Paulo faz diferença entre carne e corpo. Carne nos remete às disfunções que envolvem desejos e paixões como prostituição, impureza, lascívia. E corpo traduz a materialidade do ser, a base para a realização da existência. O domínio e o exercício do corpo advêm como expressividade quando há integração lingüístico-cultural. O corpo resiste ao sentido, não é resto, despojado de vida, como entendido pelos gregos, na sua configuração de soma, cadáver. Trata-se de nefesh, singularidade no mundo, face ao outro, interpelado, atravessado por afeições e sentimentos. Orgânico, natural, alia indeterminação entre a dimensão lingüístico-cultural que o atravessa e constitui e a dimensão emotiva que o movimenta. Por isso o corpo -- e com ele as emoções, sentimentos e a própria razão -- é dimensão profunda do ser. É o corpo que projeta as forças que vão moldar o ser aos desejos e paixões. Nesse sentido não há pecado da carne, sem que antes tenha passado pelo próprio corpo. No romance A Carne, Lenita encontra cartas de outras mulheres guardadas por Manuel, sente-se traída e o abandona. Mesmo grávida, casa-se com outro homem. Manuel, diante da perda da amante, suicida-se. "A placidez da morte sem dor, da morte pela paralisia dos nervos motores, converteu-se em um suplício atroz, pavoroso, para cuja descrição não tem palavras a linguagem humana". "Morto e vivo!" "Tudo morrera: só vivia o cérebro, só vivia a consciência e vivia para a tortura... Por que não ter despedaçado o crânio com uma bala? A paralisia invadiu os últimos redutos do organismo, o coração, os pulmões, sístole e diástole cessaram, a hematose deixou de se fazer. Um como véu abafou, escureceu a inteligência de Barbosa, e ele caiu de vez no sono profundo de que ninguém acorda". Assim, Júlio Ribeiro finaliza o resultado da batalha perdida entre a razão e a carne. Para ele, os triunfos dos desejos e paixões da carne levam, ao final, à morte do corpo. É isso que Paulo nos fala. Por isso, quer no Carnaval, ou em qualquer outra atividade humana, a liberdade deve levar à vida e não à morte, já que a liberdade se realiza no tropismo do corpo à vida. 

Décima-primeira semana A RESSURREIÇÃO, UMA LIÇÃO DE COMUNHÃO 

“E a nossa esperança era que fosse ele quem iria libertar o povo de Israel. Porém já faz três dias que tudo isso aconteceu”. (Lucas 24.21). Quando pensamos na ressurreição pensamos em duas coisas: lá atrás na história, Deus ressuscitou Jesus. E lá na frente, um dia, Deus vai nos ressuscitar. Assim, a ressurreição tem passado e futuro. São duas colunas: passado e futuro. Mas e hoje? Será que a ressurreição tem alguma coisa a ver com o meu presente? Como ela fala sobre comunhão para mim, hoje? Durante três anos Jesus manteve comunhão com os discípulos. Agora, aqueles dois, ali na estrada de Emaús se sentiam abandonados. É, todos sabemos que a morte personifica os limites da existência. A morte personifica o medo existencial, o fim da esperança, a perda do sentido da vida. E naquele entardecer, naquela estrada, os discípulos entristecidos afirmaram que, com a morte de Jesus, havia morrido algo na vida deles... A comunhão tinha acabado! Assim como a morte do esposo mata algo na esposa, como a morte do amigo mata algo naquele que fica, a morte de Jesus matara naqueles dois discípulos a vida que dava sentido ao caminhar de cada um deles. Foi isso que aconteceu com aqueles discípulos de Emaús: vagavam à noite pela estrada da vida, cabisbaixos, derrotados. A vida não tinha mais sentido para eles. Converse com o grupo: Você já viveu algum momento em que sentiu que tudo tinha perdido o sentido? Com foi isso? E é assim que acontece conosco muitas vezes: andamos desesperançados, derrotados pela realidade que esmaga a vida e destrói o futuro. Mas a comunhão renasce pela fé na ressurreição “Mas eles insistiram com ele para que ficasse, dizendo: Fique conosco porque já é tarde, e a noite vem chegando. Então Jesus entrou para ficar com os dois. Sentou-se à mesa com eles, pegou o pão e deu graças a Deus. Depois partiu o pão e deu a eles. Aí os olhos deles foram abertos, e eles reconheceram Jesus”. (Lucas 24.29-31). A comunhão renasce quando nos reunimos com os irmãos e irmãs ao redor da mesa, ouvimos a Palavra e repartimos o pão. Nós vencemos a solidão e o desespero quando redescobrimos o sentido da ressurreição. E ela é mais que uma lembrança do passado e um futuro de esperança. É um fato presente, uma bênção da integridade de Deus para nossa vida presente. A ação de Deus que no passado trouxe Jesus à vida é a mesma que a cada dia te dá força. Mas lembre-se: a descoberta da ressurreição não é um ato solitário. É um ato solidário, que implica em ouvir a Palavra e repartir o pão. A ressurreição de Jesus é a expressão permamente do compromisso irrevogável de Deus conosco. Para conversar com o grupo: Você é uma pessoa tímida? Tem vergonha de participar, de se envolver? Você está triste e solitário? Como podemos ajudar este irmão ou irmã? Em que sentido podemos repartir o pão da ressurreição com ele ou ela? Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. Para ler e refletir O SERMÃO DO FOGO O príncipe dos pregadores do século dezenove, Charles Haddon Spurgeon, fez um sermão que ficou conhecido como Apressando a Ló, com base no texto de Gênesis 19.15. O centro dessa mensagem de Spurgeon é que diante de uma cidade que vai arder, justos e pecadores devem ser apressados. O justo deve ser apressado em relação ao que é melhor para sua família, a sair do mundo e à obediência ao Senhor. E o pecador deve ouvir do perigo iminente e da necessidade de tomar uma decisão imediata. O pano de fundo do sermão é a cidade que vai arder. Décadas mais tarde, um poeta norte-americano, de ascendência inglesa, escreveu sobre um mundo que já ardeu. Seus poemas traduzem a angústia profética diante da guerra e do drama humano. Terra Desolada é um dos mais impressionantes poemas de Thomas Stearns Eliot. É um gemido diante de um mundo árido, onde sobreviventes se arrastam e agonizam. Escrito entre 1921 e 1922, é considerado o mais terrível poema da literatura ocidental no século 20. Mas, em meio ao desespero, podemos ver o sentido de transcendência que brota na Terra Desolada desse cristão agoniado diante do destino humano. No final da terceira parte do poema, chamado O Sermão do Fogo, terror e êxtase se complementam: A Cartago então eu vim/ Ardendo, ardendo, ardendo, ardendo/ Ó Senhor Tu que me arrebatas/ Ó Senhor tu que me arrebatas/ ardendo. Eliot em suas notas conta que o primeiro verso acima foi tirado das Confissões de Agostinho, quando o teólogo diz: "A Cartago então eu vim, onde todos os amores ímpios, como num caldeirão, cantavam em meus ouvidos". E o verso seguinte faz parte do Sermão do Fogo, de Buda, que tão conhecido no mundo oriental quanto o Sermão da Montanha para nós cristãos. E volta às Confissões de Agostinho, com o verso: "Ó Senhor Tu que me arrebatas". Eliot afirma que "a inserção destes dois representantes do ascetismo oriental e ocidental no ponto culminante desta parte do poema não é fortuita", já que através de uma leitura une oriente e ocidente transmite ao leitor toda a angústia diante de um mundo que arde. Três anos mais tarde, Eliot lançou Os Homens Ocos onde, ainda em meio ao mundo desolado, fala de homens vazios, empalhados. E é aqui, neste poema, que a transcendência transborda, apontando para um sentido profundo de conversão. Entre o desejo/ E o espanto,/ Entre a potência/ E a existência/ Entre a essência/ E a descendência/ Tomba a Sombra Porque Teu é o Reino/ Porque Teu é/ A vida é/ Porque Teu é o E numa estrofe sublime, genial, completa: Assim expira o mundo/ Assim expira o mundo/ Assim expira o mundo/ Não com uma explosão,/ mas com um suspiro. Diante de uma cidade que vai arder, de um mundo que já ardeu, ficam a urgência e a esperança... "e como ele estava demorando, os anjos pegaram pela mão Ló, a sua mulher e as suas filhas e os levaram para fora da cidade..." 

Décima-segunda semana A SABEDORIA QUE NASCE DA COMUNHÃO 

Você já viveu uma situação em que se sentiu contra a parede e em que não tinha a mínima idéia do que fazer? Já precisou tomar uma decisão sobre uma situação complicada e problemática, mas o problema era maior que a sua capacidade para resolvê-lo? Nessas horas é que você precisa ser sábio. Nessas horas é que você precisa comungar com seus irmãos e irmãs. Você precisa, com eles e elas, olhar para as coisas da perspectiva de Deus e saber o que fazer: isso é sabedoria. Você sabe que precisa dela, mas como a adquirir? Provérbios 9.10 diz que o começo da sabedoria é temer a Deus. Ora, temer significa obedecer, honrá-lo por tudo o que Ele é, faz e pode fazer. Temer a Deus significa confiar nele e ter a certeza de que Ele ajuda você a tomar decisões e resolver problemas. Sabedoria é um presente de Deus. Ele dá sabedoria pela confiança que você coloca nele. Mas a sabedoria vem a palavra suave e amiga dos irmãos e irmãs, na multidão dos conselheiros. Aqueles e aquelas que por amor dividem a carga difícil que você está levando. E como podemos ajudar? Você já parou para ouvir seu irmão ou irmã que atravessa um momento difícil. Que precisa tomar uma decisão? E como você fez isso? Dando conselhos sobre o que você não conhece? Ensinando empresários a gerirem suas empresas, quando na verdade você é um professor de geografia? É interessante que Provérbios 9.10 diz que para ter compreensão das coisas você precisa conhecer o Deus santo. Conhecer a Deus é algo muito mais profundo do que saber coisas sobre Deus. Conhecê-lo não acontece da noite para o dia, e nunca alguém irá conhecê-lo completamente. Você é um conselheiro quando você conhece a Palavra de Deus, sua fidelidade e sua vontade para nossas vidas. A sabedoria nasce da comunhão quando estamos rodeados e amparados em pessoas comprometidas com o Evangelho. Deus se dá a conhecer através de sua Palavra, a Bíblia. Pelo estudo dela conhecemos Deus cada vez melhor, e Ele nos dá sabedoria através dela e da comunhão com os irmãos. Confie em Deus, cerque-se de cristãos que vivem coerentemente a fé, e você será sábio. Conheça Deus, viva em comunhão, e você será uma pessoa sábia. Durante a semana, medite nos seguintes textos e converse com Deus. Segunda Gênesis 15.18-24. Terça Gênesis 17.1. Quarta João 1.14-18. Quinta Mateus 5.12-15. Sexta 1Coríntios 1.5-9. Sábado Filipenses 4.4.-7. Domingo Isaías 9.2-3. 

Para ler e refletir AS FRONTEIRAS DA IGUALDADE E DA LIBERDADE 

“Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus”. Este artigo teve origem com a tese de doutorado de Joel Antônio Ferreira, A abertura das fronteiras rumo à igualdade e liberdade: a perícope da unidade em Cristo - Gálatas 3.26-28, defendida na Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo, em 2001. Esses versículos de Paulo, segundo Ferreira, são a chave para se entender toda a carta. Pois é a partir dela que Paulo discorre sobre a possibilidade da superação das desigualdades raciais e religiosas, sociais e de gênero na igreja. E o fundamento do argumento de Paulo é a unidade em Cristo, que possibilita a igualdade e liberdade, e que conduz à unidade do corpo de Cristo. Assim, Gálatas 3.26-28, coração da carta aos gálatas, faz uma proposta de abertura de fronteiras, de derrubada de muros, de superação de conflitos e antagonismos que dividem a igreja. Sem dúvida, Paulo apresenta questões desafiadoras para os cristãos. Igualdade e liberdade desafiam a igreja de hoje, quando leituras tendenciosas fazem uma perigosa releitura da eclesiologia e do evangelho. Desafiado por essas duas questões -- igualdade e liberdade --, Ferreira utilizou o modelo conflitual de leitura sociológica para detectar as contradições nas comunidades da Galácia do Norte. E viu que os conflitos eram gerados por disparidades raciais, sociais e de gênero, e que o apóstolo Paulo acreditava que podiam ser superados pela unidade em Cristo. Paulo propõe a superação das barreiras de raça, condição social e sexo e dirige a igreja aos fundamentos da unidade através da superação das discriminações e da abertura de fronteiras para uma comunidade de onde todos tenham as mesmas possibilidades. A abrangência trabalhada por Ferreira, nos leva a uma reflexão sobre três assuntos que estão imbricados na abertura de fronteiras: igualdade; liberdade e unidade em Cristo. Como analisou Ferreira, Paulo, nos obriga a repensar às questões de etnia, escravidão e gênero, extrapolando as paredes da igreja e apresentando ao mundo uma proposta de abertura de fronteiras, onde haja aequalitate, paridade, iguais direitos e oportunidades, e libertate, de tal forma que cada pessoa possa dispor seu arbítrio, em pleno gozo dos direitos de ser humano autônomo diante de sua consciência e de Deus, como imagem dele, que tem garantidos seus direitos à existência e à vida E isso me faz lembrar Rudolf Bultmann, quando diz: "Ao homem que se lamenta: 'Não consigo ver significado na história, e, portanto, minha vida, entrelaçada com ela, também é destituída de significado', respondemos: não fiques olhando ao redor de ti, para a história universal, mas olha para tua história pessoal. O sentido da história sempre está contigo no teu presente, e tu não podes vê-lo como mero espectador, mas somente em tuas decisões responsáveis. Em cada momento dorme a possibilidade de vir a ser o momento escatológico. Cabe a ti despertá-la". [R. Bultmann, Storia ed escatologia, Milão, Bompiani, 1962, p. 176]. Esta é a mensagem de Paulo para os gálatas, ontem, e para o mundo, hoje: Se formos um só em Cristo Jesus - e é isso que deve ser buscado --, nem a igreja, nem a sociedade humana podem estar divididos entre judeus e palestinos, entre miseráveis e poderosos, entre homens e mulheres.

samedi 28 août 2010

Ouve Israel, o Senhor nosso Deus é único!


