vendredi 7 septembre 2018

O socialismo religioso de Paul Tillich -- 1, por Jorge Pinheiro


A produção teórica de Paul Tillich 

sobre o socialismo é muito vasta e cobre dezesseis anos de produção, indo de 1919 a 1935, fora textos produzidos posteriormente em sua fase norte-americana. Embora tenhamos feito uma leitura de seus principais textos, editados em francês, em 1990, 1992 e 1994, [1] nos concentramos em algumas formulações que consideramos fundamentais para a compreensão do fenômeno político e do socialismo em particular. Nossa abordagem de Tillich e de sua produção procura a compreensão de métodos de análise e de crítica da condição socialista e não tomar as idéias e argumentos de Tillich como cânon. Entendemos que seus escritos foram elaborados sob condições especiais e refletem conjunturas e realidades peculiares à modernidade do século XX e, embora nos sirvam de roteiro para reflexão, não podem ser entendidos como palavra final. Metodologicamente optamos por uma leitura não histórica e não cronológica, mas sistemática. Assim, procuramos compreender o pensamento político de Tillich em seu conjunto, situando nessa compreensão a questão socialista e como suas abordagens, mas também suas contradições e perspectivas. 

Tillich nasceu num lar luterano, na cidade alemã de Starzddel, perto de Berlim, em 1886. Em 1910, graduou-se doutor em Filosofia, em Breslau, e em 1912 licenciou-se em Teologia, em Halle. Durante a I Guerra Mundial serviu como capelão no exército alemão. Psicologicamente, foi muito afetado pela visão das mortes e da destruição em massa causadas pela guerra. Sofreu dois colapsos nervosos e sua fé num cristianismo calcado no romanticismo alemão do século XIX desabou. Ele conta como foi esse sofrimento, que produziu a grande transformação de sua vida:

“A transformação ocorreu durante a batalha de Champagne, em 1915. Houve um ataque noturno. Durante toda a noite, não fiz outra coisa senão andar entre feridos e moribundos. Muitos deles eram meus amigos íntimos. Durante toda aquela longa e terrível noite, caminhei entre filas de gente que morria. Naquela noite, grande parte da minha filosofia clássica ruiu em pedaços; a convicção de que o homem fosse capaz de apossar-se da essência do seu ser, a doutrina da identidade entre essência e existência... Lembro-me que sentava entre as árvores das florestas francesas e lia “Assim Falou Zaratustra”, de Nietzsche, como faziam muitos outros soldados alemães, em contínuo estado de exaltação. Tratava-se da liberação definitiva da heteronomia. O niilismo europeu desfraldava o dito profético de Nietzsche, ‘Deus está morto’. Pois bem, o conceito tradicional de Deus estavamesmo morto”. [2]


Para Tillich, o mundo entrara em colapso, e com ele o otimismo naquela cultura que tinha depositado sua confiança no ser humano e acreditado no progresso da civilização. "A experiência dos quatro anos de guerra -- escreveu Tillich--, abriu diante de mim e de todos de minha geração tal um abismo que nunca pôde ser fechado novamente". E foi em Verdun que Tillich situou sua ruptura com o liberalismo teológico alemão. Como vimos, ele fala com tristeza daquela noite que, em meio ao trovejar dos canhões, depois de procurar durante horas dar um pouco de conforto aos moribundos que chegavam ao acampamento, ao amanhecer, exausto, dormiu entre cadáveres. E ali morreu seu idealismo teológico. Há nesta descrição da batalha de Verdun uma releitura das memórias de Goethe quando este fala da batalha de Valmy: "Neste lugar e neste dia começa um tempo novo da história do mundo". Goethe disse que Valmy foi o começo do século XIX, marcado pela fé na razão, na paz, na justiça e na democracia, convencido de que a cultura européia chegava a um momento especial de sua história. Em Verdun, Tillich descreve o fracasso desta fé, a queda desta convicção e, também, o fim do século de XIX. [3]

A experiência que Tillich viveu como capelão durante a I Guerra Mundial, não foi simplesmente uma experiência particular, mas em última instância a compreensão da condição humana, enquanto demonstração da situação espiritual do momento que se abria para o mundo. Nesse sentido, seu destino pessoal coincide com o destino de milhões de pessoas e da Europa inteira. Com a guerra, a derrota da Alemanha e o fim da monarquia, algo novo emergiu do desastre, surgiu das profundezas, da dimensão da profundidade do inconsciente de milhões de pessoas. Se durante alguns anos, o destino da morte cobriu uma geração inteira, derrubando por terra o edifício do século XIX, desse caos surgia a possibilidade de mudança, de construção de algo novo. O julgamento da I Guerra Mundial levou Tillich à compreensão de que não se pode divinizar nenhuma construção política. Mas ao se fazer o julgamento da guerra, também se faz o julgamento das possibilidades humanas. Ora, tal julgamento tem um aspecto positivo, que Tillich chamará de kairós [4] : é um momento de graça onde a possibilidade humana se torna plena de força divina. Mas este kairós é diferente das propostas apresentadas por aqueles socialismos que se posicionam a favor da guerra, pois o kairós aponta para a possibilidade de um mundo novo. E a esperança que ele gera é maior que a simples ilusão humana, pois esta esperança tem a própria eternidade por fundamento, já que aqui a graça gera o kairós.

Herdeiro do pensamento alemão do século XIX, Paul Tillich é devedor do idealismo alemão, em especial de Hegel e Schelling, [5] mas é a partir de 1919, na Alemanha destruída pela I Guerra Mundial, que começa a trabalhar sobre a idéia de uma teologia da cultura. Ora, a cultura deveria ter uma leitura diferente daquela da antropologia da segunda metade do século XIX, que incluía toda a produção humana com sua riqueza e diversidade. Para ele, cultura era a produção da intelectualidade européia ilustrada. E por baixo das manifestações culturais específicas se faz presente a religião. Assim, a religião expressa o incondicionado, dando margem a manifestações especiais, que se apresentam enquanto cultura. Daí seu interesse em manter um permanente diálogo com artistas, escritores e com o mundo social-democrata da época. Dessa maneira, durante toda sua vida Tillich será um teólogo da cultura e um filósofo da religião. 

