Jorge Pinheiro
A dimensão social como foi entendida pelo Programa da
Revolução Democrática deveria partir de mudanças na economia que enfrentassem o
capital financeiro nacional e internacional, assim como as pressões
internacionais e os mecanismos de intervenção externa na economia. Temia a
possibilidade de confronto, mas garantia que tal opção política não levaria ao
populismo.
Acontece que
antes, ao fazer a crítica da economia capitalista, a utopia socialista
ressaltava o potencial transformador das culturas e a importância da criação de
espaços plurais de formas de propriedade social. Por isso, criticava as
sociedades fundadas no socialismo real por não terem se comprometido com a
liberdade, nem se preocupado em estabelecer pontes com o ser humano enquanto
pessoa, por terem desvinculado participação política e regulação da vida
econômica. Eram tempos em que a utopia socialista no PT aproximava-se do
cristianismo social. Até aquele momento, podemos dizer que a utopia socialista
tinha uma compreensão cristã da vida e norteara politicamente o PT, mas agora,
no final dos anos 1990, a nova agenda democrática estava sendo convertida em
liberalismo radical.
É importante dizer, que muitas das bandeiras
levantadas pelo Programa da Revolução Democrática sempre fizeram parte do
ideário petista e que eram entendidas por suas bases como necessárias. Dessa
maneira, o programa afirmava a necessidade de um modelo econômico estruturado
em torno da construção de um mercado interno de bens de consumo de massa, capaz
de “alimentar, vestir, dar moradia e transporte, aos milhões de brasileiros
marginalizados ou empobrecidos”.[2] O
que exigiria uma reforma agrária, que garantisse terra, emprego e financiamento
para os trabalhadores rurais, cobrando assim significado social e político e
importância econômica, já que a agricultura familiar era entendida como
componente de um projeto de desenvolvimento sustentado. A bandeira da reforma
agrária é cara à esquerda brasileira. Mobilizou a intelectualidade progressista
no fim do Império, camponeses no início da década de 1960 e nos anos 1980 levou
à criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Donde a
questão não é deixar de levantar a necessidade da reforma agrária, mas o fato
de que, com o passar dos anos, o PT foi afunilando sua política partidária no
caminho da democracia representativa.
Assim, a utopia tornou-se “informulada”.[3] E,
porque os desafios da prática distanciaram-se da espera/esperança do
socialismo, o PT não conseguiu formular como sua utopia deveria transformar o
Brasil. E ao fixar os olhos na questão nacional, viu um gigante difícil de ser
vencido: um Estado vergado sob uma crescente dívida financeira, um Congresso de
tradição coronelista e reacionária, os meios de comunicação concentrados e
controlados por poucas famílias, os estados nas mãos de partidos mantidos por
acordos com grupos econômicos e financeiros, e a conjuntura internacional sob
domínio do poder militar, apoiado pelos grandes organismos financeiros,
econômicos e culturais. Tal situação congelou a utopia e levou o partido a
defender a necessidade de uma longa transição democrática, porque o discurso
socialista carecia de fundamentos.