É preciso indagar de nós mesmos: qual é o alvo final e a razão de eu estar ocupando minha mente com essas coisas? O que eu pretendo fazer com o conhecimento de Deus que vou adquirir? Pois o fato que teremos de enfrentar é este: Se procurarmos obter conhecimentos teológicos como um fim em si mesmo, isso provavelmente nos irá prejudicar, tornando-nos orgulhosos e convencidos. A própria magnitude do assunto nos embriagará e chegaremos a pensar que somos bem melhores e superiores aos demais cristãos pelo nosso interesse no assunto e compreensão do mesmo, e olharemos com superioridade para aqueles cujas idéias teológicas nos parecem rudes e inadequadas, pondo-as de lado com desprezo. Isso se conforma às palavras de Paulo aos presunçosos cristãos de Corinto: ‘o saber ensoberbece... Se alguém julga saber alguma coisa, com efeito não aprendeu ainda como convém saber’ (1Co 8.1 e 2)”. J . I . Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo, Mundo Cristão, 1992, pp. 13 e 14.

Desde o tempo de Platão, filósofos têm oferecido argumentos racionais a favor da realidade de Deus. Tradicionalmente, estes argumentos dividem-se em cinco categorias:

1. Cosmológicos – de cosmos, mundo em grego – todo acontecimento ou fato possui uma causa e tudo que existe é resultado de uma causa principal e suficiente para criar o universo: Deus. John Locke ( 1632-1704) afirmou: “Eu existo, mas eu nem sempre tinha existência. Qualquer coisa que começa a existir deve ter uma causa. A causa deve ser suficiente, esta causa suficiente existe sem limitações: ela deve ser Deus”. Leia Hebreus 3.4; Platão, Leis, X; Aristóteles, Metafísica, VIII; Tomás de Aquino, Suma Teológica, Q2, Art. 3.

2. Teleológicos – de propósito, fim em grego – A organização do universo aponta para um planejador (Rm 1.18-20), pois há coisas na natureza que mostram propósito. W. Paley (1743-1805) disse: “Se alguém achasse um relógio no campo concluiria que o mesmo teria sido feito por um relojoeiro”. Até Kant e Voltaire se interessaram por este argumento. Leia Salmos 19.1-6; 139.14.

3. Antropológicos – de homem em grego – Porque o ser humano é um ser moral; e intelectual, ele deve Ter um Criador que também é moral e inteligente (Atos 19.29). Este argumento tem variáveis: personalidade, sentimentos morais, consciência, tropismo religioso, raciocínio, dignidade, etc. Comparar com Gênesis 1.26 e Romanos 1.18-20. Alguns teólogos vêem o argumento moral como um argumento à parte.

4. Ontológicos – de ser, existência em grego – Deus é perfeito. O argumento ontológico é dedutivo (a priori) em vez de indutivo (a posteriori). O ser humano busca a perfeição. Anselmo afirmou que cada ser humano possui o conceito do Ser Perfeito. Esta idéia inclui a necessidade da existência de Deus, pois caso contrário não seria perfeita a busca que o ser humano faz. Ainda hoje esse argumento atrai filósofos cristãos, como A. Platininga, por exemplo.

5. Unidade-Diversidade – Há outros argumentos menos tradicionais. Um deles é o argumento baseada na unidade e diversidade do Universo (Dooyeweerd e Van Til). Segundo tal argumento, a Trindade é a única perspectiva adequada para explicar o lugar do ser humano no Universo, sem cair no mecanismo ou determinismo, no caos ou incoerência completa.

Os autores bíblicos consideraram a existência divina uma realidade. Leia Gn 1.1 e Hb 11.3, 6. E muitos entenderam que seus nomes eram a chave para conhecê-lo melhor. Mas o que significa um nome para esses autores? Jz 13.18; Ex 20.7; Sl 8.1,9.
Os principais nomes: Elohim, o poderoso, literalmente “os poderosos”, aparece cerca de 2.500 vezes. Em Gênesis 1.1-2.3 é usado 35 vezes. Elohim descreve Deus como criador, sustentador do mundo e do universo. Qeo é a palavra mais comum para Deus no NT e traduz na Septuaginta e no NT Elohim.
Iaveh, YHWH, conhecido como o tetragrama, possivelmente da raiz de “ser, tornar-se”. Seu significado literal é obscuro, mas normalmente é traduzido por Senhor. Aparece 5.321 vezes no AT, e Iah, sozinho, aparece 50 vezes. Na LXX e no NT é geralmente traduzido porSenhor.
Adonai, de Adon, meu Senhor, meu Mestre. Ex. 21.1-6; Js 5.15; Is 6.8-11; Sl 110.1. Freqüentemente é usado com Iaveh, o Senhor Deus, conforme em Is 61.1.
Outros nomes de Deus – El, o poderoso Deus, Deus, deus. É uma palavra básica em várias línguas semíticas. No AT aparece junto a outros títulos de Deus. Baali, meu Senhor, meu Marido (Os 2.16). O Juiz de toda a terra (Gn 18.25). O meu Pastor (Gn 48.15; 49.24). A Pedra, Rocha de Israel (Gn 49.24). O Santo, o Santíssimo (Is 1.4; 6.3; 43.3; 57.15. No NT, 1Tm 2.8, Ap. 16.5; At 2.27; 1Jo 2.20. O Rei (Ex 15.18; Dt 33.5; Sl 5.2; 44.4. No NT, 1Tm 2.8; Ap 15.3; 19.16. O Ancião de Dias (Dn 7.9). Abba, Pai (Rm 8.9; Gl 4.6). Mestre, Senhor,(Lc 2.29; At 4.14, soberano Senhor, cf. Tt 2.9. Todo-poderoso, pantokravtor (Ap 1.8; 4.8; 11.17; 16.7).

Há ainda os nomes compostos. El Elyon, o Altíssimo (Gn 14.18, Dt 32.8; Is 22.14). El Ro’i (literalmente, O poderoso que se vê (Gn 16.13). El Shadai, O Deus todo-poderoso (Gn 17.1-20). El Olam, o Eterno Deus (Gn 21.33; Is 40.28) El Betel, o Deus de Betel (Gn 31.13; 35.7) El Elohe Israel, Deus, o Deus de Israel (Gn 33.20). Iaveh Jireh, o Senhor proverá (Gn 22.14). Iaveh Nissi, o Senhor é minha bandeira (Ex 17.15). Iaveh Shalom, o Senhor é paz (Jz 6.24). Iaveh Tzabaot, o Senhor dos Exércitos (1Sm 1.3). Iaveh Macadeshem, o Senhor vos santifica (Ex 31.13); Iaveh Raah, o Senhor é meu Pastor (Sl 23.1); Iaveh Elohim Israel (Jz 5.3; Is 17.6).

Definição Filosófica, a partir de Platão
Deus é o começo, o meio e o fim de todas as coisas. Ele é a mente ou razão suprema; a causa eficiente de todas as coisas; eterno, imutável, onisciente, onipotente; tudo permeia e tudo controla; é justo, santo, sábio e bom; o absolutamente perfeito, o começo de toda a verdade, a fonte de toda a lei e justiça, a origem de toda a ordem e beleza e, especialmente, a causa de todo o bem.

Definição do Catecismo Breve de Westminster
Deus é um Espírito, infinito, eterno e imutável em Seu Ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade.

Definição Combinada
Deus é um espírito infinito e perfeito em quem todas as coisas tem sua origem, sustentação e fim (Jo. 4.24; Ne. 9.6; Ap. l.8; Is. 48.12; Ap.1.17).

Definições Bíblicas
As expressões "Deus é Espírito" (Jo.4.24) e "Deus é Luz " (1Jo.1.5), são expressões da natureza essencial de Deus, enquanto que a expressão "Deus é amor" (1Jo.4.7) é expressão de Sua personalidade. (1Tm.6.16)


Quando falamos em essência de Deus, queremos significar tudo o que é substancial ao Seu Ser como Deus, isto é, substância e atributos.

Substância de Deus
Há duas substâncias: espírito e matéria . Deus é uma substância simples, não composta. A substância de Deus é puro Espírito, sem mistura com a matéria (Jo.4:24).

Atributos de Deus
“Um atributo de Deus é uma característica intrínseca à sua Pessoa e através da qual Ele é distinguido e identificado” (Ryrie). Sua substância é Espírito e Seus atributos são as qualidades ou propriedades dessa substância. Atributos é a manifestação do Ser de Deus.



III. CLASSIFICAÇÃO DOS ATRIBUTOS

Naturais e Morais
Também chamados de "intransitivos e transitivos", "incomunicáveis e comunicáveis", "absolutos e relativos", "negativos e positivos" ou "imanentes e emanentes".


Atributos Naturais

Vida
Deus é o fundamento da vida. Ele ouve, vê, sente e age. (Jo.10.10; Sl.94.9,l0; 2Cr.16.9; At.14.15; 1Ts.1.9). Quando a Bíblia fala do olho, do ouvido, da mão de Deus, etc., fala metaforicamente. A isto se dá o nome de antropomorfismo. Deus é vida (Jo.5.26; 14.26) e o princípio de vida (At.17.25,28).

Espiritualidade
Deus, sendo Espírito, é incorpóreo, invisível, sem substância material, sem partes ou paixões físicas e, portanto, é livre de todas as limitações espaço-temporais (Jo.4.24; Dt.4.15-19,23; Hb.12:9; Is.40.25; Lc.24.39; Cl.1.15; 1Tm.1:17; 2Co.3.17)

Personalidade
Existência dotada de autoconsciência e autodeterminação (Ex.3:14; Is.46:11).
a) Volição ou vontade = querer (Is.46:10; Ap.4:11).
b) Razão ou intelecto = pensar (Is.14:24; Sl.92:5; Is.55:8).
c) Emoção ou sensibilidade = sentir (Gn.6:6, 1Rs.11:9, Dt. 6:15; Pv. 6.16; Tg.4:5)

Trindade
a) Unidade de Ser: Há no Ser divino apenas uma essência indivisível. Deus é um em sua natureza constitucional. Não há separação entre suas características. Ele é tudo que Ele é e em tudo que Ele faz (Dt 6.4; Is. 43.40; Tg 2.19; 1Tm 2.5). A unidade da divindade é ensinada nas palavras de Jesus: Eu e o Pai somos um. (Jo.10.30). Jesus está falando da unidade da essência e não de unidade de propósito. (Jo.17.11,21-23, 1Jo.5.7).
b) Trindade de Personalidade: Há três Pessoas no Ser divino: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. (Mc 10.9;12.29; 1Co.8.5,6; 1Tm.2.5; Tg.2.19; Jo.17.3; Gl.3.20; Ef.4.6).
c) Há distinção de Pessoas na Divindade: Algumas passagens mostram uma das Pessoas divinas se referindo à outra (Gn.19:24; Os.1:7; Zc.3:1,2; 2Tm.1:18; Sl.110.1; Hb.1:9).
Auto-Existência: Jerônimo disse: “Deus é a origem de Si mesmo e a causa de Sua própria substância”. Jerônimo estava errado, pois Deus não tem causa de existência, pois não criou a Si mesmo e não foi causado por outra coisa ou por Si mesmo. Ele nunca teve início. Ele é o Eterno Eu Sou (Ex.3.14), portanto Deus é absolutamente independente de tudo fora de Si mesmo para a continuidade e perpetuidade de Seu Ser. Deus é a razão de sua própria existência (Jo.5:26; At.17:24-28; 1Tm.6:15,16).