Para Tillich, depois da I Guerra Mundial, era preciso abandonar aquele Deus concebido pela teologia do século XIX e fazer o cristianismo responder aos problemas e às exigências contemporâneas. Assim, depois da guerra começou a repensar seu cristianismo e se aproximou do socialismo do Partido Social Democrata alemão. Conforme explica o próprio Tillich, ele poderia ter desenvolvido sua teologia a partir da leitura de Nietzsche, mas a experiência da revolução alemã de 1918 [6] dirigiu suas preocupações em direção a uma filosofia da história, a partir da sociologia e da politica. E seu estudo de Ernst Troeltsch (1865-1923) [7] preparou a mudança de direção. [8]

Para definir os contornos do socialismo tillichiano em sua fase inicial devemos nos remeter a dois textos escritos nos dois anos subsequentes à revolução de 1918, redigidos no calor da vitória revolucionária, e que se encontram em “Christianisme et socialisme I e II”. [9] Embora esses textos não tenham a profundidade sistemática dos escritos socialistas dos anos 1920-30, eles procuram explicar de um ponto de vista teológico o papel da revolução que acabava de acontecer na Alemanha. Assim, em 1919, Tillich deu uma conferência pública cujo conteúdo foi um esforço para fundamentar teologicamente um artigo que tinha escrito antes, onde dizia ser tarefa do cristianismo assegurar a unidade interior do ser humano futuro, através da construção de uma nova síntese entre a religião e a cultura. Na conferência afirmava que tal exigência estava fundamentada na radicalidade da teologia. A conferência recebeu o título de “Sobre a idéia de uma teologia da cultura”. [10] Aqui Tillich empreende pela primeira vez uma definição da tarefa da teologia, no quadro das ciências da cultura. Ela aparece como ciência normativa, não por impor sua autoridade sobre as normas da conduta humana ou por traduzir o processo dos julgamentos de valor que esta conduta requer, mas porque está interessada em situações concretas, que constituem seu conteúdo. Ou, em outras palavras, ela é normativa porque é reveladora de sentido. 

A teologia, para Tillich, enquanto ciência do indivíduo deve partir do contexto histórico e cultural. Ele observa que as éticas teológicas anteriores tinham se dado como tarefa analisar o enraizamento da vida moral, ou seja, a raiz concreta do indivíduo em sua comunidade. Mas, agora, no momento em que a teologia reconhece a existência de uma comunidade cultural externa à igreja, comunidade que constitui o horizonte imediato das decisões do indivíduo e que se enraíza numa cultura contemporânea global, a constituição de uma ética teológica pura não é mais possível: torna-se necessário elaborar uma teologia da cultura. [11]

Anos mais tarde, em janeiro de 1933, o nacional-socialismo chegava ao poder. Entre os anos de 1919 e 1924, Tillich tinha participado do Círculo Kairós, um grupo de reflexão sociológico, filosófico e teológico do socialismo. Entre os anos 1920 e 1927 ajudou a editar os Cadernos do Socialismo Religioso, e em 1929/30 os Novos Cadernos do Socialismo. Mas com o advento do nazismo ao poder, ele percebe que o socialismo havia nascido como kairós, com a reflexão contextual da revolução socialista, e deveria desaparecer com ela. Nesse contexto de ascensão do nazismo, de crise e derrota da revolução socialista, não se poderia esquecer o fato de que o julgamento divino se apresenta paradoxal porque declara absoluto, perfeito e santo aquilo que é relativo, imperfeito e pecador, o ser humano. Assim, partindo da teologia de Lutero e de seu conceito de salvação pela graça, Tillich faz uma nova abordagem da questão social na Alemanha e na Europa: aquilo que aparece como abismo da realidade, que reduz a nada o que existe, que coloca todas as coisas sob julgamento, tem um lado positivo. É possível afirmar que o contexto de julgamento pode levar a uma vontade de moldar o mundo de maneira imanente, momento do novo, quando o reinar da eternidade se faz presente no mundo.

Fruto desses anos de reflexão e militância intelectual, Tillich formulou seu conceito de socialismo religioso [12] e escreveu A Decisão Socialista, [13] livro que foi queimado publicamente pelos nazistas em 1933. Se tivesse ficado na Alemanha, possivelmente Tillich tivesse terminado seus dias num campo de concentração, mas salvou-se ao aceitar o convite para lecionar na Universidade de Columbia e no Union Theological Seminary, em Nova York. 