Infinidade ou Perfeição
É o atributo pelo qual Deus é isento de toda e qualquer limitação em seu Ser e em seus atributos (Jó.11:7-10; Mt 5:48). A infinidade de Deus se contrasta com o mundo finito em sua relação tempo-espaço.

Eternidade
A infinidade de Deus em relação ao tempo é denominada eternidade. Deus é Eterno (Sl.90:2; 102.12,24-27; Sl.93.2; Ap.1.8; Dt.33.27; Hb.1.12). A eternidade de Deus não significa apenas duração prolongada, para frente e para traz, mas sim que Deus transcende a todas as limitações temporais (2Pe 3:8) existentes em sucessões de tempo. Deus preenche o tempo. Nossa vida se divide em passado, presente e futuro. mas não há essa divisão na vida de Deus. Ele é o Eterno EU SOU. Deus é elevado acima de todos os limites temporais e de toda a sucessão de momentos, e tem a totalidade de sua existência num único presente indivisível (Is.57:15).

Imensidão
A infinidade de Deus em relação ao espaço é denominada imensidão ou imensidade. Deus é imenso (Grande ou Majestoso; Jó 36.5,26; Jó 37.22,23; Jr 22.18; Sl.145.3). Imensidão é a perfeição de Deus pela qual Ele transcende (ultrapassa) todas as limitações espaciais e, contudo está presente em todos os pontos do espaço com todo o seu Ser PESSOAL (não é panteísmo). A imensidão de Deus é intensiva e não extensiva, isto é, não significa extensão ilimitada no espaço, como no panteísmo. A imensidão de Deus é transcendente no espaço (intramundano ou imanente = dentro do mundo, Sl.139:7-12; Jr.23:23,24) e fora do espaço (supramundano = acima do mundo; extramundano = além do mundo; emanente = fora do mundo - 1Rs.8:27; Is.57:15).

Onipresença
É quase sinônimo de imensidão. A imensidade denota a transcendência no espaço enquanto que a onipresença denota a imanência no espaço. Deus é imanente em todas as Suas criaturas e em toda a criação. A imanência não deve ser confundida com o panteísmo (tudo é Deus) ou com o deísmo que ensina que Deus está presente no mundo apenas com seu poder (per portentiam) e não com a essência e natureza de ser Ser (per essentiam et naturam) e que age sobre o mundo à distância. Deus ocupa o espaço repletivamente porque preenche todo o espaço e não está ausente em nenhuma parte dele, mas tampouco está mais presente numa parte que noutra (Sl.139:11,12). Deus ocupa o espaço variavelmente porque Ele não habita na terra do mesmo modo que habita no céu, nem nos animais como habita nos homens, nem nos ímpios como habita nos piedosos, nem na igreja como habita em Cristo (Is.66.1; At.17.27,28; Compare Ef.1.23 com Cl.2.9).

Imutabilidade
É o atributo pelo qual não encontramos nenhuma mudança em Deus, em sua natureza, em seus atributos e em seu conselho.
a) A base para a imutabilidade de Deus: É Sua simplicidade, eternidade, auto-existência e perfeição. Simplicidade porque sendo Deus uma substância simples, indivisível, sem mistura, não está sujeito a variação (Tg.1.17). Eternidade porque Deus não está sujeito às variações e circunstâncias do tempo, por isso Ele não muda (Sl.102.26,27; Hb.1:12 e 13:8). Auto-existência porque uma vez que Deus não é causado, mas existe em Si mesmo, então Ele tem que existir da forma como existe, portanto sempre o mesmo (Ex.3.14). E perfeição porque toda mudança tem que ser para melhor ou pior e sendo Deus absolutamente perfeito jamais poderá ser mais sábio, mais santo, mais justo, mais misericordioso, e nem menos. Por isso Deus é imutável como a rocha (Dt.32.4).
b) Imutabilidade não significa imobilidade: Nosso Deus é um Deus de ação (Is.43.13).
c) Imutabilidade implica em não arrependimento: Alguns versículos falam de Deus como se Ele se arrependesse (Ex.32.14, 2Sm.24.16, Jr.18.8; Jl 2.13). Trata-se de antropomorfismo (Nm 23:19; Rm.11.29; 1Sm.15.29; Sl.110.4).
d) Imutabilidade de Deus em Sua natureza: Deus é perfeito em sua natureza por isso não muda nem para melhor nem para pior (Ml.3.6).
e) Imutabilidade de Deus em Seus atributos: Deus é imutável em suas promessas (1Rs.8:56; 2Co.1.20); em sua misericórdia (Sl.103.17; Is.54.10); em sua justiça (Ez 8.18); em seu amor (Gn.18:25,26).

f) Imutabilidade de Deus em Seu conselho: Deus planejou os fatos conforme a sua vontade e decretou que este plano seja concretizado. Nada poderá se opor à sua vontade. O próprio Deus jamais mudará de opinião, mas fará conforme seu plano predeterminado (Is.46.9,10; Sl.33.11; Hb.6.17).

Onisciência
Atributo pelo qual Deus, de maneira inteiramente única, conhece-se a Si próprio e a todas as coisas possíveis e reais num só ato eterno e simples. O conhecimento de Deus tem suas características:
a) É arquétipo: Deus conhece o universo como ele existe em Sua própria idéia anterior à sua existência como realidade finita no tempo e no espaço; e este conhecimento não é obtido de fora, como o nosso (Rm.11:33,34).
b) É inato e imediato: Não resulta de observação ou de processo de raciocínio (Jó.37:16)
c) É simultâneo: Não é sucessivo, pois Deus conhece as coisas de uma vez em sua totalidade, e não de forma fragmentada uma após outra (Is.40:28).
d) É completo: Deus não conhece apenas parcialmente, mas plenamente consciente (Sl.147:5).
e) Conhecimento necessário: Conhecimento que Deus tem de Si mesmo e de todas as coisas possíveis, um conhecimento que repousa na consciência de sua onipotência. É chamado necessário porque não é determinado por uma ação da vontade divina. (Por exemplo: O conhecimento do mal é um conhecimento necessário porque não é da vontade de Deus que o mal lhe seja conhecido (Hc.1:13) Deus não pode nem quer ver o mal, mas o conhece, não por experiência, que envolve uma ação de Sua vontade, mas sim por simples inteligência, por ser ato do intelecto divino (veja IICo.5:21 onde o termo grego  é usado).
f) Conhecimento livre: É aquele que Deus tem de todas as coisas reais, isto é, das coisas que existiram no passado, que existem no presente e existirão no futuro. É também chamado visionis, isto é, conhecimento de vista.
g) Presciência: Significa conhecimento prévio; conhecimento de antemão. Como Deus pode conhecer previamente as ações livres dos homens? Deus decretou todas as coisas, e as decretou com suas causas e condições na exata ordem em que ocorrem, portanto sua presciência de coisas contingentes (ISm.23:12; IIRs.13:19; Jr.38:17-20; Ez.3:6 e Mt.11:21) apoia-se em seu decreto. Deus não originou o mal mas o conheceu nas ações livres do homem (conhecimento necessário), o decretou e preconheceu os homens. Portanto a ordem é: conhecimento necessário, decreto, presciência. A presciência de Deus é muito mais do que saber o que vai acontecer no futuro, e seu uso no N.T. é empregado como na LXX que inclui Sua escolha efetiva (Nm.16:5; Jz.9:6; Am.3:2). Veja Rm.8:29; IPe.1:2; Gl.4:9. Como se processou o conhecimento necessário de Deus nas livres ações dos homens antes mesmo que Ele as decretasse? A liberdade humana não é uma coisa inteiramente indeterminada, solta no ar, que pende numa ou noutra direção, mas é determinada por nossas próprias considerações intelectuais e caráter (lubentia rationalis = autodeterminação racional). Liberdade não é arbitrariedade e em toda ação racional há um porquê, uma razão que decide a ação. Portanto o homem verdadeiramente livre não é o homem incerto e imprevisível, mas o homem seguro. A liberdade tem suas leis - leis espirituais - e a Mente Onisciente sabe quais são (Jo.2:24,25). Em resumo, a presciência é um conhecimento livre (scientia libera) e, logicamente procede do decreto, "segundo o decreto sua vontade" (Ef.1:11).
h) Sabedoria: A sabedoria de Deus é a Sua inteligência como manifestada na adaptação de meios e fins. Deus sempre busca os melhores fins e os melhores meios possíveis para a consecução dos seus propósitos. H.B. Smith define a sabedoria de Deus como o Seu atributo através do qual Ele produz os melhores resultados possíveis com os melhores meios possíveis. Uma definição ainda melhor há de incluir a glorificação de Deus: Sabedoria é a perfeição de Deus pela qual Ele aplica o seu conhecimento à consecução dos seus fins de um modo que o glorifica o máximo (Rm.ll:33-36; Ef.1:11,12; Cl.1:16). Encontramos a sabedoria de Deus na criação (Sl.19:1-7; Sl.104), na redenção (ICo.2:7; Ef.3:10) . A sabedoria é personificada na Pessoa do Senhor Jesus (Pv.8 e ICo.1:30; Jó.9:4; veja também Jó 12:13,16).

Onipotência
É o atributo pelo qual encontramos em Deus o poder ilimitado para fazer qualquer coisa que Ele queira. A onipotência de Deus não significa o exercício para fazer aquilo que é incoerente com a natureza das coisas, como, por exemplo, fazer que um fato do passado não tenha acontecido, ou traçar entre dois pontos uma linha mais curta do que uma reta. Deus possui todo o poder que é coerente com Sua perfeição infinita, todo o poder para fazer tudo aquilo que é digno dEle. O poder de Deus é distinguido de duas maneiras: Potentia Dei absoluta = absoluto poder de Deus e potentia Dei ordinata = poder ordenado de Deus. Hodge e Shedd definem o poder absoluto de Deus como a eficiência divina, exercida sem a intervenção de causas secundárias, e o poder ordenado como a eficiência de Deus, exercida pela ordenada operação de causas secundárias. Charnock [Discurso sobre a Existência e Atributos de Deus, 1682] define o poder absoluto como aquele pelo qual Deus é capaz de fazer o que Ele não fará, mas que tem possibilidade de ser feito, e o poder ordenado como o poder pelo qual Deus faz o que decretou fazer, isto é, o que Ele ordenou ou marcou para ser posto em exercício; os quais não são poderes distintos, mas um e o mesmo poder. O seu poder ordenado é parte do seu poder absoluto, pois se Ele não tivesse poder para fazer tudo que pudesse desejar, não teria poder para fazer tudo o que Ele deseja. Podemos, portanto, definir o poder ordenado de Deus como a perfeição pela qual Ele, mediante o simples exercício de Sua vontade, pode realizar tudo quanto está presente em Sua vontade ou conselho. E' óbvio, porém, que Deus pode realizar coisas que a Sua vontade não desejou realizar (Gn.18:14; Jr.32:27; Zc.8:6; Mt.3:9; Mt.26:53). Entretanto há muitas coisas que Deus não pode realizar. Ele não pode mentir, pecar, mudar ou negar-se a Si mesmo (Nm.23:19; ISm.15:29; IITm.2:13; Hb.6:18; Tg.1:13,17; Hb.1:13; Tt.1:3), isto porque não há poder absoluto em Deus, divorciado de Suas perfeições, e em virtude do qual Ele pudesse fazer todo tipo de coisas contraditórias entre Si (Jó.11:7). Deus faz somente aquilo que quer fazer (Sl.115:3; Sl.135:6).
a) El-Shaddai: A onipotência de Deus se expressa no nome hebraico El-Shaddai traduzido por Todo-Poderoso (Gn.17:1; Ex.6:3; Jó.37:23 etc.).
b) Em todas as coisas: A onipotência de Deus abrange todas as coisas (ICr.29:12), o domínio sobre a natureza (Sl.107:25-29; Na.1:5,6; Sl.33:6-9; Is.40:26; Mt.8:27; Jr.32:17; Rm.1:20), o domínio sobre a experiência humana (Sl.91:1; Dn.4:19-37; Ex.7:1-5; Tg.4:12-15; Pv.21:1; Jó.9:12; Mt.19:26; Lc.1:37), o domínio sobre as regiões celestiais (Dn.4:35; Hb.1:13,14; Jó.1:12; Jó 2:6).
c) Na criação, na providência e na redenção: Deus manifestou o seu poder na criação (Rm.4:17; Is.44:24), nas obras da providência (ICr.29:11,12) e na redenção (Rm.1:16; ICo.1:24).