Notas

[1]Paul Tillich, Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands, 1919-1931, Paris, Genebra, Québec: Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1990, 1992. Christentum und Soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, VI, IX, X, XII, XIII, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1962, 1967, 1970, 1972. Trad. fr., Nicole Grondin e Lucien Pelletier. Écrits contre les nazis, 1932-1935, Paris, Genève, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1994. Christentum und soziale Gestaltung. Frühe Schriften zum religiösen Sozialismus, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, Gesammelte Werke II, 1962, 1968. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[2]“To be or not to be”, Time Magazine, 16.03.1959, Vol. LXXIII, No. 11, pp. 47ss. Tillich foi capa desse número da revista, com chamada especial: “A theology for protestants”.
[3]André Gounelle, Fernand Chapey: “Paul Tillich: esquisse biographique”, Montpellier, Institut Protestant de Théologie, Etudes Théologiques et Religieuses/ETR, 1978/2, 53, pp. 223-224.
[4]Paul Tillich, “Kairos I” in Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands(1919-1931), Paris, Genebra, Québec: Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 116-117. Der Widerstreit von Raum und Zeit, Gesammelte Werke, VI, Evangelisches Verlagswerke Stuttgart, 1963, pp. 53-72. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[5]Na sua tese sobre Friedrich Wilhelm Joseph Schelling, La mystique et la conscience de la culpabilité dans le développement philosophique de Schelling (1912), Tillich apresentou o ponto de vista de Schelling sobre mito e mitologia. Martin Leiner, “ Mythe et modernité chez Paul Tillich ”, in Marc Boss, Doris Lax, Jean Richard (ed.), Mutations religieuses de la modernité tardive, Actes du XIVe. Colloque International Paul Tillich, Marselha, 2001, Hamburgo, Londres, LIT, 2002, p. 9. 
[6]Paul Tillich, “ La situation spirituelle du temps présent. Rétrospective et perspective ” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 330-331. Die religiose deutung der gegenwart, Gesammelte Werke, X, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1968, pp. 108-120. Trad. fr. de Nicole Grondin e Lucien Pelletier.
[7]Paul Tillich, “Ernst Troeltsch. Son importance pour l’histoire de l’esprit ” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands (1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 219-220. “ Ernst Troeltsch, Versuch einer geistesgeschichtlichen Wurdigung ”, Begegnungen, Gesammelte Werke XII, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1971, pp. 166-174. Trad. fr. de Nicole Grondin et Lucien Pelletier.
[8]Paul Tillich, “On the boundary, an autobiographical sketch”, in The Interpretation of History, New York-London, Scribner, 1936, p. 54. Aux Confins, Paris, Planète, p. 67. Trad. fr. Jean-Marc Saint. 
[9]Marc Boss, “ Protestantisme et modernité: résonances troeltschiennes des premiers écrits socialistas de Tillich (1919-1920) ”, in A Dumais et J. Richard, editores, Ernst Troeltsch et Paul Tillich, pour une nouvelle synthèse du christianisme avec la culturele de notre temps, Québec : Les Presses de l’Université Laval, L’Harmattan, 2002, pp. 88. 
[10]Jean-Claude Petit, La Philosophie de la Religion de Paul Tillich, Genèse et évolution, la période allemande 1919-1933. Montréal : Fides, Héritage et Projet, 1974, pp. 17-19.
[11]Jean-Claude Petit, La Philosophie de la Religion de Paul Tillich, op. cit., pp. 19-20.
[12]Paul Tillich, “Le socialisme religieux I” in Christianisme et Socialisme, Écrits socialistes allemands(1919-1931), Paris, Genebra, Québec : Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1992, pp. 355-362. Christentum und soziale Gestaltung, Gesammelte Werke II, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1962, pp. 151-158. Trad. fr. de Nicole Grondin et Lucien Pelletier.
[13]Paul Tillich, “La Décision Socialiste”, in Écrits contre les nazis (1932-1935), Paris, Genève, Québec: Les Éditions du Cerf, Éditions Labor et Fides, Les Presses de l’Université Laval, 1994, pp. 17-170. “Die sozialistische Entscheidung”, inChristentum und soziale Gestaltung. Frühe Schriften zum religiösen Sozialismus, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, Gesammelte Werke II, 1962, pp. 219-365. Trad. fr. Nicole Grondin e Lucien Pelletier, introd. de Jean Richard. 


jeudi 6 septembre 2018

Não somos meio termo ...

... somos complemento
Jorge Pinheiro

Théodore Monod[1]disse que não somos meio termo, mas complemento. Não somos cinza, mas cores do espectro. Na verdade, os escritos judaicos daEra Comum nos dizem que a eternidade construiu o ser humano e, em seguida, retirou-se para que este humano pudesse construir sualiberdade o seu lugar. Dessa forma, para este pensamento religioso o ser humano é potencialmente autônomo dentro dos limites da existência, constrói  livre-arbítrio e, portanto, responsabilidade. 



Os escritos judaicos, entregues no caminhar da diáspora, entendem que a eternidade aposta na construção permanente do ser humano. A construção do humano, vista dessa forma, não está completa, pois é o próprio ser humano, enquanto pessoa e comuna, quem continua a sua construção. Por isso, a construção da transcendência é a chave para o humano futuro. É o que leva à revolução permanente. Textos da sabedoria judaica, quando falam do acesso ao mundo da transcendência, perguntam: "Você se tornou o que você é?

O ser humano, enquanto pessoa e comuna, é construtor de si mesmo. Sua vida é uma viagem com a finalidade do tornar-se. Ele deve saltar do "conhece a ti mesmo" para "tornar-se quem ele é" e "descobrir qual é o seu destino". É a viagem da existência humana, e a liberdade é uma viagem dentro de si mesmo, numa comunhão que engloba o cosmo, e deve ser realizada através do corte da pedra, símbolo do ser humano, do material em direção ao transcendente.

E para pensar este caminhar humano, político e religioso, vamos partir de Paul Tillich e Enrique Dussel. Os textos socialistas e os conceitos da correlação entre cultura e religião em Tillich, assim como as abordagens sobre a religião infraestrutural e sobre o fator religioso no processo político-revolucionário desenvolvidas por Dussel norteram esta abordagem sobre o fazer política, hoje, na alta-modernidade. 

Tillich e Dussel fornecem os referenciais que utilizamos, iluminando questões teóricas e possibilitando a compreensão de realidades até agora mal observadas e mal compreendidas. Por isso, utilizamos como referenciais os textos socialistas e conceitos da cultura de Tillich, assim como as abordagens sobre a religião infraestrutural e sobre o fator religioso no processo revolucionário desenvolvidas por Dussel.

A teologia para Tillich relaciona polos, a mensagem religiosa e a interpretação dessa mensagem, que deve levar em conta a situação daqueles a quem ela se destina. Situação, aqui, são as formas artísticas e científicas, econômicas, éticas e políticas, através das quais as pessoas e grupos exprimem as suas interpretações da existência.[2]Nesse sentido, a teologia, enquanto cosmovisão, dá respostas às perguntas implícitas na situação, não enquanto soluções definitivas, mas no sentido de procurar sínteses. Para isso, Tillich trabalha a partir da correlação, ou seja, da análise da situação humana, de forma que venham à tona perguntas; e a individuação das respostas nos fatos reveladores, possibilitando respostas correlatas às perguntas colocadas pela própria existência.

A partir daí nos vemos diante da pergunta: que sentido tem a história? Tillich nega o negativismo que não vê sentido na história, mas também vai além do progressismo intra-histórico, quer iluminista, quer marxiano. Para ele, a religião propõe símbolos religiosos, que devem ser interpretados como dimensão histórica e dimensão transistórica. Dessa maneira, o sentido da história está na manifestação deste símbolos, quer enquanto reino de transcendência, em contraposição à história do mundo, quer enquanto diretrizes e movimento em direção à plenitude da história, que nesta dimensão transcendente e transistórica é a vida plena de sentido.[3]

Perguntas acerca das situações e respostas religiosas estão ligadas à existência. Por isso, ao analisar a questão do socialismo, Tillich faz uma ontologia política onde seu referencial primeiro é o ser. Nesse sentido, podemos dizer esta ontologia se faz fenomenologia política quando analisa questões como a origem do pensamento político enquanto mito, e a partir daí procura trazer à tona os elementos não reflexivos do pensamento político. E é a partir da análise do pensamento político que Tillich vai explicar o surgimento da democracia e do socialismo. Mas, acredito que é necessário fazer a crítica do socialismo religioso e do sentido dialético do método da correlação tillichianos por serem modernos. E para realizar a crítica e o aggiornamento recorremos a Dussel, com o conceito de religião infraestrutural e seu método analético.

Dussel trabalha com duas abordagens construídas a partir de Lévinas e Marx -- nos leva ao outro enquanto revelação de um mistério incompreensível da liberdade e à religião enquanto infraestrutura que denuncia o poder excludente --, que nos ajudam a aterrissar Tillich na realidade pós-moderna.
  
Assim para Dussel, a fé é um ato da inteligência, é um modo de ver, que não pára em algo que não pode transcender, pois sabe que há algo mais. Ela, a fé, vai além do que se vê. É esperança de que há um outro que se revelará – o amor do outro enquanto outro.  Nesse sentido, para Dussel, o amor é o que vai além do rosto, e recorre à uma imagem bíblica e diz que a chama do arbusto não é um sinal de presença, assim como o rosto não é também sinal de presença. Afinal, todos os dias vemos rostos, mas o rosto que vemos não é. Devemos, então, nos abrir diante do rosto como sinal de um mistério da liberdade. Isto porque, todos aqueles que nos rodeiam e todos os grupos sociais não são de fato o outro, pois outro é sempre livre.[4]

Mas, para que a religião direcione é necessário descobrir o sentido do presente histórico. E esse desvelar o sentido do presente histórico nos remete ao falar diante. Mas falar diante de quem? Diante das gentes. E assim fazemos profecia, falamos a homens e mulheres da fé cotidiana, falamos do sentido dos acontecimentos que estão diante de nós.[5]

Esta compreensão, a partir da leitura dos dois autores, mostra a importância da correlação política e religião para se agir e pensar teologia socialistas. A inclusão da religião na análise crítica da construção do pensamento socialista, amplia o horizonte de compreensão dos estudos sobre política. Assim, optamos pela abordagem comparativa[6]representada pela presença da religião na discussão da política e do socialismo. Desta maneira, o debate não se limita ao que já foi dito, mas terá novas perspectivas de discussão interdisciplinar. Esta maneira de fazer Teologia norteia o trabalho desenvolvido. 



[1]Théodore Monod, Le Chercheur d’absolu, Le Cherche midi, 1997. Foi naturalista, explorador, erudito e humanista francês.Nasceu em 1902 e morreu em 2000.
[2]Paul Tillich, “Systematic Theology I”, Chicago, University Chicago Press, XI, 1951, pp. 3-4. “Das System der Wissenschaften nach Gegenstanden und Methoden”, Fruhe Hauptwerke, Gesammelte Werke I, Evangelisches Verlagswerk Stuttgart, 1955, pp. 265-290. 
[3]Esse processo, que parte do eterno e desemboca no eterno, Tillich vai chamar de pan-enteísmo escatológico. In Systematic TheologyI (1951), p. 421.
[4]Enrique Dussel, “Interpretação histórico-teológica”, in Caminhos da libertação latino-americana, vol. I,  São Paulo, Paulinas, 1985, p. 13.
[5]Enrique Dussel, Caminhos da libertação latino-americana, op. cit., p. 15.
[6]Peter Berger, “A secularização e o problema da plausibilidade” in O dossel sagrado, Elementos para uma teoria sociológica da religião, São Paulo, Paulus, 1985, pp. 139-164.





mercredi 5 septembre 2018

Avant le temps, avant l'espace, avant l'espace-temps

Il était une fois, avant le temps, avant l'espace, avant l'espace-temps, l'éternité a pensé construire un être humain qui la ressemblerait. Ainsi, à partir de l'informe et de tout ce qui est vide, elle se retira en laissant place et un temps à ce qui n'existait pas, l'espace-temps, terrain de ceux qui ont l'origine et le destin. L'image de soi dans l'espace-temps de l'éternité, le temps qui est hors du temps et de l'espace, a reçu la subvention, charge qui lui a fait spécial : différent, mais pas antagonistes, tout ce qui a été construit dans l'espace-temps.

L'être alors sublime, couronné, a pris ses responsabilités et a été défié par le pouvoir de la décision. Et l'image est celle-ci, c'est la constitution de l'être rationnel, moralement responsable, qui a l'harmonie, la similitude avec ce qui est éternel. Présent dans l'ici et maintenant voyage à tous avant et peut construire, si cela s'avère, après cela n'existe pas.


                                                                      Ieronimus Bosh 

Soyez image est la constitution de l'être, il est particule « et » renforce ce lien entre l'image et la ressemblance ... mais la distanciation de ce qui est éternel, cette éternité sans temps et lieu, brouille l'image / image. Un tel détachement, une telle séparation, cependant, est la transcription de l'existence éternelle et inclut ce qui est commun aux humains et à l'éternité: la conscience morale, la liberté de choix.