Soberania ou Supremacia
Atributo pelo qual Deus possui completa autoridade sobre todas as coisas criadas, determinando-lhe o fim que desejar (Gn.14:19; Ne.9:6; Ex.18:11; Dt.10:14,17; ICr.29:11; IICr.20:6; Jr.27:5; At.17:24-26; Jd.4; Sl.22:28; 47:2,3,8; 50:10-12; 95:3-5; 135:5; 145:11-13; Ap.19:6).
a) Vontade ou autodeterminação: A perfeição de Deus pela qual Ele, num ato sumamente simples, dirige-se à Si mesmo como o Sumo Bem (deleita-se em Si mesmo como tal) e às Suas criaturas por amor do Seu nome (Is.48:9,11,14; Ez.20:9,14,22,44; Ez.36:21-23).
Vontade Preceptiva: Na qual Deus estabeleceu preceitos morais para reger a vida de Suas criaturas racionais. Esta vontade pode ser desobedecida com freqüência (At.13:22; IJo.2:17; Dt.8:20).
Vontade decretória: Pela qual Deus projeta ou decreta tudo o que virá a acontecer, quer pretenda realizá-lo causativamente, quer permita que venha a ocorrer por meio da livre ação de suas criaturas (At.2:23; Is.46:9-11). A vontade decretória é sempre obedecida.
A vontade decretória e a vontade preceptiva relacionam-se ao propósito em realizar algo.
Vontade de eudokia: Na qual Deus deleita-se com prazer em realizar um fato e com desejo de ver alguma coisa feita. Esta vontade, embora não se relacione com o propósito de fazer algo, mas sim com o prazer de fazer algo, contudo corresponde àquilo que será realizado com certeza, tal como acontece com a vontade decretória (Sl.115:3; Is.44:28; Is.55:11).
Vontade de eurestia: Na qual Deus deleita-se com prazer ao vê-la cumprida por Suas criaturas. Esta vontade abrange aquilo que a Deus apraz que Suas criaturas façam, mas que pode ser desobedecido, tal como acontece com a vontade preceptiva (Is.65:12).
A vontade de eudokia não se refere somente ao bem, e nela não está sempre presente o elemento de deleite (Mt.11:26). A vontade de eudokia e a vontade de eurestia relacionam-se ao prazer em realizar algo.
Vontade de beneplacitum: Também chamada Vontade Secreta. Abrange todo o conselho secreto e oculto de Deus. Quando esta vontade nos é revelada, ela torna-se na Vontade do Signum ou Vontade Revelada.
A distinção entre a vontade de beneplacitum e a vontade de signum encontra-se em Deuteronomio.29:29.
A vontade secreta é mencionada em Sl.115:3; Dn.4:17,25,32,35; Rm.9:18,19; Rm.11:33,34; Ef.1:5,9,11, enquanto que a vontade revelada é mencionada em Mt.7:21; Mt.12:50; Jo.4:34; Jo.7:17; Rm.12:2). Esta vontade está mui perto de nós (Dt.30:14; Rm.10:8).
A vontade secreta de Deus pertence a todas as coisas que Ele quer efetuar ou permitir, tal como acontece na vontade decretória, sendo portanto, absolutamente fixa e irrevogável.
b) Liberdade: A perfeição de Deus no exercício de Sua vontade. Deus age necessária e livremente. Assim como há conhecimento necessário e conhecimento livre, há também uma voluntas necessária = vontade necessária e uma voluntas libera = vontade livre. Na vontade necessária Deus não está sob nenhuma compulsão, mas age de acordo com a lei do Seu Ser, pois Ele necessariamente quer a Si próprio e quer a Sua natureza santa. Deus necessariamente se ama a Si próprio e Suas perfeições.
As Suas criaturas são objetos de Sua vontade livre, pois Deus determina voluntariamente o que e quem Ele criará; e os tempos, lugares e circunstâncias de suas vidas. Ele traça as veredas de todas as Suas criaturas, determina o seu destino e as utiliza para Seus propósitos (Jó.ll:10; Jó.23:13,14; Jó.33:13. Pv.16:4; Pv.21:1; Is.10:15; Is.29:16; Is.45:9; Mt.20:15; Ap.4:11;Rm.9:15-22; ICo.12:11).

Atributos Morais
Santidade
É a perfeição de Deus, em virtude da qual Ele eternamente quer manter e mantém a Sua excelência moral, aborrece o pecado, e exige pureza moral em suas criaturas. Ser Santo vem do hebraico kadosh que significa cortar ou separar. A santidade de Deus possui dois diferentes aspectos, podendo ser positiva ou negativa (Hb.1:9;Am.5:15; Rm.12:9).
a) Santidade Positiva: Expressa excelência moral de Deus na qual Ele é absolutamente perfeito, puro e íntegro em Sua natureza e Seu caráter (IJo.1:5; Is.57:15; IPe.1:15,16; Hc.1:13). A santidade positiva é amor ao bem.
b) Santidade Negativa: Significa que Deus é inteiramente separado de tudo quanto é mal e de tudo quanto o aborrece (Lv.11:43-45; Dt.23:14; Jó.34:10; Pv.15:9,26; Is.59:1,2; Lc.20:26; Hc. 1:13; Pv.6:16-19; Dt.25:16; Sl.5:4-6). A santidade negativa é ódio ao mal.
Além de possuir dois aspectos a santidade de Deus possui também duas maneiras diferentes de manifestar-se:
c) Retidão: Também chamada justiça absoluta, é a retidão da natureza divina, em virtude da qual Ele é infinitamente Reto em Si mesmo (santidade legislativa). Sl.145:17; Jr.12:1; Jo.17:25; Sl.116:5; Ed.9:15.
d) Justiça: Também chamada justiça relativa, é a execução da retidão ou a expressão da justiça absoluta (santidade judicial). Strong a chama de santidade transitiva. A retidão é a fonte da Santidade de Deus, a justiça é a demonstração de Sua santidade.
A justiça de Deus pode ser retributiva e remunerativa. A justiça retributiva se divide em punitiva e corretiva. A justiça punitiva é aquela pela qual Deus pune os pecadores pela transgressão de Suas leis. Esta justiça de Deus exige a execução das penalidades impostas por Suas leis (Sl.3:5;11:4-7 Dt.32:4; Dn.9:12,14; Ex.9:23-27;34:7). A justiça corretiva é aquela pela qual Deus "pune" Seus filhos para corrigi-los (Hb.12:6,7). Aqueles que não são Seus filhos, Deus pune como um Juiz Severo (Rm.11:22; Hb.10:31), mas aos Seus filhos, Deus "pune" (corrige) como um Pai Amoroso (Jr.10:24;30:11;46:28; Sl.89:30-33; ICr.21:13) A justiça remunerativa é aquela pela qual Deus recompensa, com Suas bênçãos, aos homens pela obediência de Suas leis (Hb.6:10; IITm.4:8; ICo.4:5;3:11-15; Rm.2:6-10; IIJo.8).
e) Ira: Esta deve ser considerada como um aspecto negativo da santidade de Deus, pois em Sua ira Deus aborrece o pecado e odeia tudo quanto contraria Sua santidade (Dt.32:39-41; Rm.11:22; Sl.95:11; Dt.1:34-37; Sl.95:11). Podemos, então, dizer que a ira é a manifestação da santidade negativa de Deus (Rm.1:18; IITs.1:5-10; Rm.5:9 etc.). A ira é também designada de severidade (Rm.11:22).

Bondade
É uma concepção genérica incluindo diversas variedades que se distinguem de acordo com os seus objetos. Bondade é perfeição absoluta e felicidade perfeita em Si mesmo (Mc.10:18; Lc.18:18,19; Sl.33:5; Sl.119:68; Sl.107:8; Na.1:7). A bondade implica na disposição de transmitir felicidade.
a) Benevolência: É a bondade de Deus para com Suas criaturas em geral. E' a perfeição de Deus que O leva a tratar benévola e generosamente todas as Suas criaturas (Sl.145:9,15,16; Sl.36:6;104:21; Mt.5:45;6:26; Lc.6:35; At.14:17). Thiessen define benevolência como “a afeição que Deus sente e manifesta para com Suas criaturas sensíveis e racionais”. Ela resulta do fato de que a criatura é obra Sua; Ele não pode odiar qualquer coisa que tenha feito (Jó.14:15) mas apenas àquilo que foi acrescentado à Sua obra, que é o pecado (Ec.7:29).
b) Beneficência: Enquanto que a benevolência é a bondade de Deus considerada em sua intenção ou disposição, a beneficência é a bondade em ação, quando seus atributos são conferidos.
c) Complacência: É a aprovação às boas ações ou disposições. É aquilo em Deus que aprova todas as Suas próprias perfeições como também aquilo que se conforma com Ele (Sl.35:27; Sl.51:6; Is.42:1; Mt.3:17; Hb.13:16).
d) Longanimidade ou Paciência: No hebraico erek'aph significa grande de rosto e daí também lento para a ira. No grego makrothymia significa longe da ira. Portanto longanimidade é o aspecto da bondade de Deus em virtude do qual Ele tolera os pecadores, a despeito de sua prolongada desobediência. A longanimidade revela-se no adiamento do merecido julgamento (Ex.34:6; Sl.86:15; Rm.2:4; Rm.9:22; IPe.3:20; IIPe.3:15)
e) Misericórdia: Também expressada pelos sinônimos compaixão, compassividade, piedade, benignidade, clemência e generosidade. É a bondade de Deus demonstrada para com os que se acham na miséria ou na desgraça, independentemente dos seus méritos (Dt.5:10; Sl.57:10; Sl.86:5; ICr.16:34; IICr.7:6; Sl.116:5; Sl.136; Ed.3:11; Sl.145:9; Ez.18:23,32; Ex.33:11; Lc.6:35; Sl.143:12; Jó 6:14).
A paciência difere da misericórdia apenas na consideração formal do objeto, pois a misericórdia considera a criatura como infeliz, a paciência considera a criatura como criminosa; a misericórdia tem pena do ser humano em sua infelicidade, a paciência tolera o pecado que gerou a infelicidade. A infelicidade e sofrimento deriva-se de um justo desagrado divino, portanto exercer misericórdia é o ato divino de livrar o pecador do sofrimento pelo qual ele justamente e merecidamente deveria passar, como conseqüência do desagrado divino.
f) Graça: É a bondade de Deus exercida em prol da pessoa indigna. Portanto graça é o ato divino de conceder ao pecador toda a bondade de Deus a qual ele não merece receber (Ex.33:19).
Na misericórdia Deus suspende o sofrimento merecido, na graça Deus concede bênçãos não merecidas. Todo pecador merece ir para o inferno; assim Deus exerce Sua misericórdia livrando o pecador da condenação. Nenhum pecador merece ir para o paraíso; assim Deus exerce a Sua graça doando ao pecador o privilégio de ir gratuitamente para o paraíso.
Essa diferença entre misericórdia e graça é notada em relação aos anjos que não caíram. Deus nunca exerceu misericórdia para com eles, posto que jamais tiveram necessidade dela, pois não pecaram, nem ficaram debaixo dos efeitos da maldição. Todavia eles são objetos da livre e soberana graça de Deus pela qual foram eleitos (ITm.5:21) e preservados eternamente de pecado e colocados em posição de honra (Dn.7:10; IPe.3:22).
g) Amor: A perfeição da natureza divina pela qual Ele é continuamente impelido a se comunicar. É, entretanto, não apenas um impulso emocional, mas uma afeição racional e voluntária, sendo fundamentada na verdade e santidade e no exercício da livre escolha. Este amor encontra seus objetos primários nas Pessoas da Trindade. Assim, o universo e o homem são desnecessários para o exercício do amor de Deus. Amor é, portanto, a perfeição de Deus pela qual Ele é movido eternamente à Sua própria comunicação. Ele ama a Si mesmo, Suas virtudes, Sua obra e Seus dons. E demonstra graça e misericórdia por Sua criação (Ef 2.4,5; 1Jo4.7-10).

Verdade
É a consonância daquilo que é asseverado com o que pensa a Pessoa que fez a asseveração. Neste sentido a verdade é um atributo exclusivamente divino, pois com freqüência os homens erram nos testemunhos que prestam, simplesmente por estarem equivocados a respeito dos fatos, ou então por pura incapacidade fracassam em promessas que fizeram com honestas intenções. Mas a onisciência de Deus impede que Ele chegue a cometer qualquer equívoco, e a Sua onipotência e imutabilidade asseguram o cumprimento de Suas intenções (Dt.32:4; Sl.119:142; Jo.8:26; Rm.3:4; Tt.1:2; Nm.23:19; Hb.6:18; Ap.3:7; Jo.17:3; IJo.5:20; Jr.10:10; Jo.3:33; ITs.1:9; Ap.6:10; Sl.31:5; Jr.5:3; Is.25:1). Ao exercê-la para com a criatura, a verdade de Deus é conhecida como sua veracidade e fidelidade.
a) Veracidade: Consiste nas declarações que Deus faz a respeito das coisas, conforme elas são, e se relaciona com o que Ele revelou sobre Si mesmo. A veracidade fundamenta-se na onisciência de Deus.
b) Fidelidade: Consiste no exato cumprimento de Suas promessas ou ameaças. A fidelidade fundamenta-se na Sua onipotência e imutabilidade (Dt.7:9; Sl.36:5; ICo.1:9; Hb.10:23; Dt.4:24; IITm.2:13; Sl.89:8; Lm.3:23; Sl.119:138; Sl.119:75; Sl.89:32,33; ITs.5:24; IPe.4:19; Hb.10:23).