Oui, il existe une relation entre aliénation et conscience. Si nous commençons avec nos ancêtres grecs, en particulier le vieil Aristote dans sa Poétique du travail, l'hamartia fait partie de l'existence, de ce qui est dans le temps et dans l'espace. Le concept peut se traduire par la faute ou l'erreur d'une personne… l'erreur fatale d'un héros tragique littéraire: le péché, l'erreur de jugement. Et avec hamartia la mort est présente, définissant une caractéristique de l'espace-temps: elle a un début, mais elle a une fin. Hamartia était une expression militaire des Grecs, qui se référaient à l'acte de l'archer de manquer la cible, à la fois dans l'entraînement et dans la bataille. Lorsque nous utilisons l'expression hamartia, nous disons que les humains vivent dans un état dans lequel une cible erronée caractérise l'existence. Par conséquent, nous traduisons hamartia en aliénation, car cela implique de s’éloigner de l’objet de la conscience morale.

Rater la cible, l’aliénation, en tant qu’état d’existence, entraîne des conséquences. L'un d'eux est la conscience de la mort. L'état d'aliénation de l'existence produit une conscience matricielle, la conscience de la mort. Mais il est de la conscience de la mort que nous sommes conscients de ce qui est éternel, et la conscience de la diversité, puisque nous ne sommes pas la nature pure et nous sommes conscients que les actions et les choses peuvent être bonnes ou non. Ainsi, hamartia implique des conséquences: les besoins devant la loi, de ce qui est ou est avant l'existence, et les possibilités avant la liberté, ce qui n'existe pas, mais peut être construit.

manquant ainsi la marque à la distance et l'aliénation sont les besoins et la loi, et les possibilités et la liberté, qui ne sont pas mutuellement exclusives: elles sont corrélées dans l'existence humaine, font partie de l'état de l'existence.

Mais le fait d’exister crée un défi, l’objet de la décision, qui implique la création d’une relation particulière avec ce qui existe déjà. Et c'est un tel défi qui rend l'être humain, qui a de la personnalité par rapport à la nature et qui doit construire avec lui des relations de travail, de production et d'administration. L'homme, se rapporte à la nature, avec ici et maintenant, et par l'utilisation et ses conclusions par rapport à elle, se dirige vers une relation permanente avec ce qui est pas ici et maintenant, avec ce que il projette au-delà.

Et comment pouvons-nous y parvenir? Par la culture, comme processus social et objectif de la construction humaine avec la nature. Et ce besoin de connaissance et d'expansion, personnel, subjectif et social, est propre à chaque homme et à chaque femme libres. C'est-à-dire que la culture est la manière d'être humaine

Quand on parle d'être humain, on parle d'intention. Mais l'intention n'est pas la pensée et l'action solitaires. C'est une action collective et une pensée qui se présente devant la nature et l'univers comme unité. Et ainsi l'humanité est construite.

Une telle relation de construction avec la nature peut se répandre dans tout l'univers, le cosmos. Il ne fait aucun doute que cela a commencé dans la forêt, au sommet des arbres, mais a cédé la place à une extension. Et à partir de là, le destin humain n’a pas été présenté comme une soumission, mais par l’intégration. Suivant l'héritage de ce que nous sommes aussi, une nature rebelle, dans ce sentier de forêt tropicale, même sans être pleinement conscients de ce que nous faisons, nous sommes le résultat d'un écosystème intégré. L'être humain était alors un prédateur et un jardinier et a découvert qu'il avait la responsabilité de s'occuper habilement de la forêt, de sa communauté et de son monde.

L'approche de la culture doit partir de la perspective de l'unité dans la diversité. Et le premier sens de cette unité dans la diversité est la contextualisation de l'éternel dans l'humain, qui s'exprime comme une présence dans les cultures, qui crée des particularités de l'image / ressemblance de l'éternité dans chaque groupe humain.

L'image et la ressemblance peuvent être traduites dans la relation que nous entretenons avec les créatures. L'image et la ressemblance règnent sur l'univers construit dans l'espace-temps. Mais voici un détail subtil: l'utilisation du fruit de la nature n'est pas un droit de maîtrise de soi, nous régnons en tant qu'image et ressemblance. Nous ne sommes pas propriétaires et nous n’avons pas non plus une autonomie illimitée sur la nature, l’univers et le cosmos. Voici un élément important pour réfléchir à cette question: c'est la solidarité. Une fois l’éternité comprise au-delà de l’espace-temps, mais aussi dans l’espace-temps, c’est dans l’éveil de la conscience de la justice que nous devons nous impliquer atténuer la souffrance humaine.

Nature, univers, cosmos est le monde de l'être. Il y a la dé-mythification totale de la nature. Tout ce qui est dans l'ici et maintenant, dans l'espace-temps, n'est pas éternel. L’univers entier peut devenir l’environnement de l’être, son espace et son temps, pour qu’il puisse s’adapter à ses besoins et gérer. Et une telle position nous amène aux responsabilités des écosystèmes. Se positionner par l'option en faveur des écosystèmes, présents ou distants, afin d'atténuer les souffrances imposées à la nature, c'est suivre le modèle de la forêt tropicale.

Mais l'image et la ressemblance traduisent l'ouverture à la transcendance. Voici les éléments qui nous permettent de comprendre pourquoi il est de l’humanité de s’ouvrir à la transcendance et de vivre avec. Il y a un éblouissement permanent devant l'absolu et le mystère. Nous sommes confrontés à un être capable de penser ce qui n'est pas ici et maintenant, et qui peut réfléchir à ce qui dépasse la réalité factuelle. Et c'est en étant capable de penser de telles réalités que l'on ne peut voir, que l'être humain peut penser à l'éternité et se rapporter au transcendant. Ainsi, l'image et la ressemblance transfèrent à l'homme la capacité de vaincre hamartia.

Cet humain n'est pas une personne en particulier, mais l'humanité, et l'expansion à travers l'univers et le cosmos n'est pas donnée à une personne, mais à la communauté des humains. Ainsi, personne ne peut être exclu de l'autorité qui naît du libre arbitre.

L'univers, le cosmos, peut sans aucun doute être administré par la coexistence d'êtres complémentaires. et s'aiment C'est-à-dire que cet être pluriel ne pouvait exercer sa maîtrise qu'à travers la communauté, se complétant en tant qu'être, en tant qu'être humain.

L'aliénation, sans aucun doute, brise la possibilité que l'humanité soit une image et une ressemblance efficaces. Confondre la cible est un état d'existence et le mal est présent comme une option à l'acte libre. Ainsi, l'humain s'est jeté dans la domination de ses égaux, y compris par la perte de sang; suppression de l'équilibre et de la solidarité mutuelle, de l'humilité et de l'amour entre hommes et femmes; mythologie et science; et s'est jeté dans la destruction de la nature elle-même.

Pourtant, il existe une image et une ressemblance invisibles mais présentes. Et cette image / ressemblance peut, sur le plan eschatologique, construire ce qui est impossible à la nature, car en elle se trouve le pouvoir de l'éternité qui conquiert les cœurs et les esprits dans la terre bleue.

                                                Ieronimus Bosh







mardi 28 août 2018

«Ouvrir la voix» pour la donner aux femmes noires



Amandine Gay, réalisatrice, est invitée de la soirée MediapartLive. Son documentaire « Ouvrir la voix » sort en salle le 4 octobre. Elle y donne la parole à une vingtaine de femmes noires.




dimanche 26 août 2018

Dieu tout-puissant



L'éternité sans fin 

Dans l'ancienne tradition des ancêtres, le nom n'est pas simplement une désignation arbitraire ou un son. Il parle de la nature et de l'histoire de celui qui est proposé. 

Quand les ancêtres ont parlé de haschem chilul, ils ont dit que l'éternité ne pouvait pas profaner son nom parce que cela ferait violence à ce qui est éternelle. Et nous sommes appelés au kiddouch, pour séparer le nom de ce qui est périssable. Le tétragramme ancêtre parle de ce verbe infini, yōḏ (י), hē (ה), wāw (ו), hē (ה), qui présente l'histoire de ce qui est éternelle, l'éternité sans fin. 

En l'an 586 avant JC jusqu'à la destruction du premier temple, les ancêtres ont prononcé le nom. Mais ils ont choisi, pour une bonne raison, de dire avec révérence "mon Seigneur, mon Seigneur Elohim". Et plus tard, Adonaï est devenu la règle à cause du shema araméen. 

Quand Moïse s'est tenu devant le buisson sauvage qui a allumé la plage, il n'a pas entendu le feu, il a entendu le vent chanter. Et il a compris que l'éternité disait que c'était éternel sans fin. Et parfois le vent a dit iaueh asher iihueh différent et Moïse a compris que c'est elle qui donne vie à ce qui existe. 

Moïse a vu que l'éternité est plurielle et le gardien du vainqueur des portes, daltot shomer israel. Mais l'éternité sans fin n'est pas l'homme, n'est pas la femme. Par conséquent, elle peut aussi s'agir d'élohim, qui semble macho, mais ne l'est pas. Mais cet esprit plurielle chante et dit que l'éternité est sans fin et qu'elle est la mère de toute vie, alors elohim iavé

Mais j'ai besoin de savoir que cette belle éternité est infinie.

vendredi 24 août 2018

Versus, ainda memórias

Convérgo,is,ère
Juntar-se de várias partes para se chegar a um ponto


Numa primeira olhada era um jornal da contracultura, de linguagem mítica, que tinha como referência a América Latina. A partir dessa linguagem viveu a política sob novas perspectivas. Passou, por exemplo, a editar um caderno dedicado à questão negra, Afro-Latino-América, que se tornou um espaço de resistência do movimento negro. Tornou-se também uma embaixada de exilados latino-americanos, que chegavam atraídos pela linguagem latino-americana do jornal.

Era grande o seu prestígio entre artistas e intelectuais. Nomes como Milton Nascimento, Chico Buarque, MPB 4, Simone e o grupo Taracón participaram de um show de apoio ao jornal, com a presença de 15 mil pessoas, transmitido por sistemas de som para outras 20 mil no congresso alternativo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, no segundo semestre de 1977, em São Paulo. 

Marcou época, junto com outros jornais e revistas da imprensa alternativa, nos anos 70. Foi criado por Marcos Faerman, que na época trabalhava no Jornal da Tarde. O primeiro número saiu em outubro de 1975.  

Em janeiro de 1978, recém-chegado de meu segundo exílio, depois de passar um ano na Europa a observar e participar da organização de partidos socialistas na Espanha e Portugal, entrei para o jornal. 

“Alguns boatos corriam nas mesas dos botequins de São Paulo. Entre um suspiro e outro se comentava: o pessoal do Versus recebeu dinheiro da social-democracia européia, há uma fita gravada que comprova tudo”. (1) 

Nascia o ano de 1978 e, com ele, uma indagação para a equipe. O desafio: a hora era da discussão de perspectivas. E textos especiais foram publicados: Chico Pinto, José Álvaro Moisés, Fernando Henrique Cardoso. O tema da discussão eram os novos partidos. E pensamos o passado. Vimos que ao movimento popular de 1964 faltaram lideranças. E como colegas escreveram, era um movimento de base frágil, a receber inspiração de fora. Foi abandonado, sem esboço de reação de seus líderes. Entre as lideranças faltosas estava a figura de um ex-presidente.

Foi assim que o jornal correlacionou contracultura e discurso político. Passou a discutir conjuntura, a se identificar com correntes que pensavam a construção da democracia. E sonhou o socialismo: Almiro Affonso, Edmundo Moniz, Plínio de Arruda Sampaio, a Tendência Socialista do MDB no Rio Grande do Sul tiveram voz e vez. Mas o jornal entendeu que a questão política era questão nacional, mas também global, onde entravam estudantes, mulheres, negros, índios e trabalhadores. 

O jornal se pautou, então, por uma ética do companheirismo que nascia da filosofia da práxis. E fez da autonomia crítica diante da autocracia do regime sua perspectiva de ação contra o egoísmo econômico e político. Proclamou a necessidade de uma nova ordem, na qual o sentido de comunidade fosse o fundamento da organização social.

Tal ética fez a denuncia do egoísmo da economia das multinacionais e dos governos latino-americanos que a elas serviam e levavam à expropriação de muitos em benefícios de poucos. Propôs uma economia solidária onde a alegria não fosse meramente fruto do ganho, mas do próprio trabalho.