São Paulo, 5 de Agosto de 2005.

jeudi 26 août 2010

História da tradição ou história da salvação


Para meus alunos de História e Religião de Israel e outr@s.

Se partirmos de Von Rad, historiador e teólogo do Antigo Testamento, há um aparente confronto entre a pesquisa histórica moderna, histórico-crítica, e a definida pela fé de Israel, a história da salvação. Ele considera que o quadro da história de Israel a partir do método histórico-crítico busca um mínimo irrefutável que é a preocupação com a história. Já a perspectiva querigmática, moldada pela fé, pende para um maximum teológico: se debruça sobre o mundo de testemunhos originado na fé para compreender o quadro querigmático.

O ponto crucial desse confronto entre a pesquisa histórica moderna e a história da salvação é a ausência de premissas de fé ou de revelação no programa histórico-crítico da história de Israel, uma vez a historiografia moderna não considera a hipótese do elemento Deus.

Mas Von Rad rejeita a ideia de não considerar histórico o quadro querigmático, ou de considerar apenas histórico o quadro histórico-crítico, pois sustenta que a apreciação querigmática também está fundamentada numa história acontecida e narrada, não tendo sido obra de imaginação, pois foi percorrida por uma estrada que o próprio Iavé fez. Assim, a história traduz-se na revelação de Iavé através de atos e palavras. Para ele, não é que o cerne histórico esteja envolto em ficção, mas que a experiência de fé do narrador, presente na saga, é histórica e resulta de um conteúdo teológico.

Dessa maneira, Von Rad considerou que as duas perspectivas da história de Israel podiam imbricar-se na construção da teologia do Antigo Testamento, alertando para o fato de que o quadro querigmático, na maioria das vezes, é ignorado pela corrente histórico-crítica.

Ao adotar a tese de Von Rad de que o Antigo Testamento é um livro de história ou testemunhos, Franz Hesse fez uma nova leitura dela. Considerou que se deve dar uma ênfase teológica a história de Israel, mesmo quando esta é reconstituída pelo método histórico-crítico. Isto é relevante, pois para Hesse a fé precisa basear-se no que aconteceu e não no que se declara ter acontecido.

Hesse parte assim da duplicidade de Von Rad, ou seja, de que a história secular deve tratar da história de Israel, e que a versão querigmática tem relevância teológica. Mas propõe que se trabalhe alguns termos para entendermos a diferença entre as duas perspectivas da história de Israel: real ou irreal, isto é, o que é história e o que é fé, ou tradição; correta ou incorreta, querigma não é formador da fé, mas a realidade histórica, sim.

Hesse procura, assim, derrubar as duas versões da história de Israel ao identificar a apreciação histórico-crítica da história de Israel com a história da salvação. Afirma que a história da salvação está presente em tudo que o povo de Israel experimentou no decorrer dos séculos, em tudo que realizou e em tudo que sofreu. Esta compreensão não anda de mãos dadas com a história de Israel, não pertence a uma esfera superior, não é idêntica à história de Israel, mas é real e correta.

Diz, dessa forma, que é impossível uma separação entre a história de Israel e a história da salvação no Antigo Testamento, que a história da salvação oculta-se na história de Israel, por meio dela e por trás dela. E conclui que toda história do povo de Israel e seus aspectos são os objetos da pesquisa teológica. Hesse fundamenta, assim, a história da salvação na versão histórico-crítica da história de Israel.

Já Walter Eichrodt objeta o dualismo de Von Rad, de dois quadros da história de Israel. Faz uma distinção entre os fatos extrínsecos da história da salvação do Antigo Testamento e a experiência decisiva. Isto é, entre o domínio de Deus sobre o espírito humano através de sua presença no íntimo. É neste ponto, na criação e expansão do povo de Deus, na consciência do relacionamento da aliança, que ocorre a experiência decisiva, sem a qual todos os fatos extrínsecos tornam-se mitos. Eichrodt acha necessária uma reconciliação das duas versões da história de Israel.

Também Friedrich Baumgarten critica a tentativa de Von Rad de solucionar a questão teológica da interpretação da história e da tradição. E o faz com uma afirmação taxativa: diz que nenhuma das duas versões tem relevância teológica para a fé cristã, porque o Antigo Testamento é o testemunho de uma religião não-cristã. Respondendo a Baumgarten, Claus Westermann coloca a questão que qualquer estudante de teologia colocaria: então, a Igreja poderia passar sem o Antigo Testamento?

Vejamos de uma forma rápida, só para ajudar o estudante de teologia do Antigo Testamento, as posições de alguns estudiosos matriciais: Weiser e Hempel reconhecem, a partir de Von Rad, que a realidade histórica e a expressão querigmática, isto é, fato e interpretação formam uma unidade no Antigo Testamento.

Já Georg Fohrer defende que, se existe uma unidade fundamental entre fato e interpretação, entre evento e palavra, não devemos contrapor uma compreensão contra outra, porque os autores do Antigo Testamento se utilizaram de tradições que consideravam históricas.

A história, afirma Wolfhart Pannenberg, constitui o mais amplo horizonte da teologia cristã. Ela é realidade em seu todo desde o nascente Israel até o presente. A revelação de Deus é, portanto, o significado inerente da história e não algo que lhe foi acrescentado. Assim, Pannenberg enquadra a história da salvação na história universal.

Já Rendtorff propôs que se estabelecesse uma relação entre a história da salvação e a apreciação histórico-critica da história de Israel, combinando a divisão, história de Israel, história da tradição e teologia do Antigo Testamento em um novo gênero de pesquisa. O método histórico-crítico deveria, então, ser transformado e ampliado de forma a incluir também a revelação de Deus na história.

O ponto de partida da teologia de Von Rad, diz H. J. Kraus, tem um cunho nitidamente histórico-crítico, já que sua teologia do Antigo Testamento é uma teologia das tradições. Parafraseando Kraus, e fazendo a nossa crítica pontual a Von Rad, podemos dizer que a teologia do Antigo Testamento só é teologia pelo fato de “aceitar o contexto textual do cânon como verdade histórica, que carece de explicação e interpretação sumárias”. Ora, se esta é a situação da teologia do Antigo Testamento, então, não deve ser considerada história da revelação.

E eis aqui um resumo que pode ajudar: qual é o centro da teologia do Antigo Testamento?

Para Eichrodt é a aliança; para E. Sellin é a santidade de Deus; para Ludwig Kohler é o fato de que Deus é o Senhor; para Hans Nildberger é a eleição de Israel como povo de Deus; para Günther Klein é o reino de Deus; para Georg Fohrer é o governo de Deus e a comunhão Deus/humano; para Horst Seebass é o governo de Deus; para Uriezem é o fato de que Deus é o foco de todos os escritos; e para Von Rad é o fato de que Iavé é o centro. Ele, porém, parte de um centro secreto: Deus atua na história, e é na história que Deus revela o segredo de sua Pessoa.

A partir de Von Rad e de seus críticos e seguidores podemos dizer que o Antigo Testamento é um livro de história, história de Deus e de Israel, história de Deus e das nações, história de Deus e do mundo.

Fonte
HASEL, Gerhard F., Teologia do Antigo Testamento, Questões Fundamentais no Debate Atual, Juerp, São Paulo. Capítulos 3 e 4.

lundi 23 août 2010

A paridade entre o cristianismo e a consciência social crítica e militante


A práxis socialista só pode ser compreendida a partir do desenvolvimento econômico e espiritual e sua permanência está ligada diretamente ao cristianismo. Foi do interior do cristianismo que brotou a consciência e a militância social e, por isso, um socialismo sem pressupostos cristãos se mostra capenga. Ou seja, aqueles que defendem o socialismo devem defender também os princípios sobre os quais ele repousa.

Conforme explica Paul Tillich em artigo publicado em “Das neue Deutschland”, de 1919, a consciência e a militância social são produtos do desenvolvimento econômico e espiritual, que surgiu lentamente e que se impôs com a Renascença, a Reforma e o o capitalismo. A consciência e a militância social brotaram em oposição à cultura autoritária e unitária da Idade Média e sedimentaram suas bases nas criações culturais dos últimos séculos.

A organização econômica e espiritual da Idade Média estava fundada sobre um sistema de centralização da autoridade que, ancorado no sobrenatural, associava a natureza e a sobrenatureza numa unidade poderosa, à qual os povos se encontravam sujeitos.

A Reforma, sustentada pela visão humanista que surge com a Renascença, golpeou o sistema de autoridade, trouxe a fé para o plano formal ao recorrer à autoridade dos textos escriturísticos judaico-cristãos e no plano material valorizou a subjetividade da consciência pessoal.

Apoiada formalmente sobre os textos escriturísticos judaico-cristãos, o protestantismo eclesiástico engendrou novas contradições. Mas o sistema centralizado de autoridade já estava em frangalhos: as autoridades anularam a autoridade. Agora cabia ao indivíduo decidir a que grupo ele queria ligar-se.

Por causa das guerras religiosas, essa realidade viveu um processo lento transmitindo a cada lado a esperança de que poderia chegar a uma vitória exclusiva. Mas com o fim dos combates o que se viu é que as oposições às confissões se tornaram permanentes. Dessa maneira, brotou o espírito autônomo e crítico nos mais variados campos. A consciência européia ocidental se tornou adulta, atacou as muralhas autoritárias das confissões e não deixou subsistir sob o solo protestante nada mais que destroços do constrangimento autoritário.

René Descartes deu seu golpe decisivo. A certeza que eu tenho de mim mesmo é o princípio de toda certeza objetiva. Embora a autoridade não possa me livrar da dúvida, é em mim mesmo, somente, que se enraíza a certeza. E o Iluminismo tirou suas conclusões: toda tradição deve ser submetida à crítica.

No domínio econômico, espiritual e político nada ficou de positivo que não fosse pensado, confrontado com a consciência, medido e negado. Os sistemas de fé, as formas de Estado, as definições econômicas sofreram o assalto da autonomia, que não livraram nada, que não tiveram nenhum respeito pelas autoridades humanas e divinas.

Lamentou-se a perda do sistema de autoridade ou festejou-se tal acontecimento como um passo em direção à maturidade cultural. De todas as maneiras, houve o reconhecimento de que a vida cultural não podia ser pensada sem autonomia e que a consciência e a práxis social estão presente em todos os lugares. Líderes e camponeses tiveram o mesmo sentimento, conquistaram a liberdade das mãos do autoritarismo irracional, fosse ele imanente ou transcendente. Este foi o primeiro fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Do lado positivo, a autonomia significou o reinado da razão. Pela primeira vez, depois de um milênio e meio, a razão humana não via limites para seu poder. Através da análise ela penetrou as profundezas da vida cultural e social, simultaneamente, e através da síntese dos elementos descobertos apresentou um sistema novo, racional. Depois de séculos de arbítrio, as pessoas foram possuídas por uma vontade de dar forma ao mundo de maneira racional.

E a vida econômica também foi formulada racionalmente. Não era o prazer de certos indivíduos ou povos que deveriam fazer a lei, mas era a humanidade inteira, que é sujeito e objeto dos processos econômicos, quem deveria fazê-lo a partir de critérios racionais. A mesma autonomia que substituiu a autoridade, a partir da razão precisava construir um mundo sem arbítrio. Eis o segundo fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Sem dúvida, foi Karl Marx quem introduziu o pensamento histórico objetivo a partir do idealismo alemão no socialismo, ao dizer que a razão precisa ser separada da subjetividade e colocada ao nível das necessidades objetivas. O processo dialético é racional e a fé nele é uma fé na razão: uma fé que adquire uma força enorme graças à sua amarração metafísica objetiva e que se tornaria o dogma fundamental de milhões de pessoas.

Foi o processo da própria história que fez o mundo conformar-se à razão e levou este combate a tornar-se vitorioso. E foi essa vitória que deu cara ao mundo que conhecemos como moderno.

A fé na razão está fundamentada sobre os resultados conquistados pela ciência da natureza. Mas atrás da ciência da natureza veio a cultura moderna. Preparada de várias maneiras a partir do fim da Idade Média, ela surgiu com uma força irresistível na Renascença e conduziu a uma afirmação alegre deste mundo, que durante muito tempo foi negado, desdenhado e rebaixado por outro onírico e místico.

Os outros mundos empalideceram diante da nova astronomia, diante da validade universal das leis da natureza, diante da redescoberta da beleza do real na arte, diante da consciência de unidade do finito e do infinito na filosofia da natureza. Foi assim que a imanência ressoou no humanismo e na filosofia das Luzes, com Goethe e no idealismo alemão, da mesma maneira que o socialismo se uniu à consciência da autonomia e à fé do poder formador da razão na construção de um sentimento unitário da vida e do mundo. Este foi o terceiro fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Se o socialismo é, nesse sentido, uma herança da cultura universal, ele teve, no entanto, uma originalidade que não se restringiu aos conceitos, mas à experiência vivida. O conceito de humanidade, que manifesta a vitória da idéia de tolerância, não teve no desenvolvimento da práxis burguesa mais que uma realização acidental. A consciência da humanidade foi neutralizada pela consciência de classe, educação e de dependência nacional.

A humanidade se colocou antes de tudo no campo das confissões, sob formas absolutamente contrárias a idéia de uma transformação racional do mundo. E foi pela pressão econômica e política sobre os trabalhadores, nos primeiros decênios do capitalismo, que nasceu uma consciência solidária, no coração do qual está presente o sentimento universal de humanidade, que se opõe àquele que vê as pessoas como meios e não como fim.

O combate contra o feudalismo, o capitalismo, o nacionalismo e o confessionalismo constituiu a expressão negativa da consciência incondicional de humanidade, que derruba barreiras e reconhece a pessoa em cada ser humano. Este foi o quarto fato que o cristianismo teve de levar em conta.

Esses elementos formadores da consciência social crítica e militante são fundamentais para a compreensão das relações entre cristianismo e socialismo. Eles possibilitam entender até que ponto o cristianismo pode ter uma atitude positiva em relação à essa consciência social crítica e militante.

Um sistema como o catolicismo pré-Vaticano II, que foi erigido sobre o princípio da autoridade centralizada, só pode se opor a um movimento autônomo como o socialismo. Esse tipo de catolicismo e o socialismo são opostos na medida em que o catolicismo se afirma enquanto sistema de autoridade.

Eles se colocam como opostos mesmo quando o catolicismo aceita as exigências do socialismo em matéria de economia política. Entre os católicos continua a ser determinante a ética social do tomismo, estabelecida de maneira autoritária, em estreita relação com a dogmática. Ela permite uma ampla margem de manobra, mas a unidade do sistema católico impõe limites bem definidos, que uma doutrina econômica autônoma não pode jamais reconhecer.

O protestantismo quebrou o sistema de autoridade em seu princípio-base e deu voz à autonomia. É um erro considerar de forma heterônoma as palavras de Jesus ou dizer que o comportamento da comunidade de Jerusalém em Atos dos Apóstolos conduz a uma política econômica socialista.

Do ponto de vista histórico, os fatos não são assim tão simples, porque Jesus não levantou um programa de reforma social radical, embora convencido da irrupção iminente do reino de Deus tenha apresentado aos seus discípulos as conseqüências éticas do mandato do amor.

Fazendo uma abstração histórica, deve-se reconhecer que no terreno da autonomia, a justiça de uma ética social ou a verdade de uma doutrina não depende de sua conformidade às escrituras judaico-cristãs. Por isso, a consciência social crítica e militante pode ter por base, num determinado contexto, um sólido apoio psicológico a seu favor, enquanto convicção pessoal, que não nasce da autoridade imposta.

Quando os laços do cristianismo com a consciência social crítica e militante estão fundamentados de maneira heterônoma sobre as escrituras judaico-cristãs, não há um protestantismo autêntico, mas uma legalidade sectária. Isto porque o protestantismo como essência é autônomo. Mas, sem dúvida, as fórmulas “pela graça somente” e “pela fé somente” transportaram vida ao domínio do conhecimento, ao rejeitarem o legalismo, o farisaísmo da posse da verdade e o desejo de querer impor a verdade aos outros.

A religião e o espírito autônomo podem ser entendidos como paritários quando se chega a essa união através da autonomia, que livra do arbítrio. Diante da decomposição da cultura burguesa, o socialismo propôs a criação uma nova vida cultural e social unidas sobre a base de uma economia unificada. Mas tal proposta só é possível quando a autonomia caminha em direção à teonomia. Ou seja, é necessário uma práxis que permita à incondicionalidade apoderar-se de todas as realidades. Este é um ponto sobre o qual cristianismo e socialismo precisam se colocar de acordo.

A idéia de dar forma racional do mundo fez oposição à concepção do cristianismo que via o mundo como contra-divino e a razão como caída, e que via a redenção não como ação que dá feitio ao mundo, e o conhecimento não como razão, mas como revelação. Por isso, nesses últimos séculos, a teologia protestante propôs-se a superar a oposição entre razão e revelação, através da idéia de uma história universal da revelação, humana e imanente ao espírito, que nada mais é que a história do espírito em geral e do cristianismo em particular.

Essa concepção ética elaborada pela cultura protestante considerou que a pessoalidade livre é impossível sem o fundamento natural de sua individualidade psíquica e corporal, com suas inevitáveis particularidades lógicas, fisiológicas e biológicas e que o valor da pessoalidade consiste em ir além, elevar-se acima dessa naturalidade.

Tal concepção de mundo, que repousa sobre o absoluto, que aprofunda esta contradição entre o ser e o mérito, fundamento de toda liberdade moral, não é um estado ideal, pois seria onírico, desprovido de liberdade e de mérito inferior. Assim, o protestantismo traduziu uma vontade de dar forma ao mundo de maneira imanente: o reino de Deus vem ao mundo. Mas, ao mesmo tempo, tal concepção apresentou limitações: o dar feitio está situado no âmbito da técnica, não no da ética, no âmbito da categoria de meio e de fim e não dos juízos e do mérito.

Fazer é técnica, mas a técnica não é o fim em si, não é um fim último. Mesmo que toda economia fosse uma produção racional, a organização jurídica englobasse todos os povos, a vida material estivesse livre do imprevisível, restaria ainda o mérito da pessoalidade, a revelação do espírito e a idéia criativa que traduzem graça e brotam das profundezas do fazer.

Por isso, e essa será uma das sacadas de Tillich, é importante que o olhar lançado nas profundezas da existência não seja turvado, que a fé enquanto experiência da incondicionalidade apóie a vontade de dar forma ao mundo e a livre do vazio e do nada de uma simples tecnificação do mundo. Esta é outra questão sobre a qual cristianismo e socialismo devem se colocar em acordo, pois é com a experiência do imanente que surge claramente a oposição entre o socialismo e o cristianismo, já que o cristianismo está comprometido, enquanto fé, com o lá em cima, e o socialismo voltado para o aqui embaixo. Mas esta oposição não é correta.

Lá onde se vive a profundidade última da experiência humana, onde a experiência da incondicionalidade é pronunciada sobre todas as coisas e sobre todos os méritos, é onde acontece a supressão da oposição entre o em cima absoluto, perfeito, e o embaixo relativo. Sim e não são pronunciados sobre o aqui embaixo, que afinal é a única realidade conhecida. É no coração das pessoas que acontece a separação entre céu e terra, o julgamento paradoxal que confronta absoluto e relativo, perfeito e vão, eterno e terrestre. É assim que devemos entender a teologia do “somente pela fé”, que não admite nem perfeição, nem conhecimento, nem estado absolutos, mas que vê brotar o absoluto em todo relativo.

Temos aqui o fundamento da compreensão positiva que cristianismo nos dá sobre a questão da imanência. Mas aqui também o cristianismo deve oferecer ao socialismo alguma coisa sem a qual ele não pode existir: a experiência vitoriosa da incondicionalidade em tudo que está condicionado, imanente, na totalidade do real.

Existe uma atitude profana e uma atitude religiosa no olhar o mundo: essas atitudes se tornam nulas num estado puro, exclusivo. Num, a primeira predomina fortemente, noutra, a segunda. Pode-se conceber a arte, a ciência, a moralidade, a vida econômica e jurídica, a política exterior e nacional como fazeres profanos e se pode concebê-las de maneira religiosa.

Pode-se vê-las como atividades úteis e agradáveis, necessárias e desagradáveis, mas pode-se ver o espírito agir nelas e ver a vida nelas se revelar e, por isso, aproximar-se de tais coisas com respeito.

O espírito religioso está vivo no movimento socialista: é uma vibração religiosa que circula através das massas. Mas há também presenças profanas no movimento, mesmo entre seus ‘padres’ e ‘bispos’. A santificação da vida cultural no geral e no socialismo em particular é a marca deixada pelo cristianismo no socialismo. Este é a terceira questão sobre a qual cristianismo e socialismo devem entrar em acordo.

A santificação da vida cultural não será possível sem uma concentração dos elementos religiosos mais expressivos da cultura e da sociedade, sem a constituição de comunidades que estejam imbuídas em aprofundar e transmitir a experiência religiosa às gerações futuras. É para isso que servem idéias expressivas e as instituições, que existem com toda a sua riqueza e sua vitalidade no seio das confissões, e que a partir da força de uma tradição provada apresentam um vigor popular em oposição a uma interconfessionalidade racionalista e artificial.

Sem desejar apresentar uma nova forma de confessionalismo, com verdades e formas absolutas, devemos insistir na necessidade de falar sobre um quarto ponto: a experiência humana universal.

Esta experiência tem seu fundamento nada menos que no próprio cristianismo. Nós podemos ver na cruz de Cristo não somente a negação do judaísmo, mas também do cristianismo, no sentido de que se absolutiza enquanto confissão.

As comunidades cristãs não podem deixar essa consciência tomar-se efetiva, pois é sobre este terreno que se deram as condições para as guerras religiosas. Em relação a isso o espírito deve ser autônomo. O caminho da cultura cristã é entender esta consciência como elemento agregador de todas as culturas e todas as confissões, sem aboli-las, inspirando um sentimento de comunhão mais profundo que todas as barreiras concebíveis.

O cristianismo confere assim conteúdo à experiência humana. A solidariedade nascida da pressão exterior deixa de existir quando a pressão cessa. Os fatos confirmam isso. O socialismo falha em relação ao sentimento de comunidade que suscita a unidade a partir das profundezas últimas do humano, lá onde o incondicionado desperta a alma.

Não devemos entender o cristianismo como confissão exclusiva, mas como brotar da fé, incondicionalidade que vê uma só humanidade, sem as barreiras internas e externas que caracterizam as comunidades. Esta fé não se mostra hostil a não ser com os domínios econômicos, políticos e religiosos, que se colocam eles próprios contra os outros.

Estes são os fundamentos da paridade entre o cristianismo e a consciência social crítica e militante que deve ser mais que uma associação, que traduz um desenvolvimento de ambos através de uma nova forma de fé e vida. E qual é o papel dos cristãos e dos militantes da consciência social crítica neste desenvolvimento? Essa questão deverá ser respondida no futuro próximo, já que exige uma postura diferente daquela que cristãos e socialistas tiveram até agora.

Fonte
Paul Tillich, Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, Christianisme et Socialisme I, pp.24-30.

vendredi 20 août 2010

Protestantismo de missão comemora 155 anos


Sergio Prates Lima

Exatamente há 155 anos, em Petrópolis, era dado o pontapé inicial da Escola Dominical em caráter permanente no Brasil, numa classe com cinco crianças estrangeiras, numa classe dirigida pela missionária inglesa Sarah Poulton Kalley, esposa do pastor, médico e missionário escocês Robert Reid Kalley. Kalley, após um período em Portugal, na Ilha da Madeira, onde implementara diversas escolas de primeiras letras, aliando às prédicas atendimento médico e farmacêutico à população, tendo sido condecorado pelas autoridades funchalenses com o título de O Bom Doutor Inglês, viu a situação mudar e sofreu perseguições, junto com seus seguidores, fato denominado por pesquisadores locais como a Diáspora Portuguesa, fato que levou cerca de dois mil madeirenses a procurar o exílio, dirigindo-se para os Estados Unidos, Trinidad e Tobago, Havaí e mesmo Brasil.

Já viúvo e casado em segundas núpcias, Kalley aportou no Rio de Janeiro em 10 de maio de 1855. Mudou-se para Petrópolis em busca de melhores ares e sossego, tornando-se vizinho do palácio de verão do imperador, D. Pedro II, de quem viria a se tornar amigo. A primeira igreja foi organizada na Corte, no Rio de Janeiro, em julho de 1858, a Igreja Evangélica Fluminense, no centro da cidade hoje, Rua Camerino.

Era uma igreja de pobres, de escravos forros e de mascates, mas que prestou relevantes serviços à comunidade acatólica do país, ao inserir-se na luta pelos direitos dos acatólicos, especialmente na questão dos direitos civis e o respectivo registro civil, já que nascimento, casamento e óbitos, com seus respectivos registros eram prerrogativas católicas e aos seus seguidores, sendo o catolicismo a religião oficial do Império Brasileiro.

Kalley foi um grande batalhador em prol dessa e de outras causas, escrevendo artigos na imprensa secular, publicando folhetos e livretos, distribuídos junto às Bíblias pelos colportores que arregimentou. É dele também a denominada Pastoral da Liberdade (sugiro sua leitura em artigo escrito por Douglas Nassif Cardoso, publicado em revista da UMESP), em que condena veementemente a escravidão então vigente em nosso país.

Dois membros da igreja tinham escravos e foi-lhes dado, pela igreja, um prazo para alforriá-los. O que o fez, continuou como membro da igreja e o que se recusou a fazê-lo foi excluído pela igreja. Essa posição progressista da Igreja Evangélica Fluminense certamente é desconhecida pela maioria dos protestantes/evangélicos do país, tendo em vista a especificidade do ministério de Kalley; embora de origem presbiteriana, era desvinculado de sua igreja de origem e era independente, mantendo-se às suas expensas, contando também com a ajuda de amigos e familiares da esposa, ricos industriais ingleses.

Após um período de 21 anos, Kalley retornou à Escócia, deixando um importante legado. Organizou a Igreja Evangélica Fluminense, a Igreja Evangélica e Congregacional de Niterói e a Igreja Evangélica Pernambucana, que com outras dez igrejas, reunidas em 1913, deram origem ao que hoje é a União das Igrejas Evangélicas Congregacionais do Brasil, que conta com cerca de 400 igrejas em todo o país.

Que Deus continue a abençoar os evangélicos brasileiros, que têm uma importante data a comemorar.

Sergio Prates Lima -- “A História é a versão dos eventos passados sobre os quais as pessoas decidiram concordar." (Napoleão Bonaparte)

jeudi 5 août 2010

Dez falsos motivos para não votar na Dilma

Por Jorge Furtado em 25 de julho de 2010

Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.

Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia. (1)

Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o
inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.

Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.

1. “Alternância no poder é bom”. Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.

2. “Não há mais diferença entre direita e esquerda”. Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias. O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo. José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM (2), da “direita” do PMDB, além d PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.

3. “Dilma não é simpática". Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.

4. “Dilma não tem experiência”. Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.

5. “Dilma foi terrorista”. Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.

6. “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”. Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.

7. “Serra vai moralizar a política”. Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista - no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC - foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, toda sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.

8. “O PT apóia as FARC”. Argumento falso. É fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?

9. “O PT censura a imprensa”. Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.

10. “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.
Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.

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Notas
(1) Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.

1. Geração de empregos: FHC/Serra = 780 mil x Lula/Dilma = 12 milhões.
2. Salário mínimo: FHC/Serra = 64 dólares x Lula/Dilma = 290 dólares.
3. Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza): FHC/Serra = 2 milhões x Lula/Dilma = 27 milhões.
4. Risco Brasil: FHC/Serra = 2.700 pontos x Lula/Dilma = 200 pontos.
5. Dólar: FHC/Serra = R$ 3,00 x Lula/Dilma = R$ 1,78.
6. Reservas cambiais: FHC/Serra = menos 185 bilhões de dólares x Lula/Dilma = mais 239 bilhões de dólares.
7. Relação crédito/PIB: FHC/Serra = 14% x Lula/Dilma = 34%.
8. Inflação: FHC/Serra =12,5% (2002) x Lula/Dilma = 4,7% (2009).
9. Produção de automóveis: FHC/Serra = queda de 20% x Lula/Dilma = aumento de 30%.
10. Taxa de juros: FHC/Serra = 27% x Lula/Dilma = 10,75%.

(2) Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10: José Serra começou sua campanha dizendo: "Não aceito o raciocínio do nós contra eles", e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.

dimanche 1 août 2010

A bomba atômica brasileira: é assim que começa...

Texto de Tomás Rosa Bueno, publicado no blog do Luís Nassif, Brasilianas.Org

[De Bariloche, Argentina] -- Como já foi dito, o uso de balões de ensaio para “testar hipóteses” para possíveis futuros cursos de ação segue uma sequência lógica: o que hoje é delírio da imprensa de extrema-direira torna-se amanhã uma “ponderação” da imprensa “séria” e, na semana que vem, conforme as reações, surge como “preocupação” dos governos do clube atômico.

Nos poucos anos que se seguiram à adesão do Brasil ao Tratado de Não Proliferação, a acusação de que o Brasil mantinha um programa nuclear militar secreto era coisa de malucos babantes, mas foi aos poucos adquirindo respeitabilidade até instalar-se confortavelmente, pouco depois da posse do Lula, nas páginas da imprensa especializada, onde ficou dormitando por uns tempos até ser chamada a tarefas mais elevadas. Recentemente, surgiu nas manchetes da imprensa “respeitável” e vem percorrendo os circuitos habituais que essas coisas frequentam, dos blogues alarmistas às revistas especializadas. E jornais venerandos de países idem contam que a Agência Internacional de Energia Atômica, preocupada com as “zonas de sombra" do programa nuclear brasileiro, montou em maio deste ano uma “estrutura especial” de inspeção para fuçar as nossas instalações nucleares.

Agora, enquanto a AIEA e o governo dos Estados Unidos expressam a sua “preocupação” por um livro de um físico brasileiro que desvenda os segredos da ogiva nuclear W87 dos EUA, “A física dos explosivos nucleares”, a imprensa de extrema-direita dos EUA parte para a próxima etapa e eleva o tom das acusações. Já não se trata de suspeitas e especulações, mas de “informações”: o jornal The Washington Times, propriedade do nefando reverendo Moon, publicou hoje uma reportagem, na qual o Brasil é citado explicitamente, sobre a reativação da fajutíssima rede paquistanesa de contrabando de tecnologia nuclear – que levou entre outras coisas ao reinício do programa nuclear iraniano e à bomba norte-coreana, e cujo responsável, o físico Abdul Qadeer Khan, “pai da bomba atômica paquistanesa”, foi “perdoado” e circula livremente pelo mundo, em vez de estar na cadeia.

Segundo o jornal, fontes anônimas de agências de inteligência americanas relatam que, “nestes últimos meses”, agentes de diversos países, entre eles o Brasil, têm contatado pessoas ligadas a essa rede de contrabando na tentativa de a reativar – o que só pode estar sendo feito por razões inconfessáveis. O fato de o Paquistão não ter nada a ensinar ao Brasil em tecnologia nuclear – ao contrário – não parece preocupar nem as autoridades americanas anônimas nem o jornal que lhes dá voz. O importante é vincular “agentes” brasileiros à mais escandalosa e perigosa trama clandestina de proliferação nuclear de que se tem notícia – depois, é claro, da que os americanos montaram em benefício de Israel e de sabe-se lá quais outros “países amigos”; mas esta não conta, por que é “do bem”. Não falta muito para que a AIEA emita um relatório confirmando que o material físsil brasileiro não é desviado para fins clandestinos, mas que, como no Irã, a agência não pode certificar que o Brasil não tem um programa secreto.

Numa estranha “coincidência”, a tal estrutura especial de inspeção da AIEA foi montada na mesma época em que o Brasil negociou com o Irã e a Turquia o acordo de troca de combustível nuclear, num triunfo diplomático que expôs a falta de honestidade das relações do clube atômico com o Irã (e também com o Brasil e a Turquia); e a acusação de contatos excusos de brasileiros com a rede paquistanesa saiu dois dias depois que, com cautela e meio a contragosto, o Brasil interveio de novo na questão iraniana para forçar a abertura de negociações entre as partes. Talvez essa “estrutura especial” e as suas implicações funestas tenham sido um dos elementos de pressão que levaram o chanceler Celso Amorim a lamuriar-se publicamente pelos “dedos queimados” com a nossa participação nas negociações com o Irã. Outros possíveis pontos de pressão poderão vir sendo revelados aos poucos, se o governo brasileiro não cumprir a sua obrigação de revelar as chantagens de que vem sendo alvo, e quem as faz.

Há setores do Itamaraty que parecem acreditar que a nossa atuação em defesa do direito do Irã ao desenvolvimento de uma tecnologia nuclear para fins pacíficos é a causa dessa escalada das “suspeitas” sobre o nosso próprio programa nuclear, mas é obvio que elas vem se desenrolando há anos segundo um padrão comum a muitas outras situações semelhantes, entre elas a do próprio Irã. Como também é óbvio que seremos a bola da vez se, dentro das nossas ainda limitadas capacidades de intervir decisivamente no cenário internacional, não fizermos tudo o que estiver ao nosso alcance para denunciar a trama de mentiras e de razões ocultas que está por trás da tentativa de liquidar o Tratado de Não Proliferação e impor um bloqueio às transferências internacionais de tecnologia nuclear.

mercredi 21 juillet 2010

A Confissão de Fé de Guanabara

Jean de Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon e André la Fon

No dia 7 de março de 1557 chegou a Guanabara um grupo de huguenotes (calvinistas franceses) com o propósito de ajudar a estabelecer um refúgio para os calvinistas perseguidos na França. Perseguidos também na Guanabara em virtude de sua fé reformada, alguns conseguiram escapar; outros, foram condenados à morte por Villegaignon, foram enforcados e seus corpos atirados de um despenhadeiro, em 1558. Antes de morrer, entretanto, foram obrigados a professar por escrito sua fé, no prazo de doze horas, respondendo uma série de perguntas que lhes foram entregues. Eles assim o fizeram, e escreveram a primeira confissão de fé na América (ver Apêndice 2), sabendo que com ela estavam assinando a própria sentença de morte. [1]

TEXTO DA CONFISSÃO [2]

Segundo a doutrina de S. Pedro Apóstolo, em sua primeira epístola, todos os cristãos devem estar sempre prontos para dar razão da esperança que neles há, e isso com toda a doçura e benignidade, nós abaixo assinados, Senhor de Villegaignon, unanimemente (segundo a medida de graça que o Senhor nos tem concedido) damos razão, a cada ponto, como nos haveis apontado e ordenado, e começando no primeiro artigo:

I. Cremos em um só Deus, imortal, invisível, criador do céu e da terra, e de todas as coisas, tanto visíveis como invisíveis, o qual é distinto em três pessoas: o Pai, o Filho e o Santo Espírito, que não constituem senão uma mesma substância em essência eterna e uma mesma vontade; o Pai, fonte e começo de todo o bem; o Filho, eternamente gerado do Pai, o qual, cumprida a plenitude do tempo, se manifestou em carne ao mundo, sendo concebido do Santo Espírito, nasceu da virgem Maria, feito sob a lei para resgatar os que sob ela estavam, a fim de que recebêssemos a adoção de próprios filhos; o Santo Espírito, procedente do Pai e do Filho, mestre de toda a verdade, falando pela boca dos profetas, sugerindo as coisas que foram ditas por nosso Senhor Jesus Cristo aos apóstolos. Este é o único Consolador em aflição, dando constância e perseverança em todo bem.
Cremos que é mister somente adorar e perfeitamente amar, rogar e invocar a majestade de Deus em fé ou particularmente.

II. Adorando nosso Senhor Jesus Cristo, não separamos uma natureza da outra, confessando as duas naturezas, a saber, divina e humana nele inseparáveis.

III. Cremos, quanto ao Filho de Deus e ao Santo Espírito, o que a Palavra de Deus e a doutrina apostólica, e o símbolo,[3] nos ensinam.

IV. Cremos que nosso Senhor Jesus Cristo virá julgar os vivos e os mortos, em forma visível e humana como subiu ao céu, executando tal juízo na forma em que nos predisse no capítulo vinte e cinco de Mateus, tendo todo o poder de julgar, a Ele dado pelo Pai, sendo homem. E, quanto ao que dizemos em nossas orações, que o Pai aparecerá enfim na pessoa do Filho, entendemos por isso que o poder do Pai, dado ao Filho, será manifestado no dito juízo, não todavia que queiramos confundir as pessoas, sabendo que elas são realmente distintas uma da outra.

V. Cremos que no santíssimo sacramento da ceia, com as figuras corporais do pão e do vinho, as almas fiéis são realmente e de fato alimentadas com a própria substância do nosso Senhor Jesus, como nossos corpos são alimentados de alimentos, e assim não entendemos dizer que o pão e o vinho sejam transformados ou transubstanciados no seu corpo, porque o pão continua em sua natureza e substância, semelhantemente ao vinho, e não há mudança ou alteração. Distinguimos todavia este pão e vinho do outro pão que é dedicado ao uso comum, sendo que este nos é um sinal sacramental, sob o qual a verdade é infalivelmente recebida. Ora, esta recepção não se faz senão por meio da fé e nela não convém imaginar nada de carnal, nem preparar os dentes para comer, como santo Agostinho nos ensina, dizendo: "Porque preparas tu os dentes e o ventre? Crê, e tu o comeste." O sinal, pois, nem nos dá a verdade, nem a coisa significada; mas Nosso Senhor Jesus Cristo, por seu poder, virtude e bondade, alimenta e preserva nossas almas, e as faz participantes da sua carne, e de seu sangue, e de todos os seus benefícios. Vejamos a interpretação das palavras de Jesus Cristo: "Este pão é meu corpo." Tertuliano, no livro quarto contra Marcião, explica estas palavras assim: "este é o sinal e a figura do meu corpo". S. Agostinho diz: "O Senhor não evitou dizer: — Este é o meu corpo, quando dava apenas o sinal de seu corpo". Portanto (como é ordenado no primeiro cânon do Concílio de Nicéia), neste santo sacramento não devemos imaginar nada de carnal e nem nos distrair no pão e no vinho, que nos são neles propostos por sinais, mas levantar nossos espíritos ao céu para contemplar pela fé o Filho de Deus, nosso Senhor Jesus, sentado à destra de Deus, seu Pai. Neste sentido podíamos jurar o artigo da Ascensão, com muitas outras sentenças de Santo Agostinho, que omitimos, temendo ser longas.

VI. Cremos que, se fosse necessário pôr água no vinho, os evangelistas e São Paulo não teriam omitido uma coisa de tão grande conseqüência. E quanto ao que os doutores antigos têm observado (fundamen¬tando-se sobre o sangue misturado com água que saiu do lado de Jesus Cristo, desde que tal observância não tem fundamento na Palavra de Deus, visto mesmo que depois da instituição da Santa Ceia isso aconteceu), nós não podemos hoje admitir necessariamente.

VII. Cremos que não há outra consagração senão a que se faz pelo ministro, quando se celebra a ceia, recitando o ministro ao povo, em linguagem conhecida, a instituição desta ceia literalmente, segundo a forma que nosso Senhor Jesus Cristo nos prescreveu, admoestando o povo quanto à morte e paixão do nosso Senhor. E mesmo, como diz santo Agostinho, a consagração é a palavra de fé que é pregada e recebida em fé. Pelo que, segue-se que as palavras secretamente pronunciadas sobre os sinais não podem ser a consagração como aparece da instituição que nosso Senhor Jesus Cristo deixou aos seus apóstolos, dirigindo suas palavras aos seus discípulos presentes, aos quais ordenou tomar e comer.

VIII. O santo sacramento da ceia não é alimento para o corpo como para as almas (porque nós não imaginamos nada de carnal, como declaramos no artigo quinto) recebendo-o por fé, a qual não é carnal. IX. Cremos que o batismo é sacramento de penitência, e como uma entrada na igreja de Deus, para sermos incorporados em Jesus Cristo. Representa-nos a remissão de nossos pecados passados e futuros, a qual é adquirida plenamente, só pela morte de nosso Senhor Jesus. De mais, a mortificação de nossa carne aí nos é representada, e a lavagem, representada pela água lançada sobre a criança, é sinal e selo do sangue de nosso Senhor Jesus, que é a verdadeira purificação de nossas almas. A sua instituição nos é ensinada na Palavra de Deus, a qual os santos apóstolos observaram, usando de água em nome do Pai, do Filho e do Santo Espírito. Quanto aos exorcismos, abjurações de Satanás, crisma, saliva e sal, nós os registramos como tradições dos homens, contentando-nos só com a forma e instituição deixada por nosso Senhor Jesus.

X. Quanto ao livre arbítrio, cremos que, se o primeiro homem, criado à imagem de Deus, teve liberdade e vontade, tanto para bem como para mal, só ele conheceu o que era livre arbítrio, estando em sua integridade. Ora, ele nem apenas guardou este dom de Deus, assim como dele foi privado por seu pecado, e todos os que descendem dele, de sorte que nenhum da semente de Adão tem uma centelha do bem. Por esta causa, diz São Paulo, o homem natural não entende as coisas que são de Deus. E Oséias clama aos filho de Israel: "Tua perdição é de ti, ó Israel." Ora isto entendemos do homem que não é regenerado pelo Santo Espírito. Quanto ao homem cristão, batizado no sangue de Jesus Cristo, o qual caminha em novidade de vida, nosso Senhor Jesus Cristo restitui nele o livre arbítrio, e reforma a vontade para todas as boas obras, não todavia em perfeição, porque a execução de boa vontade não está em seu poder, mas vem de Deus, como amplamente este santo apóstolo declara, no sétimo capítulo aos Romanos, dizendo: "Tenho o querer, mas em mim não acho o realizar". O homem predestinado para a vida eterna, embora peque por fragilidade humana, todavia não pode cair em impenitência. A este propósito, S. João diz que ele não peca, porque a eleição permanece nele.

XI. Cremos que pertence só à Palavra de Deus perdoar os pecados, da qual, como diz santo Ambrósio, o homem é apenas o ministro; portanto, se ele condena ou absolve, não é ele, mas a Palavra de Deus que ele anuncia. Santo Agostinho, neste lugar diz que não é pelo mérito dos homens que os pecados são perdoados, mas pela virtude do Santo Espírito. Porque o Senhor dissera aos seus apóstolos: "recebei o Santo Espírito;" depois acrescenta: "Se perdoardes a alguém os seus pecados," etc. Cipriano diz que o servo não pode perdoar a ofensa contra o Senhor.

XII. Quanto à imposição das mãos, essa serviu em seu tempo, e não há necessidade de conservá-la agora, porque pela imposição das mãos não se pode dar o Santo Espírito, porquanto isto só a Deus pertence. No tocante à ordem eclesiástica, cremos no que S. Paulo dela escreveu na primeira epístola a Timóteo, e em outros lugares.

XIII. A separação entre o homem e a mulher legitimamente unidos por casamento não se pode fazer senão por causa de adultério, como nosso Senhor ensina (Mateus 19:5). E não somente se pode fazer a separação por essa causa, mas também, bem examinada a causa perante o magistrado, a parte não culpada, se não podendo conter-se, deve casar-se, como São Ambrósio diz sobre o capítulo sete da Primeira Epístola aos Coríntios. O magistrado, todavia, deve nisso proceder com madureza de conselho.

XIV. São Paulo, ensinando que o bispo deve ser marido de uma só mulher, não diz que não lhe seja lícito tornar a casar, mas o santo apóstolo condena a bigamia a que os homens daqueles tempos eram muito afeitos; todavia, nisso deixamos o julgamento aos mais versados nas Santas Escrituras, não se fundando a nossa fé sobre esse ponto.

XV. Não é lícito votar a Deus, senão o que ele aprova. Ora, é assim que os votos monásticos só tendem à corrupção do verdadeiro serviço de Deus. É também grande temeridade e presunção do homem fazer votos além da medida de sua vocação, visto que a santa Escritura nos ensina que a continência é um dom especial (Mateus 15 e 1 Coríntios 7). Portanto, segue-se que os que se impõem esta necessidade, renunciando ao matrimônio toda a sua vida, não podem ser desculpados de extrema temeridade e confiança excessiva e insolente em si mesmos. E por este meio tentam a Deus, visto que o dom da continência é em alguns apenas temporal, e o que o teve por algum tempo não o terá pelo resto da vida. Por isso, pois, os monges, padres e outros tais que se obrigam e prometem viver em castidade, tentam contra Deus, por isso que não está neles o cumprir o que prometem. São Cipriano, no capítulo onze, diz assim: "Se as virgens se dedicam de boa vontade a Cristo, perseverem em castidade sem defeito; sendo assim fortes e constantes, esperem o galardão preparado para a sua virgindade; se não querem ou não podem perseverar nos votos, é melhor que se casem do que serem precipitadas no fogo da lascívia por seus prazeres e delícias." Quanto à passagem do apóstolo S. Paulo, é verdade que as viúvas tomadas para servir à igreja, se submetiam a não mais casar, enquanto estivessem sujeitas ao dito cargo, não que por isso se lhes reputasse ou atribuísse alguma santidade, mas porque não podiam bem desempenhar os deveres, sendo casadas; e, querendo casar, renunciassem à vocação para a qual Deus as tinha chamado, contudo que cumprissem as promessas feitas na igreja, sem violar a promessa feita no batismo, na qual está contido este ponto: "Que cada um deve servir a Deus na vocação em que foi chamado." As viúvas, pois, não faziam voto de continência, senão porque o casamento não convinha ao ofício para que se apresentavam, e não tinha outra consideração que cumpri-lo. Não eram tão constrangidas que não lhes fosse antes permitido casar que se abrasar e cair em alguma infâmia ou desonestidade. Mas, para evitar tal inconveniência, o apóstolo São Paulo, no capítulo citado, proíbe que sejam recebidas para fazer tais votos sem que tenham a idade de sessenta anos, que é uma idade normalmente fora da incontinência. Acrescenta que os eleitos só devem ter sido casados uma vez, a fim de que por essa forma, tenham já uma aprovação de continência.

XVI. Cremos que Jesus Cristo é o nosso único Mediador, intercessor e advogado, pelo qual temos acesso ao Pai, e que, justificados no seu sangue, seremos livres da morte, e por ele já reconciliados teremos plena vitória contra a morte. Quanto aos santos mortos, dizemos que desejam a nossa salvação e o cumprimento do Reino de Deus, e que o número dos eleitos se complete; todavia, não nos devemos dirigir a eles como intercessores para obterem alguma coisa, porque desobedeceríamos o mandamento de Deus. Quanto a nós, ainda vivos, enquanto estamos unidos como membros de um corpo, devemos orar uns pelos outros, como nos ensinam muitas passagens das Santas Escrituras.

XVII. Quanto aos mortos, São Paulo, na Primeira Epístola aos Tessalonicenses, no capítulo quatro, nos proíbe entristecer-nos por eles, porque isto convém aos pagãos, que não têm esperança alguma de ressuscitar. O apóstolo não manda e nem ensina orar por eles, o que não teria esquecido se fosse conveniente. S. Agostinho, sobre o Salmo 48, diz que os espíritos dos mortos recebem conforme o que tiverem feito durante a vida; que se nada fizeram, estando vivos, nada recebem, estando mortos. Esta é a resposta que damos aos artigos por vós enviados, segundo a medida e porção da fé, que Deus nos deu, suplicando que lhe praza fazer que em nós não seja morta, antes produza frutos dignos de seus filhos, e assim, fazendo-nos crescer e perseverar nela, lhe rendamos graças e louvores para sempre.

Assim seja.
Jean du Bourdel, Matthieu Verneuil, Pierre Bourdon, André la Fon.

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* Extraído de Paulo R. B. Anglada, Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras (São Paulo: Editora Os Puritanos, 1998), 190-197.
[1] O relato da história dos mártires huguenotes no Brasil, bem como a Confissão de Fé que escreveram, encontra-se no livro A Tragédia da Guanabara: História dos Protomartyres do Christianismo no Brasil, traduzido por Domingos Ribeiro; de um capítulo intitulado On the Church of the Believers in the Country of Brazil, part of Austral America: Its Affliction and Dispersion, do livro de Jean Crespin: l' Histoire des Martyres, originalmente publicado em 1564. Este livro, por sua vez, é uma tradução de um pequeno livro: Histoire des choses mémorables survenues en le terre de Brésil, partie de l' Amérique australe, sous le governement de N. de Villegaignon, depuis l' an 1558, publicado em 1561, cuja autoria é atribuída a Jean Lery, um dos huguenotes que vieram para o Brasil em 1557, o qual também publicou outro livro sobre sua viagem ao Brasil: Histoire d'an voyage fait en la terre du Brésil.
[2] O texto foi transcrito de Jean Crespin, A Tragédia da Guanabara; História dos Protomartyres do Christianismo no Brasil, 65-71. O português antigo de Domingos Ribeiro (o tradutor) foi atualizado.
[3] Uma referência ao Credo Apostólico.

Recomendação de leitura
LÉRY, Jean de. Histoire d'un voyage faict en la terre du Bresil: autrement dite Amerique. Avec les figures, reveve, corrigee & bien augmentee de discours notables, em ceste troisieme edition. [Geneve, Suiça]: Pour Antoine Chuppin, 1585.
Em l555, sob a liderança do Vice-Almirante Nicolau Durand de Villegaignon, os franceses fortificaram-se nas ilhas de Laje e Sirigipe, na baía de Guanabara, com a finalidade de criar uma colônia - a França Antártica. Daquela experiência colonizadora, assinalada pelas lutas entre católicos e huguenotes (calvinistas franceses) e pelas relações entre os franceses e os tupinambás, deixou-nos o calvinista Jean de Léry um interessante relato em Histoire d'un voyage fait en la terre du Brésil, publicado em 1578.
O texto de Jean de Léry é, em primeiro lugar, uma resposta ao franciscano André Thevet que atribuía às dissensões fomentadas pelos calvinistas o fracasso daquela experiência colonizadora. Mas é também o modo que Léry encontra para exaltar o Senhor, cujo poder se confirmava nas belezas naturais e na variedade que compunham o Novo Mundo, além de se apresentar como uma espécie de relato de um "percurso iniciático", no qual a descoberta do outro desperta a própria estranheza.
Ao "dar voz" ao nativo, por meio de uma figura de retórica, Léry põe em relevo não apenas as características do modo de vida daqueles que eram identificados como "selvagens", mas sobretudo os traços distintivos de sua própria sociedade, profundamente dividida pelas "Guerras de Religião".