E condenou o egoísmo de classe, onde cada qual procurava enriquecer através da exploração do próximo e as conseqüências desse processo, como o privilégio da educação para uma elite. Mas condenou também o egoísmo internacional do comércio e da força, que justificava a violência e a guerra sobre povos, nações e continentes. Assim, pregou a submissão das nações, fossem ricas ou pobres, à idéia do direito e à construção de uma consciência comunitária, soldada sobre a paz, que levasse a um internacionalismo real entre as nacionalidades.

Apesar de ter uma ética que repousava sobre a filosofia da práxis, o jornal entendeu que no Brasil a alma da unidade espiritual é a religião, e que o fracionamento espiritual característico da segunda metade do século XX no Brasil traduzia fracionamento econômico, distanciamento e choque entre classes. E que qualquer processo cultural de unidade futura levaria a uma nova base de unidade e solidariedade econômica e social.

Nesse sentido, viu que havia na realidade brasileira e latino-americana um processo de desenvolvimento que se realizava de forma desigual na história do continente, mas que combinava mudanças espirituais e transformações econômicas e sociais. Diante de tais circunstâncias, considerou que o jornalismo autônomo e crítico frente aos poderes estava eticamente obrigado a fazer uma escolha: ou participava do processo, inspirando e atuando a favor desse desenvolvimento ou se retraía e entrava em processo de caducidade, ao afastar-se da vida real das comunidades.

Levantou, então, a bandeira da construção de um amplo e democrático Partido Socialista, que deveria partir, para isso,das“leis vigentes no país, que consideramos restritivas, não democráticas e antipopulares. Lutamos para que esse partido seja construído através de uma ampla e livre discussão interna, que integre todos os que se reclamam socialistas, organizando núcleos de base por locais de trabalho”. (2)

Procurou somar contrários não antagônicos em direção ao sonho maior. E assim construiu uma maneira profética de fazer jornalismo: integrou três linguagens como forma de ação, a da contracultura, a reflexão sociológica e a discussão da instância diretamente política.

Tal presença contracultural e política na vida de milhares de brasileiros, principalmente daqueles envolvidos com a democratização do país, fez do jornal um bastião avançado nas lutas pelas liberdades democráticas. 

“Estivemos na linha de frente na campanha pela Anistia e pelas liberdades democráticas, reclamadas pela população brasileira. Fomos duramente atingidos pelos vários organismos repressivos do regime, inclusive com as prisões de alguns companheiros da redação, administração e colaboradores. Fomos sufocados financeiramente, e houve momentos em que a sobrevivência material diária ficou em mãos de nossos amigos e companheiros. No entanto, permanecemos e nos transformamos, nesse terceiro ano de vida, o mais agitado, sem dúvida. Ousamos nos entranhar na realidade social e política, e nos definimos. Acreditamos na profundidade de nossos ideais e estamos convencidos de rumar no mesmo sentido da história, sendo uma de suas parcelas vivas e atuantes”. (3)

Sua produção jornalística remeteu ao pensamento da intelectualidade socialista da época. O debate de idéias traduziu força e formatou um dos pólos da nova esquerda: o ideal do convergir sem diluir-se em estruturas. Dessa maneira,

 Versus, versus 
Li a linha 
Geisel já vai tarde
Entrei na fileira
Cresceu a revolta
Marchei na coluna 
Levantei fuzis de reconstrução
Versus, versus
É canto e dança!

foi e ainda é fonte para a compreensão do pensamento socialista da época e da nova esquerda em particular.


Notas
1.  Ênio Bucchioni e Omar de Barros Filho, O editorial dos editoriais, São Paulo, Versus no28, janeiro de 1979, pp. 3-9.
2. Ênio Bucchioni e Omar de Barros Filho, idem, op. cit., p. 8.

3. Ênio Bucchioni e Omar de Barros Filho, ibidem, op. cit., pp.3-9. 


Tview entrevista o Pr. Jorge Pinheiro (PARTE 3)






Tview entrevista o Pr. Jorge Pinheiro (PARTE 2)






Tview entrevista o Pr. Jorge Pinheiro (PARTE 1)




jeudi 16 août 2018

Era uma vez -- jeu 16 août

Era uma vez, antes do espaço, antes do tempo, antes do espaço-tempo, a eternidade que pensou vou construir o ser que vai parecer comigo. E assim, do sem forma e tudo vazio, retirou-se dando lugar e tempo ao que não existia, espaço-tempo, chão daqueles que têm origem e destino. O ser, imagem da eternidade no espaço-tempo, momento do que é sem espaço e sem tempo, recebeu concessão, encargo que fez dele especial : diferente, mas não antagônico, de tudo que foi construído no espaço-tempo. 


O ser, então, sublime, coroou, conquistou responsabilidade e foi desafiado pelo poder de decisão. E a imagem é isso, construção do ser moralmente responsável, que tem harmonia, semelhança com o que é eterno. Presente no aqui e agora viaja para todos os antes e pode construir, se assim lhe prouver, o depois que não existe.

Ser imagem é forma do ser, é partícula “e” que reforça esta ligação entre imagem e semelhança … mas o distanciamento daquilo que é eterno, dessa eternidade sem lugar e tempo, embaça a imagem semelhança. Tal distanciamento, tal separação, no entanto, é transcrição do eterno na existência, e inclui aquilo que é comum aos humanos e à eternidade : a consciência moral, a liberdade de escolha.

É, existe uma relação entre alienação e consciência. Se partirmos dos nossos ancestrais gregos, em especial do velho Aristótelesna sua Poética do trabalho, a hamartia faz parte da existência, daquilo que está no tempo e no espaço. O conceito pode ser traduzido como falha ou erro de uma pessoa … o erro fatal de um herói trágico literário : pecado, erro de julgamento. E com a hamartia a morte se faz presente, definindo uma característica do espaço-tempo: tem princípio, mas tem fim. Hamartia era uma expressão militar dos gregos, que se referia ao ato do arqueiro errar o alvo, quer no treinamento, quer na batalha. Quando utilizamos a expressão hamartia, dizemos que os humanos vivem um estado em que errar o alvo caracteriza a existência. Por isso, traduzimos hamartia como alienação, já que implica em distanciamento do objeto da consciência moral.

Alienação, errar o alvo, enquanto estado da existência, leva à consequências. Uma delas é a consciência da morte. O estado de alienação da existência produz uma consciência matricial, a consciência da morte. Mas é a partir da consciência da morte que temos a consciência daquilo que é eterno, e a consciência da diversidade, já que não somos natureza apenas e temos a consciência de que ações e coisas podem ser boas ou não. Dessa maneira, hamartia implica em consequências: necessidades diante da lei, daquilo que é ou está diante da existência, e possibilidades diante da liberdade, daquilo que não existe, mas pode ser construído.

Assim, errar o alvo, na alienação e no distanciamento estão necessidades e lei, e possibilidades e liberdade, que não se excluem : estão correlacionadas na existência humana, fazem parte do estado da existência.

Mas existir leva a um desafio, o poder da decisão, que implica em construir uma relação especial com o que já existe. E é tal desafio que faz do ser, humano, que tem pessoalidade em relação à natureza e deve construir com ela relações de administração, produção e trabalho. O ser, humano, relaciona-se com a natureza, com o aqui e agora, e através do uso e de suas descobertas em relação a ela, caminha em direção a uma permanente relação com o que não está aqui e agora, com o que se projeta além.

E como conseguimos isso? Através da cultura, enquanto processo social e objetivo de construção humana junto à natureza. E essa necessidade de conhecimento e expansão, pessoal, subjetiva e social, é peculiar a todo homem e mulher livres. Ou seja, a cultura é o jeito de ser humano. 

Quando falamos de ser, humano, falamos de intenção. Mas a intenção não é ação e pensamento solitários. É ação e pensamento coletivos, que se apresentam diante da natureza e do universo como unidade. E assim se constrói a humanidade. 

Tal relação de construção com a natureza pode se espraiar ao longo do universo, do cosmo. Sem dúvida começou na floresta, em cima das árvores, mas deu-se enquanto extensão. E a partir daí o destino humano não se deu enquanto submissão, mas pela integração. Seguindo a herança do que também somos, natureza rebelada, neste caminho da floresta tropical, mesmo sem ter plena consciência do que fazíamos, somos o resultado de um ecossistema integrado. O ser, humano, foi então, jardineiro e predador, e descobriu que tinha a responsabilidade de cuidar com habilidade da floresta, da sua comunidade, de seu mundo.

A aproximação à cultura tem de partir da perspectiva da unidade na diversidade. E o primeiro sentido dessa unidade na diversidade é a contextualização do eterno no humano, que se expressa enquanto presença nas culturas, que constrói peculiaridades da imagem semelhança da eternidade em cada grupo humano.

Imagem e semelhança podem ser traduzidas na relação que mantemos com as criaturas. Imagem e semelhança reinam sobre o universo construído no espaço-tempo. Mas aqui há um detalhe sutil : o usufruto da natureza não é direito de domínio próprio, reinamos enquanto imagem e semelhança. Não somos proprietários, nem temos autonomia irrestrita sobre a natureza, o universo e o cosmo. Aqui há um elemento importante para pensar esta questão : a solidariedade. Uma vez compreendida a eternidade que se situa aquém e além do espaço-tempo, mas também no espaço-tempo, é no despertar da consciência de justiça, paz e alegria, que devemos nos envolver em causas pró emancipação do ser, tornando-nos parceiros dos que lutam para mitigar a angústia do ser, o sofrimento humano. 

Natureza, universo, cosmo é o mundo do ser. Há a total desmitização da natureza. Tudo que está no aqui e agora, no espaço-tempo, não é eterno. Todo o universo pode tornar-se o ambiente do ser, seu espaço e seu tempo, que ele pode adaptar às suas necessidades e administrar. E tal postura nos leva às responsabilidades diante dos ecossistemas. Posicionar-se pela opção a favor dos ecossistemas, presentes ou distantes, no sentido de mitigar o sofrimento imposto à natureza, é seguir o modelo da floresta tropical.

Mas imagem e semelhança traduzem abertura à transcendência. Aqui estão dados os elementos que nos permitem entender porque faz parte da humanidade o abrir-se à transcendência e viver com ela. Há um deslumbramento permanente diante do absoluto e do mistério. Estamos diante de um ser que pode pensar o que não está aqui e agora, e que pode refletir sobre o que vai além da realidade factual. E é por poder pensar tais realidades que não podem ser vistas, que o ser humano pode pensar a eternidade e relacionar-se com o transcendente. Assim, imagem e semelhança transfere ao humano a capacidade de superar a hamartia.

Esse humano não é uma pessoa em particular, mas humanidade e a expansão através do universo e do cosmo não está dada a uma pessoa, mas a comunidade dos humanos. Assim, ninguém pode ser excluído da autoridade que nasce do arbítrio livre.

O universo, o cosmo, sem dúvida pode ser administrado através da convivência de seres que se complementam. e se amam. Ou seja, esse ser plural só poderia exercer o domínio através da comunidade, completando-se enquanto ser, como humano.

A alienação, sem dúvida, quebra a possibilidade da humanidade ser imagem e semelhança eficaz. O errar o alvo é um estado da existência e o mal se faz presente como opção ao ato livre. Assim, o humano lançou-se ao domínio de seus iguais, incl
usive através do derramamento de sangue; suprimiu o equilíbrio e a mútua solidariedade, humildade e amor, entre macho e fêmea; mitificou a ciência e a técnica; e lançou-se à destruição da própria natureza.

Ainda assim, há na existência uma imagem e semelhança invisível, mas presente. E essa imagem semelhança pode, a nível escatológico, construir aquilo que à natureza apenas é impossível. Na imagem semelhança repousa a possibilidade e o poder da eternidade, que pode construir a novidade do eterno agora, ao conquistar corações e mentes na terra azul. 

Jorge Pinheiro
Montpellier, jeu. 16 août 2018




